segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Lc 1.8-23 Expectativa





Introdução:

Recentemente conversei com uma pessoa que me relatou que andava visitando igrejas, buscando uma comunidade onde poderia servir ao Senhor, e no final, desanimada afirmou que estava freqüentando uma igreja, mas disse que “ia sem expectativa!”. Fiquei pensando na situação desta mulher. Não seria este um problema mais comum que imaginamos?

Existem dois graves riscos em nossa vida no tocante à área espiritual. O primeiro é a incredulidade. O segundo, O ateísmo prático.

No primeiro, vive-se distanciado das realidades de Deus. O apóstolo Paulo lembrava os cristãos que eles não mais viviam como os pagãos, “na vaidade de seus próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância (espiritual) em que vivem, pela dureza de seus corações” (Ef 4.17-18). Paulo afirma que os ímpios vivem “alheios à vida de Deus”, isto é, “naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2.12). São pessoas que vivem sem Deus. “Diz o néscio no seu coração, não há Deus!” (Sl 14.1).

No segundo, trata-se de pessoas que professam ter fé, mas vivem como se Deus não existisse, ou de pessoas que creem, mas Deus se parece muito distante para se interessar por suas vidas ou se importar com elas. Deus é algo como um amuleto, que se usa em determinados momentos, mas é algo mitológico, como dragões, anjos, duendes, sereias, que podem ser reais ou não. 98% da população brasileira afirma crer em um Deus, mas apenas 37% delas creem no poder da oração.

Certo dia Jesus estava se dirigindo à casa de um homem chamado Jairo, cuja filha estava num estado terminal, na caminhada apressada que fazia, parou e perguntou: “Quem me tocou?”. A pergunta soou um tanto estranha aos discípulos, que responderam: “Não vês que a multidão te aperta? Como dizes tu, quem me tocou”, e Jesus respondeu: “Alguém me tocou, porque de mim saiu poder”. Está claro que apenas uma pessoa, tocava em Jesus com intencionalidade e expectativa, e era a mulher hemorrágica, que havia sido curada naquele momento de uma terrível enfermidade que a afligia por 12 anos. As demais pessoas caminhavam ao lado de Cristo, mas aquela tinha expectativa de Deus. Muitos exerciam crendices, mas aquela mulher, de fato cria na possibilidade de uma cura.

O autor aos hebreus adverte os cristãos: “Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo” (Hb 3.12). Ele exorta aos cristãos, quanto ao risco de viverem com o coração incrédulo. A maior censura de Jesus aos seus discípulos se deu nesta área. Ele sempre os repreendia por causa da falta de fé ou da incredulidade. “Como sois assim, homens de pequena fé... Não temas, crê somente!”. A palavra chave para fé, nestes casos, é expectativa. Mantenha a expectativa de algo que Deus vai fazer. Isto significa manter-se nas pontas dos pés, olhando cuidadosamente para a intervenção que Deus fará.
Podemos ir à igreja, ler a palavra, orar, e ainda assim termos um coração incrédulo, sem qualquer expectativa. Peter Wagner afirma que “algumas pessoas quando oram, crêem que Deus as ouve, outras quando oram realmente crêem que Deus as ouve”. O grande problema no coração da maioria dos cristãos é a falta de expectativa. Muitos oram, sem expectativa. Muitos pregam o evangelho, sem expectativa, muitos vão à igreja, sem expectativa...

Neste texto vemos a narrativa bíblica de um homem de Deus, Zacarias, que é surpreendido por uma intervenção sobrenatural de Deus quando realiza seu ofício sacerdotal. O texto bíblico parece apontar para a realidade da alma deste pastor, que vê seu cotidiano sendo “invadido” pelo sobrenatural, e a partir deste momento, sua vida nunca mais foi a mesma.

Percebemos que a espiritualidade torna-se sem expectativa, quando a vida passa a viver no automático – observe bem a narrativa bíblica acerca da atividade de Zacarias: “Ora, aconteceu que, exercendo ele diante de Deus o sacerdócio na ordem do seu turno, coube-lhe por sorte, segundo o costume sacerdotal, entrar no santuário do Senhor, para queimar o incenso” (Lc 1.8-9). Ele não está ali porque tem expectativa da intervenção sobrenatural de Deus, assim como centenas de vezes vamos ao culto, tendo expectativa de um mover de Deus. Ele encontra-se ali por causa da “ordem do seu turno”, ele está escalado, e precisa ir. Se você é pastor, pense nisto: Quantas vezes você já foi “escalado” para conduzir o culto, sem que em seu coração tivesse nada além da compreensão de que isto é sua tarefa? Ou o ministro de música que conduz o louvor, porque hoje o seu grupo vai cantar? Ou o professor de Escola Dominical ou o líder de um pequeno grupo.

Nestes casos, a descrição da atividade de Zacarias, e a razão que o leva ao culto é bem significativa. “Coube-lhe por sorte”. Aquele dia ele tinha que exercer sua função de queimar o incenso. Muitas vezes a tarefa sacerdotal era longa, demorada e cansativa. Todos os rituais que deveriam ser praticados. Observe ainda outra frase “segundo o costume sacerdotal”. As coisas são feitas por sorteio, por causa de uma prática pastoral. Zacarias está exercendo seu papel, se Deus está presente ou não, se vai ou não manifestar-se de maneira especial naquele dia, não lhe parece ser alguma coisa tão relevante.

Fico me perguntando o que aconteceria se não tivéssemos mais os programas da igreja que desenvolvemos. Certamente isto faria muito diferença, não faria? Existem determinados comportamentos religiosos ou sociais que nos fazem falta. Quando eu não vou à igreja no domingo, sinto falta disto. Outra pergunta, porém, me vem à mente: E se Deus não estivesse presente naquele lugar, e se as orações e atos litúrgicos que desenvolvemos não tivessem de fato, conexão alguma com o Eterno, que diferença isto faria?
Eu louvo a Deus quando leio o verso seguinte: “E, durante este tempo, toda a multidão do povo, permanecia da parte de fora, orando” (Lc 1.10). Eu agradeço a Deus, porque muitas vezes não é o pastor que está com expectativa, mas a fé autentica surge da comunidade. Muitas vezes não é o “homem de fé”, que está “cheio de fé”, mas os adoradores que se aproximam do altar de Deus e permanecem zelosamente orando. Muitas vezes milagres se dão não por causa do líder, mas por causa dos corações sedentos e desejosos daqueles que se reúnem para glorificar a Deus.

Por que o estado espiritual de Zacarias se encontra assim?

Gostaria de levantar três hipóteses:

Uma questão pessoal

O texto nos diz que ele e Isabel já eram idosos (vs 18). Ela era estéril. Por muitos anos oraram desejosos por um milagre. Quantas vezes clamaram por uma intervenção de Deus. Eles queriam tanto um filho, isto era um desejo legítimo – mas Deus se calou e não lhes concedeu este favor.

Não é assim que acontece conosco? Oramos para Deus agir, e quando ele não faz, passamos a desenvolver uma espécie de dúvida sutil em nosso coração? Se Deus não ouviu antes, porque devemos esperar que ele agirá agora? O que acontece conosco quando pedimos uma benção a Deus, rogamos um milagre e ele não se dá?
Jym Cymbala, autor de fresh Wind, fresh fire, narra sua luta como pastor, indo pregar aos domingos, depois de uma semana de lutas com sua filha que se enveredara pelas drogas, e estava morando com um traficante, cheia de piercing, afastada de Deus e da família. Ele afirma que muitas vezes dirigia para sua igreja, para pregar o sermão dominical, sentindo-se absolutamente impotente para falar de milagres e da obra de Deus, vendo sua filha morrendo aos poucos. Como pregar as maravilhas de Deus em tais situações? Como inspirar fé? Como falar de um Deus de milagres se ele não opera na minha própria vida?

Muitas pessoas enfrentando grandes lutas, no meio de suas crises familiares, deprimidas, continuam fiéis, mas podem desenvolver sutilmente uma incredulidade que os afaste do Deus vivo, como procede a exortação do texto de Hebreus que anteriormente citamos. Crises pessoais podem dificultar nossas convicções e destruir nossas expectativas.

Uma questão profissional

Zacarias era sacerdote, cujo papel, descontadas as diferenças religiosas do judaísmo com o cristianismo refere-se a função de um padre ou pastor em nossos dias. Atividades religiosas, gestos litúrgicos, repetições de ritos. Com o passar do tempo, estas questões se tornam repetitivas, e a monotonia tira a inspiração. Freud afirmava que a “religião é uma neurose obsessiva compulsiva”, e do ponto de vista psicológico, ele tem toda razão. Se você não considerar a existência de um Deus que aceita seus sacrifícios, orações e ritos, o ato religioso ele é obsessivo, porque fazemos sem encontrar qualquer elemento racional no gesto. Quando imbuído de uma compreensão sobrenatural, orar, cantar, tornam-se gestos maravilhosos, mas na perspectiva atéia de Freud, ele estava certo.

É possível se tornar um religioso, e continuar realizando todos os ritos por mera formalidade.  Wayne Cordeiro relata sua experiência de um dia, fazendo jogging, perceber que seu corpo estava pifando. Teve que ser levado com urgência a um hospital e diagnosticado com um colapso emocional. Ele diz que como atleta, crê que muitos líderes espirituais ainda estão “correndo, porém mortos”, são os “walking deads” espirituais. Oram, cantam, vão à igreja, mas estão mortos espiritualmente.

Zacarias provavelmente sofre de uma doença comum entre pastores, missionários e seminaristas que é a “dessacralização do Sagrado”. Por constantemente lidar com coisas espirituais, o sobrenatural se torna natural e o milagre se torna normal. Perde-se a dimensão do Sagrado. Vê os atos litúrgicos como gestos repetitivos, lê a bíblia para preparar sermão, e assim vai seguindo sua vida no automático. Zacarias vai ao templo, “segundo o costume”, por causa de sua escala de trabalho, e não porque espera encontrar Deus. Pelo contrário, a manifestação do Sagrado lhe desestabilizou profundamente: “Vendo-o, Zacarias turbou-se, e apoderou-se dele o temor” (Lc 1.12). O Sagrado é invasivo, quebra nossa rotina, manifesta-se e desestabiliza a ordem dos rituais, e isto nos assusta grandemente.

Um fator histórico

Creio que o terceiro elemento que levou Zacarias a perder a expectativa, tem a ver com o momento histórico em que ele vive. Em determinados momentos da história do povo de Deus, vemos muitas manifestações angelicais, sonhos, visões, milagres, intervenções divinas, mas em outros momentos Deus se parece estranho e alheio. Nos dias de Samuel, a palavra de Deus afirma que “naqueles dias, a palavra de Deus era mui rara; as visões não eram frequentes” (1 Sm 3.1). Sem dúvida, Zacarias estava vivendo num destes tempos de escassez dos eventos de Deus.

Aqueles dias eram raras as manifestações de milagres. Não apenas Deus deixou de responder sua oração familiar, mas não fala mais a seu povo. Estes dias são conhecidos na história eclesiástica como “período inter testamentário”, ou período do silêncio de Deus. Não há registro de nenhum livro canônico neste período ou de manifestações proféticas. Não há mais revelação... Deus se silenciou... Longos e áridos 430 anos. Para se ter uma ideia, a Lei Áurea foi promulgada em 1888 (127 anos atrás), e a Proclamação da República em 1889 (128 anos atrás), e estes eventos estão muito longe de nossos tempos.

Nos dias de Zacarias, todos os eventos aconteciam no templo, os sacrifícios eram oferecidos, os cânticos eram feitos, as ofertas eram trazidas, as atividades religiosas estavam seguindo seu curso normal, mas Deus está silencioso. Zacarias é o primeiro homem, depois de 430 anos de silêncio, a quem Deus dirige uma palavra cujo objetivo tem a ver com o seu plano para a nação judaica e o mundo. Ele recebe a palavra antes mesmo de Maria e José.

Conclusão

Para encerrar nossa reflexão, gostaria de propor três aplicações praticas:


1.       Nunca se afaste de Deus, mesmo quando lhe parecer muito distante – Apesar de todo silêncio, Deus é um Deus presente. Estar perto de Deus significa sempre a possibilidade de experimentar um milagre. Mesmo em dias quando parece estar fazendo no automático da fé, ore para que Deus encharque seu coração com fogo e que a chama e paixão espiritual não morram em seu coração,. Suplique a Deus a misericórdia para sua vida, mas não se afaste das coisas de Deus. Como no caso de Zacarias Deus pode surpreendê-lo. Estar ao lado de Deus é “sempre um risco”. Ore para que Deus se manifeste em seu tempo e crie expectativas em seu coração.

2.       Este texto nos fala de um Deus se revelando a pessoas que não esperam mais revelação de Deus. Se este é o seu caso, lembre-se disto. Deus pode surpreendê-lo novamente. A Bíblia afirma que “tendo Deus, outrora falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos nossos pais pelos profetas, no últimos dias, nos fala por seu filho” (Hb 1.1-4), e que “Deus, nunca deixou de dar testemunho de si mesmo” (At 14.17). Natal é Emanuel, Deus conosco! Ele continua agindo, mesmo que muitas vezes se pareça estranhamento silencioso em situações provocativas.

3.       Tome cuidado com uma existência sem expectativa – Mesmo diante da explicita manifestação de Deus na sua história, Zacarias tem dificuldade em crer (Lc 1.20). O autor aos hebreus afirma que “é necessário que aquele que se aproxima de Deus, creia que ele existe, e que é galardoador daqueles que o buscam”. (Hb 11-3,6). A fé sem expectativa, não aguarda nada, não espera nada, e não recebe nada, por causa da incredulidade. Sempre há um risco de termos uma geração de “crentes com coração incrédulo”.


Apesar do evento monótono e repetitivo de sua função sacerdotal, Zacarias estava ali no templo, adorando, servindo. Ele não se afasta dos eventos sagrados. Precisamos orar para que Deus mantenha em nós a sua chama acesa, para que nosso coração nunca perca a expectativa do Sagrado.

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