quarta-feira, 15 de julho de 2015

Ec 1.1-2 Vaidade!



"Meu Deus, como o mundo sempre foi vasto e eu vou morrer um dia. E até morrer vou viver apenas momentos? não porque momentos sejam poucos, mas porque momentos raras matam de amor pela raridade... será que vou ter que viver a vida inteira à espera de que o domingo passe? e ela, a faxineira, que mora na raiz da serra e acorda as 4 da madrugada para começar o trabalho de manhã na Zona sul, de onde volta tarde para raiz da Serra, a tempo de acordar as 4 da manhã e começar o trabalho na zona sul, de onde. - Eu vou te contar o meu segredo mortal: viver não é uma arte. Mentiram os que disseram isto"
(Clarice Lispector: A descoberta do mundo, Ed. Rocco, rio 1999, pg 232).


Introdução:
A palavra-chave em Eclesiastes é "vaidade" (Hebhel), e parece ser o leitmotiv da obra (35 vezes). A vaidade não se refere ao uso de adereços e de roupas frisadas, antes refere-se ao vazio, a insustentável leveza da existência humana. A vida não tem nada concreto que a sustente. A palavra "hebhel" significa literalmente "bolha de sabão" (algo que brilha, mas é efêmero), ou vapor, brisa. "Vaidade de vaidades" e a forma como o superlativo hebraico se expressa. A vida torna-se desta forma "desproposital", um "correr atrás do vento" (9 vezes).  A expressão "debaixo do sol" é outra frase recorrente (28 vezes). Para o pregador, a morte tem mais sentido que a vida (Ec 7.1). Vaidade refere-se ao vazio (nihilismo) da existência humana. Por ser assim, a única saída lúcida seria o hedonismo (2.23,24), que desemboca por sua vez no vazio que o epicurismo inexoravelmente aponta (2.3,12 e 9.7). A existência torna-se um peso, cheia de dores (2.23), aflições e calamidades.

Apenas em Ec 1.2, a palavra "hebhel" se repete 5 vezes, dando a entender o seu valor no texto. "Vapor", "alento", "bolha de sabão", não fala de supérfluo e sim do vazio da existência humana. Tudo é vazio. Haroldo de Campos o traduz para o português como "névoa-nada".

O autor de Eclesiastes aponta para alguns tipos de vaidades:
1. A vaidade da vida – Ec.1.1-11
2. A vaidade das conquistas – Ec 2.1-10
3.  A vaidade das riquezas – Ec 5.1-11
4. A Vaidade do trabalho

1. A vaidade da vida – Ec.1.1-11

De l.1-11 o texto nos mostra o vazio das coisas.  As coisas acontecem, mas tudo é sem sentido, sem nenhum proveito (yitron); tudo se move, mas nenhuma mudança ocorre. A única oposição a esta tensão encontra-se em Ec 12.13, no qual revela que Elohim não está sobre estas limitações. Hengstenberg afirma que no princípio tudo era muito bom, glorioso é esta síntese do koheleth pode expressar apenas um ponto de transição.
Nesta perícope vemos:

  1. A Ausência de propósitos – “Bolha de sabão”.
ü  História cíclica, sem objetividade – Pensamento de Hegel: “Se a história nos ensina alguma coisa nos ensina que não nos ensina nada”. (Ec 1.9; Ec 3.15).
ü  O princípio do eterno retorno de Nieztsche – Citado por Milan Kundera em “a insustentável leveza do ser”.
ü  “Tudo o que é sólido se desmancha no ar”. Falta “sustância na vida....
ü  O mito de Sísifo – (Albert Camus escritor argelino).

  1. A Rotina -  Ec 1.4-8
A vida é uma mera repetição de ideias e atitudes. Nada há novo. “O que foi é o que há de ser, e o que se fez, isto se tornará a fazer. Nada há, pois, novo, debaixo do sol”.
Veja a semelhança desta sua afirmação com o poema monotonia de Chico Buarque:
“Todo o dia ela faz tudo sempre igual,
Me sacode as 6 hs da manhã
Me sorri com sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã

2. A vaidade das riquezas – Ec 5.10-12

a.       Percebe que dinheiro nunca satisfaz a alma – “Quem ama o dinheiro, jamais dele se farta”. O homem mais rico da história, Rockefeller, ao ser indagado quanto dinheiro a mais ele queria, respondeu cinicamente: Só um pouquinho a mais”.
§  Percebe que quem ama o ganho aumenta os consumidores – Ec 5.11 Às vezes os consumidores aproveitam mais que os donos. “é melhor ser amigo do rei que ser rei”, amigo do dono da chácara, do dono da lancha.
                                                                                       i.      Percebe que o ato de possuir, muitas vezes é apenas para ver com seus olhos, sem poder desfrutar (Ec 5.11). Nada mais. O conquistador muçulmano Saladino fez o mesmo, ao conquistar Jerusalém, e quando alguém lhe perguntou qual o significado de Jerusalém, respondeu: Tudo! Parece, em seguida, falar com ironia: Nada!
b.       Percebe que a ambição pode ser sua destruição – “A fartura não o deixa dormir” (Ec 5.12). Veja como esta ideia tem similaridades com Pv 1.19 “Tal é a sorte de todo ganancioso, e o espírito de ganância tira a vida de quem o possui

3. A vaidade das conquistas – Ec 2.4-11

Salomão teve muitas conquistas, registradas pormenorizadamente aqui neste texto, mas a conclusão dele é que “Ele se alegrava com sua fadigas, e tudo era correr atrás do vento”, assim como o famoso personagem de Ibsen, Peer Gynt, que depois de tantas conquistas e aventuras, retorna à casa de sua origem par constatar que sua vida fora como uma cebola, só tinha casca.


4. A Vaidade do trabalho – 2.18-26

Salomão desenvolve uma visão bem pessimista do trabalho. O trabalho se torna rotina, fadiga e punição de Deus.
a. Associa trabalho à fadiga – (Ec 2.19) Não vê no trabalho realização
b. Associa trabalho à punição de Deus – (Ec 2.26) Trabalho é aflição, não benção.
c. Não vê sentido no que faz: Resultado: Automatismo e desgosto. Sua A vida e todas as suas formas de realização se perdem se não estão identificadas com Deus –(Ec 2.25).

Conclusão:
O que dá consistência à vida? (Ec 2.25; 12.13)

Não são conquistas, riquezas, trabalho. Todas estas coisas podem ser boas, mas “separado de Deus, quem pode alegrar-se?”.

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