domingo, 1 de janeiro de 2017

Gn 19.17 Não olhes para trás!



Esta é uma das recomendações dadas pelos anjos responsáveis pela destruição de Sodoma e Gomorra, à Ló e sua família: “Havendo-os levado fora, disse um deles: Livra-te, salva a tua vida; não olhes para trás, nem pares em toda campina; foge para o monte, para que não pereças” (Gn 19.17).
Esta é uma recomendação mais que apropriada para aqueles que estão em tempos de transição, e tendem a ficar desconfortados pela ideia de mudança, principalmente se encontram-se adaptados e precisam mudar em função das condições familiares, empregos, vocação. Se ficarem olhando para trás viram estátuas de sal.

A tentação de olhar para trás tem a ver com dois movimentos distintos do coração:

Saudosismo

É a atitude e tendência de ficar olhando o retrovisor dizendo: “Bons tempos aqueles”, a velha tentação de acreditar que a virtude está no velho, no passado, e não no tempo presente, e quanto mais o tempo passa, mais aumenta a tendência de ficar contemplando o passado. Pessoas assim tem mais passado que futuro.
O povo de Deus fez este movimento no deserto.
E o populacho que estava no meio deles veio a ter desejo das comidas dos egípcios; pelo que os filhos de Israel tornaram a chorar e também disseram: Quem nos dará carne a comer? Lembramos dos peixes que no Egito, comíamos de graça; dos pepinos, dos melões, dos alhos silvestres, das cebolas, dos alhos. Agora, porém, seca-se a nossa alma, e nenhuma coisa vemos senão este maná” (Nm 11.4-6).
A visão do povo estava centrada num único aspecto da vida pregressa, que era a comida, todavia estavam perdendo toda dimensão da antiga vida de escravidão e da falta de liberdade. Agora estavam livres, eram cuidados sobrenaturalmente por Deus, não viviam debaixo da tensão dos chicotes e ameaças, mas ainda assim queria comida dos egípcios. O prato dos egípcios, por mais saudade que gerava naquelas pessoas, era acompanhado da miséria e abandono que viviam. Apesar disto, afirmam que suas almas estavam se secando por falta daqueles pratos.
A nossa igreja possui um belíssimo acampamento às margens do Rio Corumbá, que desemboca num dos pontos turísticos mais belos de Goiás, que é o Salto de Corumbá, uma cachoeira de 52 mts de queda. Nossa propriedade encerra-se exatamente na queda. A parte de cima é nossa, a de baixo pertence a um grupo hoteleiro. A vida da Igreja de Anápolis gira em torno deste acampamento. Muitos encontros memoráveis, impactantes se deram dentro dele, e centenas de vida foram alcançadas pelo poder do Evangelho, ali nesta propriedade. Nos idos de 1970, não havia asfalto para chegar até esta área, e as viagens eram bem complicadas. A estrutura do acampamento era rústica e limitada. Não havia cabines com banheiros individuais, o banho era tomado no rio, fazia muito frio durante o mês de Julho, mas as condições eram sempre muito precárias. Muitas pessoas já vieram me dizer que “naquele tempo é que o acampamento era bom”, e todas as vezes que me dizem isto eu afirmo: “Não! Nosso acampamento agora é que é bom”. Cabines individuais, banheiros quentes, tudo muito bem organizado. Minha esposa e eu gostamos de viajar para o acampamento para um retiro e outro. Agora é que é muito bom!
Tenho aprendido que, na verdade, quanto pior forem seus dias atuais, mais haverá a tendência de olhar para o passado com saudade, mas honestamente falando, lembro-me de meus dias de adolescência, e todo mundo fala com glamour desta época, entretanto, eu era um adolescente cheio de espinhas, melancólico e solitário. Temos a tendência de olhar para o passado com romantismo, mas honestamente, o passado, sendo bem realista, nem sempre foi assim tão bom.
Era só o povo de Deus avaliar melhor o que acontecia no Egito, mas a distorção da memória e dos fatos os impedia de glorificar a Deus pelo cuidado e provisão no presente, pela liberdade e promessas que tinham diante de si. Resultado: estavam se perdendo e virando estátuas de sal.

Ressentimento

Outro fator que nos leva a ficar olhando para o passado é o ressentimento. Lembramos de pessoas que nos feriram e as culpamos de sermos quem somos hoje. Muitas vezes realmente fomos feridos, mas se ficarmos apenas olhando o passado, e ainda com amargura, nossa vida vai paralisar.
Taiguara afirma em uma de sua músicas: “só encontro, gente amarga pendurada no passado”. São pessoas presas na ofensa, se tornando vítimas de Deus, da vida, das pessoas, da igreja, e que por isto se perdem na confusão dos sentimentos. O passado se torna um empecilho para o presente, as amarras os prendem e os impedem de caminhar com liberdade. Esta realidade é muito mais comum que imaginamos.
Alguns anos atrás aconselhava uma pessoa que havia perdido alguém muito querido de sua família. Todos os dias tomavam café juntos, embora morassem em casas separadas e cada um tivesse sua família. Depois da morte, ela entrou em depressão e seu filho me pediu para que a aconselhasse. Ouvindo sua história de saudade, dor, luto, uma frase me veio à cabeça, até hoje acho esta frase desconectada, mas na hora fez um profundo sentido ao meu coração e eu lhe disse: “Deixe seu irmão morrer!”
Ela ficou repetindo aquela frase, balbuciando, tentando penetrar no sentido do que eu acabara de dizer e disse, quase que a si mesma, mas em voz alta: “é realmente isto que preciso fazer!” A partir daquele momento ela começou a experimentar liberdade. Virou a página, a vida recomeçou.
Quando há mágoa e conseguimos vencer o ressentimento e liberamos o perdao, ficamos livres para avançar. Pessoas amarguradas não crescem na vida, não são vitoriosas, não se tornam realizadas. As amarras do coração estarão sempre presentes, sufocando-as. É preciso perdoar, porque o ofensor precisa de perdao, porque Deus pede que perdoamos, e porque precisamos perdoar. Perdao é uma benção para quem recebe, e uma benção para quem dá.

A mulher de Ló virou uma estátua de sal.
Eu não sei explicar exatamente o que é isto, mas simbolicamente posso entender que ela ficou presa no passado e perdeu-se na sua existência. Sua vida acabou ali, não há como avançar mais. Olhou para trás e perdeu a perspectiva do que estava adiante de si.
O que a levou a olhar para trás?

1.     Não conseguiu lidar com as perdas – Basta analisar o texto bíblico para perceber que ela estava perdendo muita coisa.
a.     Ela estava perdendo seus bens – Quando Abraão veio da Mesopotâmia para Canaã, Deus permitiu que ele trouxesse seus bens, seus gados, as joias de Sara, mas esta mulher não pode levar nada. Tiveram que sair correndo, e rápido, para fugir da hecatombe que viria sobre Sodoma. Seus pertences, seus bibelôs, tudo ficara para trás.

b.     Ela teve perdas emocionais – Seu marido e suas duas filhas vieram, mas as meninas estavam noivas, se preparando para casar com aqueles rapazes da cidade. Tudo ficou para trás, eles agora estavam mortos. As amigas, o cabeleireiro, os encontros.

c.     Ela teve perda de status – A Bíblia fala da soberba de Sodoma. Muito certamente era uma cidade muito bonita, glamorosa, admirada pelas cidades vizinhas, região de muito verde no meio de um deserto, talvez seus moradores até menosprezassem a escassez das aldeias e vilas da região, que não tinham a mesma estrutura de sua cidade. Agora ela iria para onde? Uma das aldeias da circunvizinhança?  E o charme da cidade? dos jantares? Ló era rico, provavelmente fazia parte da socialite. Tenho percebido quão dolorido é para pessoas ricas quando precisam diminuir o status. Rubem Alves afirma que quando um meteoro caiu na terra e destruiu os dinossauros, eles morreram porque a comida acabou. As lagartixas, são parecidas com os dinossauros, mas sobreviveram, porque comiam pouco. Embora Sodoma fosse uma cidade ímpia e de moral duvidosa, ela era charmosa. Tudo isto deixou de existir.

Sejam quais forem as razões, a mulher de Ló não sobreviveu.
Ficou olhando pelo retrovisor da história.
Não olhou adiante para considerar as possibilidades de Deus para suas vidas.
Virou estátua de sal.

2.     Ela não reconheceu as novas oportunidades – Esta é a segunda razão que pode ter levado a mulher de Ló a olhar para trás. Se na primeira, as perdas a aprisionaram no passado, na segunda, ela não conseguiu perceber que quem os estava livrando era o próprio Deus. Foram os próprios anjos quem os tomou pela mão para salvar suas vidas.

É certo que tiveram que sair às pressas.
É certo de que as perdas eram imensas, mas também era certo o fato de que o próprio Deus se encarregara de os libertar, e isto não podia ser desconsiderado.
Quando Deus nos tira de uma situação ou de um lugar, para nos levar para outro, é por livramento e para nos abençoar.
Tenho conversado com muitos pastores que são tirados de seus ministérios por causa da decisão de líderes que querem transformações nas suas igrejas ou simplesmente porque não se identificaram com o estilo pastoral. Muitas vezes estes pastores ficam arrasados, feridos, magoados, e algumas vezes esta mágoa dura a vida inteira, alguns nunca mais se recuperam.
Sei que muitas vezes, em decisões assim, há muita coisa de carnalidade, luta pelo poder e maldade, mas, por outro lado, creio que falta muitas vezes dos pastores a perspectiva de que não estão nas mãos dos homens, mas nas mãos de Deus. Que o seu ministério é um chamado e vocação, e Deus pode por e dispor de suas vidas como quiser. Não deveriam ficar preso na estabilidade daquele campo, mas deveriam olhar para Deus e dizer: “Deus, o Senhor tem promessas para minha vida, me ajude a entender que o Senhor usa até o perverso para o dia da calamidade, me faça entender quem governa minha vida”.
Um dos princípios básicos da missão é que “Deus antecede o obreiro no campo”. Antes de você chegar a qualquer cidade, ou a qualquer igreja para exercer seu ministério, coloque na mente que Deus chegou antes de você, Deus amou aquela cidade antes que você considerasse ir para lá. Não é isto maravilhoso?
A mulher de Ló, e os pastores de hoje, não entendem que não interessa para onde você vai, mas quem está te conduzindo. A questão não é onde, mas quem.
O povo de Deus murmurou contra o Senhor, e Deus disse a Moisés que não seguiria mais com eles, mas que, enviaria seu anjo para acompanhá-los. Moisés não aceitou esta condição: “Então, lhe disse Moisés: Se a tua presença não vai comigo, não nos faças subir deste lugar. Pois como se há de saber que achamos graça aos teus olhos, eu e teu povo? Não é, porventura, e andares conosco, de maneira que somos separados, eu e o teu povo, de todos os povos da terra?” (Ex 33.14-15).
A questão crucial de Moisés era a presença de Deus.
Se Deus vai conosco, está tudo certo.
Deus estava acompanhando Ló, esposa e filhas. Mesmo que a situação fosse de grandes perdas e renúncias, isto era o que interessava. Ela precisava reconhecer que, para onde Deus vai, suas promessas, cuidados, direção e bençãos seguem juntos.
Se ficarmos no passado, não reconheceremos as novas oportunidades e portas que Deus está abrindo, não veremos novos rumos que podem revolucionar nossa vida.
Certa vez perguntaram a Eugene Peterson, qual era a coisa mais interessante da vida, e ele disse que nunca havia pensado nisto, mas da mesma forma como ele foi surpreendido pela pergunta, também se surpreendeu com sua própria resposta: “Bagunça!”
Para ele, quando Deus gera o caos, há sempre possibilidade do novo. Não devemos nos assustar quando Deus fecha uma porta, porque há sempre novos caminhos e oportunidades, quando estamos andando na presença de Deus. “Portas que se fecham são iguais as que se abrem, se abertas ou fechadas por Deus”(Josué Rodrigues).

Conclusão:
A vida cristã é sempre marcada por ambiguidades  e paradoxos. O movimento é quase sempre dialético:
Veja Fp 3.13: “Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço; esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”.  De um lado é necessário ruptura e perda, de outro, perspectiva e direção. Vida cristã sempre envolve rupturas.
A conversão significa o abandono de crenças passadas, rejeição dos deuses antigos, deixar Deus estar no centro ao invés de ser governado pelas suas próprias vontades e impulsos. É necessário abandonar o pecado, de buscar santidade; de amar o bem e odiar o mal; de ter tristeza pelo pecado e alegria em Deus. Perdas e ganhos. Não há vitória espiritual sem estes paradoxos.
Podemos considerar ainda o arrependimento. Tristeza por algo praticado que conspira contra Deus, e desejo de andar por uma nova história, construir um novo trajeto. Ruptura. Abandono de alguma coisa, volta para Deus.

Sempre o movimento de
rupturas & possibilidades
perdas & ganhos

“Sim, deveras considero tudo como perda, por causa do sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo” (Fp 3.8)

Não dá pra ficar olhando para trás, chorando as perdas.
Olhar para trás, só se for para avaliar.
Tome cuidado com as sombras do passado, as feridas e amarguras do passado, saudades da comida do Egito, as lembranças de Sodoma.

Deus está te tomando pela mão para livrar tua alma, para salvar sua família. Não se esqueça disto. Sodoma ficou para trás, há uma nova possibilidade de Deus para sua vida. Não se perca no retrovisor.

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