segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Js 3.1-7 Como a igreja deve caminhar?




 

 

Introdução:

 

Um dos grandes desafios para a eclesiologia é entender exatamente a natureza e a missão da igreja. Quando falamos da natureza, estamos pensando na sua essência, o que ela é. Quando falamos de missão, o seu chamado: o que ela faz.

 

Natureza da igreja

A igreja muitas vezes é equivocadamente definida de forma institucional. Uma definição falha e equivocada. Neste sentido podemos afirmar que ela é pentecostal, reformada, tradicional ou sacramental. Entretanto, por ser institucional, refere-se apenas às dinâmicas sociais e humanas. É uma definição pobre.

 

A igreja pode ser definida de forma denominacional. Uma definição relativa porque se refere a um aspecto distintivo dela como a forma de governo: episcopal, congregacional, presbiteriana (conciliar) etc., ou a uma doutrina, como no caso do batismo. 

 

A igreja precisa de uma definição que seja sobrenatural ou “mística”. Apesar deste termo abrigar algumas errôneas interpretações, gosto desta ideia. Uma igreja que vai além da sua estrutura temporal e humana. Traz uma ideia de sagrado, de eterno. 

 

Na Bíblia, existem algumas definições  de igreja, como lavoura e edifício de Deus, mas nenhuma é tão completa quanto a ideia de “Corpo de Cristo”. Corpo fala de algo orgânico, que é bem mais que uma mera organização. E aponta para o fato de que existe um cérebro, uma cabeça, que é Cristo. o corpo obedece às ordens dadas pelo sistema nervoso central. Ela é a extensão de Cristo, e age na história procurando ser seus braços, suas mãos, suas pernas. Seu chamado é para fazer a liturgia de Deus no meio dos homens, revelar um Deus acima de tudo.

 

Missão da igreja

Quando pensamos na missão, estamos nos referindo àquilo que a igreja deve fazer na história. Para que existe a igreja? Qual é o seu papel? 

 

Quando a liderança da igreja discutia a missão da igreja, chegamos à seguinte frase: “Nossa igreja existe para glorificar a Deus através da pregação da palavra e do ensino, cuidando das famílias, criando relacionamentos, sendo parceira da evangelização no mundo”. Observe que a primeira frase nossa afirma que “Nossa igreja existe para glorificar a Deus!”

 

Este é o propósito central da igreja.

O propósito central da igreja não é fazer missão, nem evangelizar, nem cuidar das famílias, pregar o evangelho e criar relacionamentos saudáveis. Todas estas coisas são desejáveis e boas, mas não é o centro. O alvo é glorificar a Deus. Se fizermos muito, mas não trouxermos glória a Deus, fracassamos na razão central de sua existência. Todos estes aspectos citados são meios, mas não o fim. Meios são métodos e caminhos pelos quais alcançamos nosso fim, que é trazer glória para o nome de Deus. 

 

Um olhar em Josué 3

 

O povo de Deus tinha saído de Sitim, onde esteve acampado por um longo tempo. Agora este povo chegou ao rio Jordão. Era a hora da travessia. Eles iriam finalmente entrar na terra santa. Mas curiosamente param ali por três dias. Parar uma caravana como esta não era tarefa fácil: os acampamentos tinham que ser montados, as barracas estendidas, e as barracas daquele tempo não eram simples e práticas como as atuais. 

 

Por que então pararam?

Por que não foram direto para Canaã?

Certamente era tempo de reflexão e planejamento...

 

Eles precisavam estabelecer como seria a caminhada deles dali para a frente.

Três dias depois, os líderes, sob a orientação de Josué, começam a dar as coordenadas. Davam as diretrizes de como deveriam caminhar. 

 

Podemos observar neste texto várias orientações de como o povo de Deus deve caminhar, e todas elas são aplicáveis ainda hoje, à nossa vida.

 

Primeiro, o povo de Deus não deve se mover, enquanto Deus não iniciar o processo.

 

“...e ordenaram ao povo, dizendo: Quando virdes a arca da Aliança do Senhor, vosso Deus, e que os levitas sacerdotes a levam, partireis vós também do vosso lugar e a seguireis.” (Js 3.3)

A arca da aliança era sagrada. . A arca simbolizava a presença de Deus no meio do povo de Israel. O povo só deveria se mover, quando a arca do Senhor se movesse. Só deveria sair quando o Senhor dissesse que era a hora de sair. 

 

Não sabemos o que foi feito desta arca na história, e ainda hoje arqueólogos procuram pistas para descobrir onde ela se encontra. Existem comunidades místicas ao redor do mundo que se consideram guardiões da arca, e até “Indiana Jones” saiu à sua procura. Felizmente ela nunca foi encontrada. Não sabemos o que aconteceu, mas é bom assim, porque do contrário ela se transformaria em objeto de idolatria. Dentro da arca se encontrava as tábuas da Lei que Deus deu a Moisés, a vara de Arão, e porções do Maná. 

 

Movimento implica em desestabilização. O povo vivia em tendas. Teria que montar e desmontar. A própria natureza da arca era móvel. Feita com argolas e tinha varas compridas que eram usadas para carregar a arca (Ex 25.10-16). 

 

Quando a arca saísse, deveriam sair. Todo movimento dependia não de si mesmos, mas no movimento que Deus ordenasse. Este é o conceito da igreja missional de Leslie Newbigin. Ele afirma que Deus nunca deixou de se mover na história e a função da igreja é identificar este movimento de Deus e estar disponível para participar com ele. Devemos estar à disposição de estar onde Deus está. Rick Warren afirma que a função da igreja não é fazer ondas, mas aprender a surfar nas ondas de Deus. 

 

Assim se deu cerca de 10 anos atrás em nossa comunidade. A liderança da igreja entendeu que por causa do crescimento da igreja era necessário dar um passo a mais e adquirir uma área maior para construir um templo maior. Assim compramos 20 lotes próximos à Avenida Brasil Sul, com ótima acessibilidade e visibilidade. Estávamos pensando no projeto quando um dos presbíteros me procurei e disse que achava que esta área era tímida demais, e que precisávamos de um sonhar numa área maior. Eu lhe disse que na igreja presbiteriana os processos são sempre lentos, que se isto acontecesse, deveríamos submeter ao conselho, e posteriormente à aprovação da assembleia. Ele procurou algumas pessoas até que um empresário da cidade, que não é crente, soube do projeto da igreja e resolveu doar um Clube desativado com 111 milM2, e decidiu doar à igreja. 

 

Estamos como quem sonha. Quando ele nos disse que sua família queria deixar um legado à cidade, eu afirmei que entendia o coração deles e que era grato por isto, mas que agora, o grande desafio nosso era, com reverência, entender o que Deus queria que fizéssemos. Afinal, “A quem muito é dado, muito é exigido”. Desde então, mudamos nosso itinerário e propósito anterior.

 

Estamos agora na fase do projeto do novo templo para 2000 pessoas. Mas ainda continuamos entendendo que se o Senhor não estiver conosco, todo nosso esforço será desperdício de tempo, foco e energia. Mas se este movimento é de Deus, precisamos ser cooperadores com ele.

 

A igreja deve se mover quando Deus se move.

 

Segundo, a igreja deve se mover com reverência 

 

“Contudo, haja a distância de cerca de dois mil côvados entre vós e ela. Não vos chegueis a ela.” (Js 3.4). 

 

As pessoas deveriam seguir, mas não poderia se aproximar demais da arca. A distância deveria ser de, no mínimo, 900 metros. Precisavam estar visualizando a arca, mas não poderiam estar perto demais.

 

Isto é algo desafiador para a forma como a igreja deve caminhar. É fácil perdermos a reverência necessária quando lidamos com coisas sagradas e banalizar as coisas de Deus. Dessacralizar o Sagrado.

 

Cerca de 300 anos depois, isto aconteceria. A arca de Deus foi parar em um lugar na Samaria chamada Siló (em Hebraico Shiloh). Quando Davi se tornou rei, conquistou Sião e resolveu transformar Jerusalém na sede do governo, trazendo consigo a Arca. Um dos responsáveis por trazer a arca era Uzá, mas ele tocou na arca e morreu instantaneamente. Davi ficou assustado com isto, mas entendeu a lição. Lidar com coisas sagradas exige reverência. Não podemos brincar com isto. 

 

Se os líderes atuais entendessem isto, a igreja de Cristo seria outra. Pastores, músicos, sacerdotes, levitas, todos precisamos entender que estamos lidando com coisa séria, não estamos brincando de Deus, precisamos nos aproximar das coisas de Deus de forma reverencial. “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria”, quando nos esquecemos quão Santo é o nosso Deus, podemos fazer as coisas de forma leviana.

 

A igreja deve se orientar pela presença de Deus (o movimento da arca), mas não pode banalizar, nem perder o temor. 

 

Terceiro, a igreja deve se mover sob a orientação de Deus

 

Não vos chegueis a ela, para que conheçais o caminho pelo qual haveis de ir, visto que, por tal caminho, nunca passastes antes.” (Js 3.4)

 

Quem deve mostrar o caminho é Deus. Josué disse ao povo: vocês nunca passaram por este caminho antes, então, deixe que Deus os oriente.

 

O Salmo 127 afirma: 

“Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela. Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão que penosamente granjeastes; aos seus amados ele o dá enquanto dormem.” (Sl 127.1,2).

Não podemos fazer nada sem a orientação de Deus. E às vezes isto implica em drástica mudança de rumos.

 

Veja a experiência do povo de Deus em Atos 16. Paulo estava fazendo uma viagem missionária, e eles fizeram um projeto. Contudo, este projeto não foi aprovado por Deus. 

 

“E, percorrendo a região frígio-gálata, tendo sido impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia, defrontando Mísia, tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus não o permitiu.” (At 16.6,7).

 

Dois projetos foram elaborados, mas Deus não permitiu. Foram impedidos de pregar na Ásia, que era o caminho que haviam traçado; tentaram ir para Bitinia, e Deus também disse não. Então se dirigiram para Trôade. O que fizeram ali? O texto não fala de nenhuma ação missionária naquela cidade. Se observarmos bem, veremos que, esta cidade foi essencial para que recebessem a visão de Deus. Era um tempo de espera, oração, reflexão. O que o Senhor está querendo nos mostrar? Então, Deus lhes falou: “passa a Macedônia e ajuda-nos”. Eles deveriam ir numa direção diametralmente oposta à que haviam traçado anteriormente. 

 

Duas coisas me chamam atenção neste relato bíblico: primeiro, que o Espírito não permitisse que a ação missionária se desenvolvesse na direção que queriam. Justamente o Espírito Santo que é o energizador das missões na Bíblia. Segundo, a capacidade deles em ouvirem o que Deus estava falando. Nem sempre estamos ouvindo o que Deus está nos dizendo e fazemos as coisas da nossa maneira. Ao ouvirem a voz, se dispuseram imediatamente a obedecer à orientação de Deus. 

 

Assim deve caminhar a igreja. A arca precisa ir adiante. A presença de Deus deve orientar. Não projetos particulares ou desenhos humanos, mas o próprio Deus. 

 

Quarto, a igreja deve caminhar em santidade

 

“Disse Josué ao povo: Santificai-vos, porque amanhã o Senhor fará maravilhas no meio de vós.”(Js 3.5). 

 

Não podemos caminhar sem vida de santidade. Os puritanos falavam de “culto puro, teologia pura, ética pura, igreja pura”. Não podemos abrir mão de santidade se queremos as bençãos de Deus. A igreja de Cristo deve caminhar em justiça, irrepreensibilidade. Os escândalos trazem muito dano à igreja. 

 

Santidade é o oposto de leviandade.

 

Quando recebemos a doação do terreno onde construiremos nosso futuro templo, fizemos a solicitação da isenção da taxa de doação. Toda doação incide um imposto sobre o valor do imóvel que vai de 2%-8%, mas a igreja é isenta. Mas é necessário um protocolo na Secretaria da Fazenda. Quando levamos nosso pedido, a delegada, mau humorada, de certa forma deu a entender que a doação era muito grande e que haveria certa suspeita sobre o caso (embora ela não tivesse dito isto diretamente). Então eu lhe disse que nossa igreja já existia há 65 anos, que durante todo este tempo não havia nenhuma acusação sobre nós, ou processos na justiça, causas trabalhistas e cheques sem fundo. Nós estávamos sustentando duas escolas na periferia da cidade, e tivemos por 50 anos o único albergue da cidade. Ela ficou meio desconcertada, e ainda assim enviou o processo para Goiânia, que foi aprovado sem maiores problemas. 

 

A igreja de Cristo precisa caminhar em santidade. 

O texto nos ensina uma verdade preciosa: “Santificai-vos, porque amanhã o Senhor fará maravilhas no meio de vós.” Se queremos ser abençoados por Deus, e experimentar maravilhas, precisamos de santidade. Muitas vezes queremos benção sem santidade, mas Deus não pode abençoar a infidelidade e o pecado.

 

O compositor Nani Azevedo fez uma música que diz: “eu não correrei atrás de bençãos, sei que elas vão me alcançar”. Benção é resultado de uma vida piedosa. Benção não é alvo, é consequência. Muitos querem as bençãos de Deus mas não o Deus das bençãos. 

 

Se a igreja deseja benção, precisa caminhar em santidade. Santidade abre o caminho para que a graça seja abundantemente derramada sobre nossas vidas. 

 

Quinto, caminhe com a compreensão de que “o Deus vivo está no meio de vós”.

“Disse mais Josué: Nisto conhecereis que o Deus vivo está no meio de vós.” (Js 3.10). 

Será que entendemos realmente esta grande verdade? Que o Deus vivo está no nosso meio?

 

Nesta semana estivemos durante toda uma semana orando pelo ano e pela vida da igreja. Por que oramos? Se não entendermos que o Deus vivo está no nosso meio, certamente orar é um ato tolo e vazio. Sem a compreensão de que este Deus vivo se move no nosso meio, a igreja pode deixar de ser um movimento para se tornar um monumento. Ela pode perder a sua percepção sobrenatural para se tornar uma instituição meramente humana.

 

Deus anda no meio do seu povo.

Quando estudamos as cartas de Jesus enviada às sete igrejas no livro de Apocalipse, veremos que Jesus afirma a todas que andava no meio delas. “Ao anjo da igreja em Éfeso escreve: Estas coisas diz aquele que conserva na mão direita as sete estrelas e que anda no meio dos sete candeeiros de ouro.”(Ap 2.1)



Além desta afirmação ele sempre diz: 

“Conheço as tuas obras” (Ap 2.2) – Éfeso

“Conheço a tua tribulação” (Ap 2.9) – Esmirna

“Conheço o lugar em que habitas” (Ap 2.13) – Pérgamo

“Conheço as tuas obras” (Ap 2.2) – Tiatira

“Conheço as tuas obras” (Ap 3.1) – Sardes

“Conheço as tuas obras” (Ap 3.8) – Filadélfia

“Conheço as tuas obras” (Ap 3.15) – Laodicéia

 

Por andar no meio do seu povo, ele conhece a realidade de cada uma de suas igrejas. Afinal, “o Deus vivo está no meio de vós” 

Nunca podemos nos esquecer desta verdade maravilhosa da presença de Deus no meio de sua igreja, caminhando com o seu povo.

 

Conclusão 

 

Como este texto nos faz entender o evangelho?

Jesus formou sua igreja. A igreja foi comprada com o seu sangue. O seu projeto era construir um povo para louvor da glória de Deus e para proclamar a redenção que existe por meio do seu sangue. Ele morreu para criar uma comunidade e formar esta nova sociedade de Deus. Ele comprou esta igreja com seu sangue, a igreja de Cristo existe na história para ser o corpo de Cristo, agente de Jesus na sociedade em que se encontra.

 

Jesus é quem criou, sustenta e edifica sua igreja. Este é o povo de Deus pelo qual Cristo morreu.

 

Esta igreja deve caminhar sob alguns pressupostos:

1.     Não deve se mover, enquanto Deus não iniciar o processo.

2.     Segundo, a igreja deve se mover com reverência 

3.     Terceiro, a igreja deve se mover sob a orientação de Deus

4.     Quarto, a igreja deve caminhar em santidade

5.      Quinto, deve caminhar com a compreensão de que o Deus vivo está no meio dela.

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