Até
o capítulo 4, a carta ao Efésios é predominantemente doutrinária. Daqui em
diante, Paulo sai da exposição para a exortação. Do indicativo (Deus fez) para
o imperativo (devemos fazer), dos
pressupostos teológicos para as implicações práticas. “No capitulo 3 Paulo é
pioneiro em divulgar tão grande mistério, que tem suas repercussões até entre
os poderes do mal... chegando agora ao capitulo 4... chama a, individualmente
reconhecermos nossa parte neste novo homem, ou corpo de Cristo” (Shedd, pg 59).
Isto
nos mostra que Deus nunca exige antes de dar de si mesmo. Até este texto a
Bíblia nos ensina o aspecto teológico; daqui para a frente, o aspecto ético.
Paulo não tem preocupação moralista, senão de levar os cristãos à maturidade.
“Quando um homem entra em qualquer sociedade, ele assume a obrigação de viver
certo estilo de vida; e se ele falha nestas obrigações, e adoece tal sociedade
e traz descrédito para seu nome” (Barclay, 135)
No
capítulo 4 são desenvolvidas cinco linhas:
A. Nosso caráter e conduta - vs. 1,2
B. A unidade da fé - vs.3-6
C. A diversidade dos dons - vs. 7-12
D. A maturidade da vida cristã - vs. 13-16
Queremos
destacar aspectos desta caminhada:
1. A vida cristã é uma vocação
Vocação
é mais que tendência, é compulsão. Não se trata de profissão, mas de chamado.
Quando temos interesses, motivos, desejos e vontade, tudo passa a girar em
torno daquilo que mobiliza o coração. Vocação atrai, como o tropismo (o inseto
para a luz, ou da planta que se volta em direção ao sol). Teologicamente nossa
relação com Deus é chamada de "vocação eficaz". Vocação é algo que
nem sempre a pessoa determina, pode ser que inicialmente a ideia se torne até
motivo de rejeição, mas depois começa a fazer sentido, e encharca a vida, Assim
é a vocação divina.
Rev.
José Borges dos Santos Jr procurava fazer uma diferença entre profissão e
vocação afirmando que "profissão é secular, vocação é divina !" Neste
sentido, todos temos uma determinada profissão, mas vocação, apenas uma.
2. A vida cristã evidencia-se pela
dignidade
Rev.
Eudaldo Silva Lima, na posse do pastor da Igreja Presbiteriana do Lago Sul em
Brasília, nos idos de 1987 afirmou:
"A vocação pastoral anda meio desmoralizada". A ausência de
consciência vocacional gera vexame, leva as pessoas a questionarem o evangelho,
em alguns casos, vivemos um cristianismo tão desautorizado que começamos a ter
vergonha de declarar que somos cristãos. Qual é a herança, o nome que temos
legado aos nossos filhos? Houve época em que ser evangélico era motivo de
respeito, integridade, hoje de questionamento. Um pastor era respeitado e
honrado, sóbrio e honesto, hoje é identificado com charlatanismo, engodo e
mentira. Como temos forjado atualmente o nome de Cristo?
Neste
texto aprendemos que devemos andar de modo digno da vocação cristã. Temos um
nome a zelar, e este nome é de Jesus, nosso Senhor.
Quando
criança morei na cidade de Gurupi-TO, e havia um homem muito querido, mas com
uma vida de auto destruição pelo alcoolismo. Ele perdia o senso do ridículo quando
estava dominado pela bebida, dormia nas calçadas, e andava com as roupas toda
suja e fedida, mas quando estava sóbrio, era trabalhador e respeitoso, mas o
álcool estava roubando dele toda dignidade. Meu pai e ele eram xarás, tinham o
mesmo nome, meu pai gostava muito dele e tentava ajudá-lo, às vezes dando
comida e roupa, conversando e aconselhando. Um dia ele disse ao “Jonas bêbado”,
como era chamado: “Jonas, assim não dá, temos o mesmo nome, e você precisa
mudar. Então, decida: ou você muda de nome ou muda de vida”. Acho que é assim
que Deus muitas vezes olha para o povo que se chama pelo seu nome: “Ou mudem de
nome, ou mudem de atitude”.
Existe
uma dignidade inerente ao povo cristão, e esta dignidade deve ser preservada.
3. A dignidade evidencia-se pelo
estilo de vida. Cinco atitudes
cristãs tornam-se as colunas desta vida digna: Humildade, mansidão,
longanimidade, mútua tolerância e unidade no Espírito.
- Humildade - Humildade não é modéstia (embora muitas
vezes possa estar associada), e nem
pobreza. Certa vez, o famoso filósofo Sócrates, que gostava de se vestir
bem, encontrou-se com Antístenes,
um filósofo que defendia a virtude da pobreza e andava maltrapilho, e
tiveram um debate, no qual afirmou: "Posso ver o teu orgulho, pelo
buraco de teus mantos".
A
falsa modéstia, servilidade, subserviência, comodismo e abnegação, podem se
tornar poderosos instrumentos de manipulação e pretensa virtude, mas é bom
lembrar que a maioria delas é fraqueza, não algo para ser exaltado, são falsas
evidências de humildade. Jesus não proclamava sua humildade, embora vivesse um
estilo de vida simples. Podia ser rei, mas optou por ser servo. Humilhou-se a
si mesmo, abriu mão de prerrogativas pessoais, reconhecia a dignidade e valor
de outras pessoas e abria espaço para elas.
- Mansidão
– A palavra grega é “prautes”, que poderia ser traduzida
por suavidade dos fortes, de quem poderia esmagar pela sua força, mas
prefere mantê-la sob controle. Originalmente pode ser traduzida por
“aquele que se torna útil”. Era usado para cavalos selvagens, fortes e
brutos, mas que era domados e agora, apesar da força que possuíam, eram
usados para o serviço, deixavam de ser indomáveis, selvagens, para ajudar.
“um animal que foi treinado e domesticado até o ponto em que ele está
completamente sob controle. Portanto, é o homem que tem todo seu instinto
e controle sobre perfeito controle”(Barclay), ou como afirma Foulkes: “O
homem que é manso não reivindica sua própria importância ou autoridade”(
Foulkes, 91).
Barclay
sugere que a palavra grega traz a ideia de ser um cavalheiro, já que
Aristóteles afirma que esta é a virtude que fica entre dois extremos. Um homem
com esta virtude é alguém que pode se irar em determinado momento mas nunca
fica irado no tempo errado.
- Longanimidade
- A palavra original é “makrothimia”, uma palavra composta de “makro” (grande
ou distante), com “thimia” (ira). Portanto, a palavra se refere à
capacidade de lidar com a ira,
colocando-a bem longe. Esta é uma das virtudes de Deus, que é longânimo
com o pecador, não tendo pressa em julgá-lo, mas desejando que ele se
arrependa e abandone seu erro.
Deus
não se apressa em retaliar o pecado, a vingar imediatamente. Muitas vezes
achamos Deus indolente, por não julgar imediatamente o mal, mas a ira de Deus
não é uma ira emocional. "Nao retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada, pelo contrário, ele é fiel, não querendo que ninguém se perca" (2 Pe 3.9) Ele não reage às provocações dos homens, ele vai
julgar, a seu tempo, todas as coisas, mas não é alguém explosivo e iracundo. “É
a atitude de espirito que suporta insulto e injúria sem amargura e reclamação.
É o espírito de quem pode sofrer maus tratos de pessoas desagradáveis com graça
e tolos sem, sem irritação” (Barclay, 139)
A Bíblia demonstra como Deus é longânimo no episódio dos amorreus. Ele antecipa a Abraão que sua descendência será levada cativa, mas afirma que voltaria à terra prometida e assumiria aquele lugar como sua herança afirmando: "Porque não se encheu ainda a medida da iniquidade dos amorreus" (Gn 15.15). Não é curioso? Só depois de 400 anos de cativeiro, os iníquos amorreus seriam julgados e despojados de sua terra. Deus não exerceu imediatamente o juízo. Sua ira e justiça virão no tempo certo. Assim é a ira de Deus.
A Bíblia demonstra como Deus é longânimo no episódio dos amorreus. Ele antecipa a Abraão que sua descendência será levada cativa, mas afirma que voltaria à terra prometida e assumiria aquele lugar como sua herança afirmando: "Porque não se encheu ainda a medida da iniquidade dos amorreus" (Gn 15.15). Não é curioso? Só depois de 400 anos de cativeiro, os iníquos amorreus seriam julgados e despojados de sua terra. Deus não exerceu imediatamente o juízo. Sua ira e justiça virão no tempo certo. Assim é a ira de Deus.
A
vocação cristã é caracterizada por esta capacidade de não reagir às
provocações, a não agir com impulsividade e carnalidade.
- Tolerância
em amor - Esta é outra qualidade inerente à vocação
cristã. Quando Cristo está presente, ele nos ensina a amar, até mesmo
aqueles que são amistosos e provocativos. “Significa ser clemente com as
fraquezas dos outros, não deixando de amar o próximo ou os amigos devido
àquelas suas falas ainda que, talvez, nos ofendam ou nos desagradem”
(appud, Foulkes, 91)
Nem
sempre é fácil tolerar. Muitas vezes sentimos a vontade de gritar: “Ai minha
senhora do chuveiro, dá-me resistência!” Ou como o resignado que falou: “tô que
nem chuveiro queimado : nem ligo e quando ligo nem esquento!”
- Preservar
a unidade do Espírito – Esta
é a última característica desta vida digna de Deus. Ela se evidencia pela
constante luta pela unidade do Espírito.
Existem
algumas coisas muito importantes neste texto:
Primeiro,
precisamos diferenciar unidade e união. A Bíblia não está falando de laços
externos, de vínculos associativos como numa agremiação ou clube, mas coisas do
coração. A Bíblia está falando de unidade, algo que brota no coração, atinge o
âmago do ser, gerada pelo Espirito de Deus.
Em
segundo lugar, preservar, não é criar . O texto não exorta os crentes a criar
a unidade, mas, preservá-la. Só se preserva o que já existe. A unidade é obra
do Espírito Santo, nunca dos homens, nossa função não é produzi-la, mas lutar
para que ela seja mantida.
Terceiro,
há necessidade de diligência. O texto diz: "esforçai-vos diligentemente
por preservar a unidade do Espírito". Isto sugere que a unidade da igreja sempre
enfrenta obstáculos e várias razões podem gerar tal crise:
a. As pessoas podem interpretar os
fatos de forma distinta;
b. As pessoas podem fazer afirmações
verdadeiras de forma desamorosa;
c. A ação satânica, que sempre
procura dividir o povo de Deus.
Entretanto,
como povo de Deus, precisamos estar atentos a isto e lutar pela unidade.
Igrejas
muitas vezes sofrem divisões e enfrentam disputas, resultantes da vaidade,
orgulho, desejo de proeminência, e dificuldade de perdoar o erro do outro.
Muitas vezes interpretamos equivocadamente as situações, falamos
descaridosamente, ou falam desta forma conosco. É preciso lutar para manter a
paz que o Espirito Santo tem criado.
Conclusão:
Paulo tenta lembrar à Igreja de Efésios a sua vocação/identidade. Quem eram em Cristo, povo amado, redimido, comprado pelo sangue do Cordeiro.
talvez a identidade perdida do povo de Deus seja, ainda hoje, um dos problemas centrais da espiritualidade cristã. Você sabe sua identidade? Como Deus o vê?
No filme "O rei Leão", temos o relato de um pequeno rei que precisa fugir de sua terra depois da morte de seu pai. Ele foi injustamente acusado, e para salvar sua pele, agora vai para lugares distantes de sua terra. Ali encontrou dois hilários personagens: Pumba (um javali, atabalhoado), e Timão (um suricata bagunceiro). Eles se tornam seus amigos, e os três começam a se meter em confusão e a comer insetos. Passam o dia inteiro sem propósito, e cantando "Hakuna matata", mas um dia um fato novo acontece. Rafiki (o macaco místico) se apresenta ao pequeno rei Leão, para lembrar-lhe de quem ele era e de suas responsabilidades. no primeiro diálogo, espantado, o leãozinho pergunta: "quem é você", e Rafiki responde: "A questão não é quem eu sou, mas quem você é". Retomado a consciência de sua identidade, ele volta para sua terra para livrar seu povo da opressão e das trevas.
muitas vezes perdemos a noção de nossa identidade de filhos amados, herdeiros com Cristo, e da vocação e identidade que temos.
Quando soubermos, realmente, da verdadeira identidade, passaremos a nos comportar como povo santo, real, propriedade valiosa e exclusiva de Deus. Tudo é questão de identidade e vocação.
Conclusão:
Paulo tenta lembrar à Igreja de Efésios a sua vocação/identidade. Quem eram em Cristo, povo amado, redimido, comprado pelo sangue do Cordeiro.
talvez a identidade perdida do povo de Deus seja, ainda hoje, um dos problemas centrais da espiritualidade cristã. Você sabe sua identidade? Como Deus o vê?
No filme "O rei Leão", temos o relato de um pequeno rei que precisa fugir de sua terra depois da morte de seu pai. Ele foi injustamente acusado, e para salvar sua pele, agora vai para lugares distantes de sua terra. Ali encontrou dois hilários personagens: Pumba (um javali, atabalhoado), e Timão (um suricata bagunceiro). Eles se tornam seus amigos, e os três começam a se meter em confusão e a comer insetos. Passam o dia inteiro sem propósito, e cantando "Hakuna matata", mas um dia um fato novo acontece. Rafiki (o macaco místico) se apresenta ao pequeno rei Leão, para lembrar-lhe de quem ele era e de suas responsabilidades. no primeiro diálogo, espantado, o leãozinho pergunta: "quem é você", e Rafiki responde: "A questão não é quem eu sou, mas quem você é". Retomado a consciência de sua identidade, ele volta para sua terra para livrar seu povo da opressão e das trevas.
muitas vezes perdemos a noção de nossa identidade de filhos amados, herdeiros com Cristo, e da vocação e identidade que temos.
Quando soubermos, realmente, da verdadeira identidade, passaremos a nos comportar como povo santo, real, propriedade valiosa e exclusiva de Deus. Tudo é questão de identidade e vocação.
Preparado:
Igreja presbiteriana da Gávea. 1991.
Refeito,
Anápolis, 2016
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