Introdução
A pergunta central deste texto surge três vezes: “Porventura não há Deus em Israel?” (1.3,6,16), sendo que, no vs 16, ela assume uma pequena variante. “Acaso não há deus em Israel?”
Os fatos acontecem em torno do ano 852 a.C.
Acazias era filho de Acabe (874-853 a.C.) e Jezabel, que governaram o reino do norte, cuja capital era Samaria. Estes personagens, certamente foram alguns dos piores, mais perversos e idólatras reis em Israel. A Bíblia é muito severa no julgamento deles. “Fez Acabe, filho de Onri, o que era mau perante o Senhor, mais do que todos os que foram antes dele. Como se fora coisa de somenos andar ele nos pecados de Jeroboão, filho de Nebate, tomou por mulher a Jezabel, filha de Etbaal, rei dos sidônios; e foi, e serviu a Baal, e o adorou. Levantou um altar a Baal, na casa de Baal, que edificara em Samaria. Também Acabe fez um poste-ídolo, de maneira que cometeu mais abominações para irritar ao Senhor, deus de Israel, do que todos os réus de Israel que foram antes dele” (1 Rs 16.30-33).
Ao mesmo tempo, governava em Judá (reino do sul), um dos reis mais piedosos da Bíblia, Josafá. Há um contraste profundo entre eles no que concerne a sua espiritualidade.
Jezabel importou a religião de Ecrom, e era uma macumbeira da pesada. Ela adorava um deus que é chamado na Bíblia de Baal Zebube, que numa tradução popular seria, o Deus das moscas. Ela não apenas fazia de sua espiritualidade uma formalidade, mas realmente praticava suas feitiçarias. Conseguiu convencer o seu marido, Acabe, a construir um templo em Samaria, capital do norte, e levantaram um altar a este horrendo deus. Ela defendia os sacerdotes idólatras, de uma forma que nenhum rei de Israel, por mais piedoso que fosse, o fez. Ela os recebia no palácio e todos eles se assentavam à mesa da casa real. Eram tratados como príncipes.
Um acidente muda radicalmente a vida de Acazias, quando ele assume o reinado após a morte de seu pai. Não há muitos detalhes bíblicos, mas lemos que caiu pelas grades de um quarto alto, e adoeceu severamente (2 Rs 1.2). Isto muda sua vida. Um rei ainda muito novo, sequer tinha se casado, já que lemos que ele não teve filhos para substitui-lo, ainda no segundo ano de seu reinado, vê sua vida acabando, e de fato ele morre desta queda. Desesperado, envia mensageiros a Ecrom, para consultar o deus de sua mãe, mas no caminho havia um personagem famoso em Israel: Elias.
Deus envia o profeta a interceptar a missão e dizer: “Porventura não há Deus em Israel, para irdes consultar Baal-Zebube, deus de Ecrom?” (2 Rs 1.3) Os mensageiros sem graça e desorientados retornam para Samaria para dar o recado do profeta. “Da cama a que subiste, não descerás, mas, sem falta, morrerás”. Quando o jovem rei ouve falar isto e pede para que façam a descrição daquele homem, ele demonstra sua total desolação ao constatar: “É Elias, o tesbita”. (2 Rs 1.8). Ele o conhecia, porque Elias se tornara o homem que mais confrontara o seu pai. Os embates religiosos entre os três, já que Jezabel era a líder espiritual, tornaram-se notórios naqueles dias.
Ao invés de se quebrantar e pedir para conversar com o profeta, ele toma uma decisão arrogante. Trazer à força o profeta ao palácio. Condução coercitiva. O resultado foi trágico, porque os primeiros cinquenta que tentaram fazer isto morreram, e a outra turma com o mesmo tanto de soldados teve o mesmo fim. Só escapou o terceiro por causa de sua atitude humilde e temerosa. A este, Elias seguiu.
Ao chegar ao palácio, e aqui é fundamental que usemos um pouco de imaginação, Elias dá o mesmo recado e sai, sem ser perturbado por ninguém.
Imagine a cena. Ele é persona non grata, e adentra o palácio escoltado por soldados. Imagine o suspense, os olhares, as suposições. Ele vai lá na câmara do rei e lhe diz que ele morreria, sem falta, porque enviara mensageiros para consultar um deus pagão (2 Rs 1.16). Depois sai, provavelmente sem olhar para os lados, rompe barreira entre as pessoas que cercam o palácio, e segue o seu caminho de volta para o deserto.
Quais as observações que podemos fazer neste episódio?
Primeiro, faltavam para o palácio, alicerces espirituais sólidos.
Acazias era filho de Jezabel, que tinha ódio mortal aos profetas de Yahweh, o Deus de Israel. Ela os perseguiu, jogou-os na cadeia, os matou, teve confrontos históricos com Elias. Aliás, num destes conhecidos episódios, Elias confrontou a farsa espiritual de um grupo gigantesco de 450 profetas de Baal e 400 profetas do poste-ídolo, e depois do confronto no Monte Carmelo, esta religião falsa foi quase extinta porque todos estes falso profetas foram exterminados no ribeiro de Quisom (1 Rs 18.49).
A falta de fé consistente, no Deus verdadeiro, levou Acazias a seguir os deuses falsos de seus pais, apesar de todas as evidências que ele mesmo, talvez tenha pessoalmente presenciado. No entanto, esta falsa religião, e falsos conceitos moldaram sua vida, porque Acazias “não confiou em Deus” (1 Rs 22.53-54).
Os pais de Acazias, Acabe e Jezabel, desempenharam um papel crucial na sua formação e desenvolvimento espiritual. Acabe, rei de Israel, era conhecido por sua idolatria e por seguir os costumes dos fenícios, enquanto Jezabel, sua esposa, era uma rainha poderosa e devota à religião fenícia de Baal. A idolatria e os costumes pagãos predominantes na corte durante sua infância e adolescência certamente moldaram sua visão de mundo e suas crenças religiosas.
Além da família, Acazias era cercado por conselheiros e líderes que também podiam influenciá-lo. A presença de indivíduos que compartilhavam das mesmas crenças pagãs e o incentivavam a agir de forma imprudente pode ter contribuído para seus erros.
É importante lembrar que a influência dos pais é significativa, mas cada indivíduo é responsável por suas próprias escolhas e ações.
Segundo, nem sempre experiências carismáticas e intervenções miraculosas nos aproximam de Deus. Acazias deve ter visto muitas coisas tremendas acontecendo na sua própria casa, vindas do próprio Deus. Elias orou e houve uma seca pavorosa nos dias do reinado de seu pai, certamente ele era um adolescente, mas estes eventos repercutiam no palácio. Depois, Elias orou e a despeito de todas as evidências negativas da natureza, a chuva veio. Ele sabia do incidente de Baal, apesar de ter sido contado na versão da família real. Acazias estava cercado de grandes manifestações, porque poucas vezes na história de Israel houve tantos milagres prodigiosos como nos dias de governo de seu pai. Deus estava querendo demonstrar quem estava no controle da história, e quem ele era em contraste com os deuses falsos e importados que agora haviam sido introduzidos em Israel.
Apesar de tudo isto, à semelhança de Faraó, seu coração não foi transformado nem convertido. Ele tinha clara noção de quem era o profeta Elias e de seus poderes miraculosos (2 Rs 1.8), ao enviar soldados para prendê-lo, na sua teimosia e obstinação em seguir suas mentiras, viu o desastre, mas continuou endurecido. Ao ouvir a palavra de Deus dada por Elias, no primeiro confronto, teve oportunidade de refletir e mudar a forma de fazer as coisas, mas insistiu no seu mal, trazendo ainda mais dores ao seu povo, e sem mudar definitivamente sua condição física.
O que Acazias fez, é muito perceptível em nossos dias. Milagres são manifestações sobrenaturais de Deus que eventualmente geram temor e fé, mas nem sempre aqueles que presenciaram milagres foram transformados, espiritualmente. Muitos já viram manifestações espirituais, num país carregado de tantas entidades, é raro encontrar alguém que ainda não teve contato com realidades espirituais, mas nem sempre isto se transforma em um evento que leva o coração do homem a Deus.
Embora os milagres possam ser eventos poderosos que demonstram o poder e o amor de Deus, eles nem sempre levam à conversão imediata ou duradoura por vários motivos. Deus deu aos humanos a liberdade de escolher suas crenças e ações. Milagres, embora inspiradores, não podem forçar alguém a acreditar ou a mudar seu coração. A conversão é uma decisão pessoal que requer fé genuína e disposição para se render à vontade de Deus.
As pessoas que presenciam milagres podem interpretar eventos milagrosos de maneira diferente. Alguns podem vê-los como prova da existência de Deus, enquanto outros podem atribuí-los a outras causas ou rejeitá-los como meras coincidências. Nem todos estão preparados espiritualmente para receber a mensagem de um milagre. Eles podem estar lutando com questões pessoais, dúvidas ou conflitos não resolvidos que dificultam a sua abertura à transformação espiritual.
Muitas pessoas vivem buscando milagres como forma de validação externa ou prova de sua fé, em vez de focar em um relacionamento genuíno com Deus. A conversão é muitas vezes como uma jornada, um processo gradual de crescimento e transformação espiritual, em vez de um evento instantâneo desencadeado por um milagre. Os milagres podem servir como catalisadores, mas nem sempre são eficazes para transformar a história de pessoas endurecidas pelo pecado ou pelo orgulho
Os milagres podem ser sinais poderosos da presença e do amor de Deus, mas não são o único ou garantido caminho para a conversão. A conversão é um processo complexo que envolve escolha pessoal, prontidão espiritual, uma compreensão correta da mensagem de Deus e um aprofundamento gradual da fé. É através de um relacionamento genuíno com Deus, nutrido por práticas espirituais contínuas e pelo desejo de viver de acordo com a vontade de Deus, que a verdadeira conversão pode ocorrer.
Terceiro, é fácil de nos esquecermos de Deus e buscarmos auxílio em outras coisas e pessoas. Isto aconteceu com o rei Asa, que foi disciplinado por confiar mais nos médicos que no Senhor. O problema não estava em buscar os médicos, mas esquecer-se que é Deus quem dá a vida e a preserva segundo seu propósito. Acazias corre atrás de outros recursos, de outras fontes espirituais. O que fazemos quando nos sentimos fracos, desesperançados, vendo o fim da linha? Nos desesperamos e corremos atrás de recursos sem considerar a Deus?
Deus é quem dá a vida e a tira. Ele é Senhor.
Portanto, tome cuidado em querer resolver seus problemas a qualquer custo. Azarias envia mensageiros a Ecrom, desconsiderando de que, quando Deus quer, ele fará, e se Deus não fizer, não serão outros deuses falsos e propostas mirabolantes de gurus e religiosos que resolverão esta situação.
Esta foi a compreensão de Hananias, Mizael e Azarias, diante da fornalha de fogo ardente.
“Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei, Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teu deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste” (Dn 3.17-18).
O livramente surpreendente que estes três jovens tiveram nem sempre acontece com todos que fielmente seguem a Jesus. O que podemos dizer dos fieis mártires, cujas histórias jamais foram contadas, nem suas memorias registradas em livros, e que morreram anonimamente, duramente perseguidos, espoliados e martirizados por sua fé?
Azarias busca Baal Zebube, mas ainda assim morreu “segundo a palavra do Senhor, que Elias lhe falara” (2 Rs 1.17). Nada poderá nos livrar quando o propósito de Deus é outro.
Conclusão: O que este relato tem a ver com o Evangelho?
Acazias passou por grande provação, que afetou sua saúde quando ele era ainda jovem. É natural que ele tinha desejo de continuar vivendo, e que buscasse todas as possibilidades possíveis para sua cura, mas infelizmente, ele optou por um caminho equivocado. Será que devemos buscar nossa cura a todo custo?
Precisamos trazer o sofrimento para a perspectiva do Evangelho. Como Jesus lidou com a dor, e as perdas? Como reagiu diante das ameaças? Satanás usou estratagemas para desviar Jesus da cruz. Ele até mesmo influenciou Pedro para convencê-lo de que a cruz não era uma opção inteligente, justamente no momento em que ele estava no ápice de seu ministério e ainda na flor de sua juventude. Entretanto, Jesus preferiu a morte, e entregou-se ao Pai. “Faça-se comigo conforme a tua vontade”.
A essência da Fidelidade de Cristo: não consistia apenas em suportar dificuldades; mas de incorporar a obediência perfeita, o amor inabalável e a confiança absoluta no plano de Deus, mesmo diante de imenso sofrimento e sacrifício. Ele exemplificou o epítome da obediência humana, demonstrando o perfeito alinhamento de suas ações com os desejos de Deus. Sua fidelidade estava enraizada na confiança inabalável no plano de Deus, mesmo quando isso significava suportar dores e sofrimentos inimagináveis. Ele acreditava de todo o coração na bondade, na justiça e no amor de Deus, mesmo quando as circunstâncias pareciam sombrias e desesperadoras. Por sua perfeita obediência, ele se tornou o sacrifício perfeito, levando os pecados da humanidade e reconciliando-os com Deus.
A coisa mais fantástica da vida não é a cura de uma enfermidade ou a solução de um problema, mas a dependência de Deus Há um Deus em Israel, que está acima de todos os eventos, de todas as circunstâncias, de todas as provações, e devemos viver identificados com ele. Apesar de acharmos que precisamos de outras coisas além de Deus, nada mais nos é necessário. Deus é suficiente. Sua graça nos basta, nada mais precisamos, além dele mesmo, nem mesmo a saúde, quando seu plano for outro para nossa vida.
Ele nos basta, sua graça nos basta. Ele é suficiente para nossa vida. Não precisamos negociar. Elias questiona a fé de Acazias por buscar por ajuda de um deus pagão, quando o próprio Deus de Israel, Yahweh, estava disponível para ser consultado. Não agimos da mesma forma? A frase “porventura não há Deus em Israel”, serve como um lembrete da exclusividade e do poder de Deus, contrastando com a idolatria e a falta de fé que prevaleciam em Israel na época.
Ou porventura não há Deus em Israel?
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