sábado, 4 de fevereiro de 2017

2 Rs 14.4 A fé clandestina




Introdução:  

Uma frase muito comum no Primeiro e Segundo Livro dos Reis é:
Tão somente os altos não se tiraram; o povo ainda sacrificava e
queimava incenso nos altos”.

O que significa isto?

A explicação mais comum e rápida é que as pessoas decidiram realizar seus sacrifícios à margem da religião oficial e do templo. Achavam que não havia problema em ter seus sacrifícios e fazê-lo do seu modo. Isto criava uma espécie de “fé individualista e clandestina”.
Existem inúmeros exemplos de pessoas que decidiram fazer isto na Bíblia e na história da igreja. Um destes longos relatos se encontra ainda no livro dos juízes sobre o culto particular que Mica, um homem rico da região montanhosa de Efraim, resolveu fazer, contratando um levita para ser seu sacerdote particular. Ele construiu uma “casa de deuses”, mesclou com o culto judaico e resolveu constituir um centro de adoração, tendo um levita que ele mesmo remunerava para oferecer os sacrifícios.
Nos dias dos pais apostólicos, os gnósticos construíram uma religião à parte, que mesclava elementos da liturgia cristã com ritos estáticos e isto exerceu uma grande influência e trouxe grandes danos à fé cristã, produzindo inúmeros textos gnósticos que circulavam dentro das igrejas cristãs recém fundadas, com aparência de cristianismo, mas que aos poucos foi se tornando algo completamente fora de controle. Como eles criam que recebiam uma revelação direta de Deus, afirmavam que não precisavam da igreja apostólica constituída, nem dos livros sagrados que atualmente compõem o Novo Testamento.
Sempre surgirão pessoas querendo fazer as coisas do seu jeito, e não da forma como Deus diz que deve ser. Forma-se assim a “fé clandestina”, que possui similaridades, mas infelizmente é “Made in Paraguay”.
Veja como o livros dos Reis fala disto:
1 Rs 15.11-14
1 Rs 22.43-47
2 Rs 12.1-3
2 Rs 14.3-4
2 Rs 15.3-4
2 Rs 15.34-35
Quando se buscava a restauração da fé judaica, os lideres sempre esbarravam na complicada situação de que prevalecia um certo culto “marginal”. A Bíblia afirma que isto era tão forte, que apenas o piedoso rei Ezequias, conseguiu com um esforço acentuado, dirimir por completo este cultos paralelos (2 Rs 18.1-6).
Por que é tão difícil tirar os altos?
Porque as pessoas sempre querem fazer seus cultos com o formato que querem?

Fé sincrética e paralela
Uma das razões é que este tipo de espiritualidade não tem restrições.
As pessoas interpretam e fazem as coisas da forma como acham que devem fazer. Cria-se uma “espiritualidade ao meu estilo”, quase sempre desembocando numa fé sincrética, que assimila aspectos que cada um considera importante para si mesmo. Já ouviram a frase “eu creio do meu jeito?”
Na época da Reforma Protestante, que este ano celebra 500 anos, abriu-se a possibilidade do livre exame das escrituras, isto é, encorajava-se as pessoas a lerem a Bíblia e traduções foram feitas e entregues às pessoas para analisassem por si mesmos, os textos sagrados. Era a primeira vez na história que isto era difundido e encorajado. Até então, apenas os clérigos tinham acesso à Bíblia e dizia como as pessoas deveriam crer. O espírito protestante, desde então encoraja a leitura da Bíblia. No entanto, uma variável estranha surgiu a partir de então. Muitos acreditam “na livre interpretação das escrituras”, quando a Reforma Protestante nunca defendeu isto. Livre exame, sim; livre interpretação, não. O livre exame é o principio de que todos devem estudar a Bíblia. A Livre interpretação afirma que “cada um interpreta a Bíblia como quer”.
Precisamos entender que o povo de Deus, estudando seriamente a Bíblia, faz isto em conjunto. A interpretação da Bíblia deve ser feita comunitariamente.
Em 1974, em Lausanne na Suiça, 10 mil líderes cristãos do mundo inteiro se reuniram para assinar o que se convencionou chamar de “Pacto de Lausanne”. Excetuando alguns elementos culturais e aspectos secundários doutrinários divergentes, todos os cristãos puderam assinar tal documento, que continha as principais linhas de pensamento tal como são expressos nas Escrituras. Se lermos a Bíblia, com o coração aberto e sincero, chegaremos à mesma conclusão.  É errado o pensamento de que “cada um interpreta a Bíblia como quer”, isto tem sido razão de muita heresia e distorção quanto às verdades das Escrituras. A Bíblia, na sua essência, é clara sobre aquilo que é essencial. Lamentavelmente, hoje mais do que nunca, por causa do pluralismo, muitos insistem em ler a Bíblia a seu modo e viver a fé cristã da sua forma.
Cria-se assim, o que Juan Carlos Ortiz chama de “Evangelho dos santos evangélicos”. Um grave risco à fé cristã e à simplicidade do evangelho.
Era mais ou menos isto que acontecia com os sacrifícios dos altos.
As pessoas diziam:
“Não precisamos de sacerdotes.
Não precisamos da lei.
Não precisamos da igreja instituída.
Podemos adorar do nosso jeito”.
E por isto, continuam com sua religiosidade particular e “...tão somente os altos não se tiraram; o povo ainda sacrificava e queimava incenso nos altos”.

Ídolos pessoais

Isto nos leva a considerar que, aspectos idolátricos e práticas estranhas à fé judaica, foram assim facilmente inseridos. Expurgava-se os deuses estranhos mais visíveis que corroíam a fé do povo de Deus, mas ainda se conservava alguns traços místicos, esotéricos e litúrgicos que não haviam sido aprovados por Deus.
Quando Paulo pregou aos presbíteros de Éfeso em At 20.27 ele afirma: “porque jamais vos deixei de anunciar todo desígnio de Deus”.  Facilmente podemos descambar da pureza da fé quando ignoramos, omitimos, distorcemos, inserimos ou retiramos parte das Escrituras Sagradas.
Precisamos crer em toda Bíblia e na Bíblia toda.
O Rev. Wilson de Souza, falecido pastor da 8ª Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte dizia o seguinte: “Se Deus não disse o que teria dito, porque não disse o que teria de dizer?” Precisamos entender isto. Se o que está na Bíblia não é a verdade de Deus, onde se encontra a verdade de Deus?
Nas narrativas bíblicas, Inicialmente, não havia um lugar designado para o culto, mas depois tal lugar foi estabelecido, embora saibamos que “...não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas” (At 7.48). Os sacrifícios holocaustos deveriam ser oferecidos no templo onde também se entregavam as ofertas. No livro de Deuteronômio Deus declara a Moisés: “Guarda-te que não ofereças os teus holocaustos em todos os lugares que vires” (Dt 12.10-14).
Os lugares altos foram originalmente dedicados à adoração de ídolos, conforme vemos nas Escrituras Sagradas: Nm 33.52; Lv 26.30; Is 16.12 (especialmente entre os moabitas, descendentes de Ló). Por estarem distanciados das revelações dadas por Deus a Abraão, aos poucos perderam completamente a noção da revelação de Deus e da fé judaica. Perderam-se no caminho e nunca mais se encontraram na fé judaica. É isto o que normalmente acontece com aqueles que resolvem construir seus pequenos altares e nichos, desconsiderando as verdades do Evangelho como um todo, que encontramos na Palavra de Deus.
Por isto Deus ordena que todos os lugares altos destinados aos sacrifícios, mesmo que fossem à Iahweh, o Deus de Israel, deveriam ser destruídos. Este aspecto da espiritualidade clandestina da fé era tão complicada e esquivo, que era quase impossível erradicá-la, parecia o mosquito do Aedes Egypts, apenas o rei Josias conseguiu sucesso nesta sua luta contra tais cultos (2 rs 22), porque os mesmos estavam profundamente arraigados e exerciam enorme fascínio sobre o povo. Deus ordenou que todos os “lugares altos”, nos quais as pessoas faziam seus sacrifícios, deveriam ser destruídos.

Privacidade da Fé
Outro elemento perceptível na mentalidade explicita deste tipo de adoração, é que nestes lugares altos era possível criar um espaço no qual julgavam poder exercer privativamente sua fé, sem estarem ligados a uma estrutura física ou religiosa.
Como este é um pensamento moderno...
Vivemos dias em que o há um extremo individualismo na prática cristã. As estatísticas comprovam isto. Cerca de 3.8% da população brasileira, de acordo com o IBGE se declaram evangélicos não praticantes. Para vocês terem ideia deste numero, considere que a Igreja Presbiteriana do Brasil, na melhor das hipóteses, não tem mais que 1.2 milhão de membros.
O rei Ezequias é descrito na Bíblia como um rei piedoso, e logo no inicio do seu reinado, um dos primeiros atos foi restabelecer a regularidade do culto no templo. “Fez ele o que era reto perante o Senhor, segundo tudo quanto fizera Davi seu pai. No primeiro ano do seu reinado, no primeiro mês, abriu as portas da casa do Senhor e as reparou. Trouxe os sacerdotes e levitas, ajuntou-os na praça oriental” (2 Cr 29.2-4).
Remover os lugares altos e privativos da fé e trazer o culto de volta ao templo, sempre foi considerado no Antigo Testamento, como um avivamento espiritual.
No Novo Testamento, encontraremos a mesma visão nas palavras de Jesus: “Eu edificarei a minha igreja” (Mt 16.18). Se Jesus está comprometido com o seu povo, não devemos também estar comprometido com a comunidade que leva o seu nome?
Você ama o povo de Deus? Está disponível a caminhar com esse corpo, ajudar de forma ativa e concreta? Você usa seus talentos para beneficio de sua igreja? Seu dinheiro? Seus lábios? Ou ainda acredita que pode viver sua fé de forma privativa, sem envolvimento comunitário? Como você faz para desenvolver seus dons? Você disponibiliza seus recursos para o reino de Deus ou vive de forma egoística na sua vida espiritual. Onde você aprendeu isto? Na Bíblia?
A verdade é que nunca vi ninguém cheio do Espirito Santo, fora da igreja.
Nunca vi uma família que comunicasse uma fé forte e vibrante a seus filhos e que não estivesse profundamente envolvida com o povo de Deus? O lugar onde surgem missionários, pastores e líderes de uma igreja é sempre de lares onde a família cultiva uma fé comunitária. Deus não nos convidou para viver no isolamento, mas para desenvolver uma fé comunitária, e é isto que vemos na Palavra de Deus: “pois, num só Espírito, todos fomos batizados num só corpo” (1 Co 12.13). Não existe um chamado para se viver deslocado da família da fé. Não existe vocação para uma fé privativa e solitária.
Temos hoje uma fobia de compromisso. Preferimos manter-nos abertos em nossas opções.
Uma estatística da Igreja Batista do Sul dos Estados Unidos, demonstrou que a média de membros daquelas igrejas é de 233 pessoas, mas somente 70 estão presentes no culto dominical. Onde estão os outros 163 membros? É possível que alguns estejam doentes, ou trabalhando em turnos, de férias ou viajando a negócio, mas e os demais?
Recentemente o Departamento Infantil de nossa igreja que está fazendo uma estatística sobre a frequência das pessoas, revelou que os membros de nossa igreja local, são, na sua maioria, frequentadores quinzenais. Isto revela o descompromisso com a fé e com a espiritualidade.

Conclusão:
A clandestinidade da fé
A privacidade da fé
Os ídolos pessoais
Tudo isto pode ser encontrado na forma de adoração que a Bíblia descreve como “lugares altos”, nos quais o povo de Israel insistia em cultuar.
O resultado, como vimos, é que os profetas estavam sempre chamando o povo a voltar. Os reis piedosos sempre reativavam e destruíam tais lugares e centros de peregrinações e adoração, renovando os cultos no templo, local destinado aos sacrifícios e oferendas.
A história revela que movimentos eventualmente até genuínos mas independentes, facilmente se transformam em culto à personalidade. Hoje no Brasil existem milhares de evangélicos que não frequentam nem são membros de uma igreja. Há uma quantidade imensa de músicos famosos no meio evangélico sem nenhum vínculo denominacional. Não querem dar satisfação de suas vidas, nem querem ser questionadas quanto à sua ética. São inúmeras as missões independentes, sem vínculos denominacionais, em torno de um pregador carismático, sem alguém a quem prestar contas e que, dependendo do carisma do missionário ou conferencista, conseguem atrair grande número de pessoas em torno deles, com uma proposta alternativa de espiritualidade, mas que não prestam contas de seus atos, suas vidas, suas finanças. Centenas de músicos famosos, cobrando grandes cachês, sem qualquer vínculo com uma comunidade.
Mark Dever afirma:
“Ser membro de uma igreja é nossa oportunidade de nos apegarmos uns aos outros com responsabilidade e amor. Por nos identificarmos com uma igreja em particular, permitimos que pastores e outros membros daquela igreja local orem e saibam que tencionamos nos comprometer com a frequência, a contribuição, a oração e o ministério da igreja. Permitimos que nossos irmãos em Cristo tenham grandes expectativas sobre nós nestas áreas, e tornamos conhecido o fato de que estamos sob a responsabilidade desta igreja local”

Jesus afirmou: “Se alguém crer em mim, como diz as Escrituras, do seu interior fluirão rios de água viva” (Jo 7.37).
O problema da geração moderna é similar ao que acontecia nos dias de Jesus. Muitos não querem crer como diz as Escrituras, mas querem crer como acham que devem crer. Desenvolvem uma fé clandestina e privativa. Não consideram o que a Bíblia diz, mas o que acham que deve ser. O resultado é confusão e caos.
O discipulado cristão envolve arrependimento, conversão, fé, batismo, participação da ceia com a igreja e envolvimento com uma igreja local e histórica. Desistir de si mesmo quanto à salvação e crer na obra completa e plena de Cristo para sua salvação são também elementos essenciais. É necessário descansar na obra de Cristo que ele fez na cruz. Nós não inventamos nada disto, tudo se encontra nas Escrituras.
A fé cristã genuína se submete.
Aqueles que nasceram de novo buscam a experiência de um encontro com o povo de Deus, desejam se submeter a este corpo, querem contribuir para este igreja, sentem-se ligados a este corpo. A primeira coisa que um recém convertido faz é buscar uma igreja para se congregar. Quando alguém é crente e faz uma mudança para outra cidade, uma das primeiras e imediatas tarefas é encontrar uma igreja para fazer parte dela.
Fora disto resta apenas a fé clandestina, que não sabemos bem aonde vai desembocar.
Esta é a fé que foi tão atraente ao povo judeu, mas que foi tão combatida na Bíblia. Esta é a fé cultivada nos “lugares altos”, onde cada um faz o seu culto, liturgia, adoração do “seu jeito” e não do jeito que as Escrituras Sagradas recomendam.

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