Introdução:
Muitas pessoas se
assustam quando pensam em estudar o livro de Apocalipse. Eu também fiquei assim
por muitos anos da minha vida. Talvez as reminiscências adolescentes que faziam
minha mente associar o texto a coisas assustadoras, como dragões, antigas
serpentes, 1/3 das estrelas caindo. O fato é que sempre evitei me aproximar do
texto.
Creio que muitos ainda
vêem o livro de Apocalipse como "um livro fechado", impossível de ser
entendido. No entanto, o próprio livro afirma que se trata de uma revelação
(1.1) Revelar é trazer à luz o que está escondido, não ocultar o enigma.
Obviamente estamos lidando com um livro simbólico, com uma linguagem peculiar
ao seu estilo literário, o que dificulta a compreensão de seu conteúdo, mas
isto não deveria nos impedir de estudarmos o livro.
O próprio título do
livro nos revela seu conteúdo. O termo apocalipse vem do grego apukalupsis que deve ser traduzido como
“revelação”, “tirar o véu”. Os
tradutores da Bíblia em Inglês, já preferiram traduzir este termo de uma forma
mais direta, Revelation, e não
Apocalipse, como aparece em português. Obviamente trata-se de um livro
simbólico e deve ser lido com tal pressuposto na mente. A sua forma literária
determina a base de sua interpretação. Ninguém lê um romance como lê um livro
de história, ninguém lê uma narrativa como poesia, nem uma parábola como um
texto profético. O literalismo apocalíptico não somente é perigoso, mas
impossível.
O livro está inserido
dentro de um contexto histórico, e como tal deve ser interpretado. Foi escrito
às sete igrejas da Ásia para que elas pudessem ser orientadas teologicamente,
consoladas e encorajadas diante da perseguição que assolava a igreja naqueles
dias. Trata-se de uma "Revelação de
Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as cousas que
em breve devem acontecer” (Ap 1.1)
Apesar de ter sido
escrito numa linguagem enigmática e simbólica, o livro revela um código
inerente à mensagem, que torna o texto compreensível. Tais símbolos eram
lógicos e coerentes para aqueles irmãos que recebiam tais mensagens. Ao invés
de fazermos uma leitura apenas numa perspectiva preterista, porém, deveríamos
incluir uma perspectiva futurista, integrando seu conteúdo. Na verdade, melhor
que lê-lo de uma forma ou outra, deveríamos imaginá-lo como uma fita, ou uma
“arquitetura em movimento”, como prefere Jacques Ellul. Isto é, em qualquer
tempo que lermos Apocalipse ele será atual, porque mais do que se referir a
eventos isolados, ele descreve a dinâmica da história e das forças que
interagem no desenrolar da humanidade.
Hendriksen segue a
mesma abordagem: “O livro de Apocalipse se compõe de uma série de quadros. Os
quadros se movem, estando cheios de ação. Tudo se mantém em constante
atividade. Vemos um quadro, e imediatamente outro, em seguida outro e outro, e
assim, sucessivamente. Se realmente quisermos entender o livro, temos que
imaginar que estamos olhando para uma tela… selos, as trombetas, as taças e
outros quadros semelhantes, não se referem a fatos específicos ou a detalhes da
história, antes, a princípios que estão operando durante toda a história
mundial, especialmente durante a nova dispensação... Os símbolos descrevem
princípios de conduta e do governo moral divino e que são percebidos hoje,
assim como foram vistos no primeiro século”. Por esta causa, este livro é
sempre atualizado e contemporâneo.
O primeiro capítulo
nos fala dos bastidores: Quem está por trás deste livro? A primeira coisa que
vemos é a identidade do Pai e do Filho. Apocalipse não traz apenas revelações
sobre as forças da história, e os movimentos que sustentam a dinâmica humana,
mas nos dá uma compreensão sobre o Deus das Escrituras. Nos bastidores
encontramos a Identidade do Pai, sua majestade e poder, e a Identidade
do Filho, seu caráter glorioso.
A
MAJESTADE DO PAI
Quatro características se tornam marcantes sobre a
identidade de Deus, nos primeiros versículos de Apocalipse:
1.
Sua
Eternidade –
O
Pai é descrito como aquele que transcende os limites de nossa temporalidade.
Como aquele que é desde o princípio e que continua sendo até o fim. Ele é
aquele “que é, que era, e que há de vir”.
A eternidade de Deus é uma doutrina que tem profundas implicações práticas
para o nosso coração humano, de gente transitória e temporal. Sua eternidade
nos revela que Deus não é pego de surpresa, que ele vê o futuro e o passado ao
mesmo tempo, que ele não está circunscrito às categorias aristotélicas. Deus
esteve no passado e já está no futuro. Nenhum movimento histórico, nenhum
acontecimento surpreende a Deus. Diante dele estão presentes todas as coisas e
nada foge ao seu controle. A grande lição desta belíssima doutrina é que o
futuro não pode ser um fator de ansiedade para nossa existência, para a vida
daqueles que amam ao Deus Eterno, porque, conquanto não tenhamos idéia do que
nos aguarda no futuro, sabemos que Deus já está no futuro de nossa existência,
e ele é amoroso, ele é Pai, ele provê todas as coisas para nossa vida.“Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso
respeito, diz o Senhor, pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que
desejais” (Jer.29:11). Vivemos angustiados porque
desconfiamos do caráter santo de Deus e de suas motivações a nosso respeito.
2.
Seu
aspecto trinitário –
O
texto nos revela que assim como era desde o princípio, as decisões do Deus da
Bíblia são tomadas num conselho trinitário. “Façamos
o homem à nossa imagem semelhança” ( Gn 1.26). O homem foi feito por um
Deus relacional, que se revela comunitariamente, e não um Deus solitário,. Em Apocalipse, vemos
também a Trindade presente.
O Pai
é revelado como o Alfa e o Ômega, aquele que é Eterno, “o que era, que é, e que
há de ser”, e o Todo-poderoso (1.6)
O Espírito
é descrito como aquele que se acha diante do Trono e é descrito como “os sete espíritos” (1.4) que se
apresentam diante do Pai, significando que o Espírito Santo em sua plenitude
apresenta-se septiforme (3.1; 4.5; 5.6).
O Filho: Jesus
Cristo, a testemunha fiel, o primogenito entre os mortos e o soberano dos reis
da terra (1.5)
A
mensagem de Apocalipse é dada pela Trindade.
De Gênesis a
Apocalipse, vemos a Trindade se manifestando. Em Gn. 1:26 Deus diz: “façamos”.
O nosso Deus não é uma divindade isolada, mas um Deus que vive em comunidade, como
afirma Ricardo Barbosa de Souza: “Não há entre as pessoas da Trindade nenhum
sinal de disputa por poder, ou supremacia de um sobre os outros, não há
negação, individualismo nem o coletivismo (negação do indivíduo). Pelo
contrário, há a afirmação de todos e o amor entre todos, de sorte que não são
três, mas um”.
Boff sugere que seja
necessário “cristianizar nossa compreensão de Deus”. Afirma ele: “Deus é sempre
a comunhão das três divinas pessoas. Deus-Pai nunca está sem o Deus-Filho e o
Deus-Espírito Santo. Não é suficiente confessar que Jesus é Deus. Importa dizer
que Ele é o Deus-Filho do Pai junto com o Espírito Santo. Não podemos falar de
uma pessoa sem falar também das outras duas”.
A Trindade inspira o
modelo comunitário de nossa existência. Nem Deus, que é auto-suficiente, opta
por viver de forma autônoma. Pessoas, mesmo divinas, possuem relações de
afetos. A Trindade busca conselho entre si. O Deus trinitário é um Deus que
comunga. A Trindade é a melhor comunidade.
3.
Sua soberania –
O Pai é Todo-Poderoso.
Esta descrição do Pai revela sua absoluta Soberania em todas as coisas. Seu
poder não é determinado por nenhuma força externa, e não está restrito a
nenhuma estrutura humana ou espiritual. Ele é Todo-poderoso.
Das das 12 vezes que
esta expressão aparece no NT, 9 estão em Apocalipse(4.8,11,17; 15.3; 16.7,14;
19.6,15; 21.22). O Livro de Apocalipse aponta para grandes lutas cósmicas, onde
as forças espirituais do grande dragão lutam para manter sua autonomia e
dominação. A descrição de Deus como Todo Poderoso nos vem lembrar que por
maiores que sejam as batalhas que virão Deus é o Senhor delas. Ele é El-Shaddai, o Deus de Poder.
A Confissão de Fé de
Westminster afirma: “Deus tem, em si
mesmo, toda a vida, glória, bondade e bem aventurança. Ele é Todo-suficiente em
si e para si, pois não precisa das criaturas que trouxe à existência; não
deriva delas glória alguma, mas somente manifesta a sua glória nelas, por elas,
para elas e sobre elas. Ele é a única origem de todo ser; dele, por ele e para
ele são todas as coisas e sobre elas tem ele soberano domínio para fazer com
elas, para elas e sobre elas, tudo quanto quiser”.
4.
Deus
é o princípio/Meio/Fim da história –
Ele
é o “Alfa e o Ômega” (1.8) A primeira e a última letra do alfabeto grego.
Isto mostra que Deus é aquele que dá o pontapé inicial na história e a conclui
dentro de seus planos. Ele é o princípio e o fim (21.6). Na verdade, toda
história é, em última instância, a história de Deus. As coisas não se dão no
vácuo, os fatos não são circunstanciais e acidentais. Deus não é pego de
surpresa, e nunca é surpreendido por qualquer evento humano. A história está
sob controle divino e segue um cronograma divino. Tudo está nas mãos dele, para
Deus não há acaso, mas sábia providência e direção. Esta verdade tem profunda
relevância para nossas almas, senão vejamos:
A história tem
propósito. Nossa história pessoal também tem propósito. Deus não joga dados.
Não estamos entregues à mão de um destino cego e impiedoso, mas nas mãos de um
Deus sábio e gracioso. Aleluia!
Conclusão:
As sete igrejas da Ásia
Menor, que estavam na Turquia, viviam debaixo de perseguição, morte, sendo ameaçadas
e fustigadas. O próprio João, estava exilado, em condições sub-humanas, e provavelmente
deve ter morrido naquela horrível ilha, mas saber que Deus estava por detrás da
história, nos bastidores de todo movimento aparente secular, lhes dava conforto,
consolo e esperança.
Esta também é nossa condição.
Muitas vezes sob ameaça, ansiosos, amedrontados, inseguros. Mas precisamos sempre
lembrar que Deus nunca é pego de surpresa. Deus não apenas participa da história,
mas Ele é Senhor da história. E no pontapé inicial do que podemos convencionar história,
no inicio de tudo, Deus estava lá. “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gn
1.1); mas ele não apenas é o Alfa, ele também é Ômega. Quando chegarmos onde temos
que chegar, também encontraremos aquele que era, que é, e que há de ser.
Ao entendermos isto, somos
profundamente consolados, afinal, “Não sabemos o que nos espera no futuro, mas sabemos
quem nos espera no futuro”. Nos bastidores da história, temos o Senhor da história.
Nenhum comentário:
Postar um comentário