“Temos vivido na cidade, com sociologia e ferramentas urbanas, mas com teologia rural. Precisamos de uma teologia tão grande quanto a nossa cidade, tão urbana quanto nossa sociologia e missiologia”.
(Ray Bakke)
Por diversas vezes já introduzi este assunto nas salas de aula, discutindo o modelo urbano de pastorear e ser igreja, em relação ao modelo rural de pastorear e cuidar da igreja de Cristo. Dentre as respostas dadas, eis algumas mais interessantes:
- A mentalidade rural de igreja tende a construir uma visão de distanciamento e isolamento, como se fosse um tipo de colônia, que se sente ameaçada quando chega um ”estranho”, que se torna imediatamente “suspeito”.
- Saímos das igrejas com modelo fechado e o seminário reforça esta eclesiologia.
- Os modelos departamentais não se adequam às cidades. Os programas não são adaptáveis à vida urbana – horários, métodos. Sociedades internas precisam se adequar.
- Os temas das mensagens precisam ser mais contemporâneos, atingindo o ser humano na cidade atual. Considerando que a sociedade tende a ser excludente e distante, seria melhor se a igreja fosse construída em torno de grupos pequenos, e que o pastoreio fosse realizado desta forma
- Por trazermos uma mentalidade rural, confundimos histórico com revelado e temporal com o eterno. Uma igreja é fiel não por causa de sua estrutura antiga, mas por causa de sua teologia bíblica. Quando a igreja acredita que sua cultura religiosa precisa ser preservada e que as pessoas se adaptem, ela pode perder sua relevância e contemporaneidade. O objetivo não será necessariamente o de que extinguir estruturas e sociedades internas, mas “reinterpretá-las”, “reinventá-las” à luz de uma nova realidade sociológica.
- O sistema fechado e inflexível, pode impedir o avanço. Os métodos podem ser mudados tantas vezes quanto for necessário. Só não podemos negociar os fundamentos nem a base de nossa teologia que é a Palavra de Deus.
- A Igreja pode construir uma mentalidade de Gueto, olhando para as pessoas de fora como oponentes e não como pessoas a serem amadas e cuidadas. Na zona rural somos pastores de um determinado segmento estratificado, mas na cidade, somos pastores de pessoas secularizadas com mentalidade plural e alternativa.
- A igreja da zona rural não sofre grandes transformações, por isto as mudanças raramente precisam ocorrer. No contexto urbano, a sociedade encontra-se em constante mudança. Quando a igreja chega no contexto urbano com dificuldade em repensar seus modelos, corre o risco de se tornar inadequada e irrelevante. O problema é que o “novo em teologia é quase sempre a negação do velho”, e as pessoas confundem formas com conteúdo. As decisões na igreja eventualmente assustam porque passam não só pela estética, mas até mesmo pelas formas e métodos.
- A igreja da cidade sofre com excesso de programas e alternativas ao entretenimento, enquanto na zona rural, o programa da igreja é muitas vezes o evento da semana. Como se adaptar num contexto de tantas exigências quanto ao tempo? Muitos programas eclesiásticos servem apenas “para ocupar o tempo” sem objetividade e qualidade. Precisamos refletir como podemos fazer menos com mais qualidade.
- Quanto à didática, as novidades demoram mais a chegar às periferias e zonas rurais, em contrapartida, nos modelos pedagógicos atuais, a igreja é pressionada a encontrar formas mais contemporâneas e atraentes para comunicar o conteúdo de forma eficiente às próximas gerações. As futuras gerações estão assimilando o conteúdo com os métodos que aplicamos?
- O modelo representativo pode ser moroso, burocrático e pouco participativo. Seria possível repensar o modelo? Qual o risco de eliminar os paradigmas atuais e adotarmos um novo modelo. Não nos assusta pensar que podemos desconstruir o que se conhece e não ser relevante o modelo alternativo. Como lidar com esta dialética? Se mudarmos o modelo representativo, podemos ser chamados de presbiterianos? Se em igrejas congregacionais adota-se o sistema de governo com a criação de um conselho e liderança dos presbíteros tal igreja não perderia sua identidade?
Identificando os elementos rurais nas igrejas urbanas
Diante de tantas possibilidades e questionamentos, consideramos os seguintes elementos para objeto de discussão e reflexão. É uma tentativa de identificar os elementos rurais nas igrejas históricas em contextos urbanos. O problema não é tão evidente em igrejas que possuem seu DNA de grandes cidades. Muitas igrejas neo-pentecostais modernas, nunca tiveram esta transição por já nascerem num contexto urbano. Sua mentalidade é perfeitamente adaptada à realidades da cidade.
1º. Elemento– Inflexibilidade no horário dos programas
Na cidade, as pessoas têm menos tempo que na zona rural, sem considerar ainda o fato de que seus horários são mais alternativos. Na zona rural os horários são determinados pelo ciclo da natureza. As pessoas dormem cedo e também acordam de madrugada. Nas grandes cidades, muitos dormem pouco e dependendo do turno de trabalho, seus horários podem ser imprevisíveis e eventualmente as atividades semanais entre o trânsito, o trabalho, os cursos de aperfeiçoamento, podem exceder facilmente 80 horas semanais.
Não deveria este fator ser considerado nas programações da igreja na cidade? Poucas igrejas repensam seus horários, trazendo sempre a mesma dinâmica das comunidades que se reuniam em contextos completamente distintos dos atuais. Seria possível flexibilizar os horários?
O que você pensaria de um culto dominical que começasse às 13:00 hs e encerrasse as atividades às 16 hs, incluindo a Escola Dominical, sem programação pela manhã ou à noite?
Encontrei este horário de culto numa grande igreja de zona rural, na região da zona da mata em Minas Gerais, conhecida como São João da Cristina. As pessoas eram camponesas e todas elas criavam animais e o horário mais conveniente para adorar a Deus foi este. Curiosamente esta igreja do interior, foi mais ousada em sua adaptação que muitas igrejas de regiões urbanas.
Nas cidades pequenas ou no interior os cultos iniciam de forma padronizada as 9:00 hs. Será que este formato é o mais adequado para as cidades maiores? E se arriscássemos levando o culto para as 11.30 hs? Qual seria o horário mais pertinente considerando o contexto urbano e as longas distâncias?
E quanto aos programas do meio de semana? As reuniões departamentais das mulheres de zonas rurais acontecem normalmente às tardes e no meio da semana. Seria este o horário mais adequado para as grandes cidades?
As reuniões do Conselho e liderança, em algumas regiões acontecem no sábado de manhã ou sábado à noite. Considerando as extensas agendas dos membros das igrejas nas cidades, será que não deveríamos refletir sobre o valor do lazer, do descanso e do tempo da família para os nossos membros reservando o sábado para este fim? Quais seriam os horários mais efetivos para as reuniões?
2º Elemento – Inadequação dos modelos eclesiásticos e pastorais
As estruturas eclesiásticas foram montadas tendo em vista a realidade rural – seria este o melhor modelo a ser transposto, sem nenhuma analise crítica para aplicar à cidade?
O bom pastor na fazenda era o pastor visitador, que tomava café de casa em casa. Seria este o modelo adequado do pastor urbano? Se não, o que poderia ser mais eficaz? Qual abordagem deveria ser adotada? Não seria mais eficiente se considerássemos a possibilidade de visitar os membros da igreja nos seus escritórios e empresas? Isto seria viável ou não?
É conhecido o fato de que pastores neo-pentecostais quase não visitam suas ovelhas e a despeito disto elas crescem mais que as tradicionais. Será que este paradigma poderia ser aplicado a uma igreja mais tradicional?
Característica pentecostal: Impessoalidade.
Riscos _______________________________________________
Benefícios ____________________________________________
3º. Elemento – Inadequação do conteúdo da mensagem
Será que os dilemas enfrentados pelos membros da igreja deveriam ser considerados na preparação da mensagem? Será que não deveríamos traduzir a mensagem com uma aplicação contemporânea, levando em conta as condições atuais dos ouvintes? Ao prepararmos o programa dos pequenos grupos, da Escola Dominical e dos sermões, não deveríamos refletir sobre as dores e questionamentos que o homem da cidade enfrenta? O homem é o mesmo, mas os desafios e a as formas de comunicação não deveriam ser adequadas e adaptadas?
Como tratar as relações estáveis x relações transitórias? A questão da mobilidade? Da impessoalidade? Da educação de filhos num contexto subjetivista, relativista e plural? Das tarefas domésticas, comuns ao ambiente da família que vive na cidade na qual homem e mulher estão no mercado do trabalho. Como comunicar novos ideais a partir de um antigo texto sagrado que precisa ser aplicado a este homem numa nova realidade?
Dois modelos bíblicos podem nos orientar:
- A estratégica abordagem de Jesus - “E com muitas parábolas semelhantes lhes expunha a palavra, conforme o permitia a capacidade dos ouvintes” (Mc 4.33).
- A estratégica abordagem de Paulo – “Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus para os que vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não esteja debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei” (1 Co 9.20-21).
Como estes princípios podem ser aplicados à nossa realidade quando falamos de igreja urbana em relação à igreja rural.
4o. Elemento – Desconsideração com a cultura e cosmovisão da cidade.
A forma de um homem citadino enxergar e traduzir o mundo é completamente distinta daquele que procede de um ambiente provinciano. A visão distinta vai desde a forma de lidar com a vida, até em organizar o universo simbólico e as relações familiares, negócios ou administração do tempo. Isto é chamado de cosmovisão. Ela muda de acordo com o ambiente porque os pontos de referência são diferentes.
A cultura de um homem é construída de acordo com o ambiente, influência social e formação familiar. Quando pessoas de universos diferentes se encontram é possível que aconteça um choque cultural. Os conceitos e opiniões podem variar de forma tão marcante que se tornam irreconciliáveis.
Pensando sobre este prisma, podemos indagar: como isto deve influenciar a pastoral, a forma de ser igreja, a liturgia, os programas e atividades da igreja? Como adequar o pastor com a sociologia da cidade? Que ferramentas teológicas podem ser uteis para identificar e adequar o pastor com a comunidade urbana?
Conclusão:
Linthicum afirma: "Tenha uma teologia tão grande quanto o tamanho da cidade e um ministério tal específico como a próxima pessoa que você encontrar". Como citamos no inicio deste texto: o problema da igreja é que temos vivido na cidade com sociologia e ferramentas urbanas, mas com uma teologia rural. Precisamos de uma teologia tão grande quanto a própria cidade. Tão urbana quanto nossa sociologia e missiologia. (Ray Bakke, A theology as big as the City).
Nenhum comentário:
Postar um comentário