sábado, 16 de julho de 2016

Ef 2.10 O Papel das boas obras



Introdução:

Na teologia cristã existe uma clássica discussão sobre graças e obras. Este texto que fala do papel das boas, surge logo após uma exposição firme e clara sobre o papel da graça, talvez o texto mais claro e direto de toda bíblia sobre este assunto. Entretanto, em seguida, Paulo descreve a importância das obras na vida cristã.

A ênfase na graça pode gerar distorções como:

a.     A graça barata – Muitas pessoas dizem: “Já que é de graça, posso fazer o que quero”, ignorando que a graça que nos foi dada, nada nos custou, mas custou muito ao próprio Deus que deu seu Filho para morrer em nosso lugar. Só quem nunca entendeu o amor de Deus pode desenvolver pensamento tão pobre.

b.     Antinomismo – São pessoas que resolvem ignorar o papel e a importância da lei, ignorando que “o criador da lei se tornou o cumpridor da lei e morreu por nós, os descumpridores da lei”(W. G. T. Tchividjian). Não podemos diminuir o significado da lei nem da graça. Quem faz isto, deliberadamente, quase sempre desemboca numa ética relativista.

c.      Justificativa para indolência – Outro perigo comum. Se Deus fez tudo por nós, através da graça, porque precisamos fazer? Esquecem que nossa resposta é gesto de adoração. Quem compreendeu a obra de Deus sempre terá atitude e disposição para servir a Deus sacrificialmente, não para comprar favor, mas para expressar louvor.

A verdade é que a graça tem um poder propulsor. Ela nos impulsiona à ação. Na carta a Tito, Paulo afirma que a graça tem um papel fundamental na vida cristã, pois ela nos educa “para que, renegada a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente”(Tt 2.12). A graça é pedagógica e didática, ela nos capacita a uma vida de santidade.

Vamos considerar alguns princípios importantes sobre graça e boas obras que podem ser extraídos deste texto:

1.     Não somos salvos pelas obras, mas para boas obras – As obras não são o meio da salvação, mas o resultado.

Depois de falar sobre temas complexos como predestinação e eleição, no capítulo 1, o texto bíblico nos ensina sobre a graça e as obras: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras para que ninguém se glorie”. Salvação é obra exclusiva de Deus, por meio do sacrifício redentor de seu filho.
Quando não entendemos o papel da graça, ficamos cheios de justiça pessoal. No entanto, algo que precisamos entender de forma clara é que “não sou pecador porque peco; mas peco porque sou pecador”. Ao contrário do que afirma os existencialistas, a essência sempre precede a existência.
O fato maravilhoso, porém, é que a graça nos leva às boas obras. “Assim, também a fé, sem obras, por si só está morta” (Tg 2.17). porque simplesmente não pode, da mesma fonte, jorrar água doce e amarga (Tg 3.11). Quando alguém afirma que Deus vive em seu coração, precisa demonstrar isto através de atos e boas obras. As boas obras evidenciam a salvação, afinal, fomos salvos para boas obras. Obras são o resultado e não o meio para a salvação. Se não há boas obras, não há obra de Deus em nós.
Salvação pelas obras, ignora a obra de Cristo na cruz – é impossível olhar para a cruz, entender o sacrifício de Cristo, e ainda assim, de alguma forma, continuar achando que somos salvos pelas obras.
Salvação pelas obras nos torna orgulhosos – quem pensa que pode ser salvo através da sua performance espiritual vai sempre achar que possui crédito e mérito diante de Deus. Paulo tenta desmascarar este pressuposto na carta aos Romanos, quando indaga: “Onde pois a jactância? Foi de todo excluída” (Rm 3.27). Não há espaço para orgulho ou vaidade espiritual se a salvação vem pela graça, mas se a salvação depende de eficiência, então os que forem salvos, terão motivos de muita vaidade.

2.     Boas obras evidenciam nossa relação com Cristo – Jesus deixou isto muito claro. Ele usou alguns critérios para que seus discípulos fossem reconhecidos diante dos homens:

2.1.         O Critério da Palavra
-“Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes nas minhas palavras, sois verdadeiramente meus discípulos” (Jo 8.31)
-“Quem é de Deus, ouve as palavras de Deus” (Jo 8.47)
-“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama, será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele” (Jo 14.21).

2.2.         O Critério do Amor
-“Nisto conhecerão que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13.35).
“Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao pai em meu nome, ele vo-lo conceda. Isto vos mando que vos ameis uns aos outros”(Jo 15.16).
-“Aquele que diz estar na luz e odeia a seu irmão, até agora está nas trevas. Aquele que ama a seu irmão permanece na luz, e nele não ha nenhum tropeço. Aquele , porem, que odeia a seu irmão, está nas trevas e anda nas trevas, e não sabe para onde vai, porque as trevas lhe cegaram os olhos” (1 Jo 2.9-11).
- “Ou fazei a arvore boa e seu fruto bom ou a arvore má e seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore” (Mt 12.33).

3.    Boas obras são o objetivo da salvação
-       “Não de obras, par que ninguém se glorie, pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais, Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.10).
-       “A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo” (Tg 1.27)

4.    Boas obras levam outras pessoas a glorificarem a Deus

Quando servimos e abençoamos o mundo, as pessoas passam a identificar este Deus através disto. O mundo olha para o povo de Deus. Tenho um sonho de ser reconhecido como alguém que ama, e ter uma comunidade conhecida por amar as pessoas.
Na carta aos Coríntios, Paulo fala do resultado da atitude da igreja em abençoar a região da Judeia que estava enfrentando grandes tragédias e fomes decorrentes de uma seca na região. “Porque o serviço desta assistência não só supre a necessidade dos santos, mas também redunda em muitas graças a Deus, visto como, na prova desta ministração, glorificam a Deus pela liberalidade com que contribuis para eles e par todos, enquanto eles oram a vosso favor, com grande afeto, em virtude da superabundante graça de Deus que há em vós. Graças a Deus pelo seu dom inefável!” (2 Co 9.11-14)

5.     Boas obras glorificam a Deus – Deus se alegria quando o seu povo se dispõe para abençoar o mundo. Deus trabalha em nós, para sua glória. “Pois somos feituras dele, criados em Cristo Jesus, para boas obras” . A palavra “feitura”, significa literalmente “poema”. Deus está construindo a imagem de Cristo em nós. Fomos criados em Cristo, “para boas obras”. Este é o objetivo de Cristo em nós.
-       “Não negligencieis, igualmente, a prática do bem, e a mútua cooperação; pois, com tais sacrifícios, Deus se compraz” (Hb 13.16).
-       “Recebi tudo e tenho abundância; estou suprido, desde que Epafrodito me passou às mãos o que me veio de vossa parte como aroma suave, como sacrifício aceitável e aprazível a Deus. E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, ha de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades” (Pf 4.8
-       “Vós sois a luz do mundo. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem ao pai que está nos céus” (Mt 5.14-16).

Conclusão:

Diante de tais evidências bíblicas gostaria de fazer quatro considerações:
a.     precisamos ser ricos em boas obras, tanto na perspectiva individual, quanto comunitária;
b.     Precisamos descobrir caminhos para servir. Existem inúmeras possibilidades missionarias. Ore para que Deus lhe mostre em qual área você poderá servi-lo;
c.      Tome cuidado para que suas obras não se tornem um fim em si mesmo: auto glorificação, auto promoção, auto exaltação. Faça tudo para a glória de Deus.

d.     Deus tem um projeto de boas obras para sua vida. Veja como o texto bíblico ensina: “...Deus, de antemão preparou, para que andássemos nelas”. Antes de você pensar, Deus já havia pensado. Deus tem um propósito de usar sua vida para ele. Estas boas obras foram antecipadamente planejadas por ele mesmo.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Mt 6.25-34 Observai os lírios dos campos



Introdução:

As pessoas da igreja que pastoreio sabem porque escolhi este titulo acima, e por isto, quando preguei este sermão na comunidade, todos deram um sorriso furtivo, espontâneo.
Recentemente nos foi feita uma promessa de doação, de um clube extinto da cidade, numa área central e nobre de Anápolis, de 120 milM2. Todos fomos surpreendidos pela decisão do grupo que nos doou e que tinha o controle do clube, e depois de convocada a Assembleia, ainda nos foram doadas mais 22 lotes que pertenciam à Associação, e não ao Grupo, cujo nome é significativo: Lírios do Campo. Os antigos associados que estiveram presentes na Assembleia, e que compareceram à convocação, votaram 90% a favor da doação desta outra área.

Então, diante desta surpresa extravagante, o titulo “observai os lírios do campo”, assume um sentido extremamente importante para nossa comunidade.

Ali, com a graça de Deus, pretendemos realizar eventos como Day Camp, atividades sociais para jovens, para tirá-los da rua e dar-lhes esperança, comida e evangelho, e quem sabe implantação de uma futura escola voltada para a cidade. Atualmente a papelada encontra-se na fase da escrituração e registro, e todos os aspectos legais, cíveis e jurídicos, que não são poucos, estão sendo considerados, e até aqui, nos parece tudo em ordem.
Somos profundamente agradecidos à família que tomou esta iniciativa divina para um projeto sublime.

O texto de Mateus 6 faz parte do Sermão do Monte, proferido por Jesus. Ele começa no capitulo 5 e vai até o 8. Jesus está falando de ansiedade. E para vencê-la, encoraja seus discípulos a “observar as aves dos céus e considerar os lírios dos campos”.

Olhar a natureza, seu ciclo, estações, pode ser uma forma simples de readquirirmos paz interior e equilíbrio. Ansiedade é preocupação, isto é, uma pré-ocupação antecipada com algo que ainda não aconteceu e que pode eventualmente não acontecer. Afirma-se que 80% dos nossos medos quantoao futuro, nunca são reais. A natureza não sofre este tipo de pressão, ela simplesmente segue o cuidado amoroso do seu jardineiro, e floresce no tempo certo, dando flores e frutos na sua devida estação.
A palavra “observai” que Jesus usa no texto dá ideia de um olhar profundo, não apenas uma vista superficial, é como se ele estivesse ensinando os discípulos a verem a natureza com olhar penetrante, nada de superficialidade na análise. Ao falar dos lírios, muito provavelmente se referia às plantas comuns que nascem à margem das estradas da Palestina, como temos aqui no Brasil o “capim dourado”, e os “comigo ninguém pode”, que recebem este nome, porque nascem e florescem em qualquer pequeno espaço, trazendo suas flores e alegria ao ambiente.
Literalmente Jesus manda seus discípulos a “fixarem seus olhos” na natureza, verem a vida com significado maior. Prestar atenção na mensagem que ela envia ao surgir de forma tão espontânea, natural e bela.

Então, quando digo “considerai os lírios dos campos” para a comunidade da qual faço parte, estou convidando-os a olhar além da generosidade e considerarem o que Deus está fazendo. O que Deus quer que consideremos?
Quando fomos olhar a propriedade, o doador estava presente, e eu estava boquiaberto, com um grupo de presbíteros igualmente incrédulos diante de tudo que via. Ao encerrar nossa caminhada no maravilhoso espaço, nos reunimos e disse ao doador que estávamos absolutamente gratos com esta expressão da família, e que sabíamos do motivo alegado, “o desejo da família de deixar um legado para a cidade”, mas que além disto, estávamos tentando entender o que Deus estava planejando ao impulsioná-los à doação, porque certamente Deus fora o iniciador de semelhante movimento.
Então, ao olharmos a doação “Lírios do Campo”, queríamos entender, o que Deus está nos convidando a olhar. Como devemos perceber este ato de Deus usando instrumentos incomuns e pessoas comuns?

Quando a Assembleia se reunia na sede do clube, eu estava no Aeroporto de Miami, ansioso por noticias. Acionava o pr. Potenciano para me dar informações, mas minha internet só tinha a duração de 30 minutos. Finalmente vieram os votos e aprovação da doação.

Agora, diante dos fatos, creio que este “observar” precisa ter dois focos: Um comunitário e outro pessoal.

Vamos ao comunitário:
Estamos diante de uma crise no Brasil. As perguntas vieram: “seremos capazes de administrar?” e “teremos os recursos necessários?” Um dos presbíteros, o Dr Ernei Pina me disse: “Pastor, descansa, se Deus nos deu, ele nos capacitará”. Na reunião do conselho, mais uma vez minha ansiedade brotava. Desta vez, o presbítero Silas Bernardes me exortou: “Deus está no controle, ele já providenciou tudo”. Nestas duas ocasiões fui exortado a “considerar os lírios do campo”. Tão frágeis, mas tão seguros. Lutero afirmava: “maravilhosos lírios, como eles reprovam nosso tolo nervosismo”.

Temos, portanto, diante de nós, algumas considerações:

Primeiro, a quem muito Deus dá, muito será exigido. Não é este um principio bíblico?
Quando o povo de Deus foi espionar a terra, o relatório não foi desanimador, mas dois homens continuaram firmes em meio aos prognósticos sombrios que alguns estavam fazendo. Josué e Calebe disseram: “Se o Senhor se agradar de nós, como pão poderemos devorá-los”. Duas figuras interessantes. “Se o Senhor se agradar de nós”. A questão é saber se Deus está encontrando prazer em nós. Se isto está acontecendo, tudo está certo. “Como pão poderemos devorá-los”. Eu amo pães, e sou atraído aos formatos que eles tem. Gosto de admirá-los nas padarias e confeitarias. Sinto uma compulsão em comprá-los e comê-los. Josué disse, se Deus estiver conosco, isto será como comer pão. Não é fácil?

A questão, portanto, não é o tamanho do desafio, mas o tamanho de Deus. Se vem de Deus, não precisamos nos preocupar, isto deixa de ser problema nosso e torna-se problema de Deus.
Leslie Newbigin fala da Igreja Missional, um conceito relativamente novo em eclesiologia. Ele nos convida a aprender a discernir os movimentos de Deus, observar para onde Deus está se movendo e cooperar com a obra de Deus. Rick Warren populariza este conceito afirmando que “não fomos convidados a provocar ondas, mas a aprender a surfar nas ondas de Deus”.

1 Co 3.6-9 lemos: “De Deus somos cooperadores”. Agostinho afirma:  “Quando Deus se agita, o homem se levanta”.

O povo de Israel foi levado em cativeiro para passar 70 anos na Babilônia. Um dia, de forma surpreendente, Deus leva Ciro, o grande imperador Persa a fazer um edital no qual libera o povo judeu para retornar à sua terra e reconstruírem a cidade sagrada e o templo, dando ainda cartas de recomendação, provisão e guarnição. Foi neste contexto que o Salmo 126 foi escrito: “Quando o Senhor restaurou nossa sorte, ficamos como quem sonha. Então a nossa boca se encheu de riso, e a nossa língua de jubilo. Então, entre as nações se dizia: grandes coisas o Senhor tem feito por eles, com efeito, grandes coisas fez o Senhor por nós, por isto estamos alegres”.
Quando fomos pastorear a Igreja Christ The King em Cambridge, MA, (1996), tínhamos o grande desafio de reformar o templo recentemente adquirido e que deveria se adequar ao Patrimônio Histórico  da cidade. Tudo muito caro. No entanto, O Sr Marcone começou a frequentar a igreja, ela estava em busca de tratamento de câncer, e tinha muitas posses. Ele era de Nova York, e na primeira visita que nos fez, ao ouvir falar do projeto, doou 50 mil dólares. Ele morreria 1 ½ depois, e durante este tempo nos doou 182 mil dólares.

Não é assim que Deus faz?

É isto que Jesus nos convida a fazer: “Considerai os lírios do campo”. Eles nascem à beira da estrada, não recebem tratamento especial, nem cuidados profissionais de jardineiros, no entanto, nem Salomão, em toda sua glória se vestiu como qualquer um deles.

A segunda dimensão a ser considerada, tem um aspecto pessoal.
Jesus está dizendo aos seus discípulos. Aprendam com a criação.
Deus está querendo nos ensinar, em épocas de incerteza e insegurança, a confiarmos na sua provisão. “olhem a vida de vocês pelo prisma do cuidado de Deus”. Observem os lírios do campo, considerem como vivem os pardais...

Alguns princípios práticos e lógicos são expressos:
A.     Do maior para o menor – “Não é a vida mais que o alimento, e o corpo mais que as vestes?” (Mt 6.25).

B.     Do menor para o maior – “Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves?” (Mt 6.26).

C.     Ansiedade não ajuda em nada – “Qual de vós, por mais ansioso que esteja pode acrescentar um côvado ao curso de sua vida?” (Mt 6.27). ansiedade é improdutiva, ineficaz e pecaminosa.

D.    Ansiedade é coisa de pagão – “Os gentios é que procuram todas estas coisas”. (Mt 6.31,32). Pagão é o descrente, o infiel, o que não tem a visão de um Deus soberano e grandioso como o Deus de Israel.

E.     Ansiedade não nos deixa colocar o foco no lugar certo – “Buscai, pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e todas as demais coisas vos serão acrescentadas”.  (Mt 6.32). Quem vive ansioso e preocupado, não tem saúde, nem condições de considerar o reino de Deus.

Conclusão:
“Considerai”....
“Observai”...
Veja como as coisas de Deus são realizadas.
Simples, misteriosas, generosas, surpreendentes, belas.
Assim deve ser o nosso viver diário.

Que Deus perdoe nossa tola ansiedade.

Mc 14.3-9 Maria fez o que pode!



Você já escolheu seu epitáfio?

Bem... deixe-me explicar o significado deste termo antes de continuar, pois sei que metade das pessoas que leem este texto podem não conhece-lo.
Epitáfio é a frase que lemos nos túmulos das pessoas. É uma tentativa de definir aquilo que as pessoas foram ou dar uma síntese de sua vida.
Certa vez, Ruth Graham, esposa do conhecido evangelista Billy Graham estava com ele numa estrada em reformas. Depois de passarem por trechos acidentados e algumas paradas, o Departamento de Estradas colocou a seguinte frase no final: “Fim das obras. Obrigado pela paciência!”. Naquela hora, Dona Ruth disse ao seu esposo: “Esta é a frase que gostaria estivesse no meu túmulo”. E quando ela morreu e foi sepultada na Carolina do Norte, esta frase foi colocada no seu tumulo.

Veja alguns famosos epitáfios:
Cardeal Richilieu: “Aqui jaz o grande cardeal que fez na vida o bem e o mal. O bem que fez, fez muito mal; o mal que fez, fez muito bem”.

Marques de Sade: “Se eu não vivi mais, foi porque não deu tempo”.

Miguel de Unamuno: “Só peço a Deus que tenha piedade com a alma deste ateu”.

Spike Milligan: “Eu disse que estava doente...”

Não sei se este assunto é o melhor para um sermão, porque algumas pessoas nunca pensaram na sua própria morte, e nem querem falar sobre isto, mas o meu epitáfio eu já escolhi, e espero que sintetize minha curta história sobre a terra. Foi o que Jesus disse sobre Maria: “Samuel fez o que pode!”
Esta é a afirmação de Jesus sobre Maria, esta mulher que se aproxima dele, na casa de Simão, quebra um caro vaso de alabastro com preciosíssimo perfume de nardo puro e derrama o balsamo sobre sua cabeça.

Que cena estranha...
O cheiro enche a casa.
O burburinho surge entre as pessoas que falam baixinho. Muitos não entendem o gesto da mulher. Os discípulos revelam sua irritação: “Para que este desperdício?”(Mt 26.8), e as pessoas presentes também. “Este perfume poderia ser vendido por mais de trezentos denários, e dar-se aos pobres. E murmuravam contra ela” (Mc 14.4). A lógica da pragmaticidade atinge em cheio o coração daquelas pessoas. Alguns até mesmo bem intencionados reagem. Outros nem tanto como Judas, que sendo o tesoureiro, preferia ter o dinheiro em mãos – e a Bíblia afirma que ele não era honesto com o uso daquilo que entrava. “Isto disse ele, não porque tivesse cuidado dos pobres, mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, tirava o que nela se lançava” (Jo 12.6). Era tesoureiro infiel.

E você. Se estivesse lá, qual seria sua reação?
Este texto desafia, ainda hoje, meu pragmatismo, e certamente muitos dos meus leitores. Achamos que devemos dar para as pessoas, mas não nos sentimos felizes em dar para Deus. Achamos que isto não é tão importante. Não queremos adorar a Deus com nossos bens, nem servir a Deus com o dinheiro. É fácil comprar um carro caro, fazer viagens caras, comprar finas roupas, relógios e bolsas com preços que só realezas podem pagar, mas não temos liberalidade em adorar a Deus com nossos bens, nem trazer ofertas extravagantes como fez Maria.
Você já fez alguma doação extravagante e generosa?

Eu gostaria de ouvir de Jesus o que ele disse sobre Maria: “Ela fez o que pode”. Nem mais nem menos...

Duas razões são óbvias: Deus não quer o que não posso, mas Deus não quer que eu deixe de fazer o que posso. As duas declarações são importantes.

Primeiro, Não posso deixar de fazer o que posso...

Deus não vai exigir o que não sou capaz de fazer.
Existe muita demanda hoje em dia dos nossos talentos, recursos e tempo, e isto gera em nós muito sentimento confuso: raiva, impotência, culpa, indiferença.
Quando Deus retorna para ajustar as contas com aqueles a quem foram entregues os talentos, Deus não espera receber daquele que tinha apenas um, cinco talentos multiplicados, mas ele tinha a expectativa de que aquele que recebeu um, lhe retornasse com a proporcionalidade necessária.
Não é assim que nos ensina a Palavra: “A quem muito foi dado, muito será exigido?

Na medida em que Deus me abençoa, ele espera que eu use aquilo que ele me deu, proporcionalmente, para abençoar seu reino. Deus não vai exigir de nós aquilo que ele sabe que não somos capazes de fazer.
Você acha que a igreja é sustentada por ofertas de quem ganha muito? Na grande maioria das vezes, infelizmente, não é. A igreja é sustentada por aqueles que são fiéis. Existem aqueles que ganham muito, mas infelizmente não investem na obra. Não fazem o que poderiam fazer. Ficam aquém daquilo que recebeu. Por isto, a melhor medida da fidelidade não é o quanto você recebe, mas o quanto você dá proporcionalmente.  Não fazem o que deveriam fazer.
Outro exemplo: Muitos cristãos são pessoas com enormes recursos técnicos, grandes talentos na área administrativa, social e jurídica e que poderiam colocar seus dons e serviços a favor do reino, mas não sabem aproveitar de sua influência, expertise e conhecimento para promover o reino de Deus.
Não fazem o que podem...

Há grandes riscos quando consideramos isto. O maior deles: fazer pouco e achar que é bastante. Fazemos mediocramente, limitadamente, damos pouco do nosso tempo e achamos que é demais. Falsa avaliação dos recursos. Deus quer o que você pode fazer, então não faça menos do que aquilo que você pode fazer. Não podemos ser omissos nem passivos. Podemos fazer mais, com excelência. Não podemos chegar no final e ouvir a declaração de Deus: “Servo mau e negligente”.
Muitos aqui devem ter assistido o filme “A lista de Schindler”. O Nazismo estava mandando para o campo de concentração milhares de judeus para serem exterminados, e Schindler, um empresário, a pretexto de precisar de mão de obra qualificada e técnica, começou a contratar pessoas porque assim elas seriam poupadas da morte. Como resultado, mais de mil pessoas foram salvas. Muitas vezes ele usava dos recursos financeiros para dar favores às autoridades nazistas que cediam os homens para suas fábricas.
Quando o pesadelo do nazismo encerrou, seus funcionários sabiam que só estavam vivos por causa de sua intervenção direta e o uso de seu prestigio para protegê-los, e lhe fizeram uma homenagem. No entanto, ele começou a se culpar, olhando para seu caro relógio e seu lindo carro e dizendo: “eu poderia ter vendido meu carro e contratado mais cinco funcionários”. Ele se sentia triste por não ter feito mais...
É muito arriscado chegarmos ao final da vida, com a sensação de que poderíamos ter feito mais, que nossa saúde, talento e recursos poderiam ter abençoado mais vidas.
Estava no funeral de um colega, quando um pastor fez o seguinte e dolorido discurso na hora do sepultamento “Este meu irmão, estava sempre me cobrando que o visitasse. Várias vezes disse que viria, e não o fiz. Lamentavelmente só cheguei para seu funeral. Poderia ter vindo antes, mas infelizmente não o fiz.”
A preguiça, a desculpa, o descaso, o conforto e a indolência são inimigos letais da operosidade.

Maria fez o que pode...
Gostaria de ouvir Deus dizendo a mesma coisa a meu respeito: “Samuel fez o que pode!”
Não deixe de fazer aquilo que Deus lhe deu condições de fazer.

Segundo, Não posso fazer o que não posso...

Este é o outro lado da moeda.
Se na primeira premissa aprendemos que Deus não quer que deixemos de fazer o que podemos, vemos agora, que Deus não quer o que não podemos dar.
Tenho um colega a quem aprecio muito. Ele é um genial professor de hebraico, um grande mestre, editor de livros. No entanto, percebeu, que não tem vocação para ser pregador. As pessoas, contudo, cobravam dele uma performance nesta área para a qual ele não se sentia adequado, até que um dia ouviu uma frase libertadora: “quando eu sei que não sei, não dói”.
Esta é a vantagem de envelhecer. Começamos a perceber que existem certas coisas que Deus não nos chamou para fazer, e podemos lidar com as limitações sem nos sentirmos culpados.
Estou absolutamente certo de que quando vier outro pastor, no futuro, e me substituir na igreja onde pastoreio, ele vai ficar impressionado com a quantidade de falhas que deixei no ministério. A verdade é que, eu só posso fazer o que posso... mas não quero deixar de fazer o que posso...
Na medida que envelhecemos, algumas coisas que fazíamos não conseguimos fazer mais. Isto pode gerar em nós sentimento de inadequação e vazio. Quando meu sogro aposentou do pastorado aos 65 anos, ele continuou ministrando em salas de escola dominical, dirigindo reuniões de oração, fazendo visitas (que sempre foi o ponto forte de seu ministério), e sustentando o pastor de sua igreja em oração e amizade. Suas forças diminuíram, mas ele ia encontrando novas formas de realizar seu ministério e produziu frutos, dentro de suas limitações de idade e saúde, até o último dia em que conseguiu trabalhar.
Ao envelhecermos, podemos continuar fazendo: orando, aconselhando, cuidando, ligando, encorajando os jovens.
Muitas vezes sinto que poderia fazer mais e me sinto culpado de não fazer tanto quanto é necessário, diante de tão pouco que tenho feito.
Há muita necessidade no mundo. Jesus afirmou que “os pobres sempre estariam conosco”, citando um texto de Deuteronômio que acrescentava: “E sempre que quiserdes, podereis fazer-lhes o bem”. Faça aquilo que você tem condições de fazer. Use sua empresa, seus dons, sua criatividade, seus recursos, seu dinheiro, para promover a vida e glorificar a Deus.
Tudo quanto vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além, para onde vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria” (Ec 9.10).
Paulo afirmou no final de sua vida: “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual, o Senhor, o justo juiz me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda” (2 Tm 4.7-8). Que testemunho positivo!

Conclusão:
Maria fez o que pode...
E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não desfalecermos. Por isto, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, principalmente aos domésticos da fé” (Gl 6.9-10).

Não faça menos do que Deus lhe deu capacidade para fazer.

Mas antes de encerrar, preciso falar de duas coisas a mais:
Primeiro, toda vez que falamos de coisas que precisamos fazer e "devemos fazer", os resultados podem ser desastrosos, na perspectiva do Evangelho. A Lei, que foi a primeira aliança, falha e ineficaz trabalha neste "modus operandi". Tudo que se concentra no EU, na capacidade humana de fazer, no que eu posso fazer. O resultado é duplo: Orgulho e fracasso. Se eu consigo fazer aquilo que acho de deveria fazer, torno-me um fariseu, achando que Deus me deve algo, que estou conseguindo, e que o segredo é a minha carne, isto é, aquilo que eu posso fazer. Se não consigo fazer, sinto-me culpado e deprimido, deixo de olhar para a suficiência da cruz de Cristo e concentro-me, em demasia, em mim mesmo. desta forma perco a compreensão de que minha conquista não deve ser para minha auto promoção e sim para a glória de Deus.

Segundo, a realidade é que nunca faremos o suficiente. Porque? Por causa da natureza pecaminosa, da vida auto centrada, da timidez narcisista, da capacidade de nos justificarmos sem razão. Precisamos da obra de Cristo para nos capacitar.
Paulo pergunta na segunda carta aos Coríntios: “Quem, porém, é suficiente para estas coisas?” (2 Co 2.17), para em seguida responder: “A nossa suficiência vem de Deus, que nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança”(2 Co 3.5).
Por ser tão incompleto, tão carente, precisamos da obra de Cristo em nossa vida.
A Bíblia diz que Deus imputou a justiça de Cristo em nós. Isto significa que nossa justiça é insuficiente. Mas ele fez ainda mais. Ele colocou o seu Espirito de poder em nós para realizar sua obra. “Deus é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós”.
Esta é uma promessa maravilhosa.
Não quero deixar de ser operante, mas preciso de sua graça em mim...
Não quero deixar de fazer aquilo que Deus espera de mim, mas preciso de seu poder para fazer isto através de mim.


É isto que nos ensina o Evangelho.