segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Mt 3.1-12 Arrependimento: A Mensagem central do Reino


 Introdução

 

 

Por trinta anos, a vida de Jesus se mantém em mistério e no anonimato. Excetuando o seu encontro com os mestres de Jerusalém aos doze anos no templo, não há outro relato canônico, isto é, registrado nos livros sagrados, sobre o que Jesus teria feito neste período. Sabemos que ele era conhecido de todos como “o filho de José, o carpinteiro”. José o criou como bom judeu, ensinando sua profissão aos filhos. Havia um ensino primordial entre os judeus, que era  repassado para às futuras gerações, e afirmava que os pais eram responsáveis por ensinar um ofício aos filhos. Os rabinos diziam: “O pai que não ensina ao filho um ofício está educando-o para ser ladrão”

 

João Batista é quem inaugura o ministério de Jesus. Ele começou a pregar no deserto, tinha um jeito todo particular e místico de se vestir, muitos acreditam que ele teve uma forte influência dos essênios que viviam próximo ao Mar Morto, nas cavernas isoladas do deserto. João tinha alguns marcos distintivos na sua forma de agir: Seu sermão era duro e ele estabeleceu um rito pouco comum aos judeus: O batismo. Exigindo que seus seguidores se submetessem a este ritual. Por causa disto começou a ser conhecido como “João o batista", ou "aquele que batiza". Pelo seu estilo de pregação, e sua mensagem dura, atraiu muitos que estavam cansados de uma religiosidade meramente ritualista como era o judaísmo. João é o precursor do ministério de Cristo, na verdade, ele é o cumprimento da antiga profecia de Isaias, conforme lemos no texto:

 

Porque este é o referido por intermédio do profeta Isaías: Voz do que clama no deserto:

Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas.” (Mt 3.3).

 

Sua pregação inicia o tempo do reino, e começa a apontar qual seria a obra que Jesus realizaria. João dá os primeiros sinais da vinda do Messias e da chegada do reino.

 

Em que consistia a mensagem?

 

Basicamente, que o arrependimento é o ponto de partida da espiritualidade do reino  Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus.” (Mt 3.2).

 

O evangelista Marcos descreve o conteúdo de Jesus, na mesma direção.

Depois de João ter sido preso, foi Jesus para a Galileia, pregando o evangelho de Deus,

dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo;

arrependei-vos e crede no evangelho.” (Mc 1.14,15).

 

Arrependimento é o ponto de partida da mensagem do reino de Deus. Não é sem razão, ao defender as 95 teses, Martinho Lutero colocou o arrependimento como a primeira tese: “A vida do cristão deve ser uma vida de penitência diária”.

 

Para compreender o que é arrependimento, talvez precisemos considerar o que não é.


A. Arrependimento não é "confissão premiada". Do tipo que vimos recentemente no Brasil, que os réus, os graúdos políticos que tanto lesaram os cofres públicos, faziam acordo para contar o que sabiam e assim diminuirem a pena da condenação. Na confissão premiada, negocia-se a punição. É uma forma esperta de sofrer menores efeitos pelo mal que fizeram.

 

  1. Arrependimento não é mero sentimento (não é remorso, culpa não solucionada) do tipo de Judas. Judas não se arrependeu. Ele apenas se sentiu mal pelo que fez, mas ele não na direção de Deus para admitir a inclinação de seu coração.

  1. Não é mera concordância mental de que algo está errado. Eventualmente podemos admitir que fizemos algo errado, mas não queremos mudança. Não abandonamos a prática do pecado embora o reconheçamos. Arrependimento, entretanto, leva a uma mudança de rumo, a uma tomada de posição. 

 

Charles Finney, em seu livro, A chave do avivamento, (pg. 96), fala que arrependimento não é mero pesar pelos pecados apenas pelas consequências que trazem, nem apenas peso de consciência, mas uma decisão profunda de buscar nova forma de viver e superar o estilo de vida antigamente adotado. Arrependimento tem a ver com as entranhas, algo interior, da alma. Por isto a Bíblia fala de “tristeza para arrependimento". O arrependimento traz dor, reconhecimento profundo de que algo sério precisa ser tratado.

 

Arrependimento significa literalmente "retorno", voltar atrás, mudar a direção. A grande benção que temos é saber que “se estamos perdidos, Deus permite retorno". Só existe arrependimento quando somos confrontados com a necessidade de mudança. Paul Washer afirma: "Não existem grandes homens de deus, só há pobres, fracos e pecadores homens, que tem um grande e misericordioso Deus". 

 

João Calvino afirmou:

“Prega-se o arrependimento em nome de Cristo, quando os homens ouvem, pela doutrina do Evangelho, que todos os seus pensamentos, afetos e desejos estão corrompidos e viciados; e que, além disso, é preciso voltarem a nascer se quiserem entrar no reino dos céus. Prega-se a remissão dos pecados quando se ensina aos homens que Cristo tornou-se para eles redenção, justiça, salvação e vida (1Co 1.30), em cujo nome gratuitamente são levados em consideração pelo Pai como justos e inocentes.” (Institutas TOMO 2)

 

Existem alguns passos essenciais no arrependimento:

 

  1. Compreensão de que algo precisa ser mudado. Se você não tem consciência de que precisa mudar o seu estilo de vida, de que algo em sua mente e seus atos precisam de transformação, você certamente não está vivendo uma vida de arrependimento. Precisamos entender que quanto menos grosseiro é o pecado, mais sutil e perigoso ele será. Dr. Shedd escreveu o seguinte: “Uma teologia que oferece graça sem arrependimento é falsa”. (Shedd, Russel: Lei graça e santificação, São Paulo, Ed. Vida Nova, 2012, pg 32)

Lembro-me de um homem recém casado que um dia me procurou. Ele frequentava a igreja, mas não tinha compromisso com as coisas de Deus. Era infiel à sua esposa e levava uma vida sem seriedade com as coisas de Deus. Um dia, entretanto, ao ler a Palavra de Deus, foi impactado com as verdades bíblicas de uma maneira tão intensa, que ele afirma que sentia nojo do estilo de vida de vida que praticava, e uma profunda tristeza pelo seu pecado. Ali mesmo, quebrantado, pediu perdão a Deus, e sua vida foi mudada poderosamente. Hoje ele serve sua igreja como um líder influente na sua comunidade. A confissão o restaurou para o serviço de Deus. 

 

  1. Confissão. “...e eram por ele batizados no rio Jordão, confessando os seus pecados.” (Mt 3.6) Todo arrependimento genuíno nos conduzirá a uma confissão genuína. Confissão é a admissão, sem reserva, do erro praticado. Não pode ser "mea culpa", ou confissão acompanhada com desculpas e justificativas. A pessoa arrependida se volta para Deus reconhecendo seu pecado e para experimentar o perdão. Confessamos porque pecamos, e para encontrarmos o perdão e a graça de Deus por meio do sangue de Cristo.

 

  1. Abandono de pecados.  Se arrependimento tem a ver com retorno e mudança, hábitos e condicionamentos precisam ser mudados. No texto paralelo de Lucas 3, que é um pouco mais extenso que a narrativa de Mateus, veremos que João Batista fala de três aspectos relacionados à mudança de atitudes:

 

                                               i.     Arrependimento relacionado à generosidade. “Então, as multidões o interrogavam, dizendo: Que havemos, pois, de fazer? Respondeu-lhes: Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo.” (Lc 3.10,11). As pessoas precisavam aprender a ter compaixão e generosidade para com o próximo. Portanto, precisamos nos arrepender de nossa insensibilidade e descuido com o irmão.

 

                                             ii.     Arrependimento relacionado à justiça e integridade. “Foram também publicanos para serem batizados e perguntaram-lhe: Mestre, que havemos de fazer? Respondeu-lhes: Não cobreis mais do que o estipulado.” (Lc 3.12,13). Precisamos de nos arrepender se estamos lesando as pessoas nas nossas negociações. Precisamos ser justos. Por isto a Palavra nos exorta: "Aquele que furtava não furte mais..." (Ef 4.28).

 

                                            iii.     Arrependimento relacionado ao descontentamento. “Também soldados lhe perguntaram: E nós, que faremos? E ele lhes disse: A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa e contentai-vos com o vosso soldo.” (Lc 3.14). Muitas vezes o descontentamento nos leva a uma vida de ambição e cobiça, que pode destruir nossa alma.

 

  1. Produzir frutos consistente com arrependimento. “Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento” (Mt 3.8). Paul Tripp afirma que “O que acredito não é aquilo que digo acreditar; o que acredito é aquilo que faço (...) Palavras podem ser poderosas ou podem valer pouco. O que as torna poderosas é a ação que delas fluem”. (Lane, Timothy & Tripp, Paul – Relacionamentos. Uma confusão que vale a pena. São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2011)

 

Por isto João Batista pregava:  

Já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, 

que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo.” (Mt 3.10).

 

  1. Não confiar no status religioso – “e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão.” (Mt 3.9). Desconfie de seu tolo pensamento de que, se você é uma pessoa religiosa, não precisa de arrependimento.

 

Era exatamente isto que João Batista denunciava. As pessoas começaram a dizer que a mensagem de arrependimento não lhes era necessária, pois eram judeus, descendentes de Abraão, povo eleito de Deus. E João afirma que Deus poderia suscitar filhos a Abraão, até das pedras que estavam à margem do rio Jordão.

 

Religiosos são aqueles que tem mais dificuldade em se arrepender, porque a justiça própria encobre a real situação. Religião tem o poder de nos tornar acomodados. Charles Finney afirmou: ““Se os membros se tornarem muito frios, será realmente difícil despertá-los. Eles possuem uma piedade formal que anula a verdade.”. Quão séria é esta afirmação. Precisamos nos arrepender de nossos pecados grosseiros, mas precisamos também nos arrepender de nossa justiça própria que nos leva, equivocadamente, a achar que podemos nos justificar por meio de nossos atos, sem a graça de Jesus.

 

Conclusão

 

Arrependimento é um estado de tristeza movido pelo reconhecimento dos erros cometidos que altera o comportamento, o estilo de vida, a forma de fazer as coisas. Ele é indispensável para que abandonemos as más condutas e nos voltemos para Deus, a fim de alcançar paz de espírito e trazer glória ao nome de Jesus.

 

Somos pessoas quebradas num mundo quebrado. Por termos dado as costas a Deus, precisamos do Evangelho. Precisamos nos convencer de nossa desesperada necessidade. Jamais abraçaremos a beleza e a glória do Evangelho sem que nos conscientizemos de nossa tremenda necessidade dele, e reconheçamos a realidade do pecado. É obvio que isso se aplica ao momento em que nos convertemos, contudo logo nos esquecemos de que o Evangelho tem uma aplicação contínua em nossa vida. Como cristãos, frequentemente nos esquecemos de que somos pecadores, e esquecemos o Evangelho. Por isto vale o alerta de Lutero: “A vida cristã deve ser de arrependimento diário”.

 

Temos grande dificuldade de arrependimento, porque somos inclinados à auto-justificação, que facilmente se transforma num empecilho para assimilarmos o evangelho. Somos propensos a nos justificamos de forma rápida, fácil, banal e automática como o ar que respiramos. Somos como o jovem rico, que ao ser confrontado por Jesus afirmou: “Tudo isto tenho observado, desde a minha juventude” (Mt.19.16-22). Segundo nossa própria perspectiva, temos nos conservado obedientes em toda sorte de áreas ... até aquele momento em que Jesus nos confronta com um determinado terreno que denuncia  claramente nosso pecado e nossa grande necessidade.

 

Jesus afirmou que a obra do Espírito Santo seria tríplice em nossa vida: “Nos convencer do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16.18). Portanto, quando o Espírito começa sua obra em nossas vidas, o primeiro e mais contundente sinal é de convencimento profundo do pecado.

 

Quão rapidamente tentamos nos justificar a nós mesmos por adotarmos uma “teologia correta”, ou por julgarmos que temos uma versão mais acertada da Bíblia; ou por chegarmos cedo à igreja, ou por termos certos bens, ou por fazermos certas coisas, conseguirmos algumas façanhas ou por minimizarmos aquilo que fizemos de errado. Tudo isso são exemplos de como buscamos construir uma vida à parte de Jesus, um mundo “perfeito” longe de Cristo. 

 

Algo marcante que foi observado pelo homem que capturou Adolf Eichman (o autor da “solução final”; o exterminador de judeus debaixo do controle nazista), e pelos jornalistas que cobriram seu julgamento posterior, foi a conclusão a que chegaram: a coisa mais chocante em relação a Eichman foi que ele era um homem comum e bastante familiar. Aliada a essa natureza comum ele tinha uma extraordinária capacidade para a auto-justificação, e também para encontrar desculpa para seus atos horrendos.

 

Jesus nos adverte sobre a predisposição que temos em não falar a respeito da trave em nossos próprios olhos, e falar do cisco no olho do irmão  (Lc 6.41)  O que Jesus  denuncia, senão a tendência de nos justificar a nós mesmos? Nosso problema é que pensamos de maneira muito elevada a respeito de nós mesmos e invertemos os valores: nós temos o cisco e os outros têm a trave. Isso nada mais é do que a exteriorização da nossa auto-justificação.

 

O caminho para a compreensão do evangelho passa pelo arrependimento. A compreensão profunda de nosso pecado. A boa notícia que temos é que “aquele que confessa e deixa, alcança misericórdia” (Pv  28.13). Quanto mais consciente estivermos da nossa real situação de fraqueza e pecado, diante de Deus, melhor compreenderemos a graça de Deus. Só entende verdadeiramente o evangelho, quem entendeu a natureza de sua condição pecaminosa. Antes de entendermos as boas novas de salvação em Cristo, precisamos entender a realidade do nosso mal. Por isto Paulo falou que “Cristo veio salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal”.

 

Você tem vivido uma vida de arrependimento diário?

Esta é a mensagem de Jesus para hoje: “Arrependei-vos, e crede no evangelho”. Precisamos nos arrepender de nossos pecados grosseiros, mas precisamos nos arrepender da vida auto justificada. Precisamos nos arrepender para experimentar o poder do evangelho em nossas vidas. Quem não tem pecado, não precisa de perdão. Quem não é pecador, não precisa de salvação. O arrependimento muda nossa forma de ser e viver, nos transforma. Portanto, arrependei-vos!!!

 

 

 

 

 

 

 

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