Introdução:
O maior desafio da vocação cristã é o próprio
discipulado. Termo este que acho mais que apropriado no meio de tantas
confusões e nomenclaturas atuais. Quando me pergunto o que faço e digo que sou
pastor, eu sei de quantos questionamentos brotam na mente das pessoas quando eu
revelo a minha função/vocação/trabalho. Pastor é uma figura suspeita no cenário
evangélico brasileiro.
Trinta anos atrás, quando dizíamos que éramos
evangélicos, em geral o simbólico do evangélico era um uma pessoa engravatada,
mulheres de longos cabelos, e gente esquisita, que vivia propalando juízos
eternos e falando do inferno e julgamento, mas, apesar de serem “esquisitas”,
eram pessoas honestas, trabalhadoras e íntegras. O perfil hoje mudou radicalmente.
Evangélico deixou de ser visto como uma sub-cultura,
e tornou-se relativamente bem aceito, mas o grande problema é que
infelizmente perdeu também o status de integridade. Ser evangélico hoje, em
termos de caráter e reputação, não significa nada positivo.
Definir-se como um protestante, é algo
complexo: Protesta contra o que? Qual a origem e significado desta definição.
Definir-se como Reformado, um termo que me
agrada relativamente, ou calvinista, é ainda mais complexo. As pessoas não
conseguem entender o significado deste termo. E se disser que é presbiteriano,
ai fica ainda mais confuso. Até prá falar. Já ouvi de tudo: Presteriano,
prasteriano, presbisteriano... etc...é um termo quase impronunciável.
Como crente, acho muito pobre. Crente é o que
crê. Crê em que, ou em quem? Por conceituação, até o diabo é crente. Isto é o
que afirma o apóstolo Tiago: “Crês tu que
Deus é um só, fazes bem; até o diabo crê e treme” (Tg 2.13). Isto demonstra
que satanás, crê de forma mais profunda que muito crente, que apenas admite a
idéia de Deus, mas que não treme na
presença de Deus.
Então, só me resta ser discípulo. Quando me
perguntam sobre minhas convicções afirmo que sou um discípulo de Cristo. Esta definição traz algumas implicações. Jesus
afirmou: “Se permanecerdes nas minhas
palavras, sereis verdadeiramente meus discípulos” (Jo 8.31). O discípulo é
o aluno, aquele que deseja aprender de Cristo, e cuja mente se prepara para
seguir os ensinamentos que ele nos deixou. O discípulo é um seguidor de Cristo.
Ele deixa que sua mente seja moldada por Cristo.
Situando-se
no texto:
Ao lermos o texto bíblico, devemos perguntar o
que este texto tem a ver com nossa vida. Este texto está distanciado de nós, no
tempo, cultura e geografia – por cerca de 4 mil anos. Os princípios de Deus
estão aí presentes, e para desfrutar da bíblia, precisamos aprender a tirar
lições para nossas vidas.
Eis algumas perguntas apropriadas:
è Há um novo
ensinamento que devo considerar?
è Há algum pecado a
abandonar?
èPreciso orar para
praticar algum princípio deste texto lido?
è Como discípulo, como
devo responder a estas interpelações bíblicas?
è Existe alguma
promessa de Deus para ser recebida?
Através da leitura cuidadosa da bíblia, vamos
aprendendo pelos ensinamentos contidos, pelos exemplos percebidos – sejam eles
bons ou maus, e pelas promessas que nos são dadas. Este texto é repleto de
ensinamentos assim.
- Sua história
pessoal pode ser o turning point da
sua família
– olhe como o texto descreve isto. “Esta
é a história de Jacó. Tinha José dezessete anos...” (Gn 37.2)
A história é de Jacó ou de José? O texto se
propõe a falar de Jacó, mas o relato foca em José. Porquê ?
Tenho chegado à compreensão de que, muitas
vezes, a vida de uma determinada pessoa torna-se a referência para a história
dos pais e da família inteira. A história de José é a referência de Jacó. Se prestarmos atenção, não é difícil perceber
isto. Eventualmente vemos pessoas vindo de lares destruídos, mas que são
alcançadas pela graça de Deus, e a história familiar começa a mudar a partir
desta pessoa, e todos são abençoados. Ele é a primeira pessoa a se encontrar
com Deus, mas o Espírito de Deus, através de sua vida, vai fazendo as
transformações que precisam acontecer, e aos poucos percebemos como aquela vida
traz enorme diferença na história dos outros.
Recentemente o país ficou admirado da
performance do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, homem
negro e de pulso firme, que conseguiu condenar, no meio de muita oposição, o
ex-presidente da casa civil do governo Lula, José Dirceu, um dos homens mais
fortes da República. De onde vem este homem? Ele é filho de uma mulher negra,
assembleiana, crente fiel. Ali na sua casa, os princípios de virtudes e morais
foram inoculados na sua mente e consciência. Aquela mulher transformou a
história deste país com seu zelo e piedade.
- Nem todo sonho é
vazio
– precisamos tomar muito cuidado com o papel dos sonhos na espiritualidade
cristã. A bíblia está repleta de eventos transformadores quando Deus se
revelou aos homens através de seus sonhos. Deus falou muitas vezes e de
muitas maneiras, o sonho foi um destes meios que Deus usou.
José se revela um sonhador. Ele tem algumas
memórias oníricas complicadas. Numa delas, seus irmãos todos se curvavam diante
dele. Na outra, até o pai e a mãe se curvavam. O próprio Jacó o censurou porque
estava indo longe demais...
Por isto, ao lidar com os sonhos, precisamos
de uma série de cuidados especiais.
- Podemos atribuir a Deus, sonhos que são
meros frutos de nossas preocupações e do inconsciente – são os famosos
“sonhos de barriga cheia”. Se você passou o dia ou tem vivido dias de
muito stress, sua angústia pode extravasar-se em formas de sonhos. Dá para
atribuir a Deus o significado destes sonhos?
Em 2013 tive um sonho perturbador. Tão
perturbador e desafiador, que ao acordar, coloquei meu joelho em terra e orei
pedindo a Deus para que, se aquilo fosse algo vindo dele, se confirmasse. Até
hoje nada aconteceu. Eu não pude relatar este sonho às pessoas, a não ser gente
que faz parte do meu vinculo restrito. Mas ainda o trago no peito como uma
esperança. Eu o escrevi e o guardei. O que Deus vai fazer com isto? Não faço a
mínima idéia. Não sei se isto veio de Deus ou de mim, apesar de ter me
incomodado tanto.
Alguns anos atrás aconselhei uma jovem que
estava muito frustrada com Deus. Ela era solteirona e queria se casar. Esta
idéia era tão forte na sua vida, que para ela, tratava-se de uma promessa de
Deus, mas os anos se passaram e a promessa não se cumprira. Agora, indignada
com Deus, ela me disse que aquele sonho lhe havia sido dado por Deus. E quando
eu lhe perguntei se o sonho fora mesmo dado por Deus ou fazia parte do seu
desejo, diga-se de passagem, legitimo, de ter um marido, ela não soube
responder.
- Irrealidade – Sempre há o
perigo da fantasia se confundir com a verdade. Deus adverte o povo de
Israel, através do profeta Jeremias, de que homens, que se entendiam
profetas, estavam confundindo as coisas. Veja como o texto é duro, com
estas pessoas.
“Tenho
ouvido o que dizem aqueles profetas, proclamando mentiras em meu nome, dizendo:
sonhei, sonhei. Até quando sucederá isso no coração dos profetas que proclamam
só o engano do próprio coração? O profeta que tem sonho conte-o como apenas
sonho; mas aquele em quem está a minha palavra fale a minha palavra com
verdade. Que tem a palha com o trigo – diz o Senhor” (Jr 23.25,26,28).
Sublinhe a frase: “proclamam só o engano
do próprio coração”. Isto é auto engano. Eles supõem que é Deus falando,
mas estão tendo falsas impressões e falam em nome de Deus. O sonho pode ser
fruto de uma irrealidade, e não de Deus. Atribuir coisas do coração a Deus é um
grave risco.
- Sonhos, se não forem bem comunicados,
tornam-se fonte de grandes antagonismos – José é um
adolescente afoito. Ele tem 17 anos. Sua arrogância é visível e trouxe a
censura até dos pais.
Em geral, sonhadores são megalomaníacos. Não
apenas no sentido de que podem ser vitimas de coisas irreais, mas também porque
as coisas são muito utópicas. Walt Disney, teve rejeitado o seu sonho por três grandes companhias de
entretenimento da sua época. Sua visão de possibilidades parece fantasia.
Pessoas que sonham alto precisam se preparar para lidar com as críticas – e
assume de tudo. Precisa aprender a comunicar com sabedoria seus sonhos.
- Predileção por
filhos é um laço para a unidade da família – Veja quantas
vezes a idéia de que os irmãos de José o odiaram por causa da manifesta
predileção de seu pai. José se tornou objeto do ódio, e tudo isto foi
provocado pela falta de sabedoria de seu pai. Jacó comete a tolice de
comprar uma roupa de festas, uma túnica sofisticada, só para José. Como
vocês acham que os irmãos reagiriam?
José perdeu a amizade e apoio de seus irmãos
por causa da predileção explicita que seu pai demonstrou. Se você deseja manter
sua família em ordem, tome cuidado com predileções. Você pode até se
identificar mais com o temperamento de um determinado filho, mas não permita
que isto se torne uma razão de divisão e uma provocação para os demais filhos.
Filhos prediletos sempre se tornam o pivô de hostilidade e oposição em suas
casas.
- A providência de
Deus – Apesar
de todas as considerações anteriores, certamente o foco central deste
texto está na forma como Deus conduz misteriosamente a história. A vida de
José revela como Deus se move misteriosamente em nossas vidas.
Minha esposa me perguntou algum tempo atrás,
como eu distinguia Deus na minha vida, e eu, depois de uma reflexão mais
demorada, pude afirmar que para mim, a melhor forma se encontra quando eu olho
no meu passado e vejo como Deus se moveu na minha vida.
O profeta Naum afirma que Deus tem “o seu
caminho na tormenta e na tempestade”. O profeta Isaias afirma que “Deus é um
ser misterioso”.
Eventualmente não conseguimos distinguir Deus
nos eventos ordinários.
Imagine-se no lugar de José. Você seria capaz
de perceber Deus se movendo na sua vida?
Tinha uma confortável casa, amparado pelo pai
que o mimava, e agora, inescrupulosamente e de forma violenta é vendido como
escravo. O escravo não tem nome, não tem direitos, nada pode reivindicar. Vai
para um país de uma língua desconhecida, é exposto num mercado como gado e
adquirido por preço por um homem rico e poderoso na hierarquia egípcia. Ali a
bíblia diz que “o Senhor era com José”. Seria que ele percebia isto quando teve
que se ver como servidor numa casa estranha?
Por causa de suas convicções pessoais e
valores, manteve-se íntegro em cada função, e por isto foi reconhecido. Seu
caráter, no entanto, torna-se seu obstáculo, uma vez que sua patroa lhe coloca
os olhos e o deseja. Ele se esquiva dela e vai parar na cadeia. Provavelmente
apanhou muito, chegou naquela prisão humilhado e foi jogado num canto escuro
para comer o resto do resto. Alguns anos se passam ali. Depois do encontro com
o copeiro e o padeiro de Faraó, ainda se passam dois anos. “O Senhor era com
José”. Nós sabemos isto porque a Bíblia afirma que sim, mas José, naquela
condição de prisioneiro, era capaz de perceber Deus na sua história?
A verdade é que Deus está se movendo entre
nós.
Os eventos aparentemente desconectados estão
todos interligados pela soberania de Deus. Os dons e a vocação de Deus são
irrevogáveis, e nenhum dos seus planos pode ser frustrado. Deus é Deus, e
conduz a história, no decorrer dos anos, de acordo com seu plano.
Eventualmente nos vemos como um mero acidente,
mas a verdade é que precisamos aprender definitivamente que somos conduzidos
não pela força do determinismo cego, do maktub, da coincidência e do acaso, mas
pela amorosa e sábia providência de Deus que faz, a seu tempo, tudo quanto lhe
apraz.
Os eventos trágicos e inexplicáveis. O
mistério e a dor do tempo presente, as angústias e crises pessoais de hoje,
estão sendo trabalhados por um Deus que fez todas as coisas para seu
determinado fim. Sua vida está nas mãos de um Deus sábio. Deus não joga dados.
Ele não brinca com sua vida. Você não está à mercê das circunstâncias, dos
eventos desconectados, das pessoas perversas. Você está nas mãos de um Deus
gracioso e bom.
A história de José nos revela esta grande
verdade. Deus se manifesta nos eventos históricos. Deus quebranta Jose para que
seu projeto se execute na sua vida. O próprio José reconhece isto. “Vós
intentastes o mal, mas Deus transformou o mal em bem, como hoje vedes” (Gn
50.20). a intenção dos irmãos foi maligna e perversa - Deus usou isto para seus
propósitos. A atitude da mulher de Potifar foi leviana – José é envolvido numa
trama que permite que ele entre em contacto com o primeiro escalão do governo e
futuramente com Faraó. Deus faz todas as coisas perfeitas, até mesmo o mal. Sua
história não é acidental, e nem a nossa.
Sua história hoje está sendo trabalhado por um
grande artista. Somos seguidores de um carpinteiro judeu que pode pegar
madeiras tortas e transformá-las em obra prima. Sua história não é determinada
pelo acaso.
Conclusão:
Na Copa do Mundo, realizada na França, o
técnico do Brasil naquela ocasião foi Parreira. Numa entrevista ele afirmou que
a música da seleção seria a música dos titãs, cuja estrofe afirma: “O Acaso vai, me proteger, enquanto eu andar
distraído”. A música é linda! Esta afirmação é péssima. Nas mãos de quem
você estará quando estiver distraído. Do acaso? Das coincidências? Dos atos
fortuitos?
O resultado é conhecido por todos nós.
Zidane cruzou a bola na medida para Thierry
Henry, que mandou a bola para o fundo das redes do Brasil e ganhou o jogo de 1
x 0, eliminando o nosso time. É fácil perceber o que acontece quando somos
dirigidos pelo acaso.
Sua vida não está nas mãos do acaso, de forças
cegas, de coincidências – sua vida está nas mãos de um Deus, que tem o controle
de toda história. Você não sabe o que vai lhe acontecer no futuro, mas pode
estar certo de quem vai estar no seu futuro. O que interessa não é o que, mas quem.
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