domingo, 24 de janeiro de 2021

Jos 7.1-26 Pecados Ocultos



 

Introdução 

 

No catolicismo romano, os pecados são categorizados de 

ü  Original (ligados diretamente ao estado natural do homem); 

ü  Venial (falta leve que, embora deva ser confessada e absolvida, não conduz o homem à condenação perpétua); 

ü  Mortal (falta grave que, se não for confessada e absolvida, abre caminho ao fogo do inferno). 

 

Na espiritualidade clássica do cristianismo, fala-se dos tradicionais sete pecados capitais: 

§  Soberba

§  Avareza

§  Luxúria
Ira

§  Gula

§  Inveja

§  Preguiça. 

 

A igreja contemporânea incluiu ainda pecados sociais como injustiça, poluição do meio ambiente e riqueza desmesurada. Pecados que são mais que algo individual, mas possuem dimensões coletivas, já que o mal tem uma dimensão social. 

 

Para nossa reflexão em Js 7, gostaria de pensar em duas dimensões do pecado: 

O pecado deliberado e o pecado oculto.

 

Pecado deliberado

O autor da carta aos hebreus fala do pecado deliberado: “Porque, se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados” (Hb 10.26), outras traduções preferem o termo voluntário. É o pecado cometido como escolha, sabendo que o que está sendo feito é agressivo a Deus e uma voluntária quebra da lei de Deus. Como uma criança pequena que ouve seu pai dizendo não que não toque em determinado objeto, mas ela olha disfarçadamente para o pai para ver se ele está vendo, e então, sabendo ser errado, ainda assim faz o que lhe foi proibido. É um pecado ofensivo, deliberado. Um pecado de propósito, depois de saber plenamente o que é certo, ainda decidir em fazer o errado.

 

Pecado oculto

Podemos ainda falar da natureza de outro pecado, narrado neste texto de Josué 7: É o pecado oculto. 

 

Ao me mudar para os Estados Unidos, em 1994, fui pastorear a região de Newark, e um grupo de pessoas de determinada igreja começou a se congregar conosco. O que os afastou de sua igreja de origem? A conduta pecaminosa de seu pastor. Ele havia sido flagrado num envolvimento com outra pessoa e a liderança da denominação acobertou sua conduta.

 

Curiosamente, dias antes do escândalo vir à público, alguém deste grupo dissidente, teve uma assustadora experiência. Ela sonhou que tinha ido à igreja, e ao chegar ali, viu policiais, detetives e bombeiros em frente dela e que ela estava interditado. No seu sonho, um cadáver havia sido encontrado no porão da igreja e a polícia queria descobrir a causa da morte. E, no sonho, alguém lhe comentou: “Há pecado no arraial!” O pecado do pastor ainda não havia sido descoberto. Ele acordou assustado e perplexo com seu sonho, e qual não foi a surpresa quando, ao  chegar no domingo de manhã para participar do culto, a pastoral do boletim era: “Há pecado no arraial!” Poucos dias depois, o escândalo explodiu trazendo ruptura à unidade da igreja e esfacelando aquela comunidade, pois o pastor decidiu não sair da igreja.

 

A Bíblia condena os pecados deliberados, que praticamos tendo consciência da afronta, mas a Bíblia condena também os pecados ocultos, que são empurrados para debaixo do tapete, eventualmente acobertados por muitos anos. Uma igreja pode sofrer graves consequências na sua história por causa de pecados mantidos em segredo.

 

O texto de Josué nos fala de Acã. Não nos é relatado que ele tivesse um cargo de influência, nem que fosse um comandante. Apenas nos é dito que ele, ao retornar de Jericó, decidiu trazer para si alguns despojos de guerra para si, quando na verdade, todo despojo deveria ser consagrado a Deus (Jos 6.19). Ninguém deveria ter privilégios especiais para usar em benefício pessoal. Em muitas outras guerras isto era uma prática comum, mas temendo que trouxessem “coisas condenadas” (Jos 6.18), uma referência provável às imagens de ouro e prata que os pagãos possuíam, foi proibido que tomassem de qualquer despojo e trouxessem para si. Entretanto, Acã ignorou a ordem, e prevaricou nas coisas condenadas (Jos 7.1), trazendo os objetos de valor que encontrou e enterrando debaixo de sua tenda.

 

Qual é o problema do pecado oculto?

 

1.     Antes de mais nada, pecado é pecado. Devemos tratá-lo como algo sério

 

Precisamos entender a seriedade do pecado aos olhos de Deus. Somos uma geração com muita tendência de achar que podemos pecar que não há juízo. Deus é amoroso, não é? Por que ele julgaria as pessoas? Raciocínios superficiais assim demonstram que não conhecemos o Deus da Bíblia. O autor aos hebreus afirma: “horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.31). É bom estar nas mãos de Deus, mas não cair nas mãos de Deus. Por isto, a reverência com as coisas de Deus, o temor ao Senhor, é algo tão importante na espiritualidade bíblica.

 

 

Creio que, na maioria das vezes, não consideramos realmente a gravidade do pecado. Esquecemos que as graves consequências do pecado, os efeitos deletérios que ele causa em nossas vidas. Pecado é algo tão sério que Deus teve que dar um tratamento radical, enviando Jesus para morrer pelos nossos pecados. Deus não poupou seu próprio Filho para que pudéssemos entender como ele trata o pecado.

 

2.     Não podemos esconder daquele que conhece todas as coisas. 

 

O que normalmente acontece é que, por algum mecanismo diabólico, achamos que podemos acobertar o que fizemos. Este tem sido o padrão desde o Éden. Depois da desobediência, Adão se oculta de Deus e tenta se esconder. Contudo, sabemos como Deus tratou de seu pecado. Deus veio ao encontro de Adão e denunciou sua tentativa de ocultar e esconder sua rebelião e desobediência. 

 

A verdade é que diante de Deus não se esconde nada de bom ou de ruim. Tudo é claro aos seus olhos. Diante do trono descrito em Apocalipse, há um mar de cristal, tudo é transparente. Nada se esconde. O diabo ajuda a fazer, mas não nos capacita a esconder. Não existe crime perfeito. 

 

Jesus adverte aos seus discípulos: “Pois nada está oculto, senão para ser manifestado; e nada se faz escondido, senão para ser revelado” (Mc 4.22). Paulo escreve: “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; aquilo que o homem semear, isto também ceifará. Porque o que semeia para a sua própria carne, da carne colherá corrupção; mas o que semeia para o Espírito, do Espírito colherá vida eterna” (Gl 6.7-8)

 

3.     Pecado oculto traz graves consequências para o povo de Deus.

 

O Povo de Deus foi duramente castigado por causa do pecado de Acã. Existem determinados pecados que trazem julgamento apenas para aquele que cometeu, entretanto, outros pecados trazem graves juízos sociais e comunitários. Na verdade, nossos pecados sempre trazem implicações comunitárias. Já viram como o pecado de um pastor afeta a vida de uma igreja? Como o pecado de uma mãe ou de um pai traz graves consequências sobre a saúde emocional da família? As sequelas vão se ramificando nas gerações, trazendo desequilíbrio e dor por longo tempo.

 

Uma boa ilustração para isto foi o pecado de Davi quando, movido por vaidade pessoal, decidiu fazer o recenseamento do povo. Deus condenou sua atitude e por causa de seu pecado, uma violenta pandemia veio sobre Israel, tirando a vida de setenta mil homens num curto espaço de tempo (2 Sm 24.1-17). O pecado de Davi afetou diretamente o povo de Deus. Suas ramificações foram profundamente danosas para Israel

 

O pecado de Acã aparentemente tinha passado desapercebido. Ninguém tinha visto, ninguém denunciou, estava acobertado. Sua estratégia parecia perfeita. Ele enterrou seu pecado. Como as pessoas gostam de fazer isto. Todavia, seu pecado enterrado trouxe perdas tremendas para o povo de Deus, e vidas preciosas morreram por sua causa. Acã jamais poderia imaginar quão grande seriam as consequências do seu pecado para sua comunidade. Normalmente também não imaginamos os efeitos danosos de nossos pecados para nossa família, igreja e sociedade.

 

Penso que ainda hoje, as pessoas não avaliam quão sério é para sua igreja o estilo de vida pecaminoso. Sempre defendi que líderes da igreja, professores de Escola Dominical e de crianças, diáconos, presbíteros, devem procurar viver uma vida de santidade para glorificar a Deus. Defendo que os presbíteros e diáconos participem das reuniões de oração da igreja, sejam dizimistas, vivam em santidade, porque creio que isto traz benção para a comunidade. Devem ser modelos porque dessa forma Deus pode abençoar sua igreja. Nenhuma igreja vai além de sua liderança. Um homem de Deus em pecado, deve abandonar imediatamente seu pecado se quiser trazer benção sobre o rebanho que ele lidera. “Quem confessa e deixa alcança misericórdia”. Se insiste em viver no pecado, deveria, pelo menos se afastar da liderança para não trazer ainda mais danos. 

 

Josué diz a Acã: “Por que nos conturbaste? O Senhor, hoje, te conturbará” (Js 7.25). Acã trouxe perturbação para o povo de Israel. Aqueles que perturbam o povo de Deus e trazem vexame e humilhação para sua igreja, não podem esperar uma colheita muito boa para suas vidas... 

 

4.     Pecado não deixa o povo de Deus ser vitorioso.

 

Muitas instituições perderam sua agressividade evangelística e missionária, sua capacidade de testemunho, e encontram dificuldade para crescer por causa de atitudes pecaminosas de seus líderes. São igrejas que perdem seu entusiasmo e brilho, perdem sua pujança e efetividade.

 

Eu cresci em uma igreja que tinha uma mocidade forte, uma influência muito abençoadora na cidade, uma excelente escola, mas seus líderes foram sistematicamente caindo moralmente. Quase todos os líderes daquela igreja tiveram problemas sexuais, de forma direta. Isto enfraqueceu a igreja. Na época que eu era membro daquela igreja, ela tinha quase 300 membros, isto há 40 anos atrás, a última estatística que ouvi ela não tinha mais que 100 membros. 

 

Na narrativa deste texto de Josué, observamos que o povo de Israel obteve uma maravilhosa vitória sobre Jericó. A queda das muralhas é uma das vitórias mais prodigiosas do povo de Deus. Em seguida, partiram para conquistar uma pequena e insignificante cidade, chamada Ai. Apenas uma pequena parte do exército de Israel foi para a guerra, mas ainda assim foram derrotados de forma humilhante. 

 

Quando Josué se lamentou diante de Deus ouviu o seguinte: “Levanta-te! Por que estás prostrado assim sobre o rosto? Israel pecou, e violaram a minha aliança, aquilo que lhes ordenara, pois tomaram das coisas condenadas, e furtaram, e dissimularam, e até debaixo de sua bagagem o puseram” (Js 7.10-11). 

 

Quantas vezes observamos isto. Queremos benção mas vivendo em pecado. Queremos alegria, mas desobedecendo. Queremos vitória, mas vivemos em desacordo com a vontade de Deus. Se você quiser benção, viva em obediência. Obediência é o caminho da vitória!

 

Pecado traz derrotas no plano individual e no plano coletivo. Muitas igrejas estão sem vida, sem empolgação, por causa de pecado. Sem quebrantamento, se dirigem para Deus chorando como fez Josué. “Ah! Senhor Deus, por que fizeste este povo passar o Jordão, para nos entregares nas mãos dos amorreus, para nos fazer perecer?” (Js 7.7) Não fica claro que Josué está acusando Deus pelo fracasso? Não é exatamente isto que fazemos? Queremos vida plena, mas estamos chafurdados em pecado. Como queremos obter a benção de Deus?

 

O que Deus diz: “Dispõe-te, santifica o povo e dize: Santificai-vos para amanhã” (Js 7.13). Para ser vitorioso o povo precisava de santificação. 

 

Quando vivemos em pecado, nossa vida pessoal será uma derrota. Quando a igreja tem membros em sua comunidade vivendo de forma infiel, ela traz sobre si a condenação de Deus. Quando há pecado no arraial, no meio da comunidade, a benção de Deus deixa de fluir. Deus não pode abençoar a infidelidade. 

 

Há coisas condenadas no vosso meio, ó Israel; aos vossos inimigos não podereis resistir, enquanto não eliminardes do vosso meio as coisas condenadas” (Js 7.13). Sem santificação estamos nas mãos do inimigo, nos tornamos impotentes, não podemos resistir às investidas do diabo.

 

Como o pecado oculto é tratado?

 

1.     Deus traz a tona o pecado. Deus revela que algo está errado no meio de seu povo. É Deus quem traz à tona a realidade de que alguma coisa muito séria está acontecendo.

 

Deus zela pela pureza de seu povo. 

Deus desmascara a hipocrisia, denuncia a maldade, revela o escondido. 

 

O problema do pecado é que, antes de ser contra a família, ou contra a igreja, é contra o próprio Deus. Então, o próprio Deus exerce juízo. Ele mesmo aponta o pecado e o pecador, condena e denuncia nossos subterfúgios e mentiras.

 

Deus diz: “Dispõe-te, santifica o povo e dize: Santificai-vos para amanhã” (Js 7.13).

 

2.     Deus retira sua benção quando o pecado está oculto. Esta é a forma de tratamento de Deus. Deus deixa de abençoar.

 

Pecado retira de nós a benção. Não espere vida abençoada quebrando a lei de Deus. 

 

 

3.     Deus nos ordena a substituir a dissimulação, a capa escondida, as barras de ouro, as coisas condenadas, por um processo de santificação. 

 

Dispõe-te, santifica o povo e dize: Santificai-vos para amanha, porque assim diz o Senhor Deus de Israel: Há coisas condenadas no vosso meio, ó Israel” (Js 7.13).

 

Por isto, Lutero foi muito feliz quando expôs as suas 95 teses, colocando como ponto de partida, a primeira tese dizendo o seguinte: “A vida do cristão deve ser uma vida de penitência”. A palavra penitência hoje seria melhor traduzida como: “Arrependimento”. Precisamos desistir da capa escondida, das barras de ouro e de prata, daquilo que é prejudicial à nossa vida com Deus. Negócios escusos, imoralidade sexual, acordos e conchavos. Abandone estas coisas que podem ser prejudiciais à sua vida.

 

4.     O pecado denunciado, exposto, revelado – pode nos deixar envergonhado. A confissão não é nada fácil, mas é o único meio de restaurar nossa comunhão e trazer benção sobre nossa vida. 

 

Não tema, portanto, o pecado que vem à tona. Devemos temer o pecado sob a superfície, escondido nas nossas tendas, aqueles pecados aninhados e cultivados, que são muitas vezes mantidos por ano. A capa de Acã é o grande problema. Afinal, “O que encobre as suas transgressões, jamais prosperará, mas o que confessa e deixa, alcançará misericórdia. Feliz o homem constante no temor de Deus, mas o que endurece o coração cairá no mal” (Pv 28.13,14). 

 

5.     O caminho do Evangelho é sempre o enfrentamento, e não a negação. A confissão, e não o ocultamento.

 

O grande problema de nossa sociedade é que vivemos de imagens. Amamos popularidade e reputação, mas não nos preocupamos com aquilo que realmente devemos ser diante de Deus. O que nos transforma não são as boas aparências, nem a moral externa, mas a disposição de ter um coração quebrantado diante de Deus. 

 

Confessai os vossos pecados uns aos outros para serdes curados”. É esta exortação que aprendemos na Palavra de Deus. Confissão é algo pesado, porque ao fazermos assim nos colocamos em campo aberto, nos expomos, decidimos desnudarmos a nós mesmos, “confissão é a antecipação do juízo”. 

 

O povo de Israel só obteve vitória quando o pecado oculto foi denunciado e confrontado. Talvez este seja o grande temor de nossa vida: sermos descobertos. Mas certamente, não esconder o pecado, mas denunciá-lo, é o grande desafio da vida cristã. Lembre-se: “O que confessa e deixa alcança misericórdia”. Pecado oculto será sempre uma arma poderosa do diabo para enfraquecer sua fé, para manter você cativo, para impedir uma vida vitoriosa. 

 

Conclusão 

O Evangelho e a confissão de pecados.

 

É libertador o que a Palavra de Deus nos ensina:

Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o justo” (1 Jo 2.1). No texto anterior lemos: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, anos mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1.8-9).

 

Preste atenção. Há uma condição para o perdão de pecados: Confissão. “Se confessarmos”. Há uma condição. “Se”. Não ocorre libertação sem confissão. Sem a rendição, sem a entrega. Confissão é o oposto do ocultamento, da auto preservação, do segredo. Confissão é o desmascaramento de nós mesmos, a auto denúncia.  

 

O que Jesus veio fazer? Exatamente nos libertar: “Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro” (1 Jo 2.2). Ele se apresentou diante de Deus em nosso lugar, e nos tornou propício diante de Deus, ele nos justificou. Confissão é o caminho da libertação espiritual, confissão por meio de Cristo, significa nossa absolvição diante do Pai.

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