Esta é uma das
recomendações dadas pelos anjos responsáveis pela destruição de Sodoma e
Gomorra, à Ló e sua família: “Havendo-os
levado fora, disse um deles: Livra-te, salva a tua vida; não olhes para trás,
nem pares em toda campina; foge para o monte, para que não pereças” (Gn
19.17).
Esta é uma
recomendação mais que apropriada para aqueles que estão em tempos de transição,
e tendem a ficar desconfortados pela ideia de mudança, principalmente se
encontram-se adaptados e precisam mudar em função das condições familiares,
empregos, vocação. Se ficarem olhando para trás viram estátuas de sal.
A tentação de olhar
para trás tem a ver com dois movimentos distintos do coração:
Saudosismo
É a atitude e
tendência de ficar olhando o retrovisor dizendo: “Bons tempos aqueles”, a velha
tentação de acreditar que a virtude está no velho, no passado, e não no tempo
presente, e quanto mais o tempo passa, mais aumenta a tendência de ficar
contemplando o passado. Pessoas assim tem mais passado que futuro.
O povo de Deus fez
este movimento no deserto.
“E o populacho que estava no meio deles veio a ter desejo das comidas
dos egípcios; pelo que os filhos de Israel tornaram a chorar e também disseram:
Quem nos dará carne a comer? Lembramos dos peixes que no Egito, comíamos de
graça; dos pepinos, dos melões, dos alhos silvestres, das cebolas, dos alhos.
Agora, porém, seca-se a nossa alma, e nenhuma coisa vemos senão este maná”
(Nm 11.4-6).
A visão do povo estava
centrada num único aspecto da vida pregressa, que era a comida, todavia estavam
perdendo toda dimensão da antiga vida de escravidão e da falta de liberdade. Agora
estavam livres, eram cuidados sobrenaturalmente por Deus, não viviam debaixo da
tensão dos chicotes e ameaças, mas ainda assim queria comida dos egípcios. O
prato dos egípcios, por mais saudade que gerava naquelas pessoas, era
acompanhado da miséria e abandono que viviam. Apesar disto, afirmam que suas
almas estavam se secando por falta daqueles pratos.
A nossa igreja possui
um belíssimo acampamento às margens do Rio Corumbá, que desemboca num dos
pontos turísticos mais belos de Goiás, que é o Salto de Corumbá, uma cachoeira
de 52 mts de queda. Nossa propriedade encerra-se exatamente na queda. A parte
de cima é nossa, a de baixo pertence a um grupo hoteleiro. A vida da Igreja de
Anápolis gira em torno deste acampamento. Muitos encontros memoráveis,
impactantes se deram dentro dele, e centenas de vida foram alcançadas pelo
poder do Evangelho, ali nesta propriedade. Nos idos de 1970, não havia asfalto
para chegar até esta área, e as viagens eram bem complicadas. A estrutura do
acampamento era rústica e limitada. Não havia cabines com banheiros
individuais, o banho era tomado no rio, fazia muito frio durante o mês de
Julho, mas as condições eram sempre muito precárias. Muitas pessoas já vieram
me dizer que “naquele tempo é que o acampamento era bom”, e todas as vezes que
me dizem isto eu afirmo: “Não! Nosso acampamento agora é que é bom”. Cabines
individuais, banheiros quentes, tudo muito bem organizado. Minha esposa e eu
gostamos de viajar para o acampamento para um retiro e outro. Agora é que é
muito bom!
Tenho aprendido que,
na verdade, quanto pior forem seus dias atuais, mais haverá a tendência de
olhar para o passado com saudade, mas honestamente falando, lembro-me de meus
dias de adolescência, e todo mundo fala com glamour desta época, entretanto, eu
era um adolescente cheio de espinhas, melancólico e solitário. Temos a
tendência de olhar para o passado com romantismo, mas honestamente, o passado,
sendo bem realista, nem sempre foi assim tão bom.
Era só o povo de Deus
avaliar melhor o que acontecia no Egito, mas a distorção da memória e dos fatos
os impedia de glorificar a Deus pelo cuidado e provisão no presente, pela
liberdade e promessas que tinham diante de si. Resultado: estavam se perdendo e
virando estátuas de sal.
Ressentimento
Outro fator que nos
leva a ficar olhando para o passado é o ressentimento. Lembramos de pessoas que
nos feriram e as culpamos de sermos quem somos hoje. Muitas vezes realmente
fomos feridos, mas se ficarmos apenas olhando o passado, e ainda com amargura,
nossa vida vai paralisar.
Taiguara afirma em uma
de sua músicas: “só encontro, gente amarga pendurada no passado”. São pessoas
presas na ofensa, se tornando vítimas de Deus, da vida, das pessoas, da igreja,
e que por isto se perdem na confusão dos sentimentos. O passado se torna um
empecilho para o presente, as amarras os prendem e os impedem de caminhar com
liberdade. Esta realidade é muito mais comum que imaginamos.
Alguns anos atrás
aconselhava uma pessoa que havia perdido alguém muito querido de sua família.
Todos os dias tomavam café juntos, embora morassem em casas separadas e cada um
tivesse sua família. Depois da morte, ela entrou em depressão e seu filho me
pediu para que a aconselhasse. Ouvindo sua história de saudade, dor, luto, uma
frase me veio à cabeça, até hoje acho esta frase desconectada, mas na hora fez
um profundo sentido ao meu coração e eu lhe disse: “Deixe seu irmão morrer!”
Ela ficou repetindo
aquela frase, balbuciando, tentando penetrar no sentido do que eu acabara de
dizer e disse, quase que a si mesma, mas em voz alta: “é realmente isto que
preciso fazer!” A partir daquele momento ela começou a experimentar liberdade.
Virou a página, a vida recomeçou.
Quando há mágoa e
conseguimos vencer o ressentimento e liberamos o perdao, ficamos livres para
avançar. Pessoas amarguradas não crescem na vida, não são vitoriosas, não se
tornam realizadas. As amarras do coração estarão sempre presentes,
sufocando-as. É preciso perdoar, porque o ofensor precisa de perdao, porque
Deus pede que perdoamos, e porque precisamos perdoar. Perdao é uma benção para
quem recebe, e uma benção para quem dá.
A mulher de Ló virou
uma estátua de sal.
Eu não sei explicar
exatamente o que é isto, mas simbolicamente posso entender que ela ficou presa
no passado e perdeu-se na sua existência. Sua vida acabou ali, não há como
avançar mais. Olhou para trás e perdeu a perspectiva do que estava adiante de
si.
O que a levou a olhar
para trás?
1.
Não conseguiu lidar
com as perdas
– Basta analisar o texto bíblico para perceber que ela estava perdendo muita
coisa.
a. Ela estava perdendo
seus bens
– Quando Abraão veio da Mesopotâmia para Canaã, Deus permitiu que ele trouxesse
seus bens, seus gados, as joias de Sara, mas esta mulher não pode levar nada.
Tiveram que sair correndo, e rápido, para fugir da hecatombe que viria sobre
Sodoma. Seus pertences, seus bibelôs, tudo ficara para trás.
b.
Ela teve perdas emocionais – Seu marido e suas
duas filhas vieram, mas as meninas estavam noivas, se preparando para casar com
aqueles rapazes da cidade. Tudo ficou para trás, eles agora estavam mortos. As
amigas, o cabeleireiro, os encontros.
c.
Ela teve perda de status – A Bíblia fala da
soberba de Sodoma. Muito certamente era uma cidade muito bonita, glamorosa,
admirada pelas cidades vizinhas, região de muito verde no meio de um deserto,
talvez seus moradores até menosprezassem a escassez das aldeias e vilas da
região, que não tinham a mesma estrutura de sua cidade. Agora ela iria para
onde? Uma das aldeias da circunvizinhança?
E o charme da cidade? dos jantares? Ló era rico, provavelmente fazia
parte da socialite. Tenho percebido quão dolorido é para pessoas ricas quando
precisam diminuir o status. Rubem Alves afirma que quando um meteoro caiu na
terra e destruiu os dinossauros, eles morreram porque a comida acabou. As
lagartixas, são parecidas com os dinossauros, mas sobreviveram, porque comiam
pouco. Embora Sodoma fosse uma cidade ímpia e de moral duvidosa, ela era
charmosa. Tudo isto deixou de existir.
Sejam quais forem as
razões, a mulher de Ló não sobreviveu.
Ficou olhando pelo
retrovisor da história.
Não olhou adiante para
considerar as possibilidades de Deus para suas vidas.
Virou estátua de sal.
2.
Ela não reconheceu as
novas oportunidades
– Esta é a segunda razão que pode ter levado a mulher de Ló a olhar para trás.
Se na primeira, as perdas a aprisionaram no passado, na segunda, ela não
conseguiu perceber que quem os estava livrando era o próprio Deus. Foram os
próprios anjos quem os tomou pela mão para salvar suas vidas.
É certo que tiveram
que sair às pressas.
É certo de que as
perdas eram imensas, mas também era certo o fato de que o próprio Deus se
encarregara de os libertar, e isto não podia ser desconsiderado.
Quando Deus nos tira
de uma situação ou de um lugar, para nos levar para outro, é por livramento e
para nos abençoar.
Tenho conversado com
muitos pastores que são tirados de seus ministérios por causa da decisão de
líderes que querem transformações nas suas igrejas ou simplesmente porque não
se identificaram com o estilo pastoral. Muitas vezes estes pastores ficam
arrasados, feridos, magoados, e algumas vezes esta mágoa dura a vida inteira,
alguns nunca mais se recuperam.
Sei que muitas vezes,
em decisões assim, há muita coisa de carnalidade, luta pelo poder e maldade,
mas, por outro lado, creio que falta muitas vezes dos pastores a perspectiva de
que não estão nas mãos dos homens, mas nas mãos de Deus. Que o seu ministério é
um chamado e vocação, e Deus pode por e dispor de suas vidas como quiser. Não
deveriam ficar preso na estabilidade daquele campo, mas deveriam olhar para
Deus e dizer: “Deus, o Senhor tem promessas para minha vida, me ajude a
entender que o Senhor usa até o perverso para o dia da calamidade, me faça
entender quem governa minha vida”.
Um dos princípios
básicos da missão é que “Deus antecede o obreiro no campo”. Antes de você
chegar a qualquer cidade, ou a qualquer igreja para exercer seu ministério,
coloque na mente que Deus chegou antes de você, Deus amou aquela cidade antes
que você considerasse ir para lá. Não é isto maravilhoso?
A mulher de Ló, e os
pastores de hoje, não entendem que não interessa para onde você vai, mas quem
está te conduzindo. A questão não é onde,
mas quem.
O povo de Deus
murmurou contra o Senhor, e Deus disse a Moisés que não seguiria mais com eles,
mas que, enviaria seu anjo para acompanhá-los. Moisés não aceitou esta
condição: “Então, lhe disse Moisés: Se a
tua presença não vai comigo, não nos faças subir deste lugar. Pois como se há
de saber que achamos graça aos teus olhos, eu e teu povo? Não é, porventura, e
andares conosco, de maneira que somos separados, eu e o teu povo, de todos os
povos da terra?” (Ex 33.14-15).
A questão crucial de
Moisés era a presença de Deus.
Se Deus vai conosco,
está tudo certo.
Deus estava
acompanhando Ló, esposa e filhas. Mesmo que a situação fosse de grandes perdas
e renúncias, isto era o que interessava. Ela precisava reconhecer que, para
onde Deus vai, suas promessas, cuidados, direção e bençãos seguem juntos.
Se ficarmos no
passado, não reconheceremos as novas oportunidades e portas que Deus está
abrindo, não veremos novos rumos que podem revolucionar nossa vida.
Certa vez perguntaram
a Eugene Peterson, qual era a coisa mais interessante da vida, e ele disse que
nunca havia pensado nisto, mas da mesma forma como ele foi surpreendido pela
pergunta, também se surpreendeu com sua própria resposta: “Bagunça!”
Para ele, quando Deus
gera o caos, há sempre possibilidade do novo. Não devemos nos assustar quando
Deus fecha uma porta, porque há sempre novos caminhos e oportunidades, quando
estamos andando na presença de Deus. “Portas que se fecham são iguais as que se
abrem, se abertas ou fechadas por Deus”(Josué Rodrigues).
Conclusão:
A vida cristã é sempre
marcada por ambiguidades e paradoxos. O
movimento é quase sempre dialético:
Veja Fp 3.13: “Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo
alcançado; mas uma coisa faço; esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando
para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da
soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”. De um lado é necessário ruptura e perda, de
outro, perspectiva e direção. Vida cristã sempre envolve rupturas.
A conversão significa
o abandono de crenças passadas, rejeição dos deuses antigos, deixar Deus estar
no centro ao invés de ser governado pelas suas próprias vontades e impulsos. É
necessário abandonar o pecado, de buscar santidade; de amar o bem e odiar o
mal; de ter tristeza pelo pecado e alegria em Deus. Perdas e ganhos. Não há
vitória espiritual sem estes paradoxos.
Podemos considerar
ainda o arrependimento. Tristeza por algo praticado que conspira contra Deus, e
desejo de andar por uma nova história, construir um novo trajeto. Ruptura.
Abandono de alguma coisa, volta para Deus.
Sempre o movimento de
rupturas
& possibilidades
perdas
& ganhos
“Sim, deveras considero tudo como perda, por causa do
sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi
todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo” (Fp 3.8)
Não dá pra ficar olhando
para trás, chorando as perdas.
Olhar para trás, só se
for para avaliar.
Tome cuidado com as
sombras do passado, as feridas e amarguras do passado, saudades da comida do
Egito, as lembranças de Sodoma.
Deus está te tomando
pela mão para livrar tua alma, para salvar sua família. Não se esqueça disto.
Sodoma ficou para trás, há uma nova possibilidade de Deus para sua vida. Não se
perca no retrovisor.
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