quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Ef 4.1-4 Ande de Modo digno


Resultado de imagem para imagens andar digno

Até o capítulo 4, a carta ao Efésios é predominantemente doutrinária. Daqui em diante, Paulo sai da exposição para a exortação. Do indicativo (Deus fez) para o imperativo (devemos fazer),  dos pressupostos teológicos para as implicações práticas. “No capitulo 3 Paulo é pioneiro em divulgar tão grande mistério, que tem suas repercussões até entre os poderes do mal... chegando agora ao capitulo 4... chama a, individualmente reconhecermos nossa parte neste novo homem, ou corpo de Cristo” (Shedd, pg 59).
Isto nos mostra que Deus nunca exige antes de dar de si mesmo. Até este texto a Bíblia nos ensina o aspecto teológico; daqui para a frente, o aspecto ético. Paulo não tem preocupação moralista, senão de levar os cristãos à maturidade. “Quando um homem entra em qualquer sociedade, ele assume a obrigação de viver certo estilo de vida; e se ele falha nestas obrigações, e adoece tal sociedade e traz descrédito para seu nome” (Barclay, 135)

No capítulo 4 são desenvolvidas cinco linhas:

A. Nosso caráter e conduta - vs. 1,2
B. A unidade da fé - vs.3-6
C. A diversidade dos dons - vs. 7-12
D. A maturidade da vida cristã - vs. 13-16

Queremos destacar aspectos desta caminhada:

1. A vida cristã é uma vocação
Vocação é mais que tendência, é compulsão. Não se trata de profissão, mas de chamado. Quando temos interesses, motivos, desejos e vontade, tudo passa a girar em torno daquilo que mobiliza o coração. Vocação atrai, como o tropismo (o inseto para a luz, ou da planta que se volta em direção ao sol). Teologicamente nossa relação com Deus é chamada de "vocação eficaz". Vocação é algo que nem sempre a pessoa determina, pode ser que inicialmente a ideia se torne até motivo de rejeição, mas depois começa a fazer sentido, e encharca a vida, Assim é a vocação divina.
Rev. José Borges dos Santos Jr procurava fazer uma diferença entre profissão e vocação afirmando que "profissão é secular, vocação é divina !" Neste sentido, todos temos uma determinada profissão, mas vocação, apenas uma.

2. A vida cristã evidencia-se pela dignidade
Rev. Eudaldo Silva Lima, na posse do pastor da Igreja Presbiteriana do Lago Sul em Brasília, nos idos de 1987 afirmou:  "A vocação pastoral anda meio desmoralizada". A ausência de consciência vocacional gera vexame, leva as pessoas a questionarem o evangelho, em alguns casos, vivemos um cristianismo tão desautorizado que começamos a ter vergonha de declarar que somos cristãos. Qual é a herança, o nome que temos legado aos nossos filhos? Houve época em que ser evangélico era motivo de respeito, integridade, hoje de questionamento. Um pastor era respeitado e honrado, sóbrio e honesto, hoje é identificado com charlatanismo, engodo e mentira. Como temos forjado atualmente o nome de Cristo?
Neste texto aprendemos que devemos andar de modo digno da vocação cristã. Temos um nome a zelar, e este nome é de Jesus, nosso Senhor.
Quando criança morei na cidade de Gurupi-TO, e havia um homem muito querido, mas com uma vida de auto destruição pelo alcoolismo. Ele perdia o senso do ridículo quando estava dominado pela bebida, dormia nas calçadas, e andava com as roupas toda suja e fedida, mas quando estava sóbrio, era trabalhador e respeitoso, mas o álcool estava roubando dele toda dignidade. Meu pai e ele eram xarás, tinham o mesmo nome, meu pai gostava muito dele e tentava ajudá-lo, às vezes dando comida e roupa, conversando e aconselhando. Um dia ele disse ao “Jonas bêbado”, como era chamado: “Jonas, assim não dá, temos o mesmo nome, e você precisa mudar. Então, decida: ou você muda de nome ou muda de vida”. Acho que é assim que Deus muitas vezes olha para o povo que se chama pelo seu nome: “Ou mudem de nome, ou mudem de atitude”.
Existe uma dignidade inerente ao povo cristão, e esta dignidade deve ser preservada.

3. A dignidade evidencia-se pelo estilo de vida. Cinco atitudes cristãs tornam-se as colunas desta vida digna: Humildade, mansidão, longanimidade, mútua tolerância e unidade no Espírito.

  1. Humildade - Humildade não é modéstia (embora muitas vezes possa estar associada), e  nem pobreza. Certa vez, o famoso filósofo Sócrates, que gostava de se vestir bem, encontrou-se com  Antístenes, um filósofo que defendia a virtude da pobreza e andava maltrapilho, e tiveram um debate, no qual afirmou:  "Posso ver o teu orgulho, pelo buraco de teus mantos".
A falsa modéstia, servilidade, subserviência, comodismo e abnegação, podem se tornar poderosos instrumentos de manipulação e pretensa virtude, mas é bom lembrar que a maioria delas é fraqueza, não algo para ser exaltado, são falsas evidências de humildade. Jesus não proclamava sua humildade, embora vivesse um estilo de vida simples. Podia ser rei, mas optou por ser servo. Humilhou-se a si mesmo, abriu mão de prerrogativas pessoais, reconhecia a dignidade e valor de outras pessoas e abria espaço para elas.

  1. Mansidão – A palavra grega é “prautes”, que poderia ser traduzida por suavidade dos fortes, de quem poderia esmagar pela sua força, mas prefere mantê-la sob controle. Originalmente pode ser traduzida por “aquele que se torna útil”. Era usado para cavalos selvagens, fortes e brutos, mas que era domados e agora, apesar da força que possuíam, eram usados para o serviço, deixavam de ser indomáveis, selvagens, para ajudar. “um animal que foi treinado e domesticado até o ponto em que ele está completamente sob controle. Portanto, é o homem que tem todo seu instinto e controle sobre perfeito controle”(Barclay), ou como afirma Foulkes: “O homem que é manso não reivindica sua própria importância ou autoridade”( Foulkes, 91).
Barclay sugere que a palavra grega traz a ideia de ser um cavalheiro, já que Aristóteles afirma que esta é a virtude que fica entre dois extremos. Um homem com esta virtude é alguém que pode se irar em determinado momento mas nunca fica irado no tempo errado.

  1. Longanimidade -  A palavra original é “makrothimia”, uma palavra composta de “makro” (grande ou distante), com “thimia” (ira). Portanto, a palavra se refere à capacidade de lidar com a  ira, colocando-a bem longe. Esta é uma das virtudes de Deus, que é longânimo com o pecador, não tendo pressa em julgá-lo, mas desejando que ele se arrependa e abandone seu erro.

Deus não se apressa em retaliar o pecado, a vingar imediatamente. Muitas vezes achamos Deus indolente, por não julgar imediatamente o mal, mas a ira de Deus não é uma ira emocional. "Nao retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada, pelo contrário, ele é fiel, não querendo que ninguém se perca" (2 Pe 3.9) Ele não reage às provocações dos homens, ele vai julgar, a seu tempo, todas as coisas, mas não é alguém explosivo e iracundo. “É a atitude de espirito que suporta insulto e injúria sem amargura e reclamação. É o espírito de quem pode sofrer maus tratos de pessoas desagradáveis com graça e tolos sem, sem irritação” (Barclay, 139)
A Bíblia demonstra como Deus é longânimo no episódio dos amorreus. Ele antecipa a Abraão que sua descendência será levada cativa, mas afirma que voltaria à terra prometida e assumiria aquele lugar como sua herança afirmando: "Porque não se encheu ainda a medida da iniquidade dos amorreus" (Gn 15.15). Não é curioso? Só depois de 400 anos de cativeiro, os iníquos amorreus seriam julgados e despojados de sua terra. Deus não exerceu imediatamente o juízo. Sua ira e justiça virão no tempo certo. Assim é a ira de Deus.
A vocação cristã é caracterizada por esta capacidade de não reagir às provocações, a não agir com impulsividade e carnalidade.

  1. Tolerância em amor  - Esta é outra qualidade inerente à vocação cristã. Quando Cristo está presente, ele nos ensina a amar, até mesmo aqueles que são amistosos e provocativos. “Significa ser clemente com as fraquezas dos outros, não deixando de amar o próximo ou os amigos devido àquelas suas falas ainda que, talvez, nos ofendam ou nos desagradem” (appud, Foulkes, 91)

Nem sempre é fácil tolerar. Muitas vezes sentimos a vontade de gritar: “Ai minha senhora do chuveiro, dá-me resistência!” Ou como o resignado que falou: “tô que nem chuveiro queimado : nem ligo e quando ligo nem esquento!” 

  1. Preservar a unidade do Espírito – Esta é a última característica desta vida digna de Deus. Ela se evidencia pela constante luta pela unidade do Espírito.
Existem algumas coisas muito importantes neste texto:
Primeiro, precisamos diferenciar unidade e união. A Bíblia não está falando de laços externos, de vínculos associativos como numa agremiação ou clube, mas coisas do coração. A Bíblia está falando de unidade, algo que brota no coração, atinge o âmago do ser, gerada pelo Espirito de Deus.
Em segundo lugar, preservar, não é criar . O texto não exorta os crentes a criar a unidade, mas, preservá-la. Só se preserva o que já existe. A unidade é obra do Espírito Santo, nunca dos homens, nossa função não é produzi-la, mas lutar para que ela seja mantida.
Terceiro, há necessidade de diligência. O texto diz: "esforçai-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito". Isto sugere que a unidade da igreja sempre enfrenta obstáculos e várias razões podem gerar tal crise:
            a. As pessoas podem interpretar os fatos de forma distinta;
            b. As pessoas podem fazer afirmações verdadeiras de forma desamorosa;
            c. A ação satânica, que sempre procura dividir o povo de Deus.

Entretanto, como povo de Deus, precisamos estar atentos a isto e lutar pela unidade.
Igrejas muitas vezes sofrem divisões e enfrentam disputas, resultantes da vaidade, orgulho, desejo de proeminência, e dificuldade de perdoar o erro do outro. Muitas vezes interpretamos equivocadamente as situações, falamos descaridosamente, ou falam desta forma conosco. É preciso lutar para manter a paz que o Espirito Santo tem criado.

Conclusão:

Paulo tenta lembrar à Igreja de Efésios a sua vocação/identidade. Quem eram em Cristo, povo amado, redimido, comprado pelo sangue do Cordeiro.
talvez a identidade perdida do povo de Deus seja, ainda hoje, um dos problemas centrais da espiritualidade cristã. Você sabe sua identidade? Como Deus o vê?
No filme "O rei Leão", temos o relato de um pequeno rei que precisa fugir de sua terra depois da morte de seu pai. Ele foi injustamente acusado, e para salvar sua pele, agora vai para lugares distantes de sua terra. Ali encontrou dois hilários personagens: Pumba (um javali, atabalhoado), e Timão (um suricata bagunceiro). Eles se tornam seus amigos, e os três começam a se meter em confusão e a comer insetos. Passam o dia inteiro sem propósito, e cantando "Hakuna matata", mas um dia um fato novo acontece. Rafiki (o macaco místico) se apresenta ao pequeno rei Leão, para lembrar-lhe de quem ele era e de suas responsabilidades. no primeiro diálogo, espantado, o leãozinho pergunta: "quem é você", e Rafiki responde: "A questão não é quem eu sou, mas quem você é". Retomado a consciência de sua identidade, ele volta para sua terra para livrar seu povo da opressão e das trevas.
muitas vezes perdemos a noção de nossa identidade de filhos amados, herdeiros com Cristo, e da vocação e identidade que temos. 
Quando soubermos, realmente, da verdadeira identidade, passaremos a nos comportar como povo santo, real, propriedade valiosa e exclusiva de Deus. Tudo é questão de identidade e vocação.

Preparado:
Igreja presbiteriana da Gávea. 1991.
Refeito, Anápolis, 2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário