Introdução
Este texto narra a história de Jericó, a cidade mais antiga do mundo, conhecida também pelas suas belas palmeiras. Hoje é uma cidade árabe, onde existe um teleférico e se podemos apreciar à distância o Rio Jordão, marcado pela divisa com o deserto.
Eliseu chega a Jericó e os homens da cidade, reconhecendo a sua autoridade espiritual, lhe informam: “E os homens da cidade disseram a Eliseu: Eis que é boa a situação desta cidade, como o meu senhor vê; porém as águas são más, e a terra é estéril.” (2 Rs 2.19). Embora a situação da cidade fosse boa as águas contaminadas da cidade estavam impedindo a terra de produzir os grãos, trazendo fome e desesperança da população. Não era a terra que contaminava a fonte das águas da cidade, mas a fonte contaminava a terra.”
O texto bíblico afirma Jericó tem um privilégio maravilhoso. É geograficamente bem situada, próxima às campinas de Moabe, no entanto, sua geografia e posição estratégica perdiam valor porque suas águas eram más e por isto a terra era estéril.
A raiz do problema. Uma cidade boa com águas ruins. Tinha tudo para crescer e prosperar, mas a má qualidade da água comprometia o sucesso da cidade, a água era tóxica e causava danos permanentes ao meio ambiente.
Quando Eliseu ouve este relato, ele vai diretamente para a fonte. Ele não tentou melhorar o solo ou adubar as árvores. O Evangelho demonstra que não basta “reformar as pessoas”, elas precisam nascer de novo por fé em Cristo Jesus, de um coração novo, regenerado pelo Espírito Santo, pois do coração procedem todas as fontes da vida (Pv 4.23). Só com um novo coração poderão ser salvos da corrupção do pecado e se tornarem frutíferos para o Senhor.
A cidade de Jericó é uma boa alegoria da vida. Muitos tem tudo para dar certo, mas por alguma razão são impedidos de terem uma vida abundante. Que alegoria da vida humana...o solo é ruim porque as fontes são ruins.
A realidade de Jericó se parece com a vida de muitas pessoas. Bem situadas, família socialmente ajustada, condição de vida estável, no entanto, as águas são más. Hoje existe um fenômeno social assustador de rapazes de classe média alta, envolvidos com tráfico, drogas, brigas, mortes prematuras e suicídios. As fontes estão contaminadas.
O problema não se encontra nas condições adversas, pelo contrário, frequentam boas escolas, tem oportunidade de viajarem, comprarem boas roupas, terem determinados luxos. O problema se encontra nas águas que saem delas. Suas águas são ruins, e por isto torna estéril toda terra ao seu redor. Água sulfurosa, carregada de enxofre, parecidas com a lama da Samarco, poluídas de fortes metais que vai semeando a morte por onde passa.
No dia 5 de novembro de 2015, às 15h30, uma gigantesca barragem de rejeitos de minério de ferro, conhecida como Fundão, pertencente à empresa Samarco, controlada por duas das maiores mineradoras do mundo – a brasileira Vale e a anglo-australiana bhp Billiton – rompeu inteira sobre o povoado de Bento Rodrigues, distrito de Mariana, Minas Gerais. O rompimento da barragem se converteu na maior tragédia ambiental brasileira e no mais grave acidente – e único dessa natureza – da história da mineração mundial. Dezenove pessoas morreram na primeira meia hora. Mas, nos dias que se seguiram, a vida de outras centenas de milhares seria afetada para sempre.
As águas de Samarco são uma boa ilustração do que acontece quando a natureza é afetada por águas contaminadas de ferro e outros minerais e vai destruindo a lavoura, os pastos e as florestas.
Estas águas têm a ver com o coração, que são as fontes da vida. Ou não é exatamente isto que nos ensina a Palavra? “De todas as coisas que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem todas as fontes da vida.” (Pv 4.23) Esta recomendação é importante porque Deus sabe que se as fontes do coração estiverem contaminadas, adoecidas, tudo mais o será.
Provérbios ainda nos ensina que “o coração alegre aformoseia o rosto”. Quando o coração está triste, tudo fica contaminado.
Já viram adolescentes bonitos, boas famílias, dinheiro, estilo de vida confortável, mas o coração deprimido, sem sentido, triste, sem esperança e razão para viver? As fontes estão contaminadas, as águas são más, e o que sai desta fonte é esterilidade, morte, sequidão. O texto diz: “As águas são más e a terra é estéril”. Podemos ler este texto da seguinte forma. Porque as águas são más, a terra ao redor se torna incapaz de produzir. A terra não produz porque a água insalubre, ao invés de dar vida, traz morte.
Assim é o coração carregado de amargura e revolta, de tristezas e dores, que azeda todo o ambiente. É o marido cujo coração está adoecido que trata com grosseria e insensibilidade sua mulher e filhos. É a mulher cujas águas são más e não consegue dar vida para sua casa. É o coração carregado que azeda as vidas, e as coisas não fluem.
Muitas vezes, olhamos apenas para a terra que está estéril e sem vida, consideramos apenas os resultados das águas más, que são esterilidade e morte. Mas não paramos para considerar as fontes. A terra está ruim porque a água (fonte) é ruim. A vida está péssima, porque o coração está bagunçado. As pessoas não são apenas os resultados visíveis, as pessoas refletem o problema mais agudo do coração humano, que é o coração sem Deus.
Em psicoterapia, usa-se uma terminologia interessante para problemas que são diagnosticados, versus problemas que produzem os efeitos externos: “cortina de fumaça!”. O problema não são os comportamentos maus, mas o que está causando estas graves consequências. São as sombras do coração.
Na teologia reformada existe uma afirmação clássica: “O coração do problema é o problema do coração.” R. C. Sproul, comentando a afirmação “Depravacao total”, afirma que prefere o termo, “Depravação radical.” Para ele, o problema central do homem é que seu coração é depravado e desvirtuado na raiz, seus motivos são carnais e egocêntricos, e tudo que ele faz é para sua autoglorificação. O problema está na fonte!
Jesus sempre colocava o problema aparente, aquilo que se observava, numa camada mais profunda, subjacente, causativa. Os fariseus viviam preocupados com os rituais externos de purificação, as lavagens de mãos, de vasos e até mesmo de cama, para suas purificações, de conformidade com a tradição. Mas Jesus afirma que “não há nada fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai do homem é o que o contamina” (Mc 7.15). “O que sai do homem, isto é o que o contamina. Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios” (Mc 7.20,21). O problema são as fontes.
Águas boas trazem nutrientes e fertilizam a vida.
Fico olhando o jardim de nossa casa.
A seca sazonal do Centro Oeste chega a durar 4 meses. Durante este tempo, a grama vai secando, as arvores vão sofrendo, os pastos se tornam amarelos e as plantas se recusam a viver. Tudo se torna pálido e sem cor. Mas quando as saudáveis águas da chuva descem sobre a terra, elas geram vida porque trazem nutrientes importantes. Suas fontes que são as nuvens carregadas fazem a vida voltar e a terra a produzir. A natureza ressuscita, porque as águas saudáveis da chuva tão esperada, tem o poder de trazer vida à terra seca.
Nossas fontes precisam ser restauradas.
Precisamos de tratar daquilo que está gerando morte ao nosso redor, indo ao cerne da questão. É disto que nos fala o evangelho.
Eliseu pega um prato novo, cheio de sal, e o derrama sobre as fontes, e as águas se tornam saudáveis. Muitos tentam encontrar o significado no prato novo e no sal aqui presente no texto. Eu não me preocupo se eles possuem ou não simbolismo, porque o que vejo aqui é a manifestação do poder de Deus, quando interfere na vida.
Certa vez Jesus curou um surdo mudo, pegando saliva da sua boca e tocando-lhe na língua. Se buscarmos o significado aqui da saliva, podemos perder a lição.
Noutra, ele curou um cego, fazendo barro com sua saliva no chão, e tocando seus olhos. O ponto aqui é que Deus cura de qualquer forma, usando meios ou não. Dar poderes aos meios é perder de vista o poder daquele que se permite utilizar meios para a sua própria glória. Deus restaura com ou sem meios.
O texto nos ensina que as fontes foram restauradas, e a água se tornou saudável. “Ficaram, pois, as águas saudáveis”.
Que maravilhosa benção é esta que Deus produz.
Ele é capaz de se aproximar de algo estéril, venenoso, destrutivo, e transformá-lo em algo salutar e saudável. É capaz de inspirar pessoas sem sentido na vida, pensando em suicidar, desanimadas com a vida e dar um novo vigor e esperança. Tem o poder de operar num casamento sem gosto, e transformar algo insipido, sem cor, sem textura, em algo especial. Ele transforma casamentos, água em vinho. Restaura a vida de um jovem sem sonhos, dando sentido e valor, resgata alguém da promiscuidade e autodestruição e muda sua história. Faz de um Jefté, rejeitado socialmente, filho de uma prostituta e o transforma em juiz sobre Israel. Opera na vida de um endemoninhado Gadareno e o transforma no primeiro missionário cristão em terras não cristãs.
Quando o Espírito de Deus age na vida de uma pessoa, as águas se tornam saudáveis e cheias de vida. Se você se sente destruído, sem propósito, peça a Deus para lhe dar um novo coração, para ele fazer um transplante espiritual na sua vida. Você não precisa de instagram, nem de verniz, você precisa de novas fontes. O curso de sua vida precisa ser descontaminado. Isto é obra do Espírito Santo. Deus precisa dar ordem ao vale de ossos secos para que eles voltem a ter vida.
O texto nos ensina também que a restauração foi permanente. “Ficaram, pois, saudáveis aquelas águas.” (2 Rs 2.22). Não apenas para servir de espetáculo àqueles que presenciaram o milagre, mas para abençoar, para sempre, a vida da cidade. Imagine o efeito de uma fonte saudável numa terra seca como a de Jericó? Deus não restaura para um tempo determinado na história, mas para continuar abençoando a terra ao redor, para sempre. O efeito da obra de Deus em nossa vida tem impacto em gerações, filhos e netos. Por isto o texto diz que Eliseu, ao derramar o sal na água afirma que não haveria mais morte, nem esterilidade.
Conclusão
O alvo de Deus, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, foi sempre de alcançar as fontes do ser humano.
Em Ezequiel Deus afirma: “Dar-vos-ei um novo coração. Tirarei de vós o coração de pedra e darei um coração de carne.” (Ez 36.26) Deus promete chegar no centro, nas fontes da existência humana, tocar nos segredos. No coração é que estão as fontes da vida e da morte.
No Novo Testamento, Jesus fala de algo estranho e revolucionário: Novo Nascimento.
Não se trata apenas de algumas reformas externas no visual, nem de alguns comportamentos mais civilizados que são emitidos. Deus sabe que estas coisas são insuficientes para o ser humano, e por isto propõe uma coisa radical. Veja que na raiz da palavra “regeneração”, você vai encontrar o radical “gen”. Não é curioso pensar que na língua grega, também, a palavra regeneração, possui o mesmo radical? Tem a ver com a Genética, com o DNA do ser humano. O plano de Deus em nossa vida, é mudar nosso DNA. Ele precisa mudar as fontes.
Jesus purifica as fontes: Motivos, desejos, aspirações, fontes. As molas centrais da vida.
Davi ora da seguinte forma: “Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me estão ocultas.” (Sl 19.12)
Muitos estão olhando para a vida, sem motivação, sem alegria, tomando decisões erradas, se prostituindo, saindo dos caminhos do Senhor, vivendo numa vida de autodestruição, infeliz e triste, as fontes estão más. Deus precisa tocar nesta água tóxica, Deus precisa trazer um novo coração.
Mathew Henry:
“Observe o milagre de sarar as águas. Os profetas devem ser agentes de Deus para melhorar o lugar onde chegaram. Deus os envia para adoçar os espíritos amargos e tornar frutíferas almas estéreis, através da palavra de Deus que é representada como o sal que foi lançada na água por Eliseu. Esse é um símbolo adequado do efeito produzido pela graça de Deus no coração pecador do homem. Às vezes há famílias, povos e cidades inteiras que adquirem uma nova forma de viver através da pregação do evangelho. A maldade e o mal são transformados em frutos das obras da justiça que são através de Cristo para o louvor e glória de Deus.”
É bom entender que muitas vezes nossa amargura causa um efeito colateral destrutivo. A vida pode se tornar estéril, a terra, o solo, a natureza ao seu redor são impedidos de gerar alimento, abundância, prosperidade. Talvez você já tenha pensado em morrer, em desistir, esteja sem esperança. Mas este texto nos diz que a obra de Deus mudou as fontes de Jericó, tornando aquelas águas saudáveis, permanentemente. Da mesma forma ele pode mudar nossa história.
Quem sabe hoje você não diga a Deus: “Senhor, restaura as minhas fontes como as torrentes do Neguev”. Ou, “Senhor, torna minhas águas saudáveis para que eu possa gerar vida ao meu redor, e não mais morte esterilidade.
Esse evento é uma admirável figura, da salvação que Cristo opera. Cristo é colocado nos mananciais, gerando água saudável, para sempre. Eu já bebi desta água em Jericó, que segundo a tradição se tornou saudável através da vida de Ezequiel. Se isto é verdade, podemos afirmar que os efeitos da transformação geram vida em milhares de gerações. Jesus se preocupa com o manancial. Os fariseus se detinham apenas em não adulterar e não matar, Jesus requereu mais; não odiar nem desejar o adultério, a gênese do mal inda na origem.
O sal, elemento que foi usado na purificação das águas de Jericó também é uma
figura interessante. Na lei judaica, o sal era indispensável no sacrifício: “E
todas as tuas ofertas dos teus alimentos temperarás com sal; e não deixarás
faltar à tua oferta de alimentos o sal da aliança do teu Deus; em todas as tuas
ofertas oferecerás sal.”(Lv 2.11,13)
Na fonte de Jericó havia esterilidade e morte. Assim somos sem Jesus. Ele se
propõe a fazer algo melhor que sarar uma fonte, ele propõe gerar uma fonte de
água que brotaria para vida eterna a todo aquele que nele cresse. (Jo 4.14)