sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Zc 3.1-10 No tribunal de Deus

 



Introdução


Este texto exige do leitor um pouco de imaginação. A cena é a de um tribunal, e nele se encontra o réu, que será apontado como culpado pela promotoria, defendido pelo advogado, e sentenciado pelo juiz. O texto ainda relata a presença de outras que estavam ali. Os personagens são: O sumo sacerdote Josué (3.1); O Anjo do Senhor (3.1); Satanás (3.2); Yahweh – O SENHOR, e as testemunhas “os que estavam diante dele” ((3.4).

Josué encontra-se diante do Anjo do Senhor, mas o papel de Satanás é declarado: Ele estava ali para se opor a Josué. O termo Satanás vem do hebraico, cujo significado é “acusador”. Em Apocalipse 12.10 vemos o céu em festa, porque Satanás, o acusador, havia sido expulso dos céus pela autoridade de Cristo. Curiosamente, o acusado, Josué, não esboça qualquer defesa, nem abre sua boca.

Satanás encontra-se diante do Anjo do Senhor para se opor a Josué. Ele não está dirigindo sua atenção nem está interessado em qualquer outro personagem do texto, sua acusação é contra Josué.

Quem é este Anjo do Senhor?

O termo “Anjo”, especificamente neste texto, aparece com letra maiúscula. Trata-se daquilo que os teólogos chamam de “teofania”, isto é, uma manifestação cristológica. Vemos o anjo do Senhor aparecendo várias vezes no AT. Jesus se manifestando a-temporalmente, já que não havia assumido sua forma humana e revela-se como uma figura angelical.

Temos, portanto, um homem, Satanás, Jesus e Deus – além das testemunhas. O tribunal está montado.

Por que Josué não se pronuncia? Várias razões podem ser apontadas, entre elas:

ð  Ele é réu confesso – Ele está “trajado de vestes sujas” (3.3), ele não tem defesa, seria realmente condenado. Por isto Satanás se opõe à ele e o acusa.

 

ð  Porque, mesmo que as acusações de Satanás fossem exacerbadas, o fato é, que num nível inconsciente ele se percebia culpado. Não é assim que acontece conosco? Eventualmente nos sentimos injustiçados por certas acusações que nos fazem, e isto nos fere muito, porque em certo nível, todos temos algum grau de culpa;

 

ð  Porque Deus é sua defesa. Ele não se defende, mas Deus o defende: “Mas o Senhor, disse a Satanás: O Senhor te repreende, ó Satanás” (3.2). Não é isto maravilhoso? Ter Deus julgando a nosso favor? A Bíblia diz todos somos pecadores, e, “Se, todavia, alguém pecar, temos advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o justo” )1 Jo 2.1). Por isto, no diz do juízo, nossas defesas são ineficazes e inoperantes, mas a defesa de Cristo, é suficiente e eficaz. Portanto, no juízo, certifique-se de que Jesus Cristo, o justo, será seu advogado.

A defesa que Deus faz a favor de Josué, possui alguns elementos:

A.    Sua eleição – Deus repreende a Satanás tendo por base sua livre escolha. “O Senhor, que  escolheu a Jerusalém, te repreende”.

Muitas pessoas discutem sobre a questão da eleição na Bíblia, mas esta verdade bíblica é coerente, exaustiva e sistemática, tanto no AT como no NT. A mente de Deus não pode ser equacionada, mas em todos os lugares da Bíblia você encontrará a afirmação da eleição livre e soberana que Deus faz ao seu povo. Este é o primeiro argumento que Deus usa para absolver Josué: “O Senhor, que escolheu a Jerusalém, te repreende” (Zc 3.2).

Eleição é sempre um processo soberano de Deus, feito pela sua livre vontade e não pressupõe virtudes naquele que é eleito - é sempre ato de sua graça. Sua graça é abundante, imerecida e plena. Não há qualquer mérito naquele que é eleito. (Dt 7.7-8; 9.4-5)

B.     Deus tem pleno conhecimento da realidade espiritual de Josué – “Ora, Josué, trajado de vestes sujas, estava diante do Anjo” (Zc 3.3)

Deus não ignora sua realidade. A aceitação de Deus a favor de seu povo não se dá porque Deus não nos conhece, mas antes, apesar de nos conhecer. “Não é este um tição tirado do fogo?” (Zc 3.2). Deus sabe da biografia de Josué. Sua condição moral e espiritual não era nada boa, ele está trajado de roupas sujas. Apesar de se encontrar diante de Deus e do Anjo do Senhor, sua condição e aparência são horríveis. Deus sabe que ele é “tição”, chamuscado, queimado, torrado, mas ainda assim dispensa sua maravilhosa graça.

 

C.    Deus declara sua absolvição – “Eis que tenho feito que passe de tia a tua iniquidade” (3.4).

O sacerdote Josué não conquista sua absolvição, mas a recebe livremente do pai. Ele está inadequadamente em pé diante deste tribunal, mas graciosamente recebe a noticia de que sua iniquidade não mais estava sobre seus ombros. Neste tribunal onde todos os segredos são revelados, ele seria totalmente reprovado, se as bases de sua justificação fossem seus atos e suas roupas.

Esta é uma promessa maravilhosa. Não mais condenado, nem à mercê da acusação do diabo, não mais vítima de uma consciência culpada, não mais tendo que se esconder por causa da devastadora culpa, resultado de decisões pecaminosas, mas perdoado. “Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou antes, quem ressuscitou, o qual está a direita de Deus e também intercede por vós” (Rm 8.33-34). Percebe quanto regozijo e alegria há nestas declarações de Paulo? Você também tem se apropriado do perdão de Deus através de Cristo, desta forma?

Mas o texto prossegue, após a sua maravilhosa declaração de perdão, absolvendo o Sacerdote maltrapilho, Deus passa a instruir seu servo.

D.    Deus ordena trocar as vestes – “Tomou este a palavra e disse aos que estavam diante dele: Tirai-lhe as vestes sujas” (3.4).

No livro de Apocalipse lemos que vestes brancas, são os “atos de justiça dos santos” (Ap 19.8). Tem a ver com nossa atitude, comportamento, ética. Mas é bom lembrar que é Jesus quem tem vestes brancas para nos vestir. É ele quem substitui nossa roupa imunda, manchada pelo pecado.

Na parábola do casamento relatada por Jesus, um dos convidados decidiu entrar na festa sem trocar suas roupas sem colocar as “vestes nupciais”, e logo vem o dono da festa e pergunta: “Amigo, como entraste aqui sem veste nupcial?” (Mt 22.12). Estas vestes eram geralmente providenciadas pelo dono da festa, mas aquele homem se recusou a usá-las e ainda mantinha sua roupa inadequada. Muitos ainda hoje querem participar do convite amoroso da graça de Jesus, trajando suas antigas e maltrapilhas roupagens, sujas do pecado e da imoralidade.

E.     Deus restaura sua dignidade e autoridade – “Ponham-lhe um turbante limpo sobre a cabeça” (3.5).

Roupa limpa e turbante limpo. Estes turbantes são espécies de mitras sacerdotais, símbolos de autoridade espiritual. Ainda hoje vemos isto em concílios católicos, com os cardeais colocando estas mitras, e em religiões como o islamismo com seus talibãs colocando estes símbolos de autoridade e gerando temor e respeito no povo.

Um detalhe é interessante e não podem ser esquecidos: “E o anjo do Senhor estava ali” (Zc 3.5). Tudo isto é feito na presença de Jesus, tudo isto encontra-se diante do nosso advogado. Restauração plena. “Agora, pois, nenhuma condenação há, para aqueles que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1).

Este sacerdote maltrapilho somos todos nós. Josué fala da natureza daquilo que somos. Diante do tribunal eterno, não ousamos levantar a voz. Que autoridade temos? Nossas roupas estão sujas, nossa autoridade destituída, Satanás, de forma avassaladora denunciando implacavelmente e nos acusando. Graças a Deus por Jesus, que é o nosso advogado. Ele assume nossa condição e se torna propiciação pelos nossos pecados. Ele tira a culpa dos pecados, assumindo-a em nosso lugar, nos deixando limpos.

F.     Deus lhe ordena a viver em santa obediência e temor- (3.7). A obra de Deus é tão maravilhosa que a única resposta que se pode dar é de uma vida de santidade.

Por que isto é tão importante?

Porque Deus quer que ele tenha autoridade para fazer sua obra e ter “livre acesso entre os que ali se encontram” (3.7). Quem são estes que se encontram neste tribunal?

i.               As testemunhas – O texto sugere que outros personagens acompanhavam com interesse o desenrolar deste julgamento. A estes foi ordenado que lhe tirassem a roupa suja e lhe restituíssem a dignidade (3.4), e é diante destes que Deus deseja que Josué permaneça. Não mais uma vida de fuga e medo, mas uma vida de pessoas redimidas e tratadas.

 

ii.              Satanás – Uma vida de obediência e perdão, habilita Josué a não ficar constrangido diante das acusações do diabo, afinal, ele sabe da sua real situação. Ao mesmo tempo Satanás precisa agora saber tudo o que somos diante de Deus. Restaurados, perdoados, sem culpa.

Esta foi a compreensão de Paulo: “Sou grato a Deus que me confiou o ministério, a mim que antes era blasfemo e insolente” (1 Tm 1.12). Satanás não tem poder de acusar, naquilo que Deus teve prazer em perdoar.

iii.            O Anjo do Senhor – É uma benção estar diante de Cristo, pecador sim, mas redimido e restaurado. Amado,  aceito, adotado, herdeiro das infindáveis graças de Deus.

 

 

G.    Deus promete a vinda do Messias – “Eis que farei vir o meu servo, o Renovo” (3.8).

 

Este texto é profético e messiânico, escrito cerca de 600 anos antes da vinda de Cristo. Tirarei a iniquidade desta terra, num só dia” (3.9). A obra que Deus realizaria pelo sacrifício de Cristo seria completa, cabal e única. Com o sangue de seu filho, toda justiça de Deus foi satisfeita. “Tudo está pago!”. Jesus morreu, uma vez só, pelos pecadores, e naquele ato tirou toda culpa.

Este texto, desconstrói uma série de pressupostos religiosos apregoados e defendidos em diferentes religiões:

a)- O conceito do purgatório – A expiação humana não se dá por um longo e complexo processo de sofrimento e pagamento de contas. Jesus, num único dia, fez a obra que séculos não farão.

b)- O conceito de reencarnação – Mediante o qual, precisamos de várias vidas para sermos aperfeiçoados, até conseguirmos elevar nossa natureza moral e espiritual e nos tornamos espirito de luz, sem necessidade de nova encarnação. Já observaram como o conceito de reencarnação retira o conceito do perdão dado por Deus?  

c)- Auto flagelação – A ideia de que, através do sofrimento, mutilação, cilícios e auto punição seremos capazes de nos purificarmos. A obra do Servo de Deus, realizaria tudo isto num “único dia”.

d)- Moralismo – A iniquidade também não é retirada, nem somos absolvidos, porque vivemos um padrão moral que nos impressiona, mas pelo sacrifício único, pleno, eficaz do Cordeiro de Deus.

H. Deus promete uma experiência de vida comunitária e compartilhada – “Cada um de vós, convidará o seu próximo para debaixo da vide e debaixo da figueira” (Zc 3.10).

Deus não nos chama para um projeto de solidão, mas de amizades duradouras e longas. Ele afirma que teremos a alegria de assentarmos debaixo de um pé de manga e tocar modas de viola, assentarmos com os amigos para comer um gostoso feijão com arroz. Vida compartilhada, sem solidão e abandono.

Isto tem feito um sentido cada dia maior para mim. Quanto mais envelheço, mais sinto necessidade de amigos e pessoas para compartilhar minha história, para conversar e contar “causos”. Deus deseja que experimentemos esta maravilhosa restauração, compartilhando a sombra do dia e comendo juntos. Deus fala do seu povo vivendo em comunidade e comunhão.

Conclusão:

Que benção estar diante do tribunal de Cristo, tendo ao nosso lado o Anjo do Senhor. As acusações estão presentes, mas aquele que nos restaura e purifica, traz sua graça e misericórdia para experimentar tão grandes benefícios como os que foram mencionados nesta passagem das Escrituras Sagradas.

Neste tribunal, tão temido, podemos experimentar não a condenação, mas a restauração da dignidade e da honra que Deus deseja dar àqueles que são renovados pela maravilhosa expiação e graça que pode ser encontrada na cruz de Cristo.

Que Deus nos abençoe!!



 

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Sl 137 Interprete corretamente a vida!




 

 

 

 

Introdução

 

Um dos grandes segredos da felicidade é aprender a lidar positivamente com as experiências pessoais. Jesus foi muito enfático e direto quando falou da dura realidade da vida: “No mundo passais por aflição; tende bom ânimo, eu venci o mundo.” Esta declaração de Cristo é uma forma realista de nos alertar para o fato de que, ou lidamos de forma madura com a vida, ou seremos engolidos pelas decepções e frustrações que vivemos. Paulo afirmou: “aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar em situação de abundância como de necessidade”. Ele coloca sua vida em termos de aprendizado. “Aprendi”. Não como algo natural, mas uma forma de ir descobrindo a vida.

 

O Salmo 137 é um dos salmos mais complicados da Bíblia, porque ele é um dos salmos imprecatórios. Sua linguagem choca! Veja a declaração que ele faz no vs. 8-9. “Filha da Babilônia, que hás de ser destruída, feliz aquele que te der o pago do mal que nos fizeste. Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra”. Definitivamente não é uma oração muito piedosa... mas raivosa, amargurada e vingativa. É um desejo dramático de uma alma que sofre de forma violenta toda a agressão sofrida pelos tiranos da Babilônia e torce para que seus filhos sejam impiedosamente massacrados.

 

Alguns textos da Bíblia usam uma metodologia por contraste, e o Salmo 137 se aplica exatamente neste caso. O que está escrito neste Salmo nos ensina sobre “o que não fazer”, assim como não devemos imitar determinados comportamentos de homens da Bíblia, mas aprender a fazer o contrário. Este é o caso de Abraão, o patriarca da fé judaica, cristã e islâmica mentindo sobre sua mulher para salvar a própria pele. Não devemos mentir contra nossas esposas como ele o faz, pelo contrário, devemos recusar tais atitudes. Ou mesmo Davi, o homem segundo o coração de Deus, que adulterou e ainda mandou matar o marido traído. Isto não é para ser imitado, mas nos serve de exemplo sobre “o que não fazer”.

 

O Salmo 137 nos ensina, por contraste, como devemos interpretar a vida. A reação do povo de Deus exilado, traz a pedagogia sobre o que não se deve fazer. Precisamos aprender a olhar para a vida com determinadas lentes, opostas ao que vemos no Salmo 137. Vejamos alguns exemplos, por contraste, neste livro.

 

1.     Não transforme sua dor em algo perene.

 

O que vemos neste texto?

 

O povo de Israel estava exilado na Babilônia, foram dias terríveis, de luto, de grandes perdas. O povo de Deus fora massacrado impiedosamente na guerra. Toda forma de violência havia sido praticado contra Israel.

 

Ao chegarem na terra do exilio, os filhos da Babilônia viram que alguns judeus tocavam instrumentos, aliás, alguns deles tinham até conseguido levar suas harpas. E agora, eles querem ouvir as músicas de Sião e pedem aos exilados que cantem. Qual foi a resposta?

 

Juntos aos rios da Babilônia, nos assentávamos e chorávamos.

Então os filhos da Babilônia nos pediam. Cante-nos alguns dos cânticos de Sião.

Como cantaremos em terra estranha?”

 

Os anos iam se passando, e eles não tocavam mais seus instrumentos. A dor deles se tornou incurável, não conseguiam mais celebrar.

 

-“A importância do luto”

 

Muitas vezes percebo pessoas que não conseguem superar o luto e as perdas. A Bíblia não é um livro romântico, que ignora a dor e vive uma espécie de negacionista. A dor é uma realidade. É importante aprender a chorar com os que choram. A Bíblia nunca diz para não chorarmos a perda de entes queridos, mas nos pede que, por causa da nossa comunhão com Deus, “não nos entristeçais como os demais que não tem esperança.” (1 Ts 4.13).

 

O luto tem o seu lugar. “Há tempo de chorar!”, e podemos até ver algo mais profundo ainda: É necessário chorar! O problema não é termos lágrimas e tristeza, elas são importantes no processo de terapia, negar a dor não é algo saudável nem bíblico. O problema é de intensidade: Entrar na tristeza e viver naquilo que “João Bunyan, em o Peregrino, chama de “O pântano da tristeza”, que é uma das armas do diabo.

 

O grande desafio, portanto, é não permitir que a dor seja algo incurável, quando a vida passa a girar em torno da dor. Desta forma deixamos de viver. Lembro-me de uma experiência que tive com uma irmã querida, cujo irmão morreu subitamente. Ele era seu amigo e confidente. Todos os dias ele passava na sua casa para tomar café da manhã e conversar com ela, e agora morrera abruptamente. Os dias foram passando, meses após meses, e um dia seu filho, preocupado com o estado emocional de sua mãe, me pediu se eu poderia conversar com ela. Ela era uma mulher muito inteligente, me contou toda a história e disse que não estava sabendo como faria para superar a dor. Sem saber muito o que dizer, orando em espírito, uma frase veio à minha mente, e eu a disse quase irrefletidamente: “Deixe o seu irmão morrer em paz!”.

 

Ela ficou balbuciando aquela frase e finalmente me disse: “É isto mesmo que eu preciso fazer...”

 

Quando nosso sofrimento é incurável, nós morremos juntos. A dor não tratada é ferida aberta. Li uma frase recentemente que dizia: “Ferida fechada e curada é ministério aberto”. Isto é, só seremos capazes de realizar o ministério que Deus nos deu, se nossa ferida for tratada, se a dor for superada, se as lágrimas secarem. Além do mais, a dor pode se transformar em mera dor e eventualmente se tornar idolátrica. A dor perene pode estar associado a culpa, quando achamos que não fizemos o que deveríamos ter feito, ou que não cuidamos o bastante. Deixe-me dizer a você que se sente culpado (a): Tragédias infelizmente acontecem. De forma gratuita, inesperada, chocante. Mas tome cuidado para não se transformar em alguém vitimizado, achando que não pode mais ter direito à alegria e à felicidade, porque alguém, ou algo muito especial desapareceu.

 

Não transforme sua dor em algo perene como fizeram os judeus na Babilônia. Não deixe as harpas penduradas no salgueiro...

 

2.     Não deixe de louvor o nome do Senhor

 

O que os babilônios estavam pedindo? Que eles cantassem os cânticos de Sião. O que diziam estes cânticos? Eram louvores a Deus. O centro destas músicas era adoração, falavam de Deus, de seu poder, das maravilhas e dos milagres. Mas os judeus agora se  recusavam a cantar a Deus.

 

A Bíblia nos afirma que quando Deus escolheu e elegeu um povo para com ele fazer um pacto eterno, era para que este povo desse glória a seu nome. “Ao povo que formei para mim, para celebrar o meu louvor”  (Is 43.7,21). Deus nos salvou para anunciar suas maravilhas. Em 1 Pe 2.9 lemos: “Vós sois nação santa, sacerdócio real, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos tirou das trevas para sua maravilhosa luz”.

 

Deus nos criou para darmos glória ao seu nome!

Entretanto, o povo de Deus exilado se recusa a fazer aquilo que era a razão de seu chamado e de sua existência. Dar louvor a Deus.

 

Quando olhamos na Bíblia, vemos como o povo de Deus aprendeu a cantar diante da aflição e dor. É assim que vemos Paulo e Silas, cantando louvores a Deus na prisão em Filipos, depois de terem sido açoitados em praça pública. Nós sabemos o efeito daquele louvor na prisão. Todo ambiente foi envolvido numa esfera de graça e manifestação do poder de Deus.

 

Precisamos louvar porque o louvor liberta e transforma.

Davi era um músico jovem e talentoso, por isto foi levado para o palácio para tocar sua harpa quando o enlouquecido e possesso rei Saul, tinha suas crises psiquiátricas e espirituais. Quando Davi dedilhava sua harpa, o espirito maligno saia de Saul (1 Sm 16.14-23).

 

Fui pastor de uma jovem casada que contraiu um câncer agressivo e sofria muito nas crises mais agudas. Por mais que fosse medicada, a dor ainda estava presente, e ela então aprendeu a lidar com aquela dor. O que ela fazia? Ela deixava seu marido, levantava-se, ia para a sala da casa, orar e cantar. No meio da dor. O testemunho dela nos marcou para sempre. Ela nos disse que nestas horas ela era visitada por uma graça tão sobrenatural, que vinha sobre o seu corpo e a invadia de uma forma absolutamente transcendental. Era a visitação do Espírito Santo sobre sua vida.

 

O louvor também serve para testemunhar a graça de Deus

Quantas pessoas já se converteram ouvindo uma música cristã? A música tem o poder de tocar o coração e levar as pessoas em direção a Deus. Tem o poder de revelar a mensagem do evangelho e trazer salvação. Os babilônios pedem para que o povo de Deus cante, mas o povo se recusa a cantar. Que oportunidade perderam de anunciar a glória do Deus de Sião.

 

Muitas pessoas já se converteram ao ouvir os louvores. Muitas vezes somos profundamente envolvidos na graça de Deus quando nos derramamos diante do Senhor. Pecadores podem ser atraídos a Jesus, quando a igreja canta com unção e adoração genuína.

 

3.     Entenda sua necessidade de arrependimento.

 

Qual era a causa de estarem naquela situação? Os profetas estavam anunciando o juízo de Deus sobre seu povo, por terem abandonado o Senhor. Jeremias é chamado de “o profeta chorão”, e seu choro tinha a ver com incapacidade do povo de um retorno legitimo a Deus. O povo de Israel não percebia seu próprio pecado.

 

Agora, vivendo na Babilônia, também não percebemos qualquer capacidade de ver suas próprias falhas. Eles são capazes de julgar a barbárie da Babilônia, de alimentar raiva pelo que sofriam, mas não estavam entendendo que eles estavam sendo julgados pela recusa em voltar ao Senhor de todo o coração, como tantas vezes os profetas pediam que fizessem.

 

O povo de Deus no exilio, julgava os babilônios, mas não julgavam seus próprios pecados. Se você deseja interpretar bem sua história, olhe sempre para sua vida com confissão, arrependimento, retorno a Deus. Pare de acusar os outros sem considerar sua própria situação. Apenas a confissão é capaz de realinhar nosso coração ao coração de Deus, e nos fazer voltar para o Senhor para sermos curados.

 

4.     Não institucionalize o Sagrado

 

Esta é uma forma muito comum e trágica de limitar Deus. Os exilados entenderam equivocadamente que o culto a Deus só poderia acontecer em lugar: Em Jerusalém. “Como haveríamos de entoar o canto do Senhor em terra estranha?” (Sl 137.4)

 

Para eles, louvar a Deus na Babilônia seria sacrilégio.

A sua fé estava condicionada a um lugar: Jerusalém: “Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém”... (Sl 137.5). Eles podiam ter saudade de Jerusalém, mas não precisavam deixar de cantar a Deus porque estavam distante de sua terra. Deus pode ser adorado em qualquer lugar. Por causa da visão de um lugar sagrado, eles desenvolveram uma fé institucional, não pessoal. Não conseguiam entender que Deus estava acima de um lugar, por isto não falam de Deus, mas da terra. Esqueceram que Deus estava em todo lugar. Se apegaram à institucionalização de sua religiosidade e viveram em torno disto.

 

É fácil sacralizar lugares, objetos e reduzir Deus a estas coisas. Organizações e instituições são meios e não fins. Não sem razão, muitas pessoas transformam templos em lugares sagrados, mas não transformam suas vidas em verdadeiros templos do Espírito Santo. Muitos fazem da igreja, que é um movimento de Deus, um museu, um mero monumento. Outros dão tanta ênfase à denominação, que parece que o milagre só pode ser encontrado no templo sagrado, e não em Deus. Quando agimos assim, transformamos estruturas em algo mais importante que pessoas.

 

Esta tentação de confinar Deus a um local, foi o que levou o próprio Deus a questionar a atitude de Davi em construir um templo. Quando Davi comunicou sua intenção ao profeta Natã, a resposta de Deus foi esta:

 

Vai e dize a meu servo Davi: Assim diz o Senhor: Edificar-me-ás tu casa para minha habitação? Porque em casa nenhuma habitei desde o dia em que fiz subir os filhos de Israel do Egito até ao dia de hoje; mas tenho andado em tenda, em tabernáculo. Em todo lugar em que andei com todos os filhos de Israel, falei, acaso, alguma palavra com qualquer das suas tribos, a quem mandei apascentar o meu povo de Israel, dizendo: Por que não me edificais uma casa de cedro?” (2 Sm 7.5-7).

 

Deus não estava interessado em ter um “local sagrado”. Ao contrário do templo, Deus deu uma arca ao seu povo. Ela tinha argolas do lado, onde se colocavam dois longos varais, e podia ser transportada de um local para outro sempre que necessário. Deus não estava confinado a um lugar. A arca trazia a ideia de movimento. Podia estar em qualquer lugar. O templo traz ideia de monumento, por isto facilmente se transforma em museu.

 

Entretanto, não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas; como diz o profeta: O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés; que casa me edificareis, diz o Senhor, ou qual é o lugar do meu repouso?” (At 7.48,49).

 

Deus não está limitado nem preso a um local, a uma estrutura. Historicamente os suntuosos templos se tornaram centros de idolatria e de romaria. Deus nunca esteve interessado nisto. Nem no Templo de Salomão, nem no Templo de Roma, nem na Catedral da fé, muito menos na réplica do templo de Salomão em São Paulo. Deus habita em pessoas. “Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado.”(1 Co 3.16,17). O local da habitação de Deus somos nós, e onde estiver o povo de Deus, ali estará a presença de Deus.

 

O que aconteceu com os israelitas deportados e distanciados da sua terra e do local de seu culto? Exilados, seus algozes lhes pediram que cantassem, e eles afirmaram: “como haveríamos de cantar o canto do Senhor em terras estranhas?” (Sl 137.4). Como poderemos cultuar a Deus se não podemos ir à casa do Senhor?

 

5.     Não transforme Deus em parceiro da vingança. “Filha da Babilônia, que hás de ser destruída, feliz aquele que te der o pago do mal que nos fizeste. Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra”(Sl 137.8,9).

 

O povo exilado, erroneamente começou a acreditar que Deus seria glorificado se destruíssem os babilônios, e preferencialmente, de forma cruel, tomando seus pequenos filhos e esmagando-os contra a pedra. Este é o fundamento da Jihad islâmica. Nesta visão distorcida, quem destrói o ímpio ou pratica atos terroristas destruindo vidas em nome de Alah, recebe galardão no céu. Será que estamos longe disto?

 

Quantas vezes não amamos os ímpios, mas os hostilizamos? Basta pensarem diferente de nós, teologicamente, ou que tenham religiões diferentes ou até mesmo ideologias politicas, e já estamos achando que são do diabo porque sua visão não está alinhada à nossa. Temos dificuldade de amar os diferentes. Encontramos grande problema em ser amigo de pecadores. E achamos ainda que nosso ódio ou distanciamento, glorifica a Deus e que ele é nosso parceiro na indiferença e hostilidade.

 

O Salmo 137 é um dos mais difíceis de serem analisados, porque ele faz parte dos textos sagrados que são chamados de imprecatórios. Ao invés das pessoas orarem a Deus pedindo graça às outras pessoas, elas pediam maldição e juízo. Nas suas experiências ou orações, debaixo de enorme pressão psicológica, exprimem sua dor, reivindicando de Deus uma resposta de vingança.

 

O resultado disto tudo é que criamos a falsa ilusão de que o ódio traz felicidade: “Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra”… Enquanto o ódio dominar, não haverá verdadeiro canto, nem louvor a Deus. Enquanto o ódio dominar não seremos capaz de cantar os cânticos de Sião, pois tais cantos falam de um Deus perdoador, amoroso, misericordioso e gracioso. Deus não é parceiro do nosso ódio.

 

Portanto, não transformem Deus em parceiro da sua vingança, tristeza ou ódio. Podemos fazer isto de três formas:

 

De forma religiosa. Achamos que podemos odiar aqueles que pensam de forma teologicamente diferente. Isto nos dá direito a odiar os islâmicos, a desprezar os católicos e execrar espiritas e macumbeiros. É claro que temos divergências, mas o amor deve ser aquilo que norteia nossa fé. Este é o Espírito de Cristo.

 

De forma política. Temos vivido de forma muito polarizada na política. Não tenho visto cristãos defendendo ardorosamente sua fé e o evangelho, mas tenho visto cristãos se devorando por causa de suas posições políticas na mídia social. A direita querendo destruir a esquerda, a esquerda hostilizando a direita. E colocamos Deus nestas coisas achando que ele é nosso parceiro no nosso ódio e hostilizado.

 

De forma ideológica.

Muitas disputas acerca de temas controvertidos tem sido suscitadas e todos elas provocam discussões acaloradas: feminismo, ideologia do gênero, dependentes químicos. Ë fácil criar raiva de pessoas que defendem tais ideias acreditando que com isto estamos dando glória a Deus. Nossas posições precisam ser claras, mas ao mesmo tempo profundamente amorosas.

 

6.     Interprete a história com a perspectiva da sobrenaturalidade

 

Sua história não é um evento separada de um propósito maior. Esta é a diferença fundamental entre os que creem em um Deus e os que não creem.

 

Quando passarmos pela dor, precisamos descobrir o propósito de Deus em tudo isto que nos sobrevém. “Todas as coisas, juntamente cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. Precisamos então, perceber esta dimensão que dá transcendência à nossa história.

 

Na pandemia, ficamos perplexos e embasbacados com tudo que aconteceu. Tudo surreal. Mas a pergunta neste tempo deve ser: O que Deus está querendo nos ensinar? Qual o propósito de Deus para sua igreja? O que tem a pandemia com o reino de Deus?

 

O povo de Israel não conseguia perceber o evento sagrado no meio do caos. Quando lemos a Bíblia vemos Jeremias trazendo o recado de Deus ao seu povo que está exilado, e o que Deus pede do povo é exatamente o oposto do que o salmista expressa aqui no Salmo 137.

 

“Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel, a todos os exilados que eu deportei de Jerusalém para a Babilônia: Edificai casas e habitai nelas; plantai pomares e comei o seu fruto. Tomai esposas e gerai filhos e filhas, tomai esposas para vossos filhos e dai vossas filhas a maridos, para que tenham filhos e filhas; multiplicai-vos aí e não vos diminuais. Procurai a paz da cidade para onde vos desterrei e orai por ela ao Senhor; porque na sua paz vós tereis paz.” (Jr 29.4-7).

 

O que Deus diz ao seu povo: “a todos os exilados que eu deportei de Jerusalém para a Babilônia”. Deus está mostrando que havia um plano maior, que aquilo que estavam vivendo, ainda que fosse tão pesado, estava dentro de seus decretos. Acho que na maioria das vezes vemos as coisas de forma meramente humana, sem caráter sacral, sem perceber que Deus está se movendo no caos e na dor. Precisamos de transcendência na nossa história.

 

Interprete sua vida na dimensão da eternidade, e não meramente da temporalidade. Que o Espírito Santo nos ajude a olhar as coisas de Deus, pelo prisma correto das verdades claramente reveladas por ele a nós nas Escrituras Sagradas.

 

 

Conclusão

 

Caminhemos em direção a cruz. Vamos observar este evento pavoroso que foi a crucificação. Aquilo tudo parece tão irreal, tão estranho. Como Jesus, o Deus Emanuel, vai parar num lugar tão enigmático? Sendo desprezado, cuspido, humilhado?

 

Mas quando estudamos a Bíblia observamos que a cruz fazia parte de um projeto maior de Deus, um pacto maravilhoso, o pacto da redenção, feito entre o Deus Pai, Filho e Espírito Santo, para resgatar seu povo da condenação eterna. Podemos olhar para a cruz e ver maldição, condenação, mas podemos olhar para a cruz e ver o perdão e o resgate de Deus.

 

A palavra redenção significa “comprado por um preço”. Foi isto que Cristo fez. Ele assumiu nosso lugar na cruz, e nos comprou.

 

A cruz é disforme, excruciante e bizarra. Mas a cruz é o lugar da manifestação do perdão de Deus e do preço do resgate.

 

Quando entendemos a cruz, entendemos que é possível interpretar a vida com outros olhos. “Deus estava em Cristo reconciliando consigo mesmo o mundo”.

 

Aleluia!

 

 

sábado, 21 de agosto de 2021

Mt 9.32-34 Além dos disfarces

 


 




 

Introdução: Depois de lutar alguns anos com câncer, um pastor que morava nas frias regiões ao norte do Estados Unidos veio a falecer. A família ainda estava sob o impacto da perda quando o correio, equivocadamente, entrega um telegrama que o vizinho, corretor de imóveis que se encontrava de viagem a Flórida,  enviara à sua esposa. O telegrama dizia: "Cheguei, a viagem foi ótima, o problema aqui tem sido o calor”.

 

Narração: O texto lido, extraído do Evangelho de Mateus, fala de uma situação muito costumeira em aconselhamento, e que tem sido chamado por alguns psiquiatras de "cortina de fumaça". Mostra um homem que era, aos olhos de todos, mudo, mas cujo problema essencial era outro: "expelido o demônio, falou o mudo" (Mt 9.33). Quando Jesus o libertou da ação demoníaca, ele ficou curado de sua “surdez”.

 

Esta é uma paráfrase da vida e rotineiramente lidamos com ela. Aqui temos dois problemas: O problema que se vê (visibilidade), e o problema que se tem (interioridade). Qual era a face pública do problema? mudez. Qual é o fator causador da mudez? Demônio.

 

Este é o problema básico da raça humana. Paul Tripp afirma: “você não é o que diz, nem o que pensa. Você é o que você faz”. Nossos problemas não são o que parecem ser… Alguém uma paródia sobre isto dizendo: “Se não é parece, e se parece pode ser”. Outra paródia interessante diz: “De longe parece que é, de perto parece que está longe...

 

Quanto sofrimento detrás de nossos sorrisos plásticos, do nosso superficialismo e artificialismo? Couraças. Realidades atrás das aparências… cortinas de fumaça.

 

O caso a seguir explica o que gostaria de dizer: Um casal enfrentava sérios problemas no relacionamento. O marido tinha uma irritabilidade profunda contra a sua mulher, segundo ele porque ela fumava. Na medida em que fomos conversando, o problema real veio à tona. Seu problema essencial era a ira inconsciente que ele tinha contra ela. Sua ira contra "o cigarro" encobria a sua rejeição inconsciente e seus sentimentos sofriam um deslocamento de objeto.

 

Vários quadros na psicopatologia exemplificam isto, mas gostaria de citar um deles que possui uma etiologia e um quadro bem definido: Anorexia nervosa. A pessoa não consegue mais se alimentar e vai enfraquecendo chegando a um ponto em que apenas se alimenta por tubos. Nesta fase da vida, é fundamental o apoio da família e acompanhamento médico. A pessoa vai se definhando lentamente e uma morte lenta vai se aproximando. A pessoa não quer nem consegue mais se alimentar. É uma morte inconsciente e lenta…

 

Vários fatores estão por detrás desta atitude. A atitude neurótica de emagrecer a qualquer custo, que já tem por detrás de si outro sentimento que é o de inadequação e rejeição física, vindo quase sempre associado à culpa, dor não resolvida. Neste caso a pessoa passa por uma espécie de luto emocional. Perda de algo simbólico e profundo para suas emoções.

 

A Bíblia afirma: “O homem carregado da culpa de outro, correrá até a cova… (o mais importante, porém, é o que se segue…) Ninguém o detenha” (Pv 28.17). O que a Bíblia afirma não é que ninguém deve tentar fazer algo para ajudá-lo, mas simplesmente constata ser impossível parar este processo de morte e autodestruição quando a culpa não resolvida se introjetou na alma.

 

Outro caso muito comum em aconselhamento é o da droga e do álcool. Por que a pessoa usa droga, senão um desejo inconsciente de busca de sentido e realização para as frustrações mais profundas, e o desejo inconsciente de morte? A droga aponta para algo mais profundo. Existem questões existenciais mal resolvidas e tenta-se artificialmente reparar esta dor criando um mecanismo de fuga.

 

Elaboramos superficialmente os problemas, Lidamos com sintomas quando deveríamos lidar com causas. Neste texto Jesus vai diretamente ao princípio causador do sofrimento que era a ação maligna. As pessoas trazem, pela ordem, um mudo endemoninhado, mas Jesus trata, pela ordem, de expelir o demônio, para que o mudo falasse.

 

Uma boa ilustração para este caso é a do camponês que aos prantos foi ao seu velho pastor para confessar uma atitude grave: Ele havia roubado uma corda! O pastor o incentivou a procurar a pessoa ofendida e a pedir perdão pela sua atitude fazendo restituição do mal que causara, assegurando que assim a graça e o perdão de Deus fluiriam em sua vida. No outro dia, ainda de madrugada, novamente o camponês bate à porta do pastor, ainda mais desesperado e angustiado. Ele então lhe diz: "Pastor, eu lhe confessei que havia roubado uma corda, mas não lhe disse nada sobre a vaca que estava presa a ela".

 

Este texto de Mateus nos convida a olharmos para o problema que está por detrás do problema, ou como dizia Lutero, ver o nosso pecado básico por detrás do pecado visível. Lutero cria firmemente, que todos os pecados acontecem por causa da quebra do primeiro mandamento. Quando deixamos de amar a Deus acima de todas as coisas, então fazemos ídolos, desonramos pai e mãe, furtamos, mentimos, difamamos, etc. O pecado que se vê é o ato externo, mas o pecado mais profundo tem a ver com a idolatria, aquilo que ocupa o coração. Se amarmos a Deus de toda a nossa alma, de toda a nossa força e de todo o nosso entendimento, não teremos problema para sermos fiéis nas outras áreas.

 

Qual é o nosso segredo mais íntimo? Qual é o aspecto inconfessável da alma? Este homem do texto é endemoninhado ou mudo? Todos sabiam de sua mudez e este era o problema em evidência, mas quando se levanta a cortina, descobre-se alguma coisa muito mais sério por detrás. Jesus repreendeu o demônio e sua mudez acabou.

 

Veja o exemplo de Pedro: Em Gálatas 2 ele é confrontado por Paulo porque se recusa a comer com os gentios, mas Paulo demonstra que o problema de Pedro era mais profundo, pois ele, na verdade "não estava andando de acordo com o Evangelho" (Gl 2.14). Não se tratava, apenas, de um problema de "comportamento", mas sua atitude discriminatória o fizera "perder o Evangelho". Paulo o confronta para que ele pudesse "voltar ao Evangelho". Sua atitude dissimuladora contra os gentios o fizera perder o Evangelho. Havia um pecado de superfície, mas outro pecado muito maior estava escondido por detrás deste pecado da discriminação.

 

Ira é um dos pecados que costumeiramente chamamos de pecado de superfície. Nossa ira tem causas profundas, mas o sintoma que surge em forma de ira muitas vezes acoberta a gravidade do pecado. Vamos usar o caso do profeta Jonas. Por duas vezes Deus lhe pergunta: "É razoável a tua ira?" (Jon 4.4,9). O que o levou a ficar irado? Alguma coisa dentro da alma dele o estava ameaçando. O que poderia ter causado esta ira?

 

Sua ira, como todas as demais expressões da ira, era apenas um pecado que trazia a tona outro pecado ainda maior. Normalmente tendemos a parar no comportamento externo, como sendo o maior problema, mas na verdade, o maior pecado está por debaixo que se vê. A ira revela um pecado maior. Pensando assim, podemos indagar: O que estaria ameaçando tanto a Jonas? O que o feria tanto? O que estava por detrás desta sua ira?

 

Sua ira estava relacionada ao seu relacionamento com Deus. Ele não estava gostando da forma como Deus insistia em dirigir o universo. Ele afirma que ficara zangado com Deus, porque Deus era "clemente e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade" (Jn 4.2). Sua ira estava relacionada ao fato de que ele não gostava de ver a forma bondosa com que Deus tratava os pecadores e sua compaixão pelos ninivitas, ele se sentia magoado e agredido pela bondade em Deus. Se Deus ao menos fosse uma pessoa dura... Se Deus não fosse tão clemente... Veja como isto é claro na sua resposta em Jn 4.2. Jonas estava irritado pela natureza amorosa de Deus.

 

Jonas ficou irado ainda por outra razão: Sua reputação estava em cheque. Afinal, ele não havia dito “Ainda quarenta dias e Nínive será subvertida?” (Jn 3.4) e agora o Senhor afirma que vai perdoar a cidade. E sua honra? Sua palavra? Sua dignidade? Como ficaria o seu status de profeta agora que Deus resolve agir de forma misericordiosa?

 

Considere uma criança irada ou zangada. Por que ela age desta forma? Sua ira é apenas sua reação externa a uma frustração sofrida. Ela reage assim, porque existe algo interior que não foi resolvido nem satisfeito, ela reage desta forma porque não soube lidar com alguma frustração mais profunda. Ela precisa resolver um dilema, mas não sabe como. Assim fazemos com nossa ira: Ela apenas reflete algo mais profundo. Jonas fez assim!

 

Quando a ira aflora a pergunta fundamental deve ser: por que a ira assumiu estas proporções? Qual é o pecado debaixo do pecado? Se você acha que ira é o grande pecado, considere que suas raízes são mais densas que você imagina.

 

Outro exemplo a ser considerado é o da impaciência. Quando ajo com impaciência o faço porque não gosto de ser contrariado. Meu perfeccionismo revela o nível de exigência, afinal, “como alguém pode me contrariar assim?...” ou penso que preciso ser atendido da minha forma e do meu jeito. Minha arrogância acha que as pessoas precisam estar a meu serviço. Minha arrogância e orgulho fazem isto. Minha impaciência revela minha maneira egoística de achar que as pessoas precisam ser sensíveis com meus problemas mesmo quando estes problemas revelam nada mais do que minha atitude autocentrada. Se contrariado, fico irritado porque mais uma vez não tive a atenção que o meu egocentrismo acha que é merecedor.

 

Desta forma, minha ira e impaciência revelam apenas algo mais profundo na alma. Mostram que existem pecados mais profundos a serem tratados. O que vem à superfície é apenas a ponta do iceberg. Existem pecados maiores debaixo de meu pecado. É a resposta que emito quando os ídolos caem. Quando isto acontece, fico enfurecido. Exemplos como o de Jonas e o dos fariseus revelam isto. A razão pela qual tão facilmente nos enfurecemos revela a centralidade da carne em nossa vida. Ira é um bom caso de estudo para que entendamos a profundidade de nossa natureza pecaminosa.

 

Como lidar com pecados submersos? Um dos grandes desafios é o de identificar os ídolos do coração. Como já falamos você nunca peca, a menos que um pecado, debaixo do seu pecado esteja funcionando". Isto é, você nunca deixa de desobedecer do 2o. ao 10o. mandamento, antes de desobedecer o primeiro. O problema básico nosso é que confiamos em outras coisas além de Jesus. Ira é um exemplo de pecado de superfície e está sempre ligado à idolatria do meu coração.

 

Idolatria é difícil de ser detectada, por isto devemos ficar alerta quanto aos sinais vermelhos que vemos quando o nosso eu está no trono. Se estivermos alerta, estes sinais vão mostrar o que está por detrás. Nós raramente percebemos os pecados subterrâneos, mas se prestarmos atenção veremos que eles estão presentes, mesmo que não os  "sintamos”, já que pecado não é uma mera questão de sentimento.

 

Veja alguns ídolos comuns que normalmente afloram quando estamos irados:

 

è Os ídolos da reputação – Situações que podem destruir minha reputação cuidadosamente construída ou meu status como uma pessoa trabalhadora, um grande pai, pastor, conselheiro, etc., podem me conduzir a ira. No fundo buscamos popularidade, aceitação das pessoas. Queremos o que só Cristo nos pode dar. Sentido! O coração jamais muda, se o Evangelho não o tocar. Eu temo o que os outros podem pensar.

 

è Os Ídolos do controle – Situações e pessoas podem atrapalhar meus planos e a forma como minha vida está organizada, e isto me deixa furioso. Como é que alguém pode ousar incomodar minha agenda pessoal? Como alguém pode fazer isto comigo?

 

A confissão profunda desmascara nosso artifícios, quebra resistência, revela a gravidade de nosso mal e nos faz compreender a grandiosidade da cruz e a extensão de sua cura em nossas vidas.

 

Este texto nos aponta para alguns caminhos de se encontrar a cura:

 

1.  Venha a Jesus – (Mt 9,.32) O texto diz que ele foi trazido. Isto mostra que alguns não conseguem vir sozinhos, porque não têm condições e precisam ser trazidos.  Isto é cuidado, amor. Muitas vezes estamos preocupados com pessoas despreocupadas consigo mesmas, sofremos por pessoas que não sofrem por si mesmas.

 

Isto é o que acontece também na intercessão. Sempre penso na intercessão como um clamor por alguém que não consegue orar por si mesma. Deus nos levantou como sacerdotes, para trazermos pessoas que não tem mais condições de orar por si próprios. Como igreja somos convidados a interceder pelas pessoas. "Procurei alguém que estivesse na brecha, mas não achei” (Ez 22.30).

 

2.  Deixe Jesus tocar na essência do problema - Não na superficialidade, mas no âmago. É o que ele faz aqui neste texto: Lhe trazem um surdo, e ele expulsa um demônio.

 

Quando o espírito imundo sai, o surdo fala. Deus precisa tocar no lugar certo. Existe sempre o perigo de ficarmos "amansando demônios”.  Por não confrontarmos a essência do problema, corremos o risco de ficarmos convivendo ou achando que podemos domesticar atos demoníacos.  Qual é o problema essencial que precisa ser tocado por Jesus?  Amargura, indiferença, incredulidade, dúvida, medo? Será que estes problemas são de fato o grande problema? Não existe alguma coisa presa à corda que você confessa ter roubado?

 

3.  Expelido o demônio, falou o mudo – (Mt 9.33) Nosso problema é de natureza essencialmente espiritual. Precisamos lidar com a causa porque quando ela é confrontada, retira-se o efeito. Nossas lutas espirituais são como o sintoma da febre. Febre raramente é uma doença em si, mas é um mecanismo que age em nosso corpo como um termômetro. Se algo vai mal em nosso metabolismo, ela acusa, denuncia.

 

Muitas vezes pregamos apenas princípios morais nas mensagens ao invés de pregar a graça maravilhosa que provém da cruz. Isto é um grande risco para todo pregador. Eventualmente exortamos a igreja a um comportamento moral mais elevado, a atitudes e virtudes maiores, mas esquecemos que não adianta ensinar a pessoas que estão escravas do pecado a romperem com o pecado, porque elas são escravas, não tem vontade moral suficiente para realizar aquilo que Deus espera delas. O que elas precisam não é de mais conselho ético, nem de reforma, mas de regeneração.

 

Exigir ética de pessoas dominadas pelo pecado e pelo diabo é como querer que um elefante dance balé, que uma girafa ande de patins ou que uma gazela se comporte na loja de cristais. O risco é enorme em qualquer uma destas situações.

 

O sangue de Cristo precisa tocar a natureza adâmica, modificar geneticamente a índole interior. Por isto se trata de regeneração. Deus precisa tocar a natureza, porque se alguém não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus.

 

A moral não é eficiente para nos conduzir a novas atitudes, por isto não podemos ser pregadores moralistas, antes devemos pregar a Cristo, e este crucificado. Precisamos entender que só o poder que emana da cruz pode transformar a natureza humana. Esta é a razão porque pregamos, ou deveríamos pregar, o evangelho. Apenas ele é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê. Somente ele traz cura radical e gera novo nascimento. Não se nega a cura negando-se a enfermidade, mas desmascarando-a, diagnosticando-a e tratando-a. Processos de cura acontecem quando a pessoa admite, confessa, lida de frente com a dor e a culpa, admite o problema e o leva diante daquele que tem o poder confrontar nossas enfermidades porque ele levou sobre si as nossas dores.

 

O maior problema na cura é a "mascaração", ou a tentativa de auto-engano. É um processo sutil da alma. Medo da dor da cirurgia, medo de tomar vacina e "virar um jacaré", temor de tocar no ponto nevrálgico da existência, contudo, para que haja cura eficaz é necessário que nos arrependamos não apenas dos pecados de superfície, mas também dos pecados subterrâneos. Enquanto não olharmos mais profundamente a ira e a trouxermos para Jesus ficaremos apenas cortando as ervas daninhas que florescem no jardim, sem arrancar as raízes.

 

Apenas a cruz consegue penetrar profundamente nos mecanismos de nossa alma. Precisamos lembrar que o evangelho é o poder de Deus, e que ele pode mudar qualquer pessoa em qualquer circunstância, e por mais incrível que possa nos parecer, o evangelho também tem o poder de mudar nossa natureza tendenciosa, carnal, pecaminosa, trapaceira que tende a se instalar em nosso peito. Precisamos convidar Jesus para tocar nas áreas sombrias dos nossos velhos baús emocionais. O mal é como fungo, cresce onde não existe luminosidade, por isto precisamos deixar que Jesus, que é a luz do mundo, ilumine nosso ser, toque em áreas que nem mesmo percebemos e deixemos que o Evangelho nos transforme.

 

Por esta razão, Lutero foi tão enfático na questão da pregação do Evangelho. Ele dizia: "A verdade do Evangelho é o principal artigo de toda a vida cristã. Enfie-o na mente nem que seja a martelada".

 

O encontro com Jesus é transformador. Traz esperança. Até para desmascarar e denunciar aquilo que nem mesmo nós conhecemos. Ao ler este texto de Mateus 9.32, fico me perguntando:

-       Será que este mudo compreendia a seriedade do seu problema?

-       Será que as pessoas ao seu redor, entendiam tudo o que estava ao redor de sua vida?

-       O mal estava revelado e escancarado na sua vida, ou estava escondido e mascarado na sua história?

 

Eventualmente nos deparamos com situações que insistem em não resolver. São amarras, laços, situações complexas para as quais damos diagnósticos, mas será que realmente estamos entendendo todas as questões relacionadas aos conflitos que vivemos? Não deveríamos ser um pouco mais atentos aos dilemas que enfrentamos na nossa própria história? Sem satanizar tudo, não deveríamos prudentemente criar uma "santa suspeita" sob atitudes e reações estranhas da nossa história?

 

Traga o seu problema para Cristo. ou permita-se ser trazido a Cristo, como este texto relata: “Foi trazido”. Ele não veio por si só, eu deixou-se amorosamente ser conduzido a Cristo. muitas vezes tentamos trazer as pessoas que insistem em não vir para a presença de Cristo, quando a resposta para seus problemas só poderão ser solucionadas em Cristo.

 

Apenas Cristo pode revelar o que está além de suas máscaras e defesas. Só Jesus pode penetrar de forma mais densa nas nossas trevas e penumbras. Deixe Jesus tocar na sua dor. Deixe Jesus denunciar seu mal e libertá-lo. Deixe-se ser conduzido a Cristo. Ele tem poder para te curar, restaurar, trazer libertação, te conduzir a uma nova realidade de cura e graça.

 

Que Deus o abençoe!


Palestra no. 3

Congresso Nacional de Mocidades

Caldas Novas

19 de Janeiro 2006