segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Lc 1.34 Como será isto?


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Como será isto?

Esta foi a pergunta de Maria ao anjo Gabriel, quando soube que daria a luz a um filho, sem que tivesse qualquer relação sexual com um homem. Biologicamente isto era impossível para aqueles dias, sem os avanços da medicina que propicia bebê de proveta, inseminação artificial e tem estudos avançados em clonagem. Maria, legitimamente expressa o desejo de conhecer a fórmula e o método que Deus usaria, daí a pergunta apropriada: “Como será isto?”

Esta é uma pergunta comum dos seres humanos quando se veem diante de algo sobrenatural ou inexplicável. Como é possível? 

Esta foi a pergunta feita pelos assustados homens que presenciaram o derramamento do Espirito Santo no dia do Pentecoste. “Como os ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus” (At 2.11). São pessoas que querem saber sobre a mecânica, o funcionamento, querem saber o “como”, a fórmula que Deus usa para realizar o milagre. Embora não haja nada errado em perguntas como estas, corremos o risco de ficarmos tentando entender o processo, sem nos apropriarmos da benção.

Talvez a necessidade humana de saber o “como”, revele o desejo do homem de não perder o controle dos fatos, ter o controle dos eventos, ou antecipar o próximo lance de Deus, mas Deus nunca andou pelo convencional e nunca gastou tempo para explicar como realizaria o milagre. Ele é Deus, e por sua natureza usa a prerrogativa do inusitado para fazer o que intende fazer. Os homens talvez acreditem que, se puderem explicar os eventos, talvez seria mais fácil equacioná-lo (palavra bem matemática...”, e assim seriamos menos surpreendidos com as intervenções sobrenaturais de Deus. 


O ponto, porém, é que uma das prerrogativas da divindade é surpreender. Um evento só pode ser considerado miraculoso se não pode ser explicado, ele “transgride” o convencional, sai da esfera da normalidade e do senso comum. Por isto é chamado “milagre”. A grande questão, porém, não é encontrar respostas àquilo que não pode ser explicado, mas deixar-se surpreender pela maravilha do evento. Maria certamente continuou sem entender o que estava acontecendo, mas de forma obediente e submissa diz: “Aqui está a serva do Senhor, que se cumpra em mim a tua palavra” (Lc 1.38). Maria não entende o processo, mas desfruta do milagre; não entende a lógica, mas regozija-se em Deus. 

Na obra "Proslógio", capítulo 1, Santo Anselmo, um dos pais da igreja, apresenta uma exortação para se conhecer a Deus. No final do capítulo, ele faz a afirmação "...efetivamente creio, pois, se não cresse, não poderia compreender". Para Anselmo de Cantuária, a compreensão só pode surgir após a fé. Conceito parecido exprimiu Santo Agostinho ao dizer: "creio para entender, entendo para crer". “Creio tudo o que entendo, mas nem tudo que creio também entendo. Tudo o que compreendo conheço, mas nem tudo que creio conheço.” este é um princípio que conecta fé e razão: “Crê para compreender, compreende para crer.
(Agostinho. De Magistro. São Paulo: Abril Cultural, 19733 p. 319. Coleção “Os Pensadores”).

O racionalismo nos faz pensar que sem entender não posso crer. Só é possível crer naquilo que for possível explicar cientificamente. Em outras palavras: “Eu creio porque a ciência provou que isto é verdade!”. O problema é que para acreditar apenas no que a razão conseguir comprovar cientificamente, não há necessidade de fé. Fé tem a ver com a capacidade de ver o que não se pode equacionar ou aquilo que não se vê. Esta é a definição clássica: “Certeza de coisas que se esperam, convicção de fatos que não se veem” (Hb 11.1). Os milagres, a vida, a ressurreição de Cristo e a própria realidade de Deus, podem ser apreendidos pela ciência. A razão sozinha pode até ter certo conhecimento limitado de Deus (Rm 1.20), mas a revelação é quem ilumina o homem ao conhecimento das realidades divinas.
Existem muitas coisas que a humanidade não consegue explicar, apesar da pesquisa e da ciência. Billy Graham afirmou numa palestra a uma seleta plateia em Harvard que há três coisas que o homem não consegue explicar:

i. O mistério da Morte – Como equacionar a transitoriedade humana, que pessoas ainda tão jovens sejam levadas, que a vida seja tão rápida e misteriosa?

ii. O mistério do sofrimento – Por que sofremos? Porque pessoas inocentes sofrem tantos abusos e dores? Qual é a razão da enfermidade?

iii. O mistério do Mal – Por que o mal existe no mundo? São relatos tão cruéis, porque tais homens não são simplesmente destruídos?

Em todas estas coisas precisamos de humildade para descansar. Jó experimentou tudo isto, mantendo sua perspectiva de fé: “Eu sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado”. Ele faz esta afirmação rodeado por eventos complexos que exigem dos seres humanos respostas radicais. Jó estava perplexo com sua própria dor.

Dt 29:29 muitas vezes se torna a única resposta ambígua que conseguimos dar: “As coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei”. 

Maria nos ensina dependência e submissão, os eventos de Deus nunca serão plenamente compreendidos. Maria nos ensinar a admirar o mistério e sujeitar-se a Deus, entendendo que ele usa o método que quer, para realizar seu plano. Maria se disponibiliza para receber de Deus o maior evento que aconteceria na humanidade. Que evento pode ser maior do que Deus se tornando humano e habitando entre nós? Maria disponibiliza o seu corpo para deus e se rende ao seu mistério. Não sabe explicar o “como”, mas deixa-se ser absorvida pelo milagre e sobrenaturalidade do Eterno.
Maria certamente ouviu muitas pessoas questionando e suspeitando sobre sua gravidez. Imagine as indagações dos seus pais no outro dia de manhã quando os surpreendeu afirmando que estava grávida do Espirito Santo? Como você reagiria se sua filha adolescente lhe dissesse isto? Maria teve que se explicar, e parece que não conseguiu fazer isto muito bem, ao seu desposado marido José, que não se convenceu muito bem e resolveu deixá-la secretamente para não difamá-la. Os perplexos vizinhos faziam chacota da sua estranha aparição grávida do Espírito Santo. A situação foi tão perturbadora que ela saiu de casa para visitar sua prima Isabel, que estava morando nas regiões montanhosas da Judeia, e por ali ficou três meses, uma visita bem demorada, não acham? (Lc 1.56). Apenas Isabel, com sua recente experiência miraculosa, poderia entende-la e protegê-la dos comentários difamatórios de sua cidade.

Maria se dispôs a Deus, submissa e obedientemente se entregou numa surpreendente pureza de coração e fé. 

Os homens antigos e modernos continuarão buscando explicações, fazendo perguntas, tentando achar respostas aos métodos inusitados de Deus. Maria simplesmente se submete ao mistério e se deleita em ser a mãe do Messias, o libertador de Israel. “Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra” (Lc 1.38). Não entende o processo, mas desfruta o milagre. Maria se rende e cessam as necessidades de explicação. 

“Como ele te abriu os olhos?”

O capitulo 9 de João é um diálogo intenso e profundo de um jovem, cego de nascença, que foi curado por Jesus. Os líderes religiosos indagam várias vezes sobre o processo e método de sua cura. Em Jo 9.10 perguntam: “Como te foram abertos os olhos?” Ele respondeu: “O homem chamado Jesus untou-me os olhos e disse-me: vai ao tanque de Siloé e leva-te. Então, fui, lavei-me e estou vendo” (Jo 9.16). Os fariseus indagaram: “Como pode um homem pecador fazer tamanhos sinais? E houve dissensão entre eles”. Os pais dão a resposta que melhor se coaduna com a fé: “Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego, mas não sabemos como vê agora” (Jo 9.21,22). 
Para eles, o ponto essencial não era entender o mecanismo do Sagrado e a forma como Deus faz, mas reconhecer nisto o milagre e a obra de Deus. 
Em Jo 9.26, perguntaram novamente ao jovem: “Como te abriu os olhos?” Curiosamente o texto revela que quem estava muito preocupado com o processo e o método, não creu em Jesus apesar das evidências de que um milagre maravilhosa se dera entre eles. Se perderam na especulação, não glorificaram a Deus. O jovem restaurado, ao ouvir que este homem era pecador, afirmou: “Se ele era pecador eu não sei, mas eu era cego e agora vejo!

Como escaparemos?

Existe, porém, um “como” que precisa ser considerado. Ele foi feito pelo escritor da carta aos Hebreus.
Depois de analisar a grandeza de Jesus, e afirmar que Deus havia falado de muitas formas e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nos últimos dias estava falando por meio de seu Filho, a expressão exata de seu ser, Jesus. Ele era maior que o Moisés, o admirável líder e legislador judeu; ele era maior que os anjos, no entanto, se desvestiu de sua glória e se tornou o nosso sumo sacerdote, intercedendo por nós junto ao Pai. Diante desta compreensão ele pergunta:

“Como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação” (Hb 2.3)

Este mesmo Jesus, morre numa cruz para pagar o preço de nossos pecados. Esta é uma oferta de amor de Deus. Então, como escaparemos se negligenciarmos tão grande salvação? Como comparecemos diante do Pai, se nos recusarmos a receber a salvação que nos é gratuitamente dada pelo Pai, através do Filho?
Este “como” não é explicativo, mas inquietante.
Ele tem a ver com a vida eterna – e “tudo que não é eterno é eternamente inútil”, como afirmou C.S. Lewis.

Conclusão: Explicação ou encantamento?

É muito fácil perder-se nas questões filosóficas, nos “porquês”, e nas questões metodológicas, o “como”, e tornar-se incapaz de desfrutar a grandeza de Deus. Racionalistas e mecanicistas, procuramos explicações para a lógica da vida, as ambiguidades do mal, a angústia da morte e o peso do sofrimento, e nos perdemos...

Este mal atinge particularmente os religiosos. Talvez por isto Jesus não tenha adotado um modelo de cura. Já imaginaram se tivesse feito de uma forma só? Certamente sacralizaríamos os métodos. Por isto, muitas vezes curou apenas dando ordens à enfermidade, outras vezes, estando a distância, em algumas situações, bizarramente, pegou saliva dos seus lábios e aplicou nos lábios de um surdo mudo que desatou a falar; em outra ocasião, cuspiu no chão, fez lodo e aplicou nos olhos de um cego que passou a ver. Quão grande e diversificado são seus métodos. Se adotasse apenas um destes, logo teríamos uma horda de pregadores empolgados fazendo a unção do cuspe...
Precisamos adentrar o mistério. Como teólogos, estudantes, juristas, médicos, professores, podemos ficar na periferia, sem adentrar o mistério de Deus. Talvez até expliquemos questões relacionadas à fé e à razão, mas sem sermos penetrados pelos eventos da divindade. 

Maria, entretanto, se disponibiliza para receber de Deus o evento maior da humanidade. Deus estava assumindo a forma humana, se tornando gente como a gente. Maria não entende como tudo isto se dará, mas é absorvida pela grandeza e milagre de Deus submissamente.

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