Introdução
Deuteronômio significa: “repetição da lei”. A Lei foi dada por Deus a
Moisés, e parte dela se encontra em Êxodo, e outra parte, com maior
especificidade, em Levítico. No livro de Deuteronômio ela é reforçada e novos
aspectos são trazidos complementando assim a Torah.
Um dos grandes desafios do povo de Deus é entender o papel da lei. Qual lugar
ela ocupa na dimensão do Evangelho, como retraduzi-la nos tempos da graça?
Jesus não ignorou a Lei, pelo contrário, ele a reafirmou, dando um
sentido mais profundo aos seus ensinamentos. “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar,
mas para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem,
nem um i ou til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra” (Mt
5.17,18). Como sabemos, Jesus cumpriu cabalmente toda a lei, então, como ela se
aplica ainda a nós? Como reinterpretá-la, sem desprezá-la ou achar que ela tem
um valor obsoleto ou irrelevante?
Hebreus afirma que “a lei tem
sombra dos bens vindouros” (Hb 10.1). A sombra (tipo), nunca é a imagem
perfeita, muitas vezes ela vem até distorcida, mas ao mesmo tempo, ela projeta a
ideia daquilo que é real. Quando olhamos a lei, com todas suas limitações,
podemos vislumbrar ali as bases teológicas de um povo que estava sendo
preparado por Deus, para a revelação maior que estava para vir, e que se
cumpriria totalmente em Cristo.
Então, como ter o “espírito da lei”, sem nos tornarmos legalistas? Não é
isto que a Bíblia afirma: “A lei mata mas
o espírito vivifica?”. Como encontrar a vida nos ensinamentos da Lei?
A Lei pode ser dividida em três áreas: civil, cerimonial e moral.
Quanto
à civil, ela se aplicava na sua totalidade à nação israelita, teocrata, regida
pelo conceito da divindade. Era para o governo terreno do povo de Israel, ainda
que, boa parte de seus ensinamentos poderiam ser aplicadas ainda hoje num
estado laico, porque tem a ver com justiça social, proteção ao pobre, leis de
propriedade e forma de governo, portanto, muitos dos seus princípios poderiam
ser aplicados em qualquer governo justo e estável dos nossos dias.
Quanto à lei
cerimonial, ela tinha a ver com os sacrifícios e oferendas que se faziam para
Deus, algumas destas leis tinham princípios de saúde e higiene. A guarda de
tais leis, eram destinadas ao culto e à dinâmica familiar e social de Israel.
Quanto à lei moral, sua grande maioria se aplica a nós, Jesus afirmou que não
veio revogá-la, mas deu-lhe um sentido muito mais profundo. Para ele, não bastava
dizer: “Não adulterarás”. Nesta lei encontram-se princípios muito mais
profundos e desafiadores que lidam com as questões internas da alma como a
luxúria, a lascívia, os pensamentos impuros.
Sempre existem dois riscos clássicos na intrepretação da Lei.
De um
lado, aqueles que se apegam à lei a ponto de transformá-la na coisa mais
importante da vida. São os legalistas, que em nome de Deus são capazes de matar
e odiar.
De outro lado, temos os antinomistas, ou seja, aqueles que são contra
a Lei, desprezando-a, ridicularizando-a, negligenciando-a. Ambos são perigosos.
Este texto que lemos acima, Dt 15.22-29 fala de dízimos. Há vários
princípios presentes neste texto, que aplicam a nós, no tocante à nossa
espiritualidade e adoração, ainda que estejam na lei. O que este texto nos
ensina sobre este assunto?
1.
A participação com os bens é imperativa ao povo
de Deus – “certamente darás os dízimos de todo o fruto
de tuas sementes, que ano após ano se recolhem do campo” (Lc 15.29).
O texto não diz: “se acharem que devem fazê-lo, façam”, antes o coloca
em termos de ordem. “Certamente darás!”.
Trazer a décima parte dos frutos não era opcional, mas era obrigatório.
Muitos questionam se Jesus e os apóstolos balizaram estes conceitos.
Dois textos podem nos ajudar no Novo Testamento sobre este assunto:
A Recomendação de Cristo
“Ai de vós escribas e fariseus
hipócritas, porque dais o dizimo do endro, hortelã e do cominho, mas desprezais
os princípios fundamentais da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé. Devíeis
fazer estas coisas, sem omitir aquelas” (Mt 23.23). Aparentemente Jesus censura os fariseus legalistas porque traziam
seus dízimos, para cobrir outras áreas de sua espiritualidade que eram muito
mais sérias. Quais as coisas que
Jesus afirma que não deveríamos omitir? O dízimo até das mínimas coisas. Ele
ensina os discípulos a praticarem as ofertas nos cultos, mas que não deixassem
também de praticar a justiça e a misericórdia. É sempre possível praticar um
aspecto e esquecer o outro.
O texto não diz “um ou outro”, mas “um e outro”. A prática de um princípio
não deve nos levar a subestimar o outro. Portanto, a questão do dizimo é
ratificada no evangelho, por meio de Jesus.
O Ensino de Paulo
“Quanto à coleta para os santos,
fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana,
cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, para que
se não façam coletas quando eu for” (1 Co 16.2)
Pelo menos dois princípios podem ser tirados deste texto.
A.
Regularidade – “No
primeiro dia da semana”. As pessoas recebiam diariamente naqueles dias.
Então, deveriam dar com regularidade no primeiro dia da semana, no domingo,
quando o povo de Deus se reunia. Infelizmente alguns contribuem
esporadicamente, se é que o fazem. Este não é o principio bíblico. Você não
recebe pagamento esporadicamente, nem paga suas despesas ou come
esporadicamente. Considere isto ao contribuir.
B.
Proporcionalidade – “Conforme
a sua prosperidade”. Precisamos aprender a ter consistência nas nossas
contribuições. Muitos ganham muito e dão pouco. Precisam aprender o principio
da proporcionalidade. “A melhor medida da fidelidade não é o quanto você dá,
mas o quanto você retém”. Seja pródigo na sua generosidade. Contribua com
alegria. Responda à bondade de Deus para com tua vida com ações de graça. Isto
é evangelho!
2.
O local da entrega dos dízimos – “...Perante
o Senhor teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome”
(Dt 15.23).
É é muito comum as pessoas dizerem que dão o dizimo onde acharem que devem
dar. A experiência pastoral me ensina que a maioria das pessoas que afirma isto
não entrega seus dízimos em lugar algum...
Neste texto, encontraremos o princípio de que os dízimos deveriam ser
trazidos à casa do Senhor, pelo menos três vezes (15.23,24,25). E é bom lembrar
que o templo ainda não havia sido construído, embora eles já adorassem o Senhor
na tenda da congregação. Quem diz onde os dízimos devem ser entregues é Deus: “no lugar que escolher para ali fazer habitar
o seu nome” (Dt 15.23).
Na Igreja Presbiteriana, muitos presbitérios tem o hábito de pedir aos
pastores que entreguem seus dízimos no Concílio, já que o pastor é formalmente
membro do concilio e não da igreja. Sempre me opus a isto por entender pela Palavra
de Deus que dízimo é ato de culto, deve ser entregue na igreja, faz parte da
liturgia do povo de Deus. Os pastores devem adorar a Deus com seus bens junto
com a comunidade e sua família, como ato de culto.
Este pensamento é claro em Malaquias 3.10: “trazei todos os dízimos à casa do Senhor, para que haja mantimento em
minha casa, e provai-me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir
as janelas dos céus e derramar sobre vós, bênçãos sem medida”.
Muitos se julgam no direito de levar o dízimo para onde quiserem. Seria
isto um princípio bíblico válido? Tais pessoas precisam estudar melhor a
Bíblia. O texto de Deuteronômio e Malaquias nos ensinam que o dízimo deve ser
trazido para a casa do Senhor, onde Deus ordena que sejam trazidos.
Certo seminarista perguntou a um velho pastor: “Mas se eu sentir no meu coração que devo dar o
dizimo para alguém, que devo fazer?” O
Pastor olhou para ele e perguntou: “O
que diz a Palavra, bacharel?”. Diante da resposta bíblica de que o dizimo deveria
ser entregue na casa do Senhor, o pastor disse: “Se o bacharel sentiu diferente
da Bíblia, o bacharel sentiu errado. Pode assentar”.
Quando uma pessoa é batizada e se torna membro de uma comunidade, ela
assume o compromisso de participar dos cultos, não se ausentar da ceia, servir
de testemunho para os de fora, trazer os filhos para a igreja e a sustentar financeiramente.
Você não precisa fazer os votos nem se tornar membro da igreja, ninguém o
obriga a fazer isto, mas a partir do momento que você votou, é melhor cumprir.
Minha esposa teve uma professora juíza de direito, no Instituto Haggai
procedente da Nigéria. Ela era sempre direta e objetiva nas suas respostas.
Durante um seminário, uma aluna perguntou se poderia dar seu dizimo noutro
lugar, e não na sua igreja. Ela respondeu: “qual seria a resposta de um dono de
restaurante, se você, ao terminar de jantar, dissesse que gostou muito da
comida, mas decidiu pagar a conta no restaurante vizinho?” Diante dos risos
meio encabulados, ela respondeu ainda: “Entregue seu dizimo onde você está
sendo alimentado”.
Qual era o propósito de Deus ao dar esta ordem sobre o dizimo? “Para que haja mantimento em minha casa”.
Muitas igrejas são frágeis, débeis, sem projetos, porque os irmãos decidem
receber todo beneficio da comunidade, mas não entendem os princípios
elementares da fé cristã e por isto não os aplicam às suas vidas. Muitas vezes
a igreja está fazendo campanha para isto e aquilo, simplesmente porque os
irmãos não liberaram seus bolsos, nem se converteram sobre este assunto. Se os
membros de uma igreja contribuíssem de forma regular e consistente, ela teria
condições de realizar todos os seus projetos.
3.
Contribuição gera alegria no coração do
adorador. Este é o terceiro princípio:
“coma ali, perante o Senhor teu Deus, e
te alegrarás, tu e tua casa” (Dt 14.26). O resultado não deve ser o pesar,
mas a alegria. Doação para a obra de Deus deve gerar contentamento.
Toda vez que temos de falar de contribuição na igreja, há
pessoas que se sentem acuadas, acusadas, constrangidas, e veem esta questão como um fardo, mas
mesmo o texto da Lei, coloca a contribuição como um privilégio e benção. Famílias
generosas com a obra de Deus inspiram seus filhos à generosidade. Ofertas tinham
o propósito de trazer alegria e graça para a família. Já viram como isto é uma
realidade em nossas casas? Quando lhes comunicamos a importância de trazer os
dízimos à igreja, eles sentem alegria em doar. É uma forma de ensinar sabedoria
, liberalidade e bondade.
4.
Contribuição é uma forma de sustentar quem serve
na obra e Deus – “porém, não desampararás o levita que está
dentro da tua cidade” (Dt 15.27). Quando trazemos os dízimos o fazemos para
que a obra de Deus seja mantida. Os levitas e sacerdotes recebiam das ofertas
que o povo trazia para o altar.
O mesmo principio se aplica ainda hoje.
Parte do que trazemos é para o sustento dos obreiros, funcionários, missionários
que trabalham na obra. Sei que parece irônico, mas muitos pensam
subliminarmente que os pastores não precisam pagar suas contas, não pagam
aluguel, financiamento de casa, escola de filhos, saúde, plano de aposentadoria.
Felizmente a maioria dos membros da igreja não pensa assim, senão estaríamos
perdidos.
O dízimo tinha como um do seus propósitos centrais, o sustento daqueles
que serviam na obra de Deus.
Paulo censura a igreja de Corinto, por não lhe dar o sustento. “Despojei outras igrejas, recebendo salário,
para vos servir” (2 Co 11.8). A igreja de Corinto não via necessidade de
remunerar Paulo, que estava servindo como obreiro naquela cidade, felizmente
outras outras igrejas que conheciam o seu trabalho, generosamente o
fizeram. Paulo conclui a instrução àquela igreja mesquinha: “Assim ordenou também o Senhor, que aos
pregam do evangelho, vivam do evangelho” (2 Co 9.14). Estão vendo como a
Lei e a graça muitas vezes se encontram entrelaçadas?
5.
A Lei revela como a liberalidade traz abundância
na obra do Senhor – (Dt
14.29). O texto fala de quantas pessoas são abençoadas com os bens trazidos em
adoração e culto:
a.
Os
obreiros que serviam no templo
b.
Os mais
pobres da comunidade. Este texto faz menção a três grupos que eram socialmente
menos privilegiados: estrangeiros, órfãos e viúvas.
Por ter abundância na obra do Senhor, tais pessoas seriam assistidas com
estes recursos, e o resultado é demonstrado no texto: “O Senhor teu Deus te abençoe em todas as obras que tuas mãos fizeram”(Dt
15.29). Liberalidade financeira é sempre porta aberta para a benção de Deus. O
Senhor abençoa pessoas generosas. “E isto
afirmo: aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com
fartura com abundancia ceifará... Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a
fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa
obra, como está escrito: Distribuiu, deu as pobres, a sua justiça permanecerá
para sempre.” (2 Co 9.6,8-9)
Este é mais um princípio claro dos Evangelhos, e a Lei, de alguma forma,
já orientava no mesmo sentido.
Conclusão
A Lei precisa ser estudada com cuidado. Há sempre o perigo de a
colocarmos numa camisa de força. Neste caso é bom lembrar. “A letra mata, mas o Espirito, vivifica”.
A Lei tem o poder de nos tornar rígidos e de nos transformar em fiscais de
nossos irmãos, de perdermos a alegria de servir a Deus, de fazermos as coisas
de forma mecânica e sem entusiasmo.
Por outro lado, temos a tendência de negar tudo quanto na Lei está
escrita, sem examinar os princípios nela contidos e que são perfeitamente
compatíveis com a mensagem do Evangelho. A Lei, quando iluminada pelo
Evangelho, traz o equilíbrio que precisamos.
O legalismo pode nos levar a uma atitude de fazermos as coisas na marra, e nos fazer sentir culpado quando não fazemos: O fundamento é: Deus vai castigar se não fizermos. Você tem que fazer.
Por outro lado, nos sentimos orgulhosos e superiores quando fazemos, e achamos que assim, Deus vai nos amar mais, ou até mesmo nos leva a pensar que podemos cobrar algo de Deus porque somos capazes de dar o dízimo. Lembre-se, dízimo não é um pé de cabra que você usa para forçar Deus para te dar algu. Tanto uma como a outra atitude é pecaminosa e errônea.
O antinomismo: eu nao sou da lei e não preciso fazer nada, desemboca na
graça barata, no discipulado sem custo, numa fé displicente e preguiçosa, no
descompromisso e na indolência, e assim justificamos nossa preguiça e avareza
fazendo afirmações baratas do tipo: “Isto é da época da Lei, estamos na graça”.
Esta frase é muitas vezes mal aplicada e perigosa para a alma.
A beleza de viver pela graça é a compreensão de que, Deus nos dá todas as coisas por causa de sua misericórdia e graça. Você merece o castigo pelos seus pecados, Deus lhe deu salvação. Você meerecia condenação e Deus livremente lhe deu aceitação. Nossa relação com Deus não é a relação de escravos, que fazem as coisas porque "tem" que fazer, ainda que seus corações estejam com raiva do seu patrão. Nossa relação com Deus é de filhos amados. O amor de Cristo me constrange, me impulsiona. Eu entendi o que Deus fez por mim. eu entendo que tudo que tenho é resultado de sua graça. Eu quero servi-lo, adorá-lo, prestar cultos. eu acredito que é um privilégio ser do Senhor e quero adorá-lo.
Esta é a grande diferença enre a lei e a graça. Na lei, faço procurando a aceitação de Deus. O motivo é ganhar o amor de Deus. Na graça, faço porque sou aceito por Deus. A motivação é gratidão e louvor.
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