Introdução:
Um dos livros mais
fortes que li tinha o seguinte título: “Não estou com raiva de Deus", e
foi escrito pelo conhecido pregador David Wilkerson. Ele narra sua experiência
de ir pregar na igreja de um amigo pessoal dele, pastor de uma igreja do
interior, e quando chegou ali, soube que ele havia provocado um acidente que
culminou com a morte de seu filho que estava detrás do carro e ele não o viu
quando deu ré. Depois do dramático evento, ele descreve que aos poucos foi
desenvolvendo uma atitude de desconfiança
no caráter de Deus, que ele só percebeu alguns anos detrás e foi tratado
pelo Espírito de Deus.
Na verdade, a vida
muitas aponta para um relacionamento desconfortável com Deus, a vida com Deus eventualmente
aponta para uma linha de conflitividade e batalha. Nem sempre somos capazes de
perceber a vontade de Deus e temos ainda mais dificuldade em aceitar o seu
plano em nossa vida e então começamos a lutar com Deus. Por isto as
experiências religiosas são tantas vezes dramáticas.
Este texto revela-nos
a ambigüidade de um homem que conhecia profundamente esta tensão: Jacó.
Jacó era um crente
carnal (Dr. Russel Shedd questiona tremendamente esta idéia. Dizendo que não
existe tal coisa como crente carnal),
por esta razão prefiro usar o termo crente
nominal. Rev. Walmir Soares afirmava que “não existem crentes sem vergonha,
mas alguns sem vergonha que se chamam de crentes). Jacó era uma pessoa
religiosa: Fazia culto, levantava altares, trazia os dízimos, tinha noção de maldição
e benção de Deus. Mas tinha problemas sérios:
Um caráter fraco:
Vivia se envolvendo em
tramas mal tratadas: Enrolou seu pai, seu irmão e seu sogro. Por onde passava
se metia em conflitos de relacionamentos, principalmente relacionado a
finanças. Conseguiu a benção de seu pai, fazendo-se passar por seu irmão.
Manipulou seu irmão quando estava morto de fome para que negociar seu direito
de primogenitura, e conseguiu, aproveitando a leviandade de Esaú com as coisas
de Deus.
Por causa de sua
atitude teve que sair fugido de casa, por medo de seu irmão; pela mesma razão,
cultivou uma inimizade de mais de 20 anos com seu único irmão, vivendo
assustado com sua própria sombra, sempre imaginando a possibilidade de um dia
se encontrar com ele; Jacó confessava a fé, cria em Deus, mas vivia de forma
ambígua e contraditória. Não vivia uma prática coerente de vida, embora tivesse
consciência da presença de Deus sobre sua vida e a de seus pais. Deus estava
sempre por perto de sua vida, dando promessas, confirmando a aliança com seus
pais, mas tais promessas pareciam não penetrar no seu íntimo e transformá-lo.
Um
dia, porém, suas possibilidades foram se reduzindo, teve que fazer uma
avaliação de sua vida. Havia queimado pontes por julgar que elas nunca mais
seriam usadas, mas agora se percebe tendo que usá-las novamente. Chega a hora
da verdade, não dá mais para se esconder. Jacó é colocado numa luta com suas
próprias sombras, é hora da verdade, ele não pode mais viver uma vida fingindo
que não vê, não dá mais para se ocultar de Deus, não pode esconder-se de si
mesmo, tem que ser colocado no tribunal. Sua história tem que ser acertada.
Uma vida não examinada
não é uma vida digna de ser vivida, como afirmou Kierkegaard. Ele teve que
olhar para si mesmo e para Deus, e sua experiência é marcada por luta e angústia,
mas é ao mesmo tempo de libertação, de confirmação da promessa de Deus para sua
vida, e de sua preparação para viver de forma livre.
Deus se revela a Jacó
numa experiência de luta
Muitos vivem vida de
fuga. Como náufragos tentando se proteger, agarrados a restos dos porões de
navios. Vivem como errantes, mas chega a hora da verdade, em que não se pode
mais esconder. É hora da luta.
Deus se revela a Jacó
numa experiência de luta. É desta forma também que nos deparamos muitas vezes
com Deus, amedrontados do julgamento que podemos ter, mas ao mesmo tempo
desejosos de sermos transformados pela sua graça. Jacó se vê, de repente, em
meio a um momento decisivo de sua vida, frente a frente com Deus. Deus é um
valente guerreiro com o qual ele tem que lutar e não aceita desculpas
esfarrapadas, arranjos, tentativas de manipulá-lo, ele não entra em discursos
filosóficos, em defesas e mecanismos de projeção e resistência. Deus é Deus, e
somos confrontados com sua presença forte e marcante. Hora da verdade. Hora da
luta.
Este texto nos revela
como esta luta com Deus se dá, nos fala das características desta luta:
Primeiro, A luta geralmente se trava num contexto de
dramáticas experiências – (Gn 33.1-2). Jacó não tinha mais opções,
sua história depunha contra ele. História marcada por enganos, e malandragens. Jacó sempre encontrava uma
forma de dar um jeitinho nas suas trapaças, mas agora sente que tais artifícios
não podiam mais ser usado. O desespero se aproxima e ele sente que é impossível
viver sem este encontro com Deus.
Quais as situações que
ele se recusava tratar?
O ódio do irmão – Seu
primeiro dilema. O ódio do irmão. As portas haviam se fechado em casa, por causa de seu jeito de lidar com a vida. Saíra
fugindo, na calada da noite, sem se despedir das pessoas, deixando amigos,
história de vida, herança. Dai por diante passara por noites de pesadelos,
dormia atormentado pelas lembranças e pelo medo. Agora, estas velhas questões do
coração e do inconsciente vem à tona e precisam ser resolvidas, não podem mais
ser ocultadas. Surge a necessária reconciliação. As portas não podem mais
continuar fechadas, precisam ser novamente abertas.
Desavença com o sogro
– Jacó sente o cerco se fechando. Tentou novamente sair
escondido da casa do sogro, mas é surpreendido. A relação não era muito
positiva, e agora tornam-se claras. O sogro vai atrás e o constrange, o
confronta, o censura (Gn 31.25-27). Jacó perceber que suas atitudes geram
conseqüências e que temos que enfrentá-las, aliás, pela primeira vez ele as
enfrenta de forma muito positiva. Seu caráter de enganador não pode mais
continuar desta forma.
Reencontro com o irmão
– O passo mais complicado tinha relações antigas. Ele
havia trapaceado seu irmão que o ameaçara de matá-lo, e agora, não tendo mais
como se esconder, terá que se reencontrar com o irmão. Ele está visivelmente
apavorado, veja sua reação em Gn 33.1-2. Jacó é confrontado com sua falta de
opção. Assim acontece conosco: Embaralhamos tanto nossas vidas que eventualmente
ficamos sem rumo, falta sentido na existência, vemos nossa história se desmoronando:
Dívidas impagáveis, relacionamentos quebrados, enfermidades, problemas
familiares, contas que precisam ser acertadas e não mais ocultadas.
Esta luta com Deus se
trava em situações ameaçadoras, se possível escaparíamos deste confronto. Jacó
não tem mais opção. Não dá mais para ficar na casa do sogro, não pode se
encontrar com o irmão. Sua situação torna-se desesperadora.
Da mesma forma, a vida
nos leva a ter que deparar com coisas que não queremos ver nem lidar. É a
doença, a ausência de recursos, falta de opções – hora de mudança. É o
casamento desmoronando, o filho enfrentando problemas, o marido deixando a
casa, a mulher deprimida, enfermidades em família. Não pedimos
e não queremos entrar nestas situações calamitosas, mas muitas vezes nos vemos
nelas. Somos desafiados a lutar contra forças e poderes muito maiores que nós. Os
desafios surgem diante de nossos estupefatos olhos.
Segundo, Deus luta com Jacó, num round exaustivo e
demorado –
(Gn 32.24). O texto afirma que a luta se deu "até o nascer do sol". Não é uma luta fugaz e rápida, mas
cansativa e longa. Nesta luta somos confrontados com a auto suficiência,
altivez, onipotência, soberba, autocomiseração e auto-indulgência, máscaras, subterfúgios,
atitudes e hábitos pecaminosos com os quais não queremos lidar. Jacó era malandro
e agora é confrontado pelo próprio Deus. É hora de confissão, de reconhecimento,
de encarar a verdade. A luta é dura, demorada, queremos colocar um ponto final
nela, mas não conseguimos. A luta continua e os desafios continuam diante de
nós.
É uma luta forte, que
não permite disfarces, não aceita cosméticos, recusa máscaras e hipocrisia. A
luta é exaustiva porque Deus é forte.
Terceiro, a luta com Deus é uma experiência na sua
interioridade – O
texto diz que Jacó ficou só. (Gn 32.24). Ninguém podia compartilhar este
momento com ele, não há ninguém para colocar culpa, transferir
responsabilidade, dividir medos e culpas. Jacó está só! Ele passou tudo. Seus
negócios, todos seus bens, sua família, seus amigos, tudo encontra-se adiante
dele. Jacó ficou só. Sua família não estava ali, seus gados, s o seu coração
com Deus. Este é o momento da mais dura realidade humana, quando é necessário dialogar
com as entranhas, não mais com personas,
com aquilo que os outros acreditam que somos, mas com o ser mais íntimo e
contradições mais profundas. Nada de cosméticos e defesas. Sós, desamparados,
vivendo um pouco da experiência de Jesus no Getsêmani, no qual precisa
atravessar sozinho. É o momento da oração, da aflição, da confissão, da
súplica. A sós com Deus e é assim que se dá a luta.
Assim se vê o profeta
Jeremias, tentando desesperadamente se esquivar da vocação que Deus lhe dá para
o oficio de profeta: "Persuadiste-me Senhor, e persuadido fiquei,
mais forte foste tu do que eu, e prevaleceste" (Jr 20,27).
Jacó atravessa uma
noite inteira, só ele e Deus. Noite longa. Não pode chamar ninguém, nem transferir
responsabilidade ou deslocar e projetar sentimentos - é o seu momento com Deus.
O encontro com Deus é sempre luta, confronto. Nunca é romântico. O encontro se
dá na crise, diante de lutas espirituais, sonhos e visões, que falam do nosso
ser mais primal. O texto diz que "alguém lutava com Jacó".
Implicações
desta luta
1. Deus
vence para se deixar vencer. Deus só vence quando o homem prevalece,
e só prevalece quando o homem é vitorioso. “Não
te deixarei enquanto não me abençoares!”. Somos impactados com o texto ao
perceber que Deus se faz impotente diante de Jacó. Deus se vulnerabiliza, se
permite ser agarrado e não ser solto. Deus só prevalece em sua vida quando Jacó
decide não deixá-lo ir sem a benção. O homem só vence quando Deus se deixa
derrotar. Deus quer se deixar dominar para que sejamos dominados. Na cruz foi
exatamente o que vimos, um Jesus clamando: “Deus
meu, Deus meu, por que me desamparastes?”Deus se torna tão fraco que morre,
mas é na experiência do morrer de
Deus, que descobrimos o coração do Evangelho, de um Deus que morre por nós.
2. Na luta com Deus, a forma de caminhar é alterada – Em Gn 32.31
vemos que Deus toca em Jacó, e ele sai mancando pelo resto de sua vida. Esta é
outra implicação deste encontro com Deus. Ele coloca uma marca na forma de Jacó
caminhar. A partir daí Jacó tem o seu sinal, e esta marca ele nunca mais vai
esquecer. Estar manco tem a ver com nossa postura, jeito de andar, caminhar,
reagir. Isto aponta para ética, moral e comportamento. Deus age sensivelmente na
forma de Jacó caminhar. Todo homem que se encontrar com Deus nunca mais caminha
da mesma forma.
Vivemos dias em que as
pessoas se impressionam demais com gestos e atitudes religiosas. Algumas
pessoas se reúnem para cair no espírito. Tenho perguntado se estas quedas
trazem efeito no caráter, na atitude no lar, na família, no trabalho, na
administração do dinheiro, no jeito da pessoa caminhar. Se a experiência com
Deus não nos transformar, não mudar a maneira de andar, não transforma a ética,
não nos deixar manco, ainda não experimentamos a marca de Deus. A grande questão
da vida cristã é este sinal distintivo. O que importa não é a emoção sentida,
mas se este encontrou me fez abandonar comportamentos pecaminosos por causa do
toque amoroso e firme de Deus na vida.
Certa pessoa me disse
"Eu mentia tanto que já não sabia o que era mentira e o que era verdade em
minha vida". Mas quando me encontrei com Jesus, ele começou a transformar
isto em minha vida. Esta é a verdadeira implicação do encontro com Deus: Vidas
transformadas, mente transformada, ética transformada, famílias transformadas,
lábios transformados.
2. Na luta com Deus, o caráter se transforma
– É muito interessante o que acontece neste diálogo: Deus pergunta o nome de
Jacó. Nome aponta para o ser, para o caráter que revela a verdadeira natureza
(Gn 32.27,28). Deus lhe faz a pergunta essencial: “Qual é o seu nome?” A resposta de Jacó é autêntica, mas o denuncia.
Seu nome está relacionado à identidade e jeito de ser. O nome de Jacó,
literalmente significa enganador e trapaceiro. Jacó não se recusa a dizer quem
ele era, afinal, Deus o conhece.
Se Deus nos
perguntasse o que responderíamos: Um embuste, mentiroso, cínico, crítico,
hipócrita, egoísta, insubmisso, covarde, preguiçoso? Deus pergunta o nome. Para
sermos o que Deus deseja de nós, precisamos dizer aquilo que nos caracteriza. Falar
a verdade para Deus é uma forma de confissão e cura. Da resposta que damos começa
nossa restauração. Quando Jacó não se recusa a revelar sua natureza, Deus o
surpreende dando-lhe outro nome: "Já não te chamarás Jacó, mas sim Israel ,
porque como príncipe lutaste contra Deus".
A grande luta que se impõe
está na verdade e no enfrentamento. Quando isto acontece, o nome pode ser
trocado; o impuro, purificado; o insensível, sensibilizado; o mentiroso
transformado, o enganador mudado. Deus muda o caráter, não quando ocultamos
dele aquilo que somos, mas quando, com temor, confessamos aquilo que realmente
somos e admitimos nosso fracasso. No Evangelho, fraqueza é força; rendição é superação.
Curiosamente Jacó
deseja saber o nome de Deus, e Ele não responde. Tentar fazer divagações
teológicas é uma das alternativas que mais encontramos quando estamos confrontados
com Deus. Ele, porém, obriga Jacó a refletir sobre o seu próprio nome. É isto
que interessa.
4. Esta luta com Deus altera gerações – O
texto diz: “Por isso, os filhos de Israel
não comem, até hoje, o nervo do quadril,
na articulação da coxa” (Gn 32.32) Os filhos de Jacó mudaram o costume e por
isto, até hoje, ninguém come o nervo do quadril do animal.
Isto demonstra que
aquilo que Deus faz hoje, traz efeitos sensíveis nas próximas gerações. A obra
de Deus em nossa vida, vai transformar nossos filhos e neto. Deus quer gerações
mudadas, filhos diferentes, netos transformados.
Conclusão:
Coisas que não devem ser esquecidas
A. Não abra mão
da benção de Deus quando ocorrer esta luta - "Não te deixarei se me não
abençoares"(Gn 32.26).
Vivemos numa vida
tantas vezes indiferente, sem valor, miserável. Não tenha medo de se abrir para
Deus, de se defrontar com o mistério divino. Encontrar com Deus é encontrar-se
consigo mesmo, é ter contato com aquilo que existe de mais significativo no
universo. Encontrar com Deus é salvação no sentido mais amplo que existe. O que
Deus deseja é que você prevaleça, não desista. A luta com Deus nunca traz
maldição, sempre bênçãos; esta luta não é para morte, mas para vida. É uma benção
quando acontece.
O que fazer? "Não te deixarei se não me
abençoares". É esta vontade de se agarrar a Deus com todo coração, ser
envolvido pelo mistério da Trindade, pelo acolhimento divino e sobrenatural. É a
atitude da mulher Siro Fenícia que mesmo diante da aparente desconsideração de Cristo,
continua clamando que alguma migalha da bondade de Deus se manifeste na sua
casa e restaure o estado caótico gerado pela ação demoníaca na vida de sua
filha. Deus não ignora gente assim. Jacó
entende isto, por isto diz: "vi a
Deus face a face e minha vida foi salva".
B. Saiba que enquanto
você luta com Deus, Deus providencia o seu livramento – Quando
continuamos a leitura no capítulo seguinte, lemos em seguida: "Levantando Jacó os olhos ,
viu..." (Gn 33.1). Aquilo que ele mais temia, sua maior aflição dos últimos
dias, já está sendo solucionada por Deus. Às vezes queremos resolver questões da
vida, sem resolver a questão mais crucial de nossa existência que é o encontro
com Deus. Lidamos com o efeito, não com as causas. Resolva com Deus teus
problemas, ele é o ponto de partida.
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