segunda-feira, 20 de julho de 2015

Jr 1.1-12 O Chamado Profético



Introdução:

Poucos profetas exemplificam melhor a vida de um homem de Deus que Jeremias. Ele viveu dias de grande frieza espiritual, apostasia, alternância de poder. Viu reis morrendo em guerra, conspiração e tomada de poder, ele mesmo foi algumas vezes acusado de conspiração, ameaçado de morte, preso e espancado, mas a convicção do chamado de Deus nunca se perdeu na sua vida.
Nestes primeiros versículos deste livro profético, observamos aspectos valiosos sobre o chamado para a obra profética.

1.       O chamado profético faz parte do projeto soberano e eterno de Deus – “Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci... e te consagrei” (Jr 1.5).
Antes de mais nada, não tem a ver com capacitação intelectual, nem qualificações pessoais, carisma, poder de persuasão ou temperamento atraente, mas com o propósito de chama de Deus. “Deus não chama os capacitados, mas capacita os chamados”. Quando ele chama alguém, ele dá condições para o chamado, mesmo quando seus escolhidos se pareçam escória humana aos sábios e poderosos.
"O chamado vocacional é a legitimização necessária para o minitério de um profeta. Outorga a certeza da eleição divina para essa missão (1.6), mas o soberano Deus não aceita um "não" como resposta! Sua timidez seria superada, pois Deus o tornará forte (1.18; 6.27; 15.20). Deus também promete que estará com Jeremias e o protegerá de seus inimigos (1.8,19). A função de Jeremias (1.9) se baseia nas palavras de Moisés (Dt 18.18) sobre a promessa de revelações futuras por meio de profetas que proclamariam a Palavra de Deus" (Jonathan Luiz Hack, Jeremias: Um Panorama Teológico, in Fides reformata Vol XX, N. 1, 2015, pg 17).

2.       O chamado profético gera temor – “Então, lhe disse eu: ah! Senhor Deus! Eis que não sei falar, porque não passo de uma criança.” (Jr 1.6).
Não é o primeiro e nem será o último a ter um sentimento de medo, diante da compreensão do chamado. Jeremias se sente enfraquecido e assustado. Ele olha para seu tamanho e o compara com o tamanho do chamado. Percebe que sua mensagem é muito maior que o mensageiro, e a tarefa maior que a do obreiro. E treme!
Talvez Jeremias tivesse um pouco de timidez, ou dificuldade para se expressar em público. Ele se sente uma criança assustada diante de pessoas grandes (Jr 1.6). Sabe que não é um projeto de adrenalina. Muitos profetas foram impopulares e não poucos tiveram suas cabeças decepadas.

3.       O chamado profético tem um duplo desafio – “Mas o Senhor me disse: Não digas: não passo de uma criança; porque a todos a quem eu te enviar irás; e tudo quanto eu te mandar falarás”.” (Jr 1.7).

O desafio é duplo:
a.       Ir, a quem Deus enviar;
b.      Falar, a quem Deus mandar.

Ir a quem Deus enviar
Profeta não escolhe seu público, nem determina seu campo, mas é designado para onde Deus quer que ele vá. Um dos princípios da missiologia é que Deus antecede o missionário no campo. É bom saber isto, e é isto que sustenta a tarefa do obreiro. Ele precisa ter consciência de que Deus o enviou para aquele campo, e isto é bastante.
Determinados campos são duros, árduos e inóspitos. O desafio é muito grande. São centros urbanos marcados pela violência, oposição, ameaça; são regiões distantes onde há pouco recurso, difícil acesso. A verdade é que existem muitos campos sem obreiros e muitos obreiros sem campo. Mas Jesus disse que deveríamos rogar ao Pai que enviasse obreiros para a seara. Ele não falou que havia falta de campos, mas falta de obreiros.
Aquele que tem senso da vocação profética, deveria perguntar se está disposto a ir onde o Senhor da seara enviar.
O profeta Jonas é um exemplo negativo do que estamos falando.
Ele não tinha crise de vocação profética, mas tinha crise etnocêntrica. Seu problema é que ele não queria ir a qualquer lugar, ele possuía uma geografia definida no coração. Antes de ser enviado a Ninive, já havia recebido outras mensagens de Deus e fora fiel na sua tarefa, no entanto, ao ser designado para pastorear a primeira igreja presbiteriana de Ninive, ele se assustou com a tarefa, recuou, e preferiu desobedecer. Seu problema não foi a mensagem (conteúdo), mas a tarefa para missionar em campos fora de sua predileção.
Deus diz a Jeremias que ele deveria estar pronto a ir “a todos a quem eu te enviar” (Jr 1.7). Será que estamos prontos para tal tarefa?

Falar, o que Deus mandar
Este é outro aspecto que faz parte do duplo desafio profético. Falar o que Deus mandar.
Profeta eram chamados no Antigo Testamento de “bocas de Deus”. Eles eram o arauto das notícias dos céus. E nem sempre tais notícias eram agradáveis.
Dois riscos devem ser evitados: falar o que eu gosto de falar e falar o que as pessoas gostam de ouvir.
No primeiro, é necessário reconhecer que há temas pesados. O próprio jesus ouviu a reclamação de alguns de seus discípulos que lhe disseram: “Duro é este discurso, quem o pode ouvir?” (Jo 6.60), e por isto o abandonaram.
Lembro-me que resolvi pregar expositivamente todo o livro de Romanos, mas me esqueci da complexidade do capitulo 9, dos decretus horribilis. Ele é composto de uma mensagem forte sobre predestinação, tema pesado para um domingo a noite. Confesso que hesitei, mas tive o seguinte pensamento: eu não posso deixar de pregar aquilo que Deus queria comunicar aos homens. E assim preguei o texto bíblico, mostrando a seriedade e a benção de sermos chamados por Deus.
Ultimamente tenho dito à igreja que eu não me preocupo quando tenho que dizer coisas duras, porque eu trabalho no ministério de comunicação, que fica no primeiro andar. Deus está no segundo andar, o ministério da justiça, mas eu foi comissionado para o andar de baixo. Portanto, minha tarefa é apenas comunicar o que o alto comando ordena. Afinal, “O que se espera do despenseiro, e]é que ele seja achado fiel” (1 Co 4.2).
Despenseiro é aquele que tem a responsabilidade do almoxarifado, ele tem acesso aos depósitos do rei. Ele deve distribuir as provisões com fidelidade. É isto que seu senhor espera dele. Por isto Paulo afirma aos presbíteros de Éfeso: “Porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20.27).
No segundo, não devemos falar apenas o que as pessoas querem ouvir, mas sim o que Deus mandar.
Temos tido pregadores falando de temas politicamente corretos, e por isto se tornando ambíguos na comunicação da mensagem. Isto o faz ser inseguro e tímido, ter medo de declarar: “Assim diz o Senhor!”, porque fala com insegurança. Muitos temas exigem um veredito e devemos nos preocupar em honrar a Deus, mesmo que venhamos a desagradar as pessoas.
Na exortação de Paulo a Timóteo, Paulo afirma: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não; corrige, repreende, exorta com toda longanimidade e doutrina. Pois haverá empo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas” (2 Tm 4.2-4).
Deus afirma a Jeremias: “A todos a quem eu te enviar, irás; e tudo quanto eu te mandar, falarás”. O chamado profético inclui estes dois elementos: disposição para ir onde e a quem o Senhor enviar; e a disposição para falar tudo quanto Deus mandar.
4.       O chamado profético está firmado na unção profética – “Depois, estendeu o Senhor a mão, tocou-me na boca e o Senhor me disse: Eis que ponho na tua boca as minhas palavras” (Jr 1.9).
Para o exercício da vocação é necessário chamado e unção. O chamado é esta impulsão profunda de Deus no coração; a unção é a graça especial para realização deste chamado. Um aspecto está ligado ao outro.
Deus toca a boca de Jeremias. De sua boca deveria sair a palavra, repleta de esperança e denuncia, proclamação e juízo. Ela deveria estar interpenetrada da unção, para sua efetividade. Não se tratava de mero conteúdo, mas palavra acompanhada como fogo. É fácil falar e pregar, mas apenas o toque de Deus no lábio do mensageiro seria capaz de efetuar os propósitos divinos de sua palavra para a história.
Esta unção é necessária porque a palavra tem dois objetivos: um negativo e outro positivo. A palavra tem um efeito dialético: Arrancar e derrubar; destruir e arruinar; edificar e plantar.

A mensagem não age em apenas uma direção: ela constrói e destrói. Assim como o sol que derrete a cera e endurece o barro. A palavra vai atingir pessoas desanimadas, e trazer animo e alento; vai penetrar em corações desesperançados e trazer graça e segurança, mas ao mesmo tempo vai atingir aqueles que estão se sentindo seguro, tendo falsa impressão de bem estar, e desestruturá-los. Ela segue na direção dos soberbos e denuncia. A Palavra tem poder de arrancar e derrubar; destruir e arruinar; edificar e plantar.
Paulo afirma que o Evangelho traz o aroma de vida para vida e cheiro de morte para morte (2 Co 2.15-16). O que significam tais palavras? Quando pregamos fielmente a Palavra, muitos serão salvos por a aceitarem, e serão libertos da opressão do diabo e resgatados do inferno e da condenação, enquanto outros, ao ouvirem a mensagem, resistirão à mesma, se oporão, e não darão crédito à verdade para salvação. Então, ao rejeitarem a verdade, tornam-se ainda mais culpados, porque tendo a oportunidade de acatarem a salvação, eles a recusam, trazendo sobre si mesmo, mais condenação.
Apesar do desejo de Deus de que todos se convertam e sejam salvos, muitas vezes a Palavra se torna denúncia. No dia do juízo final, aqueles que rejeitaram a palavra da salvação serão julgados por desprezarem e rejeitarem esta grande salvação (Hb 2.3).
Então, a mensagem arranca ou edifica, destrói ou constrói. Traz aroma de vida para vida, e cheiro de morte para a morte.

Conclusão

Quando Deus conclui o chamado profético de Jeremias, ele lhe dá a visão da vara de amendoeira. Esta árvore é bem conhecida na Galiléia, porque é a primeira a dar sinal da primavera, é a primeira a brotar. É um anúncio de que a primavera está chegando. Ela é fiel no seu anúncio, e as pessoas se alegravam porque o inverno estava acabando.

Deus está afirma: “Viste bem, porque eu velo sobre a minha palavra para a cumprir” (Jr 1.12).

Esta era a garantia que Jeremias precisava.
Nenhuma palavra de Deus vai se perder, nenhuma vai cair no esquecimento. “Se ele prometeu, ele há de cumprir, e se ele falou, é certo que fará”. Passarão os céus e a terra, mas a minha Palavra não há de passar”. O que Deus falou, isto se dará. Se não acontecer, é porque não foi Deus quem falou.
Tal é a natureza da mensagem que anunciamos. A ciência muda, um alimento que hoje causa males amanhã será um santo remédio; uma determinada receita de hoje pode ser uma droga amanhã. Os homens mudam conceitos e valores. Mas a palavra de Deus não muda.
Antes de iniciar sua tarefa profética, Jeremias precisava saber que Deus vela sobre sua palavra. Talvez poucas coisas hoje sejam tão necessárias para os pregadores, que a convicção de que a Palavra de Deus não voltará vazia, e que não cairá nem um i, nem um til, sem que tudo se cumpra. Vivemos dias de insegurança, instabilidade e questionamentos. Não podemos deixar de ter esta santa convicção de que estamos lidando com coisas profundas e sérias.

Aleluia!

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