Introdução
Este é um dos textos mais dolorosos escritos por Paulo.
A. Ele é acusado de ser um pastor mundano – “...nos julgam como se andássemos em disposições de mundano proceder.” (2 Co 10.2). A pessoa mundana é aquela que trata a vida de forma irreverente, com intenções impuras e indecorosas. Não é fácil ouvir isto como pastor.
B. Ele é criticado por suas mensagens – “As cartas, com efeito, dizem, são graves e fortes; mas a presença pessoal dele é fraca, e a palavra, desprezível.” (2 Co 10.10). Você pode não gostar de determinada mensagem, do estilo de pregação de um determinado pastor e nem mesmo de algum sermão pregado. Mas as pessoas em Corinto iam muito além disto. Elas zombavam da mensagem de Paulo. Diziam que sua pregação era “fraca e desprezível.”
Paulo lida nesta carta com um dos aspectos mais desafiadores: zombaria, receber críticas, ser questionado.
Certamente teremos que lidar com relacionamentos quebrados em nossas vidas. Neste texto, quando observamos o que está acontecendo, aprendemos com Paulo como tratar de relacionamentos estremecidos. Como Paulo lida e reage às criticas que recebeu. Como devemos lidar quando estamos em situação análoga?
1. Ele trata com firmeza aquilo que é essencial. “Sim, eu vos rogo que não tenha de ser ousado, quando presente, servindo-me daquela firmeza com que penso devo tratar alguns que nos julgam como se andássemos em disposições de mundano proceder.” (2 Co 10.2)
Esta batalha que Paulo enfrenta na igreja de Corinto tem história por detrás, como geralmente tem todos os conflitos. As disputas e lutas não se dão no vácuo. Na primeira carta, Paulo disciplinou uma pessoa da igreja que estava vivendo em pecado, e era muito respeitada na igreja, ninguém tinha coragem de questioná-la apesar da gravidade de seu pecado. Paulo manda um duro recado à igreja e ordena que ele seja disciplinado (1 Co 5). Seu pecado era grave, agredia a santidade de Deus, afetava a saúde espiritual da comunidade e se tornou um escândalo na sociedade.
Nesta segunda carta, as coisas já haviam sido resolvidas, o irmão estava sendo restaurado espiritualmente (2 Co 2.5-7), era necessário perdoar-lhe e trazê-lo novamente para a comunidade. Perdão na igreja é algo importante, “para que Satanás não obtenha vitória sobre nós.” (2 Co 2.11). Sem perdão, Satanás pode atingir a igreja de forma violenta. Perdão é uma forma de não dar brechas ao maligno.
Parece-nos, contudo, que apesar de tudo estar “resolvido”, algumas pessoas se tornaram reativas contra Paulo, que era o fundador da igreja. Paulo apresenta as credenciais do apostolado e afirma que era necessário “ser ousado” e tratar com firmeza”, algumas pessoas que continuavam criando oposição e resistência ao seu pastorado.
Muitas vezes é difícil resolver conflitos, e eventualmente eles precisam ser resolvidos com firmeza. Não questão da confrontação, mas eventualmente ela é necessária para que haja cura nos relacionamentos fragmentados.
2. Paulo não perde a perspectiva de que relacionamentos quebrados, não são uma questão meramente humana, mas possuem um componente espiritual – “Porque, embora andando na carne, não militamos segundo a carne.” (2 Co 10.3)
Muitas vezes assumimos que a quebra de um relacionamento é algo pessoal, mas não podemos esquecer que conflitos revelam uma obra maligna, que procura enfraquecer a unidade e harmonia da igreja.
Nos Estados Unidos acompanhei de perto uma luta destas numa igreja americana, ligada ao nosso ministério. Um pastor auxiliar entrou numa rota de colisão com o pastor efetivo. Eles começaram a se confrontar, uma atitude carnal, e as disputas chegaram ao conselho e posteriormente no presbitério. Denúncias, processos, acusações, defesas, precisaram ser feitas. E o conselho daquela igreja começou a viver em função deste conflito. Me lembro perfeitamente de um dia em que eu disse àquele conselho: “irmãos, estamos há quase dois anos, apenas apagando incêndios, perdemos a capacidade de sonhar a igreja, ter uma agenda positiva, estamos apenas lidando com processos. Quando vamos retornar a normalidade?”
A Igreja Presbiteriana de Anápolis, que pastoreio desde 2003, tem experimentado um crescimento regular e significativo. Deus tem nos abençoado de forma surpreendente. As pessoas perguntam qual o segredo? E uma das respostas é a benção de estarmos vivendo em harmonia. Conselho, Junta Diaconal, obreiros, ministérios. A igreja se reúne com uma agenda positiva, pensando como ser mais eficaz, fazer um ministério mais relevante para abençoar famílias, a cidade e as pessoas. A unidade nos torna fortes. Felizmente não temos que gastar muito tempo em resolução de conflitos.
Precisamos entender que quebra de relacionamentos não é apenas uma questão pessoal, mas possui um aspecto espiritual. Não é sem razão que a palavra diabo vem do grego e se compõe do prefixo: diá “através de”; e do verbo ballein: “lançar”. “Dia-bolos”, aquele que divide desune, que inspira ódio, inveja, maledicência e calúnia; Diabo é aquele que procura com todos os meios separar o homem de Deus, e Satanás, (do hebraico, caluniador, adversário e acusador.) O Espirito Santo traz harmonia e conciliação, mas o diabo traz divisão e separação.
Será que, ao lidarmos com conflitos interpessoais, familiares, eclesiásticos, não deveríamos criar uma suspeita sobre as fontes de tais conflitos? Paulo não perde a perspectiva de que relacionamentos quebrados, não são uma questão meramente humana, mas possuem um componente espiritual.
Batalha real
A batalha real é de natureza espiritual – “Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando sofismas.” (2 Co 10.3). Por causa de sua natureza, devem ser combatidas espiritualmente. A carne não consegue vencer estas batalhas, porque as armas a serem usadas precisam ser diferentes.
Misseis são constantemente lançados sobre o território de Israel. Por isto os judeus desenvolveram uma tecnologia chamada de “domo de ferro”, que é automaticamente acionado todas as vezes que a milícia palestina Hamas lança um dos misseis. O objetivo deste sistema de defesa aérea é proteger o território deos mísseis balísticos, Em Maio de 2021, mais de 2 mil projéteis foram lançados de Gaza contra alvos israelenses, mas não houve qualquer dano material nem de vidas, por causa deste sistema. A tecnologia de radar diferencia entre mísseis que podem atingir áreas urbanas e aqueles que devem errar o alvo. O sistema então decide quais devem ser interceptados e são detonados ainda no ar.
Infelizmente nem sempre temos este sistema em nossa mente quando misseis balísticos são enviados. Precisamos das armas espirituais que só o Espírito de Deus pode nos dar.
Qual é a eficácia destas armas espirituais que temos em Cristo? O que elas são capazes de fazer?
A eficácia das armas
1. Destruir fortalezas – “Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas.” (2 Co 10.4)
Existem barreiras que são verdadeiros bunkers, fortalezas de guerra. Como vencer tais fortalezas? Apenas com as armas de Deus isto é possível.
“Pensamentos secretos de uma convertida improvável” é um livro surpreendente escrito por Rosaria Champagne Butterfield, uma ativista gay, e professora universitária, que relata seu processo de salvação em Cristo por meio de graça transformando-a numa cristã comprometida. Ela relata como o amor e a compreensão de um pastor e sua amorosa esposa, conseguiram impactar sua história transformando-a num vaso de graça. Não se trata de um livro sentimentalista e legalista. Ela afirma que a salvação em Cristo abalou sua carreira e lhe rendeu o “caos completo”. No entanto, sua história é instrutiva e edificante, e seu significado impressiona. Trata-se de uma visão surpreendente da graça divina capaz de transformar uma pessoa hostil a Jesus, em um discípulo de Cristo, comprometido em amar pessoas que pensam de forma diferente.
Este é o poder das armas espirituais. São capazes de destruir fortalezas.
O evangelho precisa romper barreiras:
a. Defensivas (apologéticas), que envolvem razão, lógica, mente
b. Preconceituosas (que atingem as culturas e a cosmovisão)
c. Espirituais (capaz de dar uma nova visão de fé e espiritualidade, rompendo com falsos deuses, religiões falsas e superstições.)
No caso dos relacionamentos, as barreiras são as feridas abertas, mágoas, ressentimentos, rejeição e oposição.
2. Anular sofismas – Porque as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para (...) anular sofismas.” (2 Co 10.4)
O que é um sofisma? Trata-se de um pensamento ou retórica que procura induzir ao erro, apresentada com aparente lógica e sentido, mas com fundamentos contraditórios e com a intenção de enganar. Uma argumentação que supostamente apresenta a verdade, mas sua real intenção reside na ideia do erro. Seria, então, motivada por um comportamento capcioso, numa tentativa de enganar e ludibriar. O principal compromisso dos sofistas era fazer com que o público acreditasse naquilo que diziam, e não com a busca pela verdade ou em instigar este sentimento no interlocutor.
Sócrates foi um dos principais opositores ao sofisma
"Se o amor é cego, e Deus é amor, então Deus é cego."
"Se comer vegetais emagrecesse, elefantes e hipopótamos não seriam gordos."
O evangelho precisa ser capaz de desmascarar as narrativas e sofismas. Uma música do grupo Logos afirma:
O evangelho é que
desvenda os nossos olhos
E desamarra todo nó que já se fez
Porém, ninguém será liberto, sem que clame
Arrependido aos pés de Cristo, o Rei dos reis.
O evangelho mostra o homem morto em seu pecar
Sem condições de levantar-se por si só ...
A menos que, Jesus que é justo, o arranque de
onde está
E o justifique, e o apresente ao Pai.
Somente o evangelho pode desvendar nossos olhos, tirar a escuridão do coração e o obscurantismo da mente, abrir os olhos espirituais para enxergar a obra de Cristo.
Nos relacionamentos o evangelho é capaz de limpar nossas memórias, tirar as armadilhas e sutilezas da suspeita, inveja e ira, é capaz de nos libertar do sentimento persecutório, da culpa e da angústia.
3. Derrotar toda altivez – “...e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus.” (2 Co 10.5)
Não é fácil se tornar servo de Cristo, nem assumir uma vida de discípulo de Cristo nestes dias. Tornar-se um aprendiz, submisso e obediente é um grande desafio. É fácil se tornar membro de uma igreja, mas não é tão fácil se tornar um discípulo de Cristo.
Imagine um homem como Paulo. Arrogante por causa de sua moralidade e religião, fariseu de primeira linha. Um mestre, advogado, formado da escola de Gamaliel, uma espécie de USP brasileira. E agora precisa trazer toda sua arrogância e se submeter a Cristo.
Fico olhando muitas pessoas que expressam desejo de seguir a Cristo em nossa igreja. Empresários bem-sucedidos, financeiramente estáveis e ricos, estudantes com uma carreira ascendente, com dinheiro para atender seus confortos. Juízes, promotores, delegados, médicos, funcionários públicos. O evangelho precisa destruir e “toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus.” Todas estas coisas boas, o status social, o academicismo, precisa ser confrontado se se levantam contra o conhecimento de Deus.
Como destruir fortalezas mentais da arrogância educacional, do dinheiro, do status? De filhos de famílias ricas, que aprenderam sempre a ter pessoas à sua disposição. Como trazer toda soberba, inteligência e bens e colocar a serviço do mestre Jesus? O evangelho precisa destronar “toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus.”
O grande problema nos relacionamentos fragmentados é a altivez, a petulância, a arrogância. Nos casamentos é a luta pelo poder, não para mandar, mas poder para “ter razão”, ser “dono da verdade.”
Certa vez me deram um tema para um acampamento de casais. “É melhor ser feliz que ter razão.” Quando minha esposa viu o tema ela brincou: “que nada! É melhor ter razão que ser feliz!” não é assim que funciona nossa mente? Querendo sempre estar certa? Não ser contrariado nem questionada? Nossa altivez precisa ser levada a Cristo, porque ela está sempre se levantando contra o conhecimento de Deus.
Paulo está aqui, diante da igreja de Corinto sendo massacrado pela altivez. Não se tratava apenas de divergências de ideias, mas acusações sérias e doloridas, resultado de maldade e orgulho humano.
4. O Evangelho precisa levar todo pensamento cativo à obediência de Cristo. “levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo.” (2 Co 10.5)
O objetivo de Deus é levar você a pensar de acordo com seu pensamento. Ter a mesma forma de interpretar a vida que tinha Jesus. Ter os relacionamentos marcados pelos mesmos afetos de Cristo.
Quando levamos cativo nosso pensamento entendemos que nosso chamado é ser escravo de Cristo. Pensar como ele pensa. Viver como ele vivia. Fazer como ele faz. Seu pensamento é cativo de Cristo ou dos sistemas, da cultura, do establishment intelectual, da cultura presente neste século? Quem domina seus pensamentos?
Precisamos entender nosso chamado para ser “servo de Cristo.” O vs 6 ainda é mais enfático: “...e estando prontos para punir toda desobediência, uma vez completa a vossa submissão.” (2 Co 10.6)
Certa vez estava lendo sobre os votos monásticos que as pessoas faziam para serem aceitos nos mosteiros. Eram quatro os votos. Três bem conhecidos, o último mais esquecido: castidade, pobreza voluntária, obediência e estabilidade. Estudando estes votos, vi que os o voto mais difícil de manter não era de castidade, nem de pobreza, como podemos imaginar. Sabe qual era o mais difícil? Obediência! Obedecer aos seus superiores. Não discutir as ordens que eram dadas.
Paulo mesmo admite neste texto que enfrentava lutas para resolver esta questão em seu coração. “Porque, se eu me gloriar um pouco mais a respeito da nossa autoridade, a qual o Senhor nos conferiu para edificação e não para destruição vossa, não me envergonharei.” (2 Co 10.8). Ele tinha autoridade apostólica e poderia simplesmente lançar mão desta autoridade, deste poder. Ele teve que lutar entre a compreensão de sua autoridade e sua disposição carnal que poderia levo a uma atitude de autoritarismo.
5. Por último, o Evangelho precisa tirar nossa auto glorificação, o desejo de sermos louvados, apreciados, de receber aplausos.
O texto bíblico denuncia as duas direções equivocadas que a autoglorificação promove.
Primeira, nos leva a medir-nos conosco mesmos: “mas eles, medindo-se consigo mesmos e comparando-se consigo mesmos, revelam insensatez.” (2 Co 10.12). A base da nossa autoavaliação se perde em nós mesmos. Atitude ridícula. Olhamos no espelho e perguntamos: “existe alguém mais belo do que eu?” O auto enamoramento, o narcisismo, nos destroem. Estamos encantados com aquilo que somos ou pensamos ser, por isto achamos que somos merecedores de maior honra do que a que temos recebido. queremos mais reconhecimento.
Paulo diz que isto revela a loucura de nosso coração. Não é sem razão que nossos relacionamentos são tão fragmentados. Tim Keller pergunta: Porque duas pessoas narcisistas, autocentradas, com desejo de auto realização e de serem felizes podem se dar bem no casamento? Ambas desejam atenção e não dar atenção. Querem ser o centro, não periféricos.
Noutro texto afirma:
“o ego também é frágil. Isto acontece porque qualquer coisa superinflada corre perigo iminente de estourar; é como uma bexiga que alguém soprou demais e a deixou muito cheia.” (O ego inflado. Pg. 22 ed. Vida nova).
Nossa natureza tem um narcisismo explicito. Desejo de olhar para o umbigo. Precisamos entender que não somos maior nem melhor do que pensamos sobre nós mesmos, mas do tamanho que Deus quis que nos tornassemos. Descanse nisto. Regozije na simplicidade.
Por causa da natureza narcisista, nossos relacionamentos são fragmentados. Sufocamos os outros, ávido por atenção, vorazes em sermos aceitos e apreciados, e continuamos vazios porque precisamos de mais e mais aplauso e reconhecimento.
Conclusão
O segredo é olharmos para Cristo. “Aquele, porém, que se gloria, glorie-se no Senhor.” (2 Co 10.17). Nossos relacionamentos são frágeis porque estamos olhando demasiadamente para nós mesmos.
O segredo é uma mente submissa. Mente de servo. Desejo de honrar a Deus. Precisamos aprender com Jesus.
“Não tenha cada um em vista o que é
propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros. Tende em vós o
mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus,
pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a
Deus;
antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em
semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou,
tornando-se obediente até à morte e morte de cruz.” (Fp 2.4-8)
A cruz inverte a ordem das coisas. Deus servo. Cristo transformou o lugar da maldição em lugar de glória. Sua morte trouxe vida. Sua rendição, libertação. Todos nós precisamos nos aproximar da cruz de Cristo e entender o grande mistério, de um Deus, que se faz homem, que se esvazia, para que pudéssemos encontrar nele vida. O problema de nosso eu inflado, só será corrigido quando entendermos que nossa glória tem que ser em Deus, não em nossas habilidades, competência, habilidade, mas na rendição e entrega.
Que Deus nos abençoe!
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