Existe uma frase num casaco fabricado em Londres que diz: “Nós temos estado neste serviço por 103 anos. Temos sobrevivido a depressões, guerras, recessões e tempos de prosperidade. Já fomos assaltados, saqueados, quebrado por vandalismo, queimado e muitas vezes nos sentimos frustrados. Já vivemos em tempo de prosperidade e de falta, nós já entramos em concordata, e também tivemos excelentes lucros. Nós permanecemos abertos porque não queremos perder o que vai acontecer aí pela frente”.
Certo homem ao ler esta frase escreveu abaixo dela: “Senhor, surpreenda-me novamente. Não me deixe perder o próximo capítulo”.
Contexto:Este texto relata uma cura de Jesus, feita de forma parcial, incompleta. Diferente de tudo quanto usualmente fazia. Jesus faz uma cura por etapas. No primeiro momento a cura parece não ser efetiva, já que a percepção do cego revela-se profundamente obnubilada e só então, Jesus toca novamente no cego e ele passa a ver claramente.
Hermeneuticamente este texto provoca uma pergunta imediata no leitor: “O que este texto nos quer ensinar?”. Sabemos que parábolas, sinais e milagres, são didáticos; visam não apenas trazer cura e alivio ao que sofre, mas contém ensinamentos que visam ensinar os discípulos sobre a forma como o Mestre agia.
Portanto, este texto sugere como ser o encontro de um homem com Deus. Revela a dura realidade de gente tocada pelas mãos divinas mas que ainda continua com atitudes imperfeitas e visões parciais e obscuras da vida. Este texto nos diz que o encontro parcial com Deus não é suficiente, que é necessário mais; mostra que a cura de nossas angústias pode não ser curada em um contacto único com Deus. É necessário mais.
Agostinho (396-430) se converteu a Cristo numa experiência maravilhosa, mas ainda assim as lutas e tentações continuavam. Por várias vezes sentiu-se muito fragilizado e atraído pelas coisas que praticara na sua vida pregressa. No livro de confissões declara o seguinte: “Oh amor que arde em chamas, incendeia-me! Tu ordenas a moderação. Concede o que ordenas e ordena o que queres!”. Ele sabia que precisava que Deus continuasse operando em sua vida.
Este texto aponta para gente assim, que apesar de ter sido tocada por Deus, ainda continua caminhando com uma visão obscura e uma percepção limitada do que acontece ao redor. Quando as coisas estão desta forma, o resultado reflete numa ética distorcida, em relação à necessidade de amor às pessoas, de agir nos seus negócios, de cuidar de sua família e de tratar sua sexualidade.
O texto diz que aquele homem recobrou sua visão, pois é esta a declaração do texto: “Este, recobrando a vista…” (Mc 8.24). Não se pode dizer que ele é ainda um cego. No entanto, quando fala do que vê, percebemos imediatamente que sua visão é totalmente confusa, já que afirma: “Vejo os homens, como árvores os vejo andando” Não podemos dizer que ele é cego, porque não é, já que possui rasgos da luz e consegue perceber movimentos e interpretar parcialmente as coisas que encontram-se ao redor; não podemos porém, dizer que vê, porque sua visão é completamente fragmentada. Vê com limitações, tem percepções parciais, faz julgamentos errados: “Como árvores os vejo andando”. Esta é uma visão confusa, porque nem árvores andam, nem homens se parecem com árvores.
Certo membro de uma igreja local no Pernambuco procurou o Rev. Walmir Soares, de Recife-PE para conversar. Ele tinha uma ética muito frouxo e era muito relaxado com sua fé, e disse o seguinte ao pastor: “Ore por mim, porque sou um crente muito sem vergonha...” E o Rev. Walmir lhe respondeu: “Não existe crente sem vergonha, mas sim alguns sem vergonhas que se dizem crentes”.
Jesus vai nos ensinar neste texto, como muitos podem ter sinais de luz, frestas de visão, e ainda assim, viverem de forma incompleta, imperfeita, enxergando e julgando tudo que acontece de forma equivocada e confusa. Enxergam a luz, mas tal luz ainda não é suficiente para trazer clareza às suas mentes, ainda o fazem de forma limitada e confusa.
Este texto nos revela como Jesus vai lidar com pessoas que ainda vêem pela metade.
1. Jesus faz uma pergunta: Esta pergunta deve ser respondida sinceramente. Este homem podia dizer: “Tá tudo ok, obrigado Senhor!” E voltar para casa com uma percepção nublada. Imagine como seria confusa sua vida daí para a frente. As pessoas perceberiam que ele não estava enxergando bem, ele ficaria também confuso com as coisas que via. Mas a cura continua neste homem quando sem nenhuma crise diz: “Estou vendo de forma confusa”.
Uma outra tradução traduz da seguinte forma: “começando a ver ou levantando os olhos”(BJ). O que cura este homem é a confissão, a percepção crítica de que sua visão estava ruim. A cura se inicia aí neste ponto: “Eu te vejo oh Pai, mas percebo as coisas ainda de forma confusa”. Jesus pergunta: “vês alguma coisa?” e o homem expõe toda sua deficiência.
Precisamos estar atentos quando isto acontece conosco. Ao ser confrontado por Jesus responda honestamente: “Estou vendo Senhor, já vejo luz, já vejo sol, já vejo árvores, mas sei que algo ainda está confuso em minha alma, não estou vendo claramente. Eu não sei Senhor, mas estou desejando algo novo na minha vida, eu preciso disto”. Quando agimos assim, estamos nos abrindo para que o processo da restauração continue em nossas vidas. Muitas pessoas se contentam com uma visão parcial. Não é sem razão que existem tantas pessoas envolvidas em comunidades cristãs enfrentando dilemas éticos profundos.
2. Deus precisa tocar novamente em você - Muitos param no primeiro toque, se contentam em viver de forma limitada a vida que Deus tem prometido. Deus promete abundância mas as pessoas se contentam em viver com limites que não fazem parte do projeto de Deus para nossas vidas.
Há muita coisa equivocada na teologia pentecostal , mas há algo que gosto de pensar: Eles estão sempre aguardando uma segunda benção que chamam de “Batismo do Espírito Santo”. Quando você vive na expectativa de que Deus ainda tem algo novo para ministrar ao seu coração, a tendência natural é buscar mais de Deus, em não se conformar com seu status atual. Por esta razão, A. W. Tozer afirmou: “Estou perfeitamente consciente de que necessito de mais graça. Envergonho-me de não possuir uma fome maior... tendo sedo de tornar-me mais sedento ainda”. Toda atitude de adoração deve estar sempre voltado para a possibilidade de que Deus nos surpreenda mais uma vez, com o seu toque ou com sua operação em nossas vidas. Nossos cultos dominicais deveriam também gerar este sentimento de expectativa em nós. “O culto começa com santa expectativa e termina com santa obediência” (Karl Barth).
Embora devamos crer que alguém nascido de novo terá novas e subseqüentes experiências no Espírito, devemos entender que “encher-se do Espírito” deve ser a contínua busca da alma, não devemos parar a busca e consagração quando tivermos a primeira ou alguma profunda experiência. Devemos ter mais expectativa: buscar mais e aguardar mais do Senhor!
Acho que esta expectativa pentecostal, leva a uma busca mais profunda de Deus. Quando não aguardamos nada do Senhor, temos a tendência de cair numa atitude de rotina da fé cristã. Uma das atitudes da Igreja Primitiva, antes de serem visitadas pelo Espírito Santo em At 2, é que estavam buscando a Deus (At 1.14; 2.1).
Este texto nos aponta para o fato de que devemos buscar mais de Deus, desejando sempre que ele nos surpreenda novamente, como o óleo santo de sua graça e unção. Pessoas que discernem a confusão de sua visão e percebem o quanto ela ainda é parcial procuram o Senhor, desejando que ele as toque novamente!
Precisamos ver claramente. Precisamos distinguir de forma perfeita: Ter juízo de valores, julgamento e ética que reflitam a visão do Reino de Deus. “Se a luz que há em ti são trevas, quano grandes trevas serão”.
Nossas conversões são parciais e precisam aprofundar:
A. Devemos nos converter ao Deus vivo e verdadeiro – Isto se dá quando abandonamos os deuses falsos, paramos de orar para objetos, imagens e coisas, deixamos de invocar espírito de mortos e passamos a invocar o Espírito Santo, quando não mais oramos para outros intercessores além de Jesus Cristo, o único mediador, O Filho do Deus vivo, quando rejeitamos instruções demoníacas que recebemos de heranças paternas e maternas e buscamos o Deus verdadeiro. Esta etapa é fundamental…
B. Devemos também nos converter do nosso EGO para DEUS. Tiramos nosso ego do centro e colocarmos Deus. Isto implica na conversão de minhas vontades à vontade de Deus, quando Jesus passa a ser Senhor de minhas vontades, sonhos e desejos. (Jesus é o Senhor, eu sou o servo). Devemos converter nossos planos a Deus. Nossos sonhos devem estar submetidos aos sonhos de Deus para a minha vida.
C. Devemos converter nosso bolso – O Bispo Paulo Ayres de Recife afirma que “o bolso é o último a se converter e primeiro a esfriar”. Quando o povo de Deus estava saindo do Egito, Faraó fez a seguinte proposta ao povo de Deus: “adorem, mas não levem seus bens”. É assim que muitas pessoas ainda querem adorar a Deus. Sem trazer seus bens e seus tesouros. É bom lembrar que “fé que não custa nada não vale nada. Quando Davi queria construir uma altar para o Senhor, um homem que gostava dele ofereceu doar as coisas para que Davi fizesse a oferenda, mas ele respondeu: “Não vou me ofertar para Deus aquilo que não me custa nada”.
3. Volte para casa, distinguindo as coisas de forma perfeita – Esta é a terceira lição que este texto nos apresenta. É uma tragédia voltar para casa sem que a visão esteja correta. Jesus só ordenou que este homem retornasse à sua família, depois que ele passou a distinguir as coisas de forma clara (vs. 25). Pessoas que só tiveram uma experiência inicial, ao retornarem para suas casas, causam muita discussão na vida domestica. Volta enxergando sem clareza, já que não é mais cego, percebe-se que alguma coisa mudou; mas as coisas ainda estão sendo vistas de forma confusa, embaçada.
É o que acontece com maridos que voltam para casa, depois de um encontro com Jesus, vendo as coisas de forma parcial, quando chegam nas suas casas batem tropeçam na escada, pisam em cima de objetos pelo caminho, batem no portal e então sua esposa e filhos olham e perguntam: “O Senhor está vendo mesmo?”, e ele responde. Claro! E logo em seguida tropeça na mesa. Então os membros da família perguntam: Afinal, você está vendo ou não?
Experiências assim são parecidas com a do meu cunhado, quando ainda pequeno nas praias de Itanhaém-SP, que foi salvo de um afogamento. Quando as pessoas o trouxeram para fora, tão logo ele recuperou do acidente, sem perder a pose afirmou: “Estou afogando, mas tô nadando…”. Na verdade, sem o socorro ele estaria morto, mas não podia perder o controle da situação e dizer que estava tudo bem.
As pessoas trouxeram este cego a Jesus por que ele não conseguia ver. Agora, tocado por Jesus, precisa recuperar totalmente sua visão.
Conclusão: Este texto nos fala das etapas necessárias nesta obra que deus precisa realizar em nós:
a. Recobrando a visão – O termo usado no grego é “anablepein” que nos ensina que este homem talvez tivesse apenas restaurado a função dos olhos, sem que a ação tivesse atingido seu cérebro.
b. Uma etapa posterior deveria agir no sistema Nervoso Central, dando capacidade ao cérebro para que tivesse uma percepção mental daquilo que os olhos captavam. Não apenas ver, mas decodificar. Isto aponta para o fato de que a possibilidade de enxergar as coisas de forma clara, só vem de Deus . Ele precisa operar em nossa mente, fazendo uma mudança interior profunda, que a Bíblia chama de novo nascimento. Uma operação do Espírito Santo em nossos corações.
Não pense que porque teve um toque não é necessário que Deus novamente intervenha. Pelo contrario, Deus precisa constantemente fazer novas mudanças, capacitando nossa visão. “Aquele que começou boa obra em vós, há de completá-la até o dia de nosso Senhor Jesus” (Fp 1.6). Deus já colocou suas mãos nos olhos (Mc 8.25), mas precisa agir novamente para que sua visão não seja parcial.
“Senhor, surpreenda-me novamente”.
Samuel Vieira
Boston- 1998/Jan.
Refeito e pregado em Anapolis- Nov 2011
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