Introdução
Este texto exige do leitor um pouco de imaginação. A cena é a de um tribunal, e nele se encontra o réu, que será apontado como culpado pela promotoria, defendido pelo advogado, e sentenciado pelo juiz. O texto ainda relata a presença de outras que estavam ali. Os personagens são: O sumo sacerdote Josué (3.1); O Anjo do Senhor (3.1); Satanás (3.2); Yahweh – O SENHOR, e as testemunhas “os que estavam diante dele” ((3.4).
Josué encontra-se diante do Anjo do Senhor, mas o papel de Satanás é declarado: Ele estava ali para se opor a Josué. O termo Satanás vem do hebraico, cujo significado é “acusador”. Em Apocalipse 12.10 vemos o céu em festa, porque Satanás, o acusador, havia sido expulso dos céus pela autoridade de Cristo. Curiosamente, o acusado, Josué, não esboça qualquer defesa, nem abre sua boca.
Satanás encontra-se diante do Anjo do Senhor para se opor a Josué. Ele não está dirigindo sua atenção nem está interessado em qualquer outro personagem do texto, sua acusação é contra Josué.
Quem é este Anjo do Senhor?
O termo “Anjo”, especificamente neste texto, aparece com letra maiúscula. Trata-se daquilo que os teólogos chamam de “teofania”, isto é, uma manifestação cristológica. Vemos o anjo do Senhor aparecendo várias vezes no AT. Jesus se manifestando a-temporalmente, já que não havia assumido sua forma humana e revela-se como uma figura angelical.
Temos, portanto, um homem, Satanás, Jesus e Deus – além das testemunhas. O tribunal está montado.
Por que Josué não se pronuncia? Várias razões podem ser apontadas, entre elas:
ð Ele é réu confesso – Ele está “trajado de vestes sujas” (3.3), ele não tem defesa, seria realmente condenado. Por isto Satanás se opõe à ele e o acusa.
ð Porque, mesmo que as acusações de Satanás fossem exacerbadas, o fato é, que num nível inconsciente ele se percebia culpado. Não é assim que acontece conosco? Eventualmente nos sentimos injustiçados por certas acusações que nos fazem, e isto nos fere muito, porque em certo nível, todos temos algum grau de culpa;
ð Porque Deus é sua defesa. Ele não se defende, mas Deus o defende: “Mas o Senhor, disse a Satanás: O Senhor te repreende, ó Satanás” (3.2). Não é isto maravilhoso? Ter Deus julgando a nosso favor? A Bíblia diz todos somos pecadores, e, “Se, todavia, alguém pecar, temos advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o justo” )1 Jo 2.1). Por isto, no diz do juízo, nossas defesas são ineficazes e inoperantes, mas a defesa de Cristo, é suficiente e eficaz. Portanto, no juízo, certifique-se de que Jesus Cristo, o justo, será seu advogado.
A defesa que Deus faz a favor de Josué, possui alguns elementos:
A. Sua eleição – Deus repreende a Satanás tendo por base sua livre escolha. “O Senhor, que escolheu a Jerusalém, te repreende”.
Muitas pessoas discutem sobre a questão da eleição na Bíblia, mas esta verdade bíblica é coerente, exaustiva e sistemática, tanto no AT como no NT. A mente de Deus não pode ser equacionada, mas em todos os lugares da Bíblia você encontrará a afirmação da eleição livre e soberana que Deus faz ao seu povo. Este é o primeiro argumento que Deus usa para absolver Josué: “O Senhor, que escolheu a Jerusalém, te repreende” (Zc 3.2).
Eleição é sempre um processo soberano de Deus, feito pela sua livre vontade e não pressupõe virtudes naquele que é eleito - é sempre ato de sua graça. Sua graça é abundante, imerecida e plena. Não há qualquer mérito naquele que é eleito. (Dt 7.7-8; 9.4-5)
B. Deus tem pleno conhecimento da realidade espiritual de Josué – “Ora, Josué, trajado de vestes sujas, estava diante do Anjo” (Zc 3.3)
Deus não ignora sua realidade. A aceitação de Deus a favor de seu povo não se dá porque Deus não nos conhece, mas antes, apesar de nos conhecer. “Não é este um tição tirado do fogo?” (Zc 3.2). Deus sabe da biografia de Josué. Sua condição moral e espiritual não era nada boa, ele está trajado de roupas sujas. Apesar de se encontrar diante de Deus e do Anjo do Senhor, sua condição e aparência são horríveis. Deus sabe que ele é “tição”, chamuscado, queimado, torrado, mas ainda assim dispensa sua maravilhosa graça.
C. Deus declara sua absolvição – “Eis que tenho feito que passe de tia a tua iniquidade” (3.4).
O sacerdote Josué não conquista sua absolvição, mas a recebe livremente do pai. Ele está inadequadamente em pé diante deste tribunal, mas graciosamente recebe a noticia de que sua iniquidade não mais estava sobre seus ombros. Neste tribunal onde todos os segredos são revelados, ele seria totalmente reprovado, se as bases de sua justificação fossem seus atos e suas roupas.
Esta é uma promessa maravilhosa. Não mais condenado, nem à mercê da acusação do diabo, não mais vítima de uma consciência culpada, não mais tendo que se esconder por causa da devastadora culpa, resultado de decisões pecaminosas, mas perdoado. “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou antes, quem ressuscitou, o qual está a direita de Deus e também intercede por vós” (Rm 8.33-34). Percebe quanto regozijo e alegria há nestas declarações de Paulo? Você também tem se apropriado do perdão de Deus através de Cristo, desta forma?
Mas o texto prossegue, após a sua maravilhosa declaração de perdão, absolvendo o Sacerdote maltrapilho, Deus passa a instruir seu servo.
D. Deus ordena trocar as vestes – “Tomou este a palavra e disse aos que estavam diante dele: Tirai-lhe as vestes sujas” (3.4).
No livro de Apocalipse lemos que vestes brancas, são os “atos de justiça dos santos” (Ap 19.8). Tem a ver com nossa atitude, comportamento, ética. Mas é bom lembrar que é Jesus quem tem vestes brancas para nos vestir. É ele quem substitui nossa roupa imunda, manchada pelo pecado.
Na parábola do casamento relatada por Jesus, um dos convidados decidiu entrar na festa sem trocar suas roupas sem colocar as “vestes nupciais”, e logo vem o dono da festa e pergunta: “Amigo, como entraste aqui sem veste nupcial?” (Mt 22.12). Estas vestes eram geralmente providenciadas pelo dono da festa, mas aquele homem se recusou a usá-las e ainda mantinha sua roupa inadequada. Muitos ainda hoje querem participar do convite amoroso da graça de Jesus, trajando suas antigas e maltrapilhas roupagens, sujas do pecado e da imoralidade.
E. Deus restaura sua dignidade e autoridade – “Ponham-lhe um turbante limpo sobre a cabeça” (3.5).
Roupa limpa e turbante limpo. Estes turbantes são espécies de mitras sacerdotais, símbolos de autoridade espiritual. Ainda hoje vemos isto em concílios católicos, com os cardeais colocando estas mitras, e em religiões como o islamismo com seus talibãs colocando estes símbolos de autoridade e gerando temor e respeito no povo.
Um detalhe é interessante e não podem ser esquecidos: “E o anjo do Senhor estava ali” (Zc 3.5). Tudo isto é feito na presença de Jesus, tudo isto encontra-se diante do nosso advogado. Restauração plena. “Agora, pois, nenhuma condenação há, para aqueles que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1).
Este sacerdote maltrapilho somos todos nós. Josué fala da natureza daquilo que somos. Diante do tribunal eterno, não ousamos levantar a voz. Que autoridade temos? Nossas roupas estão sujas, nossa autoridade destituída, Satanás, de forma avassaladora denunciando implacavelmente e nos acusando. Graças a Deus por Jesus, que é o nosso advogado. Ele assume nossa condição e se torna propiciação pelos nossos pecados. Ele tira a culpa dos pecados, assumindo-a em nosso lugar, nos deixando limpos.
F. Deus lhe ordena a viver em santa obediência e temor- (3.7). A obra de Deus é tão maravilhosa que a única resposta que se pode dar é de uma vida de santidade.
Por que isto é tão importante?
Porque Deus quer que ele tenha autoridade para fazer sua obra e ter “livre acesso entre os que ali se encontram” (3.7). Quem são estes que se encontram neste tribunal?
i. As testemunhas – O texto sugere que outros personagens acompanhavam com interesse o desenrolar deste julgamento. A estes foi ordenado que lhe tirassem a roupa suja e lhe restituíssem a dignidade (3.4), e é diante destes que Deus deseja que Josué permaneça. Não mais uma vida de fuga e medo, mas uma vida de pessoas redimidas e tratadas.
ii. Satanás – Uma vida de obediência e perdão, habilita Josué a não ficar constrangido diante das acusações do diabo, afinal, ele sabe da sua real situação. Ao mesmo tempo Satanás precisa agora saber tudo o que somos diante de Deus. Restaurados, perdoados, sem culpa.
Esta foi a compreensão de Paulo: “Sou grato a Deus que me confiou o ministério, a mim que antes era blasfemo e insolente” (1 Tm 1.12). Satanás não tem poder de acusar, naquilo que Deus teve prazer em perdoar.
iii. O Anjo do Senhor – É uma benção estar diante de Cristo, pecador sim, mas redimido e restaurado. Amado, aceito, adotado, herdeiro das infindáveis graças de Deus.
G. Deus promete a vinda do Messias – “Eis que farei vir o meu servo, o Renovo” (3.8).
Este texto é profético e messiânico, escrito cerca de 600 anos antes da vinda de Cristo. Tirarei a iniquidade desta terra, num só dia” (3.9). A obra que Deus realizaria pelo sacrifício de Cristo seria completa, cabal e única. Com o sangue de seu filho, toda justiça de Deus foi satisfeita. “Tudo está pago!”. Jesus morreu, uma vez só, pelos pecadores, e naquele ato tirou toda culpa.
Este texto, desconstrói uma série de pressupostos religiosos apregoados e defendidos em diferentes religiões:
a)- O conceito do purgatório – A expiação humana não se dá por um longo e complexo processo de sofrimento e pagamento de contas. Jesus, num único dia, fez a obra que séculos não farão.
b)- O conceito de reencarnação – Mediante o qual, precisamos de várias vidas para sermos aperfeiçoados, até conseguirmos elevar nossa natureza moral e espiritual e nos tornamos espirito de luz, sem necessidade de nova encarnação. Já observaram como o conceito de reencarnação retira o conceito do perdão dado por Deus?
c)- Auto flagelação – A ideia de que, através do sofrimento, mutilação, cilícios e auto punição seremos capazes de nos purificarmos. A obra do Servo de Deus, realizaria tudo isto num “único dia”.
d)- Moralismo – A iniquidade também não é retirada, nem somos absolvidos, porque vivemos um padrão moral que nos impressiona, mas pelo sacrifício único, pleno, eficaz do Cordeiro de Deus.
H. Deus promete uma experiência de vida comunitária e compartilhada – “Cada um de vós, convidará o seu próximo para debaixo da vide e debaixo da figueira” (Zc 3.10).
Deus não nos chama para um projeto de solidão, mas de amizades duradouras e longas. Ele afirma que teremos a alegria de assentarmos debaixo de um pé de manga e tocar modas de viola, assentarmos com os amigos para comer um gostoso feijão com arroz. Vida compartilhada, sem solidão e abandono.
Isto tem feito um sentido cada dia maior para mim. Quanto mais envelheço, mais sinto necessidade de amigos e pessoas para compartilhar minha história, para conversar e contar “causos”. Deus deseja que experimentemos esta maravilhosa restauração, compartilhando a sombra do dia e comendo juntos. Deus fala do seu povo vivendo em comunidade e comunhão.
Conclusão:
Que benção estar diante do tribunal de Cristo, tendo ao nosso lado o Anjo do Senhor. As acusações estão presentes, mas aquele que nos restaura e purifica, traz sua graça e misericórdia para experimentar tão grandes benefícios como os que foram mencionados nesta passagem das Escrituras Sagradas.
Neste tribunal, tão temido, podemos experimentar não a condenação, mas a restauração da dignidade e da honra que Deus deseja dar àqueles que são renovados pela maravilhosa expiação e graça que pode ser encontrada na cruz de Cristo.
Que Deus nos abençoe!!