Introdução:
Poucos profetas exemplificam
melhor a vida de um homem de Deus que Jeremias. Ele viveu dias de grande frieza
espiritual, apostasia, alternância de poder. Viu reis morrendo em guerra, conspiração
e tomada de poder, ele mesmo foi algumas vezes acusado de conspiração, ameaçado
de morte, preso e espancado, mas a convicção do chamado de Deus nunca se perdeu
na sua vida.
Nestes primeiros versículos deste
livro profético, observamos aspectos valiosos sobre o chamado para a obra
profética.
1. O chamado profético faz parte do projeto
soberano e eterno de Deus – “Antes
que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci... e te consagrei” (Jr
1.5).
Antes de mais nada, não tem a ver
com capacitação intelectual, nem qualificações pessoais, carisma, poder de persuasão
ou temperamento atraente, mas com o propósito de chama de Deus. “Deus não chama
os capacitados, mas capacita os chamados”. Quando ele chama alguém, ele dá condições
para o chamado, mesmo quando seus escolhidos se pareçam escória humana aos sábios
e poderosos.
"O chamado vocacional é a legitimização necessária para o minitério de um profeta. Outorga a certeza da eleição divina para essa missão (1.6), mas o soberano Deus não aceita um "não" como resposta! Sua timidez seria superada, pois Deus o tornará forte (1.18; 6.27; 15.20). Deus também promete que estará com Jeremias e o protegerá de seus inimigos (1.8,19). A função de Jeremias (1.9) se baseia nas palavras de Moisés (Dt 18.18) sobre a promessa de revelações futuras por meio de profetas que proclamariam a Palavra de Deus" (Jonathan Luiz Hack, Jeremias: Um Panorama Teológico, in Fides reformata Vol XX, N. 1, 2015, pg 17).
"O chamado vocacional é a legitimização necessária para o minitério de um profeta. Outorga a certeza da eleição divina para essa missão (1.6), mas o soberano Deus não aceita um "não" como resposta! Sua timidez seria superada, pois Deus o tornará forte (1.18; 6.27; 15.20). Deus também promete que estará com Jeremias e o protegerá de seus inimigos (1.8,19). A função de Jeremias (1.9) se baseia nas palavras de Moisés (Dt 18.18) sobre a promessa de revelações futuras por meio de profetas que proclamariam a Palavra de Deus" (Jonathan Luiz Hack, Jeremias: Um Panorama Teológico, in Fides reformata Vol XX, N. 1, 2015, pg 17).
2. O chamado profético gera temor – “Então, lhe disse eu: ah! Senhor Deus! Eis
que não sei falar, porque não passo de uma criança.” (Jr 1.6).
Não é o primeiro e nem será o último
a ter um sentimento de medo, diante da compreensão do chamado. Jeremias se
sente enfraquecido e assustado. Ele olha para seu tamanho e o compara com o
tamanho do chamado. Percebe que sua mensagem é muito maior que o mensageiro, e
a tarefa maior que a do obreiro. E treme!
Talvez Jeremias tivesse um pouco
de timidez, ou dificuldade para se expressar em público. Ele se sente uma criança
assustada diante de pessoas grandes (Jr 1.6). Sabe que não é um projeto de
adrenalina. Muitos profetas foram impopulares e não poucos tiveram suas cabeças
decepadas.
3. O chamado profético tem um duplo desafio
– “Mas o Senhor me disse: Não digas: não passo
de uma criança; porque a todos a quem eu te enviar irás; e tudo quanto eu te
mandar falarás”.” (Jr 1.7).
O desafio é duplo:
a. Ir,
a quem Deus enviar;
b. Falar,
a quem Deus mandar.
Ir a quem Deus enviar
Profeta não escolhe seu público,
nem determina seu campo, mas é designado para onde Deus quer que ele vá. Um dos
princípios da missiologia é que Deus antecede o missionário no campo. É bom
saber isto, e é isto que sustenta a tarefa do obreiro. Ele precisa ter consciência
de que Deus o enviou para aquele campo, e isto é bastante.
Determinados campos são duros, árduos
e inóspitos. O desafio é muito grande. São centros urbanos marcados pela violência,
oposição, ameaça; são regiões distantes onde há pouco recurso, difícil acesso. A
verdade é que existem muitos campos sem obreiros e muitos obreiros sem campo.
Mas Jesus disse que deveríamos rogar ao Pai que enviasse obreiros para a seara.
Ele não falou que havia falta de campos, mas falta de obreiros.
Aquele que tem senso da vocação profética,
deveria perguntar se está disposto a ir onde o Senhor da seara enviar.
O profeta Jonas é um exemplo negativo
do que estamos falando.
Ele não tinha crise de vocação profética,
mas tinha crise etnocêntrica. Seu problema é que ele não queria ir a qualquer
lugar, ele possuía uma geografia definida no coração. Antes de ser enviado a
Ninive, já havia recebido outras mensagens de Deus e fora fiel na sua tarefa,
no entanto, ao ser designado para pastorear a primeira igreja presbiteriana de
Ninive, ele se assustou com a tarefa, recuou, e preferiu desobedecer. Seu problema
não foi a mensagem (conteúdo), mas a tarefa para missionar em campos fora de
sua predileção.
Deus diz a Jeremias que ele
deveria estar pronto a ir “a todos a quem
eu te enviar” (Jr 1.7). Será que estamos prontos para tal tarefa?
Falar, o que Deus mandar
Este é outro aspecto que faz
parte do duplo desafio profético. Falar o que Deus mandar.
Profeta eram chamados no Antigo
Testamento de “bocas de Deus”. Eles eram o arauto das notícias dos céus. E nem
sempre tais notícias eram agradáveis.
Dois riscos devem ser evitados:
falar o que eu gosto de falar e falar o que as pessoas gostam de ouvir.
No primeiro, é necessário reconhecer
que há temas pesados. O próprio jesus ouviu a reclamação de alguns de seus discípulos
que lhe disseram: “Duro é este discurso,
quem o pode ouvir?” (Jo 6.60), e por isto o abandonaram.
Lembro-me que resolvi pregar
expositivamente todo o livro de Romanos, mas me esqueci da complexidade do
capitulo 9, dos decretus horribilis. Ele
é composto de uma mensagem forte sobre predestinação, tema pesado para um
domingo a noite. Confesso que hesitei, mas tive o seguinte pensamento: eu não posso
deixar de pregar aquilo que Deus queria comunicar aos homens. E assim preguei o
texto bíblico, mostrando a seriedade e a benção de sermos chamados por Deus.
Ultimamente tenho dito à igreja
que eu não me preocupo quando tenho que dizer coisas duras, porque eu trabalho
no ministério de comunicação, que
fica no primeiro andar. Deus está no segundo andar, o ministério da justiça, mas eu foi comissionado para o andar de
baixo. Portanto, minha tarefa é apenas comunicar o que o alto comando ordena. Afinal,
“O que se espera do despenseiro, e]é que
ele seja achado fiel” (1 Co 4.2).
Despenseiro é aquele que tem a
responsabilidade do almoxarifado, ele tem acesso aos depósitos do rei. Ele deve
distribuir as provisões com fidelidade. É isto que seu senhor espera dele. Por isto
Paulo afirma aos presbíteros de Éfeso: “Porque
jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20.27).
No segundo, não devemos falar
apenas o que as pessoas querem ouvir, mas sim o que Deus mandar.
Temos tido pregadores falando de
temas politicamente corretos, e por isto se tornando ambíguos na comunicação da
mensagem. Isto o faz ser inseguro e tímido, ter medo de declarar: “Assim diz o
Senhor!”, porque fala com insegurança. Muitos temas exigem um veredito e
devemos nos preocupar em honrar a Deus, mesmo que venhamos a desagradar as
pessoas.
Na exortação de Paulo a Timóteo, Paulo
afirma: “Prega a palavra, insta, quer
seja oportuno, quer não; corrige, repreende, exorta com toda longanimidade e
doutrina. Pois haverá empo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário,
cercar-se-ão de mestres, segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira
nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas”
(2 Tm 4.2-4).
Deus afirma a Jeremias: “A todos a quem eu te enviar, irás; e tudo
quanto eu te mandar, falarás”. O chamado profético inclui estes dois
elementos: disposição para ir onde e a quem o Senhor enviar; e a disposição para
falar tudo quanto Deus mandar.
4. O
chamado profético está firmado na unção profética – “Depois, estendeu o Senhor a mão, tocou-me na boca e o Senhor me disse:
Eis que ponho na tua boca as minhas palavras” (Jr 1.9).
Para o exercício da vocação é necessário
chamado e unção. O chamado é esta impulsão
profunda de Deus no coração; a unção é a graça especial para realização deste
chamado. Um aspecto está ligado ao outro.
Deus toca a boca de Jeremias. De sua
boca deveria sair a palavra, repleta de esperança e denuncia, proclamação e juízo.
Ela deveria estar interpenetrada da unção, para sua efetividade. Não se tratava
de mero conteúdo, mas palavra acompanhada como fogo. É fácil falar e pregar,
mas apenas o toque de Deus no lábio do mensageiro seria capaz de efetuar os propósitos
divinos de sua palavra para a história.
Esta unção é necessária porque a
palavra tem dois objetivos: um negativo e outro positivo. A palavra tem um
efeito dialético: Arrancar e derrubar; destruir e arruinar; edificar e plantar.
A mensagem não age em apenas uma direção:
ela constrói e destrói. Assim como o sol que derrete a cera e endurece o barro.
A palavra vai atingir pessoas desanimadas, e trazer animo e alento; vai penetrar
em corações desesperançados e trazer graça e segurança, mas ao mesmo tempo vai
atingir aqueles que estão se sentindo seguro, tendo falsa impressão de bem
estar, e desestruturá-los. Ela segue na direção dos soberbos e denuncia. A Palavra
tem poder de arrancar e derrubar; destruir e arruinar; edificar e plantar.
Paulo afirma que o Evangelho traz
o aroma de vida para vida e cheiro de morte para morte (2 Co 2.15-16). O que
significam tais palavras? Quando pregamos fielmente a Palavra, muitos serão salvos
por a aceitarem, e serão libertos da opressão do diabo e resgatados do inferno
e da condenação, enquanto outros, ao ouvirem a mensagem, resistirão à mesma, se
oporão, e não darão crédito à verdade para salvação. Então, ao rejeitarem a
verdade, tornam-se ainda mais culpados, porque tendo a oportunidade de acatarem
a salvação, eles a recusam, trazendo sobre si mesmo, mais condenação.
Apesar do desejo de Deus de que
todos se convertam e sejam salvos, muitas vezes a Palavra se torna denúncia. No
dia do juízo final, aqueles que rejeitaram a palavra da salvação serão julgados
por desprezarem e rejeitarem esta grande salvação (Hb 2.3).
Então, a mensagem arranca ou
edifica, destrói ou constrói. Traz aroma de vida para vida, e cheiro de morte
para a morte.
Conclusão
Quando Deus conclui o chamado profético
de Jeremias, ele lhe dá a visão da vara de amendoeira. Esta árvore é bem
conhecida na Galiléia, porque é a primeira a dar sinal da primavera, é a
primeira a brotar. É um anúncio de que a primavera está chegando. Ela é fiel no
seu anúncio, e as pessoas se alegravam porque o inverno estava acabando.
Deus está afirma: “Viste bem, porque eu velo sobre a minha
palavra para a cumprir” (Jr 1.12).
Esta era a garantia que Jeremias
precisava.
Nenhuma palavra de Deus vai se
perder, nenhuma vai cair no esquecimento. “Se
ele prometeu, ele há de cumprir, e se ele falou, é certo que fará”. “Passarão os céus e a terra, mas a minha
Palavra não há de passar”. O que Deus falou, isto se dará. Se não acontecer,
é porque não foi Deus quem falou.
Tal é a natureza da mensagem que
anunciamos. A ciência muda, um alimento que hoje causa males amanhã será um
santo remédio; uma determinada receita de hoje pode ser uma droga amanhã. Os
homens mudam conceitos e valores. Mas a palavra de Deus não muda.
Antes de iniciar sua tarefa profética,
Jeremias precisava saber que Deus vela sobre sua palavra. Talvez poucas coisas
hoje sejam tão necessárias para os pregadores, que a convicção de que a Palavra
de Deus não voltará vazia, e que não cairá nem um i, nem um til, sem que tudo
se cumpra. Vivemos dias de insegurança, instabilidade e questionamentos. Não podemos
deixar de ter esta santa convicção de que estamos lidando com coisas profundas
e sérias.
Aleluia!
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