Introdução:
Depois de
falar da unidade da igreja (Ef 4.1-6), e descrever os sete elementos que
identificam o povo de Deus, a partir do vs 7, Paulo fala da obra de Cristo
sobre dois aspectos:
Sua
redenção
Seu
projeto.
Primeiro,
sua redenção.
A obra da
plena expiação se consumou na vida, morte, ressurreição e glorificação de
Cristo. Tudo foi “consumado”. O sacrifício exigido por Deus foi plenamente
satisfeito, e a obra completa de resgate do povo de Deus foi efetuado. Ele
quebrou as correntes do cativeiro satânico e passamos a ser seu espólio nesta
batalha espiritual. Neste texto, Paulo faz uma citação do Sl 68: “Subiste às
alturas, levaste cativo o cativeiro; recebeste homens por dádivas, até mesmo
rebeldes” (Sl 68.18).
Este Salmo
é eminentemente messiânico e descreve a obra que o Messias haveria de realizar
entre o povo de Deus. Ele é descrito como rei libertador. “O nosso Deus
é o Deus libertador; com Deus, o Senhor, está o escaparmos da morte” (Sl
68.20). O salmista fala do rei cruzando a estrada rumo ao Monte Sião e entrando
na cidade santa, trazendo os prisioneiros de guerra como despojo. Em Efésios
Paulo aplica esta palavra a Jesus, mostrando como ele a realizou.
Cristo
deixou a glória dos céus, para descer às regiões mais baixas da terra,
provavelmente uma menção ao fato de Deus ter deixado sua glória e se tornar
humano (Is 44.23). Durante os dias de sua peregrinação, Jesus se depara com a
vileza e sordidez humana, com a decadência gerada pelo pecado, com a força dos
poderes históricos aliados aos demônios, e caminha no meio da opressão, doença,
possessão, inimizade e inveja e morte. Ele conheceu a dor do leproso, vivenciou
o sofrimento causado pela morte e separação, contemplou a enfermidade que gera
tanta dor e vergonha, e a humilhação de homens, criados à imagem e semelhança
de Deus, vivendo agora dominados pela força do diabo.
Este mesmo
Jesus, ao completar sua obra da redenção retornando para sua glória, levou
cativo o cativeiro. Sua obra foi plena, suficiente e eficiente. A morte, a dor,
o pranto, o opressivo poder do diabo são agora relativizados. Ele levou
“cativo, o cativeiro”.
Mas este
Jesus subiu, não para ficar na sua glória. Paulo afirma que ele subiu “para encher todas as coisas” (Ef 4.10).
Ele está “acima de todos os céus” e
isto descreve sua majestade, glória e poder, sendo exaltado as mais altas
honras e glórias possíveis. Ao subir, glorificado, libertou-nos do cativeiro,
mas isto é apenas metade de sua obra.
Segundo,
seu projeto
Além de
libertar o seu povo, ele tinha em mente outro projeto. Ele se comprometeu em
edificar sua igreja (Mt 16.18). Como ele faria isto?
A resposta
encontra-se neste texto: Ele capacitaria o seu povo para a obra. ““concedeu
dons aos homens”.
Entre o Sl
68 que mencionamos e Ef 4.7, ocorre uma variação textual interessante e
intrigante.
No Salmo
68, o rei é descrito como vitorioso, e recebendo dons entre os homens. “Recebeste
homens por dádivas”; contudo, em Ef 4.7 ele afirma que quando Cristo
retornou vitorioso para sua glória, ele “concedeu dons aos homens”. Exegetas
e comentaristas tentam encontrar a solução para esta variável, e a que tem mais
aceitação é o fato de que Paulo, intencionalmente, fez um contraste entre o rei
glorioso do Sl 68 e Cristo vitorioso em Ef 4. No primeiro, ele “recebe dádivas
dos homens”, no segundo, “ele concede dádivas aos homens”.
Jesus não
subiu ao céu para ficar na sua glória, mas para “encher todas as coisas”. Ele
continua desenvolvendo seu projeto: Edificar um povo para louvor e glória de
Deus, e isto implica em “edificar sua igreja”. Para isto, ele concedeu os dons
necessários, capacitando o seu povo.
Entendendo
os dons - Ef 4.7
Apesar da
forma enfática como a Bíblia fala dos dons, poucos cristãos realmente
estudam e entendem a função dos dons e poucos descobrem seus dons dentro da
comunidade. Entretanto, a Palavra de Deus exorta: “irmãos,
acerca dos dons espirituais, não queremos que sejais ignorantes".
Portanto, não podemos ignorar, nem podemos ser ignorantes (1 Co 14.1).
Algumas
observações iniciais:
a. Dom é uma habilidade especial que Deus dá ao seu povo para a realização do
trabalho. “Ele mesmo concedeu” (Ef
4.11). Quando Jesus subiu aos céus, levou cativo o cativeiro e capacitou sua
igreja para realizar a obra necessária aqui na terra, concedendo-lhe dons.
b. Por sua própria origem, dom é diferente de talentos naturais. Dom espiritual
pertence aos que creem, mas qualquer ser humano não regenerado possui talentos.
Lutero chegou a indagar, ao ver tanta gente sem Deus e talentosa: “Por que o diabo
tem de ter todos os bons tons?”
c. Dom é algo individual, concedido a
cada um. Ninguém tem todos os dons, mas todos os membros do corpo receberam
alguma tarefa a cumprir. Foram dados, “a cada um” para serem usados em benefício
do corpo para a edificação da igreja e glória de Deus.
d. Todos cristãos possuem um ou mais dons. “Segundo a proporção do dom de
Cristo” (Ef 4.7). A palavra “metron”, usada no texto é a mesma usada
na língua portuguesa para “metro”. De acordo com o “metron” de Cristo, portanto
sua medida e motivos pessoais, diferentes dons foram distribuídos ao seu povo.
Ninguém pode ser cristão sem ter um dom, ao mesmo tempo que ninguém pode ter
dom, sem ser cristão.
e. Estes dons são resultantes da graça de Deus. “A graça foi concedida” (Ef 4.7). Se é graça não pode ser meritória,
assim como é a salvação (Ef 2.8-9). A própria ideia da graça “charis”, nos leva
a pensar em algo gratuito e não em algo conquistado.
Os
diferentes dons – Neste texto, Paulo descreve os
cinco dons estruturais dados ao corpo de Cristo. A lista é bem mais extensa se
considerarmos Rm 12, 1 Co 12 e 1 Pe 4 e estudiosos da Bíblia afirmam que esta
lista, embora longa, não é exaustiva, isto é, não abarca todos os dons
espirituais. Barclay afirma que tais dons são a base e o alicerce da
igreja.
Em
primeiro lugar, os apóstolos.
“A palavra
apóstolos é usada no Novo Testamento com três diferentes sentidos. Podia
significar simplesmente um mensageiro, como é aparentemente o caso em
Filipenses 2.25, sentido esse que podemos deixar de lado aqui. Era usada acima
de tudo para os doze, que por todo o Novo Testamento ocuparam uma posição especial
e preeminente (1 Co 15.5; Ap 21.14). mas lemos a respeito de outros como
apóstolos, não apenas o próprio Paulo e Barnabé (At 14.4), mas também Tiago, o
irmão do Senhor (Gl 1.19), Silas (1 Ts 2.7) e Júnias e Andrônico, que são
mencionados apenas em Rom 16.7, mas que não conhecemos nem de nome” (Francis
Foulkes).
No sentido
mais estrito, só existem 12 apóstolos, sobre os quais a igreja de Cristo está
sendo fundamentada (Ef 2.20). Toda tentativa moderna de ser apóstolo de Cristo,
neste sentido, é ridícula e herética. A palavra “apostoleo”, significa
“enviado”, que num sentido mais amplo, seriam os atuais missionários, pessoas
que plantam igrejas e estabelecem comunidades cristãs numa determinada
região. A função atual seria de estabelecer igrejas e fundar novos
trabalhos. Um dom primordial na vida da igreja.
Em segundo
lugar, os profetas
Assim como
os apóstolos, os profetas, num sentido mais estrito, deixaram de existir, mas
eles se destacam claramente no Novo Testamento como homens de fala inspirada,
cujo ministério da palavra foi de extrema importância para a igreja. Sua grande
obra era proclamar a Palavra de Deus, sob inspiração direta do Espírito Santo,
por isto a igreja está fundamentada sobre apóstolos e profetas (Ef 2.20).
Num
sentido mais amplo, o ministério profético existe ainda hoje. São aqueles que
proclamam as verdades do Evangelho, que anunciam todo propósito de Deus aos
pecadores, que exorta a igreja à santidade, que traduz a verdade de Deus ao
homem moderno. O anunciador da palavra, num sentido lato, é um profeta. Ele
traz a mensagem de Deus aos homens. Não há evidências nem espaços para novas revelações
de Deus. A percepção ortodoxa da igreja é que tudo que precisamos para nossa fé
e prática já se encontra revelado nas Escrituras, Antigo e Novo Testamentos.
Em
terceiro lugar, os evangelistas
Em apenas
dois outros textos na Bíblia vemos menção aos evangelistas. Em At 21.8 Filipe,
cujas quatro filhas eram profetisas, é chamado de evangelista, em 2 Tm 4.5
Paulo exorta Timóteo a fazer o trabalho de um evangelista e cumprir cabalmente
o ministério. Barclay os chama de “a milícia missionária da igreja”, dando a
entender que eles exerciam um trabalho de pregador itinerante, indo de lugar a
lugar e proclamando as boas novas de salvação. São dons especiais dados a
determinadas pessoas para evangelizar e ganhar vidas para o reino de Deus. São anunciadores
das boas novas.
Em quarto
lugar, pastores e mestres
Foulkes
acredita que esta frase descreva os ministros da igreja local, enquanto os três
primeiros são pertencentes a projetos de expansão da obra. Apóstolos e
evangelistas teriam a tarefa de plantar a igreja e os profetas, de trazer a
palavra específica de Deus em uma dada situação. Muitos comentaristas colocam
estes dons como sendo complementares, mas particularmente gostaria de fazer uma
distinção entre um e outro.
Pastores
São
pessoas, cujos dons estão voltados especificamente para nutrir, proteger, amparar,
cuidar dos feridos e estimular o rebanho. São conhecidos como “ovelheiros”, já
que gostam do cheiro de ovelhas, tiram carrapichos de seus pelos, carregam no
braço os feridos. Algumas pessoas na igreja, sem terem o ofício pastoral,
possuem, este dom de forma muito presente.
São
aqueles que se preocupam com o bem estar da comunidade e cuidam cuidadosamente
das ovelhas. Tive o privilégio de ter um sogro que era pastor, visitando o
rebanho, em cidades do interior e comunidades carentes, aconselhando, andando
lado a lado com os aflitos. Este dom era tão forte em seu ministério que 27
pessoas morreram em seus braços, e isto demonstra como ele era alguém presente
no dia a dia do povo. Se você está lendo este texto e é pastor, pergunte a si
mesmo: quantas pessoas já acompanhei até a morte? Minha resposta pessoal a esta
pergunta é igual a zero.
Mestres
Mestres
são aqueles que se debruçam sobre as verdades do Evangelho procurando traduzir
o pensamento de Deus para a humanidade. Geralmente apreciam o estudo, gostam de
ensinar, discipular e treinar. A Bíblia afirma: “Se ministério,
dediquemo-nos ao ministério; ou o que ensina esmere-se no fazê-lo” (Rm
12.7). A primeira observação que fazemos quanto aos mestres é que eles são
ensináveis. Não se pode ser mestre sem se tornar um bom aluno. Os mestres da
igreja crescem no conhecimento da palavra, estudando as Escrituras, se
“afadigam na palavra”.
Mestres
são fundamentais para evitar as distorções e heresias. Por isto, o mestre
precisa “apresentar-se a Deus, aprovado, como obreiro que não tem de que se
envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2 Tm 2.15).
Conclusão:
Os dons
dados por Cristo à sua igreja, para edificação do seu corpo, traz as seguintes
implicações:
A. Você é importante no projeto do reino de Cristo. Ele te libertou do
cativeiro, e lhe deu dons, para que sejam usados para sua glória e para a
construção de sua igreja e estabelecimento do seu reino. Sua inoperância ou negligência
compromete a obra de Cristo na história;
B. Você é capacitado para exercer seu dom. Nunca diga “não posso”, “não
sei”, “não consigo”. Quando Deus nos chama ele nos habilita. Um dos mais
conhecidos princípios sobre missões é o seguinte: “Deus não chama os
capacitados, mas capacita os chamados”.
C. Você precisa conhecer os seus dons. Se você não está servindo a igreja
de Cristo, e ainda não encontrou seu lugar no corpo, ainda não está exercendo
seus dons. Procure refletir e orar para entender onde Deus deseja usá-lo. Peça
direção a Deus, converse com as pessoas, ore sobre o assunto.
D. Você precisa desenvolver seus dons. No reino de Deus não há lugar para
ociosos. Há sempre uma oportunidade de serviço, muitos dependem diretamente de
sua disponibilidade, portanto, deixe Deus usá-lo. Não enterre seus dons. A
displicência e negligência com os dons trazem grandes prejuízos ao avanço da
obra de Cristo. Todos cristãos tem dons, se você não exerce o seu, o corpo será
sobrecarregado.
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