Introdução:
Este texto contém alguns dos diálogos mais surpreendentes dos evangelhos. Um homem, conhecido em Jerusalém por sua deficiência visual aparece, de uma hora para outra, curado por um homem chamado Jesus de Nazaré. Alvoroço na cidade pela cura, e por ela ter sido feita no sábado, o que caracterizaria como quebra de um dos mandamentos. O vs. 8 tenta expressar esta perplexidade: “Então, os vizinhos que dantes o conheciam de vista perguntavam: Não é este o que estava assentado pedindo esmolas?” (Jo 9.8).
Na verdade eles se recusavam a crer que aquele homem fosse o cego. “É ele mesmo?”, “Não é apenas parecido com ele?” alguns mais corajosos lhe perguntavam: Como te foram abertos os olhos?” (Jo 9.10). Isto repercute no templo, o centro político de Israel, entre os lideres daquela teocracia. Era sábado o dia da cura. Como este homem se atreveu a fazer uma cura no sábado?
É curioso como a religiosidade tem a mania de tirar os olhos das pessoas e de Deus e colocá-las nos ritos. Quando os ritos tornam-se mais importantes que Deus, alguma coisa muito grave está acontecendo. Uma religião está em crise quando seus ritos são a coisa mais importante. Jesus deixou bem claro sua visão ao declarar: “O sábado foi criado por causa do homem e não o homem por causa do sábado”. Não podemos confundir essência com acidente. Pessoas são mais importantes que ritos, Deus é mais importante que religião.
Outro aspecto curioso do texto é o pragmatismo. Veja quantas vezes aparece a palavra “como” (Jo. 9.10,16,21,25). Preocupação com o método. Querem saber a engrenagem das coisas. Encontro muitas pessoas ansiosas para entender o funcionamento dos milagres e da obra do Espirito Santo. No dia do Pentecostes perguntaram a mesma coisa: “Como os ouvimos falar em outras línguas?” No fundo acredito que pensam que se conseguirem contratar os meios, serão capazes de reproduzir os milagres, como geralmente acontece como experimentos em laboratórios. O problema é que, preocupados com o “como”, deixam de se impressionar com o “que”. Quando existe um Deus operando e realizando maravilhas, o como torna-se secundário.
Na verdade, o método da cura foi bizarro. Ele cospe no chão, faz um lodo com as mãos, aplica nos olhos do cego e lhe ordena que lave seus olhos no tanque de Siloé (Jo 9.6). Jesus faz como quer.
Esta experiência vivida por este homem o leva a responder algumas perguntas essenciais sobre Jesus. Quem é ele? Qual o seu papel diante de Deus? O que ele representa? Ele não apenas tenta responder estas questões como é cobrado por outros para dizer quem afinal era este misterioso homem capaz de dar vista a um cego de nascença.
Muitos se aproximam de Cristo, como este homem, sem terem uma compreensão clara de quem ele é. Este texto demonstra que este homem precisa sair de uma fé de experiência, intuitiva, para uma fé madura, consistente.
A fé intuitiva tem algumas marcas:
a. Tem experiência com Deus – Na verdade, muitas pessoas param neste primeiro estágio. Recebem um milagre ou uma benção de Deus, e nada mais. Este homem teve uma surpreendente experiência de cura, sem fazer a mínima ideia de quem era aquele que o havia curado.
Tenho encontrado pessoas dentro e fora da igreja, que já tiveram profundas experiências com Cristo, e que, lamentavelmente, não são discípulas de Cristo. Possuem uma experiência emocional, já viram Deus em ação, mas não o seguem, não o adoram, não se comprometem com ele. Não sabem como cultuá-lo, embora já tenham sido por ele abençoado. É isto que acontece com este homem do texto.
As pessoas lhe perguntam: “como te foram abertos os olhos?” Ele responde: “O homem chamado Jesus”. O que ele sabe de Cristo? Apenas que se trata de um homem especial, nada mais. Veja quantas vezes a expressão “não sei”, “nada sabemos”, etc, aparece neste texto. Jesus é um desconhecido apesar do milagre maravilhoso que havia feito.
Os fariseus perguntam: “Que dizes a respeito dele, visto que te abriu os olhos?” Os fariseus pressupõem que ele sabia alguma coisa a mais deste homem, afinal, havia recebido uma benção tão grande... mas o máximo que consegue afirmar, assim mesmo pressionado, que achava que era um profeta, definição está muito vaga em se tratando de Cristo.
b. Nenhum relacionamento com Jesus – esta é a segunda característica de pessoas que ainda se encontram no estágio primitivo da fé intuitiva. Não sabem quem é Cristo, não sabem onde acha-lo, ainda que tenham uma forte experiência com ele.
Muitas pessoas falam de Jesus, atribuem curas realizadas por ele, veem milagres acontecendo na sua vida e na sua casa, sem contudo, possuir, qualquer experiência pessoal e relacional com o Cristo de Nazaré. Receberam a benção, mas não o conhecem.
Isto faz com sua fé se transforme em algo superficial. Uma fé circunstancial, emotiva. Sabem que algo lhes aconteceu, atribuem a Jesus, mas param ai. Este tipo de fé tende a transformar Jesus num milagreiro, curandeiro, e o brasil está cheio de gente que estacionou neste nível superficial de fé.
c. Concepção vaga sobre Jesus – “Quem é este homem? Quem te curou?” Quando lhe perguntam, ele responde correta, mas limitadamente, duas coisas sobre Cristo, entretanto, ele seja muito mais que isto.
i. Ele diz que Jesus é um homem especial – “O homem chamado Jesus” (Jo 9.10). Ele sabe que ele é diferente dos outros, dos amigos, dos familiares. Ele percebe certa excepcionalidade em Jesus.
ii. Ele é profeta (Jo 9.17). Isto já demonstra um respeito maior por Jesus. Ele tem a percepção de que a relação de Cristo com Deus era superior à maioria das pessoas com as quais convivia, afinal, Jesus fizera um milagre excepcional na sua vida. Profetas ocupavam um espaço singular na teologia hebraica, e eram tidos na mais alta consideração pelo povo.
Entretanto, sua fé é ainda superficial. Jesus não é apenas um homem especial ou um profeta. Por esta razão, Jesus se aproxima dele para ensinar. Isto acontece no vs. 35. “Ouvindo Jesus que o tinham expulsado, encontrando-o lhe pergunta: crês tu no Filho do Homem? Ele respondeu e disse: Quem é, Senhor, para que eu nele creia?” (Jo 9.35-36).
O que Jesus está fazendo? A fé intuitiva, vaga, imprecisa, carece de aprofundamento, e ele se aproxima para clarificar àquele homem sua identidade. A experiência de cura não é o bastante para a salvação. Muitos foram curados por Deus e mesmo assim vão para o inferno. Muitos tiveram experiência mas não se converteram e nem adoram a Cristo. Precisamos entender quem ele é, e o que veio fazer aqui entre nós.
Jesus exige três coisas deste homem:
1. Uma compreensão sobre sua identidade. A pergunta do vs 35 sobre o Filho do Homem exige uma explicação. Quem é este personagem ao qual Jesus se refere?
O “Filho do Homem” é um personagem central nas profecias de Daniel. “Eu estava olhando nas minhas visões da noite, e eis que vinha com as nuvens dos céus um como o Filho do Homem, e dirigiu-se ao Ancião de Dias, e o fizeram chegar até ele. Foi-lhe dado domínio e gloria, e o reino para que os povos, nações e homens de todas as línguas o servissem. O seu domínio é domínio eterno que não passará e seu reino jamais será destruído” (Dn 7.13-14).
Aquele homem era cego, mas não estúpido. Por causa da deficiência de seus órgãos, provavelmente lhe tenha sido aguçado a audição. Muitas vezes ouviu discussões sobre este “Filho do Homem” ali no templo, ouvindo os rabinos. Ele sabia que este “Filho do Homem” surgiria na história de Israel, com grande poder e domínio eterno. Por isto, a pergunta de Cristo, é direta. Você crê no Filho do Homem?
Diante da negação e desconhecimento, já que o homem pergunta: “Quem é senhor, para que eu nele creia”, Jesus lhe afirmou: “Já o tens visto, é o que fala contigo” (Jo 9.37).
Jesus assume e se identifica com toda esta profecia relativa ao personagem de Daniel. Ao entender a mensagem de Cristo, ele faz uma profunda declaração de fé: “Creio, Senhor, e o adorou”.
A fé madura passa a ter uma compreensão clara, sem oscilação, sobre a identidade de Cristo.
Muitas vezes pessoas sinceras, atraídas a Jesus, curadas por Cristo, não sabem muito sobre Jesus, e nesta hora, precisam aprofundar e se tornar discípulos de Cristo. Muitos destes não hesitam. Muitas vezes já vi a expressão de alegria e anseio quando lhes perguntam se querem entregar sua vida a Cristo, respondendo alegremente: “Isto é o que mais quero na vida!”.
2. Jesus aprofunda as convicções – Isto é evidente no texto. Todas as vezes que alguém perguntava algo a este homem suas afirmações eram vagas e imprecisas. Agora, porém, brota no seu coração uma convicção profunda e intrépida. “Eu creio”. Já não é mais “não sei”, mas eu seu. Não é mais incerteza, mas confiança e segurança.
Que benção maravilhosa acontece no coração de um homem quando ele deixa para trás sua insegurança e incerteza e é encharcado com uma convicção profunda e clara de Deus em seu coração. Jacó sentiu-se assim: “Na verdade o Senhor está neste lugar e eu não sabia”. Isto acontece no coração daquele que experimenta a convicção e certeza que vem de Deus para sua vida.
3. Adoração plena – Esta é a terceira coisa que acontece numa fé madura e consistente. Quando aquele homem declara sua fé publicamente, diante de Jesus e das pessoas. De forma impulsiva e imediata, ele se curva e se rende: “Creio, Senhor, e o adorou” (Jo 9.38).
Sua atitude é muito difícil para um judeu.
Desde cedo ele havia aprendido o Shemah hebraico em casa e na sinagoga: “Ouve ó Israel, o Senhor teu Deus é o único Senhor. Só a ale adorarás e só a ele darás culto”. Desde cedo aprendiam os dez mandamentos. “Não terás outros Deuses diante de mim”, e o segundo que dizia: “Não farás para ti imagem de escultura, não as adorarás, nem lhe darás culto”. O judeu só se curvava diante de Deus, jamais o faria diante de um homem ou um escultura.
Esta atitude é muito difícil para nossa cultura
Apesar das diferenças culturais e religiosas entre nós e este homem, não é assim ainda em nossos dias? Como as pessoas tem dificuldade de se ajoelhar diante de Cristo, se curvar diante de Deus. Eventualmente até trazem uma oferta, participam do culto, mas nunca se rendem. Nunca chegam a um ponto de rendição plena em que se prostram diante de Deus, em submissão, dizendo: “Eu creio Senhor!”
A fé madura, evangélica e bíblica, nos leva a um ponto central: rendição e adoração a Deus. É isto que agora este homem está fazendo.
Conclusão
Precisamos caminhar da fé intuitiva para uma fé consistente. Da experiência de cura, milagre. Se você já recebeu uma benção de Cristo, mas ainda não se curvou, se já teve contato com a realidade deste Deus, mas ainda não se rendeu a ele nem o confessou em adoração, ainda segue perdido sem salvação. Sua fé é ainda meramente intuitiva, experiencial, circunstancial, emocional, mas não é ainda a fé salvadora.
Jesus quer nos levar a um outro nível de fé. Por isto procura este homem para falar deste outro aspecto ainda mais importante, porque tinha a ver com sua alma.
Ele quer adoradores, gente que tenha relacionamento com ele. O milagre se efetua de forma didática, pedagógica, para ilustrar verdades espirituais mais profundas. Logo após a rendição e adoração deste homem, Jesus faz outro discurso muito importante.
“Eu vim a este mundo para juízo, a afim de que, os que não veem, vejam, e os que veem se tornem cegos” (Jo 9.39)
Qual o significado destas palavras?
Muitos dos que acham que estão vendo, mas mesmo assim continuam com seus corações endurecidos, sem se prostrar diante dele, ainda continuam cegos, muitos que nada viam, podem agora enxergar completamente, não porque receberam uma cura física, mas porque se relacionam com o Filho do Homem.
Que Deus nos tire de uma fé meramente intuitiva, para uma fé madura, que nos torne verdadeiros adoradores, gente com coração curvado, prostrado, fazendo profundas asseverações sobre aquilo que Jesus é. Que saiam da relação da busca da benção do Senhor, para o Senhor da benção.
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