sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Ap 1. 1-8 Nos bastidores da história




Introdução:

Muitas pessoas se assustam quando pensam em estudar o livro de Apocalipse. Eu também fiquei assim por muitos anos da minha vida. Talvez as reminiscências adolescentes que faziam minha mente associar o texto a coisas assustadoras, como dragões, antigas serpentes, 1/3 das estrelas caindo. O fato é que sempre evitei me aproximar do texto.
Creio que muitos ainda vêem o livro de Apocalipse como "um livro fechado", impossível de ser entendido. No entanto, o próprio livro afirma que se trata de uma revelação (1.1) Revelar é trazer à luz o que está escondido, não ocultar o enigma. Obviamente estamos lidando com um livro simbólico, com uma linguagem peculiar ao seu estilo literário, o que dificulta a compreensão de seu conteúdo, mas isto não deveria nos impedir de estudarmos o livro.
O próprio título do livro nos revela seu conteúdo. O termo apocalipse vem do grego apukalupsis que deve ser traduzido como “revelação”, “tirar o véu”. Os tradutores da Bíblia em Inglês, já preferiram traduzir este termo de uma forma mais direta, Revelation, e não Apocalipse, como aparece em português. Obviamente trata-se de um livro simbólico e deve ser lido com tal pressuposto na mente. A sua forma literária determina a base de sua interpretação. Ninguém lê um romance como lê um livro de história, ninguém lê uma narrativa como poesia, nem uma parábola como um texto profético. O literalismo apocalíptico não somente é perigoso, mas impossível.
O livro está inserido dentro de um contexto histórico, e como tal deve ser interpretado. Foi escrito às sete igrejas da Ásia para que elas pudessem ser orientadas teologicamente, consoladas e encorajadas diante da perseguição que assolava a igreja naqueles dias. Trata-se de uma "Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as cousas que em breve devem acontecer” (Ap 1.1)
Apesar de ter sido escrito numa linguagem enigmática e simbólica, o livro revela um código inerente à mensagem, que torna o texto compreensível. Tais símbolos eram lógicos e coerentes para aqueles irmãos que recebiam tais mensagens. Ao invés de fazermos uma leitura apenas numa perspectiva preterista, porém, deveríamos incluir uma perspectiva futurista, integrando seu conteúdo. Na verdade, melhor que lê-lo de uma forma ou outra, deveríamos imaginá-lo como uma fita, ou uma “arquitetura em movimento”, como prefere Jacques Ellul. Isto é, em qualquer tempo que lermos Apocalipse ele será atual, porque mais do que se referir a eventos isolados, ele descreve a dinâmica da história e das forças que interagem no desenrolar da humanidade.
Hendriksen segue a mesma abordagem: “O livro de Apocalipse se compõe de uma série de quadros. Os quadros se movem, estando cheios de ação. Tudo se mantém em constante atividade. Vemos um quadro, e imediatamente outro, em seguida outro e outro, e assim, sucessivamente. Se realmente quisermos entender o livro, temos que imaginar que estamos olhando para uma tela… selos, as trombetas, as taças e outros quadros semelhantes, não se referem a fatos específicos ou a detalhes da história, antes, a princípios que estão operando durante toda a história mundial, especialmente durante a nova dispensação... Os símbolos descrevem princípios de conduta e do governo moral divino e que são percebidos hoje, assim como foram vistos no primeiro século”. Por esta causa, este livro é sempre atualizado e contemporâneo.
O primeiro capítulo nos fala dos bastidores: Quem está por trás deste livro? A primeira coisa que vemos é a identidade do Pai e do Filho. Apocalipse não traz apenas revelações sobre as forças da história, e os movimentos que sustentam a dinâmica humana, mas nos dá uma compreensão sobre o Deus das Escrituras. Nos bastidores encontramos a Identidade do Pai, sua majestade e poder, e a Identidade do Filho, seu caráter glorioso.


 A MAJESTADE DO PAI

Quatro características se tornam marcantes sobre a identidade de Deus, nos primeiros versículos de Apocalipse:

1.         Sua Eternidade

O Pai é descrito como aquele que transcende os limites de nossa temporalidade. Como aquele que é desde o princípio e que continua sendo até o fim. Ele é aquele “que é, que era, e que há de vir”. A eternidade de Deus é uma doutrina que tem profundas implicações práticas para o nosso coração humano, de gente transitória e temporal. Sua eternidade nos revela que Deus não é pego de surpresa, que ele vê o futuro e o passado ao mesmo tempo, que ele não está circunscrito às categorias aristotélicas. Deus esteve no passado e já está no futuro. Nenhum movimento histórico, nenhum acontecimento surpreende a Deus. Diante dele estão presentes todas as coisas e nada foge ao seu controle. A grande lição desta belíssima doutrina é que o futuro não pode ser um fator de ansiedade para nossa existência, para a vida daqueles que amam ao Deus Eterno, porque, conquanto não tenhamos idéia do que nos aguarda no futuro, sabemos que Deus já está no futuro de nossa existência, e ele é amoroso, ele é Pai, ele provê todas as coisas para nossa vida.“Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor, pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais” (Jer.29:11). Vivemos angustiados porque desconfiamos do caráter santo de Deus e de suas motivações a nosso respeito.

2.         Seu aspecto trinitário –

O texto nos revela que assim como era desde o princípio, as decisões do Deus da Bíblia são tomadas num conselho trinitário. “Façamos o homem à nossa imagem semelhança” ( Gn 1.26). O homem foi feito por um Deus relacional, que se revela comunitariamente,  e não um Deus solitário,. Em Apocalipse, vemos também a Trindade presente.

O Pai é revelado como o Alfa e o Ômega, aquele que é Eterno, “o que era, que é, e que há de ser”, e o Todo-poderoso (1.6)
O Espírito é descrito como aquele que se acha diante do Trono e é descrito como “os sete espíritos” (1.4) que se apresentam diante do Pai, significando que o Espírito Santo em sua plenitude apresenta-se septiforme (3.1; 4.5; 5.6).
O Filho: Jesus Cristo, a testemunha fiel, o primogenito entre os mortos e o soberano dos reis da terra (1.5)
A mensagem de Apocalipse é dada pela Trindade.
De Gênesis a Apocalipse, vemos a Trindade se manifestando. Em Gn. 1:26 Deus diz: “façamos”. O nosso Deus não é uma divindade isolada, mas um Deus que vive em comunidade, como afirma Ricardo Barbosa de Souza: “Não há entre as pessoas da Trindade nenhum sinal de disputa por poder, ou supremacia de um sobre os outros, não há negação, individualismo nem o coletivismo (negação do indivíduo). Pelo contrário, há a afirmação de todos e o amor entre todos, de sorte que não são três, mas um”.

Boff sugere que seja necessário “cristianizar nossa compreensão de Deus”. Afirma ele: “Deus é sempre a comunhão das três divinas pessoas. Deus-Pai nunca está sem o Deus-Filho e o Deus-Espírito Santo. Não é suficiente confessar que Jesus é Deus. Importa dizer que Ele é o Deus-Filho do Pai junto com o Espírito Santo. Não podemos falar de uma pessoa sem falar também das outras duas”.
A Trindade inspira o modelo comunitário de nossa existência. Nem Deus, que é auto-suficiente, opta por viver de forma autônoma. Pessoas, mesmo divinas, possuem relações de afetos. A Trindade busca conselho entre si. O Deus trinitário é um Deus que comunga. A Trindade é a melhor comunidade.

3.        Sua soberania –

O Pai é Todo-Poderoso. Esta descrição do Pai revela sua absoluta Soberania em todas as coisas. Seu poder não é determinado por nenhuma força externa, e não está restrito a nenhuma estrutura humana ou espiritual. Ele é Todo-poderoso.
Das das 12 vezes que esta expressão aparece no NT, 9 estão em Apocalipse(4.8,11,17; 15.3; 16.7,14; 19.6,15; 21.22). O Livro de Apocalipse aponta para grandes lutas cósmicas, onde as forças espirituais do grande dragão lutam para manter sua autonomia e dominação. A descrição de Deus como Todo Poderoso nos vem lembrar que por maiores que sejam as batalhas que virão Deus é o Senhor delas. Ele é El-Shaddai, o Deus de Poder.
A Confissão de Fé de Westminster afirma: “Deus tem, em si mesmo, toda a vida, glória, bondade e bem aventurança. Ele é Todo-suficiente em si e para si, pois não precisa das criaturas que trouxe à existência; não deriva delas glória alguma, mas somente manifesta a sua glória nelas, por elas, para elas e sobre elas. Ele é a única origem de todo ser; dele, por ele e para ele são todas as coisas e sobre elas tem ele soberano domínio para fazer com elas, para elas e sobre elas, tudo quanto quiser”.

4.         Deus é o princípio/Meio/Fim da história

Ele é o “Alfa e o Ômega” (1.8)  A primeira e a última letra do alfabeto grego. Isto mostra que Deus é aquele que dá o pontapé inicial na história e a conclui dentro de seus planos. Ele é o princípio e o fim (21.6). Na verdade, toda história é, em última instância, a história de Deus. As coisas não se dão no vácuo, os fatos não são circunstanciais e acidentais. Deus não é pego de surpresa, e nunca é surpreendido por qualquer evento humano. A história está sob controle divino e segue um cronograma divino. Tudo está nas mãos dele, para Deus não há acaso, mas sábia providência e direção. Esta verdade tem profunda relevância para nossas almas, senão vejamos:
A história tem propósito. Nossa história pessoal também tem propósito. Deus não joga dados. Não estamos entregues à mão de um destino cego e impiedoso, mas nas mãos de um Deus sábio e gracioso. Aleluia!

Conclusão:

As sete igrejas da Ásia Menor, que estavam na Turquia, viviam debaixo de perseguição, morte, sendo ameaçadas e fustigadas. O próprio João, estava exilado, em condições sub-humanas, e provavelmente deve ter morrido naquela horrível ilha, mas saber que Deus estava por detrás da história, nos bastidores de todo movimento aparente secular, lhes dava conforto, consolo e esperança.
Esta também é nossa condição. Muitas vezes sob ameaça, ansiosos, amedrontados, inseguros. Mas precisamos sempre lembrar que Deus nunca é pego de surpresa. Deus não apenas participa da história, mas Ele é Senhor da história. E no pontapé inicial do que podemos convencionar história, no inicio de tudo, Deus estava lá. “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1); mas ele não apenas é o Alfa, ele também é Ômega. Quando chegarmos onde temos que chegar, também encontraremos aquele que era, que é, e que há de ser.
Ao entendermos isto, somos profundamente consolados, afinal, “Não sabemos o que nos espera no futuro, mas sabemos quem nos espera no futuro”. Nos bastidores da história, temos o Senhor da história. 

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