Introdução:
O grande atrativo dos programas
midiáticos do final de ano é a “retrospectiva”. Revistas, jornais e programas
de televisão se concentram em relembrar os episódios mais marcantes do ano. É
hora de olhar para trás e considerar aquilo que foi de mais relevante, seja
isto dolorido ou não, negativo ou positivo.
Parece que no final desta
segunda carta que o apóstolo Paulo escreve a Timóteo, ele está fazendo análise
de sua própria existência e relatando suas experiências àquele que foi o seu
colega mais próximo, Timóteo. Paulo estava no final de sua carreira e tem
consciência disto: “Quanto a mim, estou
sendo já oferecido por libação, e o tempo de minha partida é chegada” (2 Tm
4.6-18). Ao completar 50 anos, John Maxwell pregou o seguinte sermão: “I’m 50,
reflecting!” (estou cinquentão, pensando...). Em tempos de transições, em horas
de crises, passagens de ano, é muito importante fazer uma retrospectiva.
Na análise de Paulo, ele faz
4 constatações e estrutura sua vida sobre 3 convicções. Constatações são
aquelas coisas percebidas por nós, que dependendo das experiências e do
temperamento das pessoas podem ser mais graves, depressivas ou mais leves;
convicções são os fundamentos e alicerces. Aconteça o que acontecer, nossa vida
precisa estar pautada em convicções, e não em sentimentos, pessoas ou
circunstâncias, caso contrário, perdemos a própria fé.
Constatações:
1. Os amigos nem sempre
ficam por perto – Principalmente em dias de tribulação. Lutero afirmou:
“O momento mais difícil da vida de um homem é a hora de sua morte, porque
nenhum amigo poderá atravessar com ele”.
Paulo demonstra isto claramente, ao escrever esta carta de uma prisão.
Ele desejava a presença de Timóteo com ele, talvez para conversar, desabafar,
orar junto. Por isto diz: “Procura vir
ter comigo depressa”(2 Tm 4.9). Já se sentiu assim, com vontade de ter
alguém por perto? Caminhando contigo? Você se sente solitário?
No texto ele cita algumas pessoas. Parece que está desapontado com
Demas: “Demas, tendo amado o presente
século, me abandonou e foi para Tessalônica”(2 Tm 4.10). Por outras razões
mais pessoais ou históricas Crescente foi para a Galácia e Tito para a Dalmácia
”(2 Tm 4.10). Pessoas passam por nossas vidas, entram e saem dela. Alguns por
motivos corretos, outros por motivos questionáveis, mas o fato é que nem sempre
nossos amigos ficam por perto.
Paulo
constata ainda que eventualmente somos literalmente desamparados. “Estás ciente de que todos os da Ásia me
abandonaram, dentre eles cito Fígelo e Hermógenes” (2 Tm 1.15). Percebemos
como ele estava precisando de gente do seu lado quando vemos sua alegria no
encontro que teve com Onesíforo, “Porque,
muitas vezes, me deu ânimo (...) e tendo chegado a Roma, me procurou
solicitamente até me encontrar” (2 Tm 1.16-17).
2.
Nosso corpo precisa de
cuidados – Paulo pede a Timóteo: “quando
vieres, traze a capa que deixei em Trôade, em casa de Carpo” (2 Tm 4.13). A
estação fria estava chegando e ele precisava encontrar meios para que não
sofresse com o desconforto que o inverno poderia trazer.
Muitas vezes sentimos que é hora de cuidar de nosso corpo. A maioria
das pessoas anda no automático, mas chega um momento em que o corpo parece
exigir determinada atenção especial e cuidado. Paulo percebe que precisa se cuidar. Ele demonstra preocupação
com a condição física também de Timóteo quando diz: “tem cuidado de ti mesmo e da
doutrina” (1 Tm 4.16). Doutrina se refere ao que ele cria, mas cuidar de si mesmo
tem a ver com o bem estar geral do corpo, da mente, das emoções. Faz uma recomendação
aparentemente esdrúxula “Não continues a beber
somente água; usa um pouco de vinho, por causa do teu estomago e das tuas frequentes
enfermidades” (1 Tm 5.23). Tudo isto demonstra como é necessário cuidar do corpo,
afinal, um corpo enfermo perde a eficiência e a capacidade de realizar suas tarefas
diárias.
3. Nossa mente precisa ser exercitada
“Quando
vieres, traze a capa (...) bem como os livros, especialmente os pergaminhos” (2
Tm 4.13). Com o passar dos anos vamos constatando a necessidade de manter a
mente ocupada, pensando em coisas boas, pensando nas verdades dos céus, nos
princípios de Deus.
Quando a mente fica desocupada, passa a imaginar coisas, ser consumida
por ansiedades e preocupações tolas. Paulo recomenda ao próprio Timóteo que se
aplique ao estudo. “Até a minha chegada,
aplica-te à leitura”(1 Tm 4.13).
Muita depressão e desânimo é um movimento de retroalimentação de
pensamentos e ideias errôneas que podem ser corrigidas na medida em que lemos a
Palavra, refletimos sobre um bom livro devocional, um bom romance. Nossa mente
não pode ficar desocupada, vazia, para não dar espaços às setas que Satanás
sempre tem lançado nela para gerar dúvidas, confundir e enganar.
4. Não consuma sua vida com opositores
Deixe isto com Deus.
Paulo relata que um homem chamado Alexandre, cuja profissão era a de latoeiro,
havia lhe causado grandes males. Em geral, situações assim consomem muito vigor
e alegria. Qual a resposta que Paulo dá a atitude deste homem? Ele o entrega a Deus.
“O Senhor lhe dará a paga segundo as suas
obras”(2 Tm 4.14).
Se pararmos cada vez que encontrarmos problemas e ficarmos remoendo o
mal que nos fizeram, não vamos avançar. Recentemente li um comentário de uma
menina que foi abusada pelo famoso cineasta Polanski, quando ela tinha 14 anos
de idade. Sua declaração me impactou: “Eu o perdoei, não por causa dele, mas
para que eu pudesse continuar vivendo”.
Não fique pensando em vingança ou
retribuição. Isto não é sua tarefa. Deixe as coisas nas mãos de Deus. “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas
daí lugar à ira de Deus, porque está escrito, A mim me pertence a vingança, eu
é que retribuirei, diz o Senhor” (Rm 12.19). Vingança é um prato que se come cru. Portanto, não fique se
lamentando com o esquecimento, incompreensão, traição, abandono, maldade dos
outros. Paulo é realista. “Na minha
primeira defesa, ninguém foi a meu favor; antes, todos me abandonaram. Que isto
não lhe seja posto em conta!” (2 Tm 4.16). Ele advoga em favor daqueles que
o abandonaram, ao invés de se remoer em amargura e ressentimento.
Após estas quatro
constatações, ele fala de três convicções que o sustentavam:
Primeiro, Ele se Fortalecia no Senhor!
Paulo sustenta sua vida em Deus. “O Senhor me assistiu e me revestiu de
forças”(2 Tm 4.17). Estava preso, sendo acusado, sentindo-se abandonado,
faltando amigos, o frio chegando, mas ele sabe onde buscar forças e assim é
tratado pelo próprio Deus. Muitas vezes os desafios são enormes, a vida se
torna complexa e pesada. Onde encontrar forças? Como não sucumbir às provocações
e perdas? Encontra sua força no próprio Deus.
Não sei se sabemos exatamente disto na
prática, porque todas as vezes em que nos sentimos sós, buscamos outros
caminhos e quase nunca o Senhor. A Bíblia nos fala que quando Davi viu sua casa
saqueada por inimigos, e seus filhos sendo levados como reféns, e os próprios amigos
o responsabilizando e o acusando pela situação que enfrentavam, ele buscou o
Senhor. O texto afirma que “Davi se
reanimou no Senhor”(1 Sm 29.6).
Existe um texto na Bíblia que ensina: “A alegria do Senhor é a nossa força”(Ne
8.10). O que significa isto? Deus tem uma alegria capaz de nos fortalecer em
tempos de angústias e solidão. Esta alegria é encorajadora e renovadora. E
nela, e não em entretenimentos, pessoas ou viagem que encontraremos a graça
necessária para viver.
Segundo, Ele não perdia seu foco
Não é muito difícil nos esquecermos do chamado de
Deus para nossas vidas. Paulo recupera seu senso de missão e vocação: “O Senhor me assistiu e me revestiu de forças,
para que, por meu intermédio, a pregação
fosse plenamente cumprida”(2 Tm 4.17). Sublinhei
propositalmente o “para que”. Paulo sabia que sua vida era um instrumento de
Deus para abençoar outros. Quando esquecemos a natureza de nosso chamado e a
razão da própria existência, perdemos o senso de propósito, sentido, missão e
vocação.
De vez em quando temos que nos perguntar
porque existimos. É comum pessoas mais idosas serem acometidas com o sentimento
de que não servem para mais nada, principalmente aquelas que lideraram e
labutaram tanto na obra do Senhor. É comum dizerem: “Não sirvo para mais nada,
minha saúde anda ruim, não tenho mais disposição”. Nesta hora precisamos
recordar que se estamos aqui nesta terra é por uma razão. Quão poderosas são as
orações daqueles que estão numa cama e enfermos, mas não param de orar pelas
novas gerações, pela liderança de sua igreja, pelo Reino de Deus. Quanto a obra
de Deus tem avançado por causa destas pessoas “sem possibilidades”, que estão orando
em favor de tantas outras e abençoando tão poderosamente o reino com suas
incessantes orações.
Terceiro, Ele contava com a proteção de Deus
“O Senhor me
livrará também de toda obra maligna e me levará salvo para o seu reino
celestial. A ele, glória pelos séculos dos séculos. Amém!” (2 Tm 4.18).
Inúmeras vezes aplico este texto a pessoas acuadas pelo inimigo, ameaçadas na
sua integridade espiritual e física pelas obras do diabo. Com este texto ainda
cito 1 Jo 4.4: “Filhinhos, vós sois de
Deus e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós
que aquele que está no mundo”. Muitas vezes nos sentimos ameaçados,
encurralados, nestas horas precisamos nos lembrar que “Aquele que nasceu de Deus, Deus o guarda e o maligno não lhe toca” (1
Jo 5.19). Eu não me encontro nas mãos das circunstâncias cegas, de um mundo
mal, de pessoas malignas, mas nas mãos de um Deus providente e bom, que me ama.
Minha esperança está no Senhor. Minha vida está sendo conduzida por Ele.
Conclusão:
Podemos ter uma retrospectiva de gratidão e
celebração, ou de desistência e amargura. A primeira nos leva a louvar a Deus,
a segunda nos leva ao desencorajamento, desânimo e morte. Ouvi certa vez uma declaração
que expressava o cansaço de um servo do Senhor. Ele dizia que “com o passar dos
anos, estava se tornando mais cínico, cético e grosso”. Este é um perigo muito
grande que corremos, de nos tornarmos amargos na nossa velhice.
O Sl 23.8 afirma: “Bondade e misericórdia me seguirão todos
os dias da minha vida”. Deus não vai caminhar comigo até a metade. Ele vai
continuar me guiando e me abençoando. Crer
na soberania de Deus é um das coisas mais confortantes e que trazem grande descanso
para as nossas almas, desde que eu não tenhamos a idéia subjacente de um Deus mal.
Deus é bom em todo o tempo. Ele dirige a história. “O Senhor me livrará também de toda obra maligna e me levará salvo para
o seu reino celestial”.