Introdução
Um
dos mandamentos que tem causado mais discussão é a questão do sábado, isto
porque os homens historicamente fizeram uma significativa inversão de valores
no seu sentido. Jesus teve que enfrentar a ira dos religiosos de seus dias, que
o acusavam de profanar o sábado e Jesus os censurou tentando colocar o sábado
na perspectiva correta:
“E acrescentou: O sábado foi estabelecido por causa do homem,
e não o homem por causa do sábado; de
sorte que o
Filho do Homem é senhor também do
sábado”
(Mc 4.27,28).
Os
religiosos transformaram o sábado num jugo e perderam o significado maior do
sábado: a celebração, a adoração, o descanso. Ainda hoje, por causa de uma
estrita observação do sábado requerida pelos judeus ortodoxos em Jerusalém,
eles na cozinham, nem apertam o botão do elevador no dia do sábado. No Brasil,
os sabatistas condicionam a salvação eterna, à guarda do sábado. Não basta crer
em Cristo, se você não guardar o sábado, você será condenado no dia do juízo
final.
O
sábado, portanto, continua escravizando e subjugando as pessoas.
Paulo
percebeu esta atitude equivocada com o sábado na Igreja da Galácia: “Guardais dias, e meses, e tempos, e anos.
Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco” (Gl 4.10,11). Qual
era o problema na visão de Paulo? Os irmãos da Galácia estavam voltando aos “rudimentos fracos e pobres”, que
novamente os escravizava (Gl 4.9).
O shabath era um dia de adoração e
descanso para o povo judeu. Este termo significado literalmente “descanso”. Dia
de assumir outras atividades. Descanso, nada mais é, que mudança de ritmo e
atividades. Para o trabalhador braçal, o descanso deve ser, dar folga ao seu
corpo; para aqueles que vivem dentro do escritório, o descanso pode ser cuidar
do jardim, fazer exercício, praticar esportes e lazer. Mas acima de tudo, o sábado
(ou shabath), era uma forma de voltar
o olhar para a bondade de Deus e expressar a gratidão com atos de culto e adoração.
Para
entender melhor o lugar do sábado, precisamos observar as grandes mudanças que
ocorreram entre o Antigo e Novo Testamento, em relação à adoração. Sem esta
compreensão, torna-se difícil ter toda a visão do novo “lençol das mudanças”
(At 10) que Deus estava trazendo com a dispensação do Evangelho de Cristo.
Russel
Shedd afirma que, no Antigo Testamento existiam quatro áreas de adoração bem
definidas:
Templo
Tempo
Sacerdócio
Sacrifício.
Entender
estas coisas é fundamental para a adoração na perspectiva neo-testamentária.
Quando entendermos estes aspectos centrais da adoração, torna-se fácil entender
o significado do Sábado.
Vamos
por parte:
- Templo – No Antigo Testamento, o culto a Deus era
centralizado em Jerusalém, Deus era adorado no lugar Santo. O templo era o
local para o qual as pessoas afluíam para adorar a Deus. Daí a
significativa questão levantada pela mulher Samaritana: “Nossos pais adoravam neste monte; vós,
entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar” (Jo
4.20). Esta questão teológica estava presente entre os contemporâneos de
Jesus. Deus habita uma determinada geografia? Onde realmente devemos
adorar?
Jesus
esvazia esta idéia de um local sagrado:
“Disse-lhes
Jesus: Mulher, podes crer-me que a hora
vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai... Mas vem a
hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito
e em verdade; porque são estes que o pai procura para seus adoradores” (Jo
4.21,23).
Para
Jesus, o local deixa de ter caráter sacral. O sagrado são os adoradores e não o
local.
Infelizmente
esta idéia vétero testamentária não saiu da mente do cristianismo. Ainda hoje existem
milhares de pessoas que fazem romarias para lugares sagrados, onde acreditam
que Deus está presente.
Para
o Novo Testamento, o local da habitação de Deus não é mais um espaço, mas seres
humanos, não mais um local, mas pessoas.
Por isto, o templo do Espírito Santo somos nós: ”Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo que
está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?”
(1 Co 6.19). A vida da pessoa, e não um local sagrado é que interessa para
Deus. Deus habita em seres humanos que pela fé receberam a salvação oferecida
por Jesus e que hoje se tornaram a habitação do Espírito Santo. Por isto o
corpo, assume esta dimensão sagrada.
- Sacerdócio
– No Antigo Testamento as
pessoas viam um grupo de pessoas como privilegiada diante de Deus. Os
sacerdotes tinham a tarefa de levar os pecados e problemas da comunidade a
Deus. A adoração estava centrada em algumas pessoas especiais.
Uma
destas pessoas era o Sumo Sacerdote, que entrava apenas uma vez por ano no
Santo dos Santos, o local mais sagrado para fazer expiação pelos pecados do
povo de Israel. Este homem tinha um papel muito importante na espiritualidade
judaica.
No
Novo Testamento, a idéia de pessoas ungidas também é desmistificada. Deus
suscita não apenas um grupo de foro privilegiado, mas por meio de Jesus rasga o
véu do templo e destrói esta diferença entre sacerdotes e não sacerdotes. Todos
temos acesso ao Pai por meio de Jesus, não dependemos mais da mediação de
ninguém para irmos ao Pai. Por esta razão temos “intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus” (Hb
10.19), e podemos nos achegar “confiadamente
junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para
socorro em ocasião oportuna” (Hb 4.16).
Deus
fez agora uma nação de sacerdotes (1 Pe 2.9). Não apenas um grupo, mas toda uma
comunidade que tem a grande benção levar os pecados da cidade e das pessoas a
Deus e clamar por elas.
- Sacrifício
– A terceira área de adoração a
ser considerada. No Antigo Testamento as pessoas ofereciam sacrifícios
para expiar pecados.
Milhares
de animais, bodes e touros, foram derramados para expiar pecados. “Sem derramamento de sangue não há expiação
de pecados” (Hb 9.22), mas todos estes sacrifícios, eram “sombra dos bens vindouros, não a imagem real
das coisas” (Hb 10.1), por isto jamais poderiam tornar perfeitos os
ofertantes. “É impossível que sangue de
touros e bodes remova pecados” (Hb 10.4). O sangue derramado apenas
apontava para o sacrifício perfeito e pleno que o Filho de Deus haveria de
ofertar à humanidade. Qualquer tentativa de fazer sacrifícios hoje para tentar
agradar a Deus, não apenas é algo tolo e vazio, como agride a Deus, já que quem
assim procede está rejeitando o sacrifício pleno de seu Filho.
O
Antigo Testamento apontava para o grande sacrifício que seria consumado no
Calvário. E isto foi muito difícil para os contemporâneos de Jesus entenderem.
Deus preparou um povo para entender a obra de Cristo. Todas as oferendas e
holocaustos apontavam para o perfeito Cordeiro de Deus, que tira o pecado do
mundo.
Por
isto, agora, cessa a centralidade de sacrifícios de animais. Jesus é o nosso
Cordeiro Pascal (1 Co 5.7).
- Tempo –
A Quarta área de atuação é o
tempo. Os judeus acreditavam em dias sagrados, épocas sagradas, tempos
sagrados. Dentre estas datas estavam as festas anuais e o sábado.
O
Novo Testamento tenta desmistificar esta ideia de um tempo sagrado: “Ninguém, pois, vos julgue por causa de
comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem
sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo” (Col
2.16-17). No Novo Testamento a adoração não está centralizada em um tempo, mas
envolve toda a vida do adorador, em todo lugar e em todo tempo.
Então,
Qual o significado do Sábado?
O
Sábado possui um significado maior
A Dimensão Social
O
povo de Israel foi escravizado por 430 anos, durante este tempo não teve
direito a lazer, realizava trabalho forçado e sofreu violenta humilhação no
desempenho de suas atividades. Não é sem razão que este mandamento possua uma forte
recomendação social: “não farás obra
alguma nesse dia, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o peregrino
que viver das tuas portas para dentro, porque o senhor fez em seis dias o céu,
a terra e o mar, e tudo o que neles há, e descansou ao sétimo dia; por isso o
senhor abençoou o sétimo dia e o santificou” (Ex 20.10-11). Deus estava preocupado
com o ser humano e com a própria natureza que se tornara vítima da ganância e
da exploração do excesso de trabalho.
Jesus
teve profundos conflitos com religiosos de seu tempo por causa da questão do sábado.
Qual era o problema? Os homens transformaram o sábado num instrumento de
opressão religiosa, ao invés de reconhecerem sua dimensão libertadora e
humanitária. Jesus sintetiza isto numa discussão com os fariseus, que eram os xiitas
de seu tempo afirmando: “O sábado foi
estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mc
2.27). Esta inversão na interpretação tem sido fatal na história do
cristianismo.
A Dimensão Pessoal
Qual
é o objetivo então do sábado? Este termo vem do hebraico “shabath” que significa “descanso”.
Deus deseja que os homens entendam a importância de parar suas atividades,
e para fazer isto, ele mesmo deu o exemplo.
Será
que Deus estava preocupado consigo mesmo? Estava com excesso de horas extras?
Naturalmente não. Seu objetivo era dar exemplo para que entendêssemos que
precisamos aprender a descansar, a tirar tempo para repor nossas forças
físicas, para repensar nossas atividades. Quando não descansamos é porque
intimamente sofremos um complexo de onipotência e achamos que somos mais
imprescindíveis que Deus. No entanto, é bom lembrar que o cemitério está cheio
de gente insubstituível. Guardar o dia de sábado é reconhecer que temos direito
ao descanso e perceber-se como um ser livre para viver. O que trabalha sem
descanso é escravo! Além do mais, deve manifestar esta preocupação com seus
funcionários, empregados, parentes e até mesmo animais. Todos devem e tem o
direito ao descanso.
Quando
ainda plantava igreja no sul de New Jersey, tinha uma rotina de muita
atividade. Um dia, três casais de liderança da igreja me procuraram e
perguntaram qual era o dia de meu descanso. Respondi evasivamente e eles foram
enfáticos comigo: “O senhor precisa tirar um dia de folga, porque não tirando o
descanso o senhor quebra um princípio de Deus. Não pretenda ser mais importante
que Deus”.
É
isto que a palavra quer nos mostrar. Deus não parou suas atividades por causa
dele mesmo, mas a criação aponta para o projeto grandioso de Deus: Seu shabath. Ele nos convida para o
descanso. Para confiarmos na sua provisão, sabermos que ele vai fazer quando
não estivermos fazendo. Tirar um dia de descanso semanal é uma forma de
demonstrar confiança em Deus e no seu cuidado por nós. Nós somos apenas
instrumentos dele, Ele é que faz.
A Dimensão cúltica
Além
de refazer nossas forças e encontrar descanso, este tempo também é um convite
para olharmos para o céu, e este é um objetivo muito claro para o shabath: Tirar um dia de adoração,
agradecer a Deus a libertação e lembrar que Deus também tem ouvido nosso
clamor. Este é o dia que separamos para prestar culto a Deus, ler sua palavra, orar,
refletir sobre seus valores, colocar nossa vida a seu serviço para libertar
outros que ainda vivem na opressão e na escravidão.
No
Novo Testamento não existe mais a idéia de um “um dia de adoração”, mas todos
os dias são feitos para adoração a Deus. Mas no dia que reservamos para ele é
uma forma de lembrarmos a nós mesmos de seu cuidado e adoração.
“Ao
nos dar um dia como tal, Deus destaca a nossa humanidade, nos lembra que
devemos ser tratados como pessoas e que não fomos feitos para o trabalho, mas
para Ele”.
Conclusão
A
guarda do sábado é importantíssima para o louvor ao Senhor, para diminuir a
ganância do homem, para proteger os funcionários e até mesmo os animais. A guarda
do sábado deve acontecer.
Para
alguns, como os profissionais da área de saúde e segurança, o sábado pode
acontecer no meio de semana. Até mesmo os pastores, que estão trabalhando
arduamente no domingo, pregando sermões, atendendo pessoas, dando aulas em
escolas dominicais, visitando pessoas enfermas, precisam tirar o seu “sábado”.
Este é um momento de repor as energias, mudar as atividades, descansar.
Mas
acima de tudo, precisamos entender o sábado como um tempo de maior consagração a
Deus. Por isto recomendamos as pessoas para que concentrem suas atividades de
lazer no sábado e reservem o dia de domingo para se consagrar mais ao Senhor. Muitas
pessoas, trocam facilmente o domingo para outras atividades.
Samuel
Vieira
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