domingo, 21 de junho de 2015

Ec 4.1-16 As Raízes do Pessimismo




Introdução:

O livro de Eclesiastes é um livro pessimista. Quando Salomão o escreveu estava vivendo dias de profunda desilusão e desencanto com a vida. Ele tinha se afastado de Deus, era um homem poderoso, tinha muitos bens, sexo e riqueza, mas nada disto o satisfazia. O termo vaidade que ele frequentemente cita no livre revela que as coisas que possuía não satisfaziam seu coração. A verdade é que ter mais do que ele tinha, não sustentava o que lhe faltava, afinal, mais da mesma coisa nos leva ao mesmo lugar. O famoso rei de Israel se perdera na sua história pessoal, e agora, fazendo uma retrospectiva da vida, percebeu quão vazia era, e isto o deixou amargo, descontente e pessimista. O que o levou a este lugar de tamanha desencanto?
Pelo menos três fatores devem ser considerados:

1.       Perda da referência do Sagrado – O livro dos Reis e as Crônicas dos reis de Israel mostram o quanto Salomão se desviou do caminho do Senhor (1 Rs 11.1-9). A Bíblia afirma que por causa disto “O Senhor se indignou contra Salomão, pois desviara o seu coração do Senhor, Deus de Israel, que duas vezes lhe aparecera” (1 Rs 11.9). Salomão perdeu na sua fé. Sua glória, poder e fama o desviaram do Deus vivo. Sua fé se tornou sincrética, superficial e vaga. E isto desembocou em dois sintomas graves:

  Deus distante – Em Ec 5.2 vemos uma frase que demonstra seu distanciamento de Deus. “Porque Deus está nos céus, e tu, na terra” (Ec 5.2). O uso constante do termo Elohim para Deus, revela um pouco disto. Na língua hebraica, este termo se refere ao Deus criador. O nome especial de Deus, para os judeus, era Iahweh, que era o Deus pessoal, Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Este nome mais sagrado de Deus não aparece sequer uma vez em Eclesiastes.

  Deus “desmancha prazer” – Salomão descreve Deus como alguém que usa das prerrogativas de sua divindade para forçar os homens a temê-lo. “Sei que tudo quanto Deus faz durará eternamente; nada se lhe pode acrescentar e nada lhe tirar; e isto faz Deus para que os homens temam diante dele” (Ec 3.14). Por isto Deus é descrito várias vezes como aquele que “gera desgosto” ao homem.
Estas considerações revelam como Salomão perdeu a dimensão de um Deus gracioso, que se comunica com os homens, que revela seus planos e abençoa. Ele mesmo, no inicio de sua vida, teve ricas e preciosas experiências do amor de Deus, mas posteriormente seu coração se desviou, indo atrás de outros Deuses, fazendo oferendas para terríveis divindades como Baal, Astarote e Moloque, e até mesmo construindo em Israel, templos nos quais estas entidades eram invocadas e adoradas. Salomão perdeu a referência do Eterno, e Deus tornou-se alguém distante.

2.       Perda da referência dos valores – O Segundo fator que desencadeou pessimismo em sua alma foi a perda das referências. O Salmista afirma: “Destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?” (Sl 11.3). Quando os fundamentos são retirados, os prédios desmoronam. Por ter perdido a referência do Sagrado, perdeu também a referência de princípios e valores. Salomão, sistematicamente, desobedeceu e feriu as verdades, e Deus se indignou contra ele (1 Rs 11.9). As consequências são perceptíveis na ética que ele passa a desenvolver:

  Moral Relativa – Salomão se tornou hedonista, obcecado pelo prazer. Todos os princípios epicuristas que desenvolve em Eclesiastes revelam seu desespero em busca de sentido, e seu pessimismo, tinha relação com este vazio da alma que ele chama de “vaidade”. Como vimos anteriormente a melhor tradução para esta palavra seria “vazio”, ausência de propósito. Sua moral se tornou subjetiva e pragmática. Por isto ele afirma: “Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mao de Deus” (Ec 2.24). No capítulo seguinte afirma: “pelo que vi não haver coisa melhor do que alegrar-se o homem em suas obras, porque esta será a sua recompensa; quem o fará voltar para ver o que será depois dele?” (Ec 3.22).
O que ele está afirmando é que, por não ter nada em que possa apegar-se e dar firmeza, ja que nao há “quem o fará voltar para ver o que será depois dele?”, então, porque se preocupar com ética e valores? Não foi exatamente isto que certo filósofo declarou: “Se Deus não existe, tudo é permitido?!”. Esta era a visão de Epicuro. Temos que buscar o prazer, já que todas as demais coisas são relativas. Tudo é vazio! Falta de sentido! Portanto, vamos para o carnaval.

  Justiça Relativa – Salomão também desenvolveu a visão de que certa justiça é necessária, mas não precisamos ser justos demais, afinal, sabe como é, né? A vida é feita de ambiguidades e contradições... Por que levava tao a sério? Por que deveríamos ser justos demais? “Não sejas demasiadamente justo, nem exageradamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?” (Ec 7.15). O que ele está afirmando é que ser “muito justo”, nos destrói. Um pouco de justiça é necessário, mas não pode ser muito.

  Teologia Relativa – Salomão assume uma visão estranha até mesmo sobre as questões claras na teologia judaica, como vida após a morte. É certo que a escatologia judaica (o destino dos mortos), não era tao clara quanto no Novo Testamento. Termos como Sheol e Hades eventualmente parecem vagos e confusos, no entanto, a pergunta dele revela uma visão estranha, poderíamos afirmar, até mesmo pagã, sobre o destino individual do ser humano.
Quem sabe se o folego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais para baixo, para a terra?” (Ec 3.21). O que ele está provocativamente insinuando é que, ninguém pode ter certeza de nada depois da morte, e perguntando se animais e homens possuem alguma diferença real. Salomão perdeu a segurança na fé e nas promessas de eternidade que Deus tantas vezes fez ao seu povo. Ele se encontra confuso sobre o destino eterno das pessoas.

3.       Perda do Sentido da Vida – Quando Salomão afirma “tudo é vaidade”, ele está declarando que tudo que existe na vida não tem consistência nem valor. A NVI Internacional traduz este termo como “meaningless”, isto é, ausência de sentido. Por ter se afastado de Deus sua alma perdeu o senso de transcendência. Ele sabe que Deus colocou a eternidade no coração do homem (Ec 3.8), mas sua vida se perdeu, como disse certo poeta: “Onde está a vida que perdi tentando encontrá-la?”

Veja quais suas percepções sobre a vida:

  Vida como bolha/inconsistência – Muitos anos depois de Salomão, Karl Marx em seu livro "O manifesto” fala da renovação cíclica dos modos de produção e da cultura e de todas formas de conceber o mundo. Para ele, “Tudo que é sólido desmancha no ar", ou seja, o que é real é perfeitamente passível de desmanche. O escritor americano, Berman Marshall, com tendência marxista, escreveu um livro usando esta frase de Marx, e explorando esta temática.
Apesar de Marx estar se referindo ao conjunto das relações históricas e do mercado, que era sua temática central, na verdade esta frase aponta para uma dimensão existencialista e filosófica mais séria. A vida não possui solidez, tudo é "vazio", sem sentido, como se referiu Salomão, autor de Eclesiastes. Sem dúvida é uma afirmação angustiante da alma que não encontra sentido na existência em si, como Jean Paul Sartre declarou: "A vida é um absurdo, Deus dá ordem ao absurdo, mas Deus não existe".
O núcleo central do pensamento marxista difere substancialmente da visão cristã, que fala de esperança, ou de Cristo, que afirma veio para dar vida, e vida em abundância. Jesus fala de uma realidade completamente negada por Marx. A visão marxista, desemboca no desespero e falta de sentido, já que não há solidez. A visão cristã, desemboca na esperança: A vida encontra sentido na concretude e realidade de um Deus que se auto define “Eu Sou!”.

  A vida como incerteza, provisoriedade – Costumamos afirmar que o homem moderno, não tem critérios sólidos e por isto é eclético e tolerante. Por não ter projeto de vida nem propósito spiritual, tenta satisfazer sua alma comprando e consumindo mais. Fabrica suas próprias verdades (subjetivismo) e sua ideologia é pragmática e hedonista. Sua ética se fundamenta nas vantagens e não na consciência, sua moral assume uma dimensão de neutralidade.
No entanto, ao lermos o livro de Eclesiastes, compreendemos que isto não tem a ver com uma época específica nem moderna, mas com a natureza humana. Salomão afirma que “tudo depende do tempo e do acaso” (Ec 9.11), porque os seres humanos não sabem a sua hora e vivem como peixes que se apanham na rede traiçoeira e como os passarinhos que se prendem no laço. Sobra apenas a inquietação, a incerteza e o vazio.

O que levou Salomão a este nível de pessimismo?
Neste texto de Eclesiastes 4.1-6, ele levanta três as aspectos.

A.      As contradições da existência – (Ec 4.1). Ao ver a opressão, a falta de justice, as lágrimas dos que foram oprimidos, sem que ninguém os consolasse, a violência na mão dos opressores, sem que ninguém protegesse os oprimidos, ele não consegue se organizar existencialmente.
É interessante observar que, geralmente, aqueles que são vítimas deste processo de injustiça e dominação não são os grandes formuladores destas elocubrações filosóficas, e sim os intelectuais. O existencialismo não foi construído entre os famigerados do Biafra, ou os esquecidos de Uganda, nem no meio dos abandonados e esquecidos em regiões inóspitas do norte e nordeste do Brasil, mas nos luxuosos cafés parisienses.
Quando Salomão, um abastado burguês e nobre, governava Israel, pode observar estes paradoxos da vida, e afastado e Deus, sua existência se fragmentou.
  
B.      A Tolice de acumular riqueza – Apesar dele mesmo ter buscado tanta glória, poder, fama e riqueza, encontrou-se na velhice, fazendo uma leitura em retrospectiva da vida percebendo que a ambição, a insaciabilidade por bens, não trouxe qualquer sentido para sua existência. “Isto é, um homem sem ninguém, que não tem filho nem irmã; contudo, não cessa de trabalhar, e seus olhos não se fartam de riquezas; e não diz: Para quem trabalho eu, se nego à minha alma os bens da vida? Também isto é vaidade e enfadonho trabalho” (Ec 4.8).
Salomão afirma: “Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas” (Ec 2.10).
Voce percebe o cinismo de suas palavras? “Eu me alegrava com todas as minhas fadigas”. A que ele se refere? Às suas conquistas, opulência e glamour de sua existência. Lá estava Salomão, bebendo os finos vinhos, vivendo uma vida de rei, comendo os finos manjares no meio de uma população pobre, mas não encontrando sentido para sua vida e deparando-se com o vazio de sua própria alma.
Este é o mesmo sentimento de vacuidade, cinismo e pessimismo expresso por Clarice Lispector. “.. Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda”. [1]

C.      A falta de propósito da vida – Na sua observação dos fatos “debaixo do sol”, Salomão não consegue ver diferença sequer entre a consistência de vida de um ser humano e de um animal. “Disse ainda comigo: é por causa dos filhos dos homens, para que Deus os prove, e eles vejam, que são em si mesmos como animais. Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como morre um, assim morre o outro, todos tem o mesmo folego de vida e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão. Quem sabe se o folego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e a dos animais para baixo, para a terra?” (Ec 3.18-21).
No final de Eclesiastes, ele parece apontar para uma dimensão de esperança e vida eterna, ao afirmar: “...e o pó volte à terra, como o era, e o espirito volte a Deus, que o deu” (Ec 12.7). Neste texto final ele aponta para a transcendência humana, para uma visão de eternidade, mas no texto de Eclesiastes relatado, ele parece questionar esta diferenciação entre animal e homem. Isto significa, perda da dimensão do eterno.
Esta é a visão secularista que você encontrará em colegas de trabalho e pessoas que você ama. Muitas delas, absolutamente confusas na sua espiritualidade, no propósito e sentido da vida, no senso de valor, acreditando que animais e homens são apenas “névoa”, não existe nada depois da vida.
A verdade, porém,  é que animais não possuem o mesmo fôlego de vida de um ser humano, porque apesar de terem vida, não possuem transcendência. Deus criou o ser humano para ser sua imagem e semelhança, e isto inclui sua espiritualidade. Só o ser humano pode adorar espontaneamente a Deus ou rejeitá-lo. O animal possui alma vivente, fôlego de vida, mas não possui alma, nem espiritualidade. Animais não vão para o mesmo lugar, porque não existe céu nem inferno dos cachorros, gatos e leões – eles apenas vivem.

Perigos do Pessimismo
Por uma questão didática, gostaríamos de refletir sobre três riscos que o pessimismo traz à alma humana:

1.       Cinismo – Pelo que tenho por mais felizes os que já morreram, mais do que os que ainda vivem” (Ec 4.2). Se a vida não tem proposito, sentido e valor, por que viver?
Alguns anos atrás conversava com um homem que no meio de algumas crises existenciais afirmou que estava ficando mais velho e se tornando cínico, cético e grosso. Isto é muito perigoso! O pessimismo pode nos levar ao cinismo, ao ceticismo e à grosseria. Contudo, este não é o caminho da espiritualidade cristã.
O cinismo amargura a alma, ou reflete a alma amargurada. O cinismo perde o prazer nas coisas que vale a pena. O cínico apenas zomba, não crê.

2.       Ceticismo – Salomão se torna cético em relação às suas próprias convicções. Aquilo que lhe era claro torna-se confuso. “E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também isto é vaidade” (Ec 2.19). Sua dúvida está relacionada à coisas espirituais. “Quem sabe se o folego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais para baixo, para a terra?” (Ec 3.21). Ele não consegue saber o destino do homem, da alma, da eternidade.
Você já deve ter se deparado com pessoas vivendo em situações semelhantes? Elas perguntam ironicamente: “Quem sabe?” Esta indiferenciação trará reflexos na mente de Salomão acerca do futuro do justo e do perverso (Ec 9.2). Isto mostra como a sua compreensão de sobrenaturalidade se perde. Pierre Teilhard de Chardin afirmou: “Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana." Salomão perdeu a simplicidade de sua fé, e a alegria de uma alma encontrando prazer na adoração.
O senso do eterno está presente no coração do homem temente a Deus, afinal, o próprio Salomão que afirma: “Deus pôs a eternidade no coração do homem” (Ec 3.8)
O pessimismo gera ceticismo, descrença, desesperança. Salomão ignora toda a tradição judaica sobre a eternidade (Jó 19.25-27; Sl 23.8), e contradiz todo pensamento cristão sobre a vida eternal (Jo 14.1-3; 2 Co 5.1-2).

3. Epicurismo – Por ter frágeis pressupostos teológicos, a ética se torna frágil (Ec 3.22). Teologia antecede ética; Filosofia de vida determina moral. Salomão perdeu suas referências de dues, e seu comportamento mostra os resultados.
Assistindo a uma reportagem sobre a passeata gay em São Paulo, via a seguinte declaração: “Aqui não há preconceito, cada um faz segundo tem vontade de fazer. Tudo é bom, tudo é alegria!”.
Este é o pensamento epicurista. “Comamos e bebamos, que amanhã morreremos”.
Paulo afirma que antes de sermos resgatados dos nossos delitos e pecados, andávamos “Segundo as inclinações da carne e do pensamento, e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais” (Ef 2.3).

Conclusão:
As raízes do pessimismo estão na falta de fé e incredulidade. Brotam depois de nos afastarmos de Deus. Uma pessoa sem fé está destinada ao cinismo e ao pessimismo. Como lidar com todas as contradições da vida se isto tudo termina num funeral? Se a vida não é mais do que isto, como manter uma vida de confiança?
Jesus afirmou: “eu vim para que tenham vida, e vida em abundancia”. Ele percebia que os homens de seu tempo andavam sem direção, como ovelhas sem pastor. Ele via seus contemporâneos vivendo vazios, sem razão, e então, afirma que existe algo alem deste mero fato de viver, de contar os dias, de ganhar dinheiro. É isto que ele propõe àqueles que resolvem segui-lo. Uma vida de sentido, propósito, abundância de sentido e valor.
Você é convidado a vir participar desta vida em Cristo. Ele faz esta oferta de amor para sua vida. Você gostaria de encontrar esta vida? De conhecer o que Jesus estava oferecendo? De encontrar alegria, paz e propósito?
Ele afirma ainda: “Todo o que vem a mim, de maneira alguma lançarei fora”. É este modelo de vida que ele está oferecendo. Existe algo além do mero pessimismo, cinismo e epicurismo. Existe uma vida em abundância.




[1] Clarice Lispector LISPECTOR, C. A Paixão Segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Ec 5.1-12 A Vaidade da Riqueza



Introdução:

Poucos homens são tão habilitados a falarem sobre a frustração e o vazio da riqueza quanto Salomão, isto porque, ele sempre teve todas as coisas no superlativo: “Empreendi grandes obras, edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas. Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei arvores frutíferas de toda espécie. Fiz para mim açudes para regar com eles o bosque em que reverdeciam as arvores. Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possui bois e ovelhas, mais do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém. Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias, provi-me de cantores e cantoras, e das delícias dos filhos dos homens:  mulheres e mulheres” (Ec 2.4-8).

No meio de todos sua prosperidade, ele faz um relato pessimista e triste sobre a a futilidade da riqueza (5.9; 6.12). Todo este texto analisa o vazio da riqueza. Atkins dá a este parágrafo o titulo de "a multiplicação da ansiedade com a possessão".

Dinheiro é um ídolo, age como água do mar. A regra número um para um náufrago no mar é não beber sua água, porque ela traz alucinação se a bebermos e provoca ainda mais sede.

I.  Os riscos da riqueza:

1. Insaciabilidade: Ter os bens sem ser satisfeito por eles – “Quem ama o dinheiro jamais dele se farta; e quem ama a abundancia nunca se farta da renda; também isto é vaidade” (Ec 5.10). A pessoa pode ter muito mas não  se fartar. Aqui temos a descrição de alguém que não se realiza, que sente sede mesmo tendo bebido água fartamente. O amor ao dinheiro nunca nos permite dizer: “É bastante!”. Há um suposto relato sobre a vida do bilionário Rockefeller, que ao se tornar o homem mais rico do mundo alguém lhe perguntou quanto dinheiro a mais ele queria, e ele teria respondido: “Só um pouquinho a mais!”.

2. Quem aumenta riqueza aumenta responsabilidade – “Onde os bens se multiplicam, também se multiplicam os que deles comem; que mais proveito, pois, tem os seus donos do que os verem com seus olhos?” (Ec 5.11). Os cuidados  se ampliam, e pode acontecer algo terrível: o único prazer de quem possui torna-se o de ver os bens, sem poder desfrutá-los.
Se o homem que possui bens consegue olhar para esta situação e se perceber como alguém que pode ser bencao para outros, isto se torna positivo, mas se entender que se trata de exploração e canseira, afinal, ele trabalha e outros desfrutam, isto pode ser tornar uma fonte de irritação.

3. Riqueza pode se tornar fonte de angústia, ao invés de gerar alegria – Doce é o sono do trabalhado, quer coma pouco, quer muito, mas a fartura do rico não o deixa dormir” (Ec 5.12). Este pode ser o tragico resultado dos bens: ao invés de gerar tranquilidade, gera insônia. O trabalhador pode dormir sem ansiedade, mas o rico perde o sono com facilidade,  porque  o seu coração está com seu tesouro. Neste caso, a riqueza rouba a vida, já que “a fartura do rico não o deixa dormir”. Salomao afirma ainda que as riquezas dos seus donos podem ser guardadas para seu próprio dano.

4. O perigo constante do fracassoE, se tais riquezas se perdem por qualquer má ventura, ao filho que gerou nada lhe fica na mão" (Ec 5.14). Quem pode garantir a posse perpétua de um bem? As calamidades, a má aventura, a variação cambial, a queda no preço das ações, a desvalorização do dinheiro, roubo, cataclismas e  tragédias, tudo isto pode mudar a situação financeira de uma pessoa de uma hora para outra.

5) A transitoriedade dos bens “Como saiu do ventre de sua mãe, assim nu voltará, indo-se como veio; e do seu trabalho nada poderá levar consigo” (Ec 5.15). Esta é a verdade. Nada pode ser levado na morte, nada do que adquirir em vida será utilizado depois de nossa partida. Perguntaram a um advogado de um rico homem quanto de dinheiro ele havia deixado, e ele respondeu a todos com uma simples resposta: tudo!

6.  Amontoar bens sem ser capaz de desfrutá-lo – “Também isto é grave mal; precisamente como veio, assim ele vai; e que proveito lhe vem de haver trabalhado para o vento? Nas trevas, comeu em todos os seus dias, com muito enfado, com enfermidades e indignação” (Ec 5.16,17). “Há um mal que vi debaixo do sol e que pesa sobre os homens: o homem a quem Deus conferiu riquezas, bens e honra, e nada lhe falta de tudo quanto sua alma deseja, mas Deus não lhe concede que disso coma; antes, o estranho o come; também isto é vaidade e grave aflição” (Ec 6.2).


II. Quando a riqueza adquire sentido?
  1. Quando não estabelecemos uma relação afetiva com o dinheiro – Quando ele me serve, e não me torno escravizado aos bens que possuo. Quando não "amamos" o dinheiro (Ec 5.10). O amor ao dinheiro nos torna servos dele. “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males (1Tm 6.10) e pode se transformar em um ídolo para nossa vida. Quem ama o dinheiro não se farta porque não pode dispor do mesmo. A Bíblia diz que “O espírito de ganância tira a vida de quem o possui” (Pv 1.19). Quando não temos obsessão em ter apenas para ver (Ec 5.11), e o nosso prazer não está em amontoar e ajuntar, mas em desfrutá-lo (Pv 30.8,9).

  1. Quando não ficamos obcecados pelo trabalho, com prejuízo físico, canseiras e irritações só para adquirir bens transitórios (Ec 5.16, 17). A expressão "nas trevas comeu" revela a miséria que acompanha a pessoa que vive obcecado pela riqueza, perdendo os seus dias, a razão de viver (vive enfadado), a saúde (vive cheio de enfermidades) e sua paz. A septuaginta afirma que ele vive sempre “irritadiço”.

  1. Quando desfrutamos consciente e agradavelmente dos bens resultantes do trabalho: “Eis o que eu vi: boa e bela coisa é comer e beber e gozar cada um do bem de todo o seu trabalho, com que se afadigou debaixo do sol, durante os poucos dias da vida que Deus lhe deu; porque esta é a sua porção” (Ec 5.18).

  1. Quando o dinheiro vem acompanhado com a benção de Deus – “Quanto ao homem a quem Deus conferiu riquezas e bens e lhe deu poder para deles comer, e receber a sua porção, e gozar do seu trabalho, isto é dom de Deus” (Ec 5.19). O v.8 fala de riquezas obtidas pela opressão e injustiça em detrimento do pobre. A riqueza pode ser uma benção de Deus quando podemos comer, receber a porção e gozar do trabalho. Não adianta ter comida e não ter saúde para comer, ter ricas camas, mas não ter sono; ter bens, mas não desfrutá-los. Ele é benção quando Deus enche o nosso coração de alegria com o que Ele nos dá (Ec 5.20). O importante não e o quanto você tem, mas o sentido que o que você encontra naquilo que tem. Desfrutar o que se tem com moderação e contentamento é dom de Deus.

  1. Quando Deus é glorificado através dos bens – Dinheiro na bíblia não é um poder neutro. Ele é capaz de gerar vida ou morte. Quantas obras missionárias já foram edificadas no mundo, por causa da sensibilidade das pessoas em lidar com o dinheiro. Quantos hospitais, escolas, agencias de misericórdia, creches e orfanatos foram construídos com recursos de pessoas abastadas que resolveram abençoar outras vidas. Quantos templos e obras missionárias foram e tem sido sustentados por pessoas que viram na sua capacidade de ganhar dinheiro, a possibilidade de abençoar vidas? Dinheiro a serviço do reino, dinheiro a serviço do rei. Deus tem sido glorificado nos seus recursos?

Conclusão: Uma agenda positiva
Em todos estes casos, nossos recursos se tornam uma agenda positiva do reino. Isto é dom de Deus. Trabalho e bens precisam desembocar em alegria (Ec 4.20). Se você apenas se mata, se afadiga, adoece e se irrita com seus bens, você está numa armadilha idolátrica.

Deus lhe deu bens para “encher seu coração de alegria”, para poder desfrutar de sua bencao (Ec 4.19), para abençoar outras vidas e para servir (Ef 4.28,29).  Ter e não desfrutar é uma maldição 9Ec 6.1-2).

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Dt 6.10-25 Desafios de um novo tempo




Introdução:

Estas palavras foram proferidas no portão da Terra prometida. Moisés estava na Transjordânia, no deserto de Arabá  (Dt 1.1), e estava tentando fixar a Lei no coração do povo de Israel. O nome “Deuteronômio”, o quinto livro da Torah (livros da lei), na verdade significa “repetição da Lei”. Como sabemos, Moisés não entrou na terra prometida, mas a contemplou do monte Pisga (Dt 3.27). Seu discurso é apaixonado, de um líder que fala com o coração de quem gostaria de entrar (Dt 4.1).
Este livro, especialmente este texto, reflete a preocupação de Moisés de que o povo de Israel, que ele liderou por 40 anos, uma vez dentro da terra prometida, já sem a tensão das guerras e sem uma liderança forte, perdesse sua identidade, e se afastasse do caminho do seu Deus, tornando-se como o povo da terra de Canaã. Por isto ele enfatiza a Lei. Todos estes mandamentos são repetidos para serem fixados no coração do povo e assim observados.

O perigo que o povo de Israel enfrentou, tem sido sempre o perigo da Igreja de Deus no decorrer da história. A perda da identidade. Moisés percebia que o contato com outra cultura, as facilidades e riquezas que adviriam de um prospero país, pudesse impactar o povo de Israel, Se isto foi verdade naquela época imagine hoje quando os valores encontram-se tão fragilizados.
Jacques Ellul afirma: “A Igreja hoje, já não interpreta o certo e o errado para a sociedade. A Igreja não é convidada a desaparecer, mas somente a ocupar um espaço no anfiteatro da sociedade”. (The new demons). Ricardo Gondim afirmou: “Quando uma sociedade julga a Igreja psicologicamente útil mas não verdadeiramente real, ficamos restritos a ser, apenas o confeito do bolo da vida. Damos beleza, adoçamos, mas não somos essenciais na receita” e Rubem Amorese completa esta visão afirmando: “O mundo mudou mais nos últimos 40 anos que em 40.000 anos anteriores”.
Todas estas advertências acima mostram que estamos vivendo dias de perigo. Estamos lidando com realidades novas, novos conceitos, tempo novo, mundo novo. Ecoa na nossa mente a afirmação de Tolkien em “A Sociedade dos anéis” afirmando: “O tempo está mudando”.

O que fazer diante de tantos desafios?
Analisando o texto, encontramos algumas semelhanças entre aquela terra e o mundo atual:
·         Era a terra pela qual anelaram os ancestrais - vs. 10. Nossos pais e avós também sonharam com um mundo com as características do nosso:
à         Comunicação mais acessível
à         Medicina mais avançada;
à         Maiores possibilidades para os oprimidos, desprivilegiados, discriminados: negros, mulheres, etc.
à         Transporte mais veloz, rápido e eficaz
Isto nos traz uma profunda similaridade conosco. Moisés afirma que isto era resultado da graça de Deus - vs.11

Quais são os perigos do conforto, bem estar e segurança?

1. Nos encantarmos com as novidades da terra e nos esquecermos de Deus - 10-12
-As bençãos da nova terra eram imensas, todavia elas poderiam servir-lhes de tentação e fazê-los esquecerem-se de Deus.
*         As facilidades da nova vida podem levar-nos a relaxar a disciplina;
*         A liberdade da nova terra nada parecia com o Egito, tempos de opressão, escravidão e angústia

Em dias de bonança e de conforto, de riquezas e bens em abundância, corremos o risco de:

a)       Desprezo da vida devocional - Bíblia e oração;
b)       Perda das referências e absolutos - Cada um tem a verdade para si (subjetivismo, relativismo, pluralismo e sincretismo)
c)       Afirmação social - Não lutamos mais pelas necessidades, mas desejos. Criamos necessidades e aspiramos por elas.
d)      Relacionamentos superficiais - Falta de amizades profundas. Amor líquido.
e)       Imediatismo - Geração micro ondas e fast-food.
f)        Quebra de valores familiares – Muitos pais e mães provendo, buscando um estilo de vida mais sofisticado, mas poucos tempo tempo para nutrir e cuidar. No desejo de uma vida mais confortável saímos desesperadamente para o mercado de trabalho e nos esquecemos dos afetos.
g)       Substituição da presença pelos presentes. Nossos filhos estão cheios de coisas, entulhados de roupas e brinquedos caros, mas não tem a presença do pai e da mãe.
h)      Crentes, sem vínculos comunitários. Como uma celebre frase em inglês afirma “Believers, but not belongers”. Crentes, sim; mas sem engajamento com uma igreja local, desenvolvendo uma fé virtual, mística e supersticiosa.

2. Adotarmos um estilo de vida que aborrece a Deus – (Dt 6.13-19). Este é o segundo risco que   Moisés percebe. Ele tinha preocupação que o povo de Deus adotasse um estilo de vida dos habitantes de Canaã e que aquilo trouxesse a ira de Deus sobre eles. Como?
a)       Praticando uma adoração politeísta - Adultério espiritual - 13-14
b)       Andando nos mesmos erros de seus pais – Murmurando e reclamando contra Deus - vs. 16
c)       Não guardando os mandamentos do Senhor - vs.17
d)      Abrindo mão da preocupação em agradar a Deus - vs.18

Todas estas preocupações são extremamente atuais em nossos dias.
¨       Talvez não adoremos ídolos da madeira e barro, mas adoramos a profissão, entronizamos o lazer, endeusamos as posses e entretenimentos;
¨       Vivemos uma vida de murmuração e ingratidão - salário, família, Igreja.
¨       Pouquíssimas diferenças são notadas entre o crente e o incrédulo: desistimos de influenciar e aceitamos a influência do mundo: na moda, negócios, soberba, relacionamentos, moral, etc.

Como nos imunizarmos?
Percebendo todos estes riscos, Moisés estabelece uma liturgia de vida para o povo de Israel, que consistia em se proteger contra a tentação do conforto e bem estar neste novo mundo.

  1. Vigilância pessoal –Moisés apela ao povo: “Guarda-te, para que não esqueças o Senhor, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão” (Dt 6.12). Precisamos estar atentos porque o risco é real, não podemos nos descuidar. C.H. Spurgeon afirmou: “A espada do julgamento deve dirigir-se primeiramente a nós”. D.L. Moody faz alerta semelhante: “Gosto das pessoas que pedem orações por si mesmas, é onde em geral, são mais necessárias”. (Em resposta a alguém que em uma reunião, após tantos pedidos dos presentes por outros, pediu para que orassem por si mesmos).
A exortação Paulina se torna extremamente relevante aos nossos dias: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Continua nestes deveres; porque, fazendo assim, salvarás a ti mesmo como aos teus ouvintes” (1 Tm 4.16).

  1. Comprometimento com a Palavra do Senhor – “Diligentemente, guardarás os mandamentos do Senhor, teu Deus, e os seus testemunhos, e os estatutos que te ordenou” (Dt 6.17). Não apenas guardar de forma displicente e descuidada, mas ser diligente na obediência. Eventualmente somos relaxados e desatentos, e precisamos nos lembrar que o abandono da Palavra do Senhor é sempre o princípio da queda do povo de Deus.
Quando se está em uma rodovia, a garantia de uma viagem segura, passa pela obediência as placas de sinalização. Os mandamentos dados por Deus são assim também: “Guardo no meu coração as tuas palavras para não pecar contra ti” (Sl 119.11).

Quais os resultados de conservarmos nossa identidade?

  1. Impacto na próxima geração – “Quando teu filho, no futuro, te perguntar, dizendo: Que significam os testemunhos, e estatutos, e juízos que o Senhor, nosso Deus, vos ordenou? Então, dirás a teu filho: Éramos servos de Faraó, no Egito; porém o Senhor de lá nos tirou com poderosa mão” (Dt 6.20-21). A próxima geração precisa saber da nossa identidade em Deus, a que povo pertencemos.
Lamentavelmente isto não aconteceu. Logo após a morte de Josue, a Bíblia diz: “Foi também congregada a seus pais toda aquela geração; e outra geração após eles se levantou, que não conhecia o Senhor, nem tampouco as obra que fizera a Israel” (Jz 2.10). De uma geração para outra, a identidade do povo de Deus se perdeu. E estes filhos se esqueceram do Senhor e serviram a Baal e Astarote (Jz 2.13).
Nossa identidade precisa estar clara em nós, para que sejamos capazes de comunicar aos nossos filhos.

  1. Continuidade das bençãos – “Será por nós, justiça, quando tivemos cuidado de cumprir todos estes mandamentos perante o Senhor, nosso Deus, como nos tem ordenado” (Dt 6.25)
Deus não tem compromisso com infidelidade.
A infidelidade traz correção, disciplina, impede as bençãos sobre nossas vidas.
Existe um cântico que diz: “Eu não correrei atrás de bençãos, sei que elas vão me alcançar”. Muitas vezes estamos preocupados com as bençãos de Deus, quando deveríamos nos preocupar com nossa fidelidade. Deus sempre abençoou seu povo. Ficamos obcecados com as bençãos de Deus e facilmente nos esquecemos do Deus da benção. Nunca nos deveríamos nos preocupar com provisões ou qualquer outro cuidado, porque Deus sabe do que necessitamos antes que lho peçamos. Deveríamos, sim, estar preocupados com nossa fidelidade.

Conclusão
O Dr. D.M.Lloyd Jones certa vez afirmou:
“Aquilo que a Igreja mais necessita, não é organizar mais campanhas de evangelização a fim de atrair pessoas que estão do lado de fora, mas começar ela mesma a viver a vida cristã”.
Este princípio aplica bem à nossa vida.

Deus é fiel!

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Ec 2.18-26 Trabalho



Introdução:

Como está o seu trabalho: Monótono? Cansativo? Exploratório? Repetitivo? Alguns dias atrás conversava com um rapaz que está começando a sua vida profissional, que me disse em tom de desabafo: “Estou pronto para aposentar!”
Não faz muitos dias que conversei com minha esposa sobre este negócio de “parar as atividades”. Justificava minhas idéias dizendo que desde os 17 anos estou envolvido com ministério, e agora, aos 53 anos, depois 36 anos de trabalho, sinto que o fôlego vai diminuindo consideravelmente. Só de ordenação ao pastorado já são 32 anos... E ela ficou insistindo comigo de que estou muito jovem, e que é cedo para pensar em aposentadoria. Infelizmente não chegamos a um acordo sobre o assunto...
Meu amigo e diácono da igreja, Batista Lacerda, me provocou contando a seguinte estória:
Dos 0-10 anos: Brinque o máximo que puder
Dos 10-20: Estude o máximo que puder
Dos 20-30: Aperfeiçoe o máximo que puder
Dos 30-40 anos: Ganhe o máximo de dinheiro que puder
Dos 40-50: Lidere o máximo que puder
Dos 50 em diante: Vá saindo de mansinho, o máximo que puder.

Afinal, “trabalhar nunca matou ninguém, mas porque se arriscar?”

Por que o trabalho facilmente perde o sentido?
O pregador afirma neste texto: “Aborreci todo o meu trabalho?”
Por que isto nos acontece?

  1. O trabalho perde o sentido, quando não encontramos sentido maior, ou significado, naquilo que fazemos – Serviços meramente repetitivos e monótonos levam as pessoas a se aposentarem na hora em que podem: Isto inclui bombeiros, encanadores, pedreiros, metalúrgicos, etc. Isto tem acontecido também com serviços desgastantes como professor e funções que exigem muita adrenalina como juízes e afins.
É muito comum também quando o seu trabalho é apenas um meio de sobrevivência, e não há uma concepção de vocação e chamado embutido nele. Por isto, "a questão não é "quanto esta pessoa trabalha? a questão é: quanto esta pessoa realiza?"  (Pear James).
Quando se perde o significado do que se faz, os motivos tornam-se superficiais, até mesmo ganhar dinheiro deixa de ser importante. Por isto, o fator motivacional do trabalho é o entusiasmo. Embora dinheiro seja importante, ele não é definitivo para a vida.
Paul Steves é professor no Regente College, em Vancouver, e antes de ser convidado para assumir sua cadeira de teologia e espiritualidade, foi pastor, e posteriormente, construtor de casas. Ele afirma que sua crise inicial quando saiu do pastorado para se tornar empresário, estava ligado ao chamado: “Isto é um trabalho sagrado? Glorifica a Deus?”
O trabalho deixa de ter significado quando é feito apenas com a intenção de lucro. Eis como Salomão descreve suas crises existenciais:

  1. Ele vê que vai trabalhar para produzir riqueza para os outros – “Porque há homem cujo trabalho é feito com sabedoria, ciência e destreza; contudo deixará o seu ganho como porção a quem por ele não se esforçou: também isto é vaidade e grande mal” (Ec 2.21). No vs 18 afirma ainda que “o seu ganho eu o havia de deixar a quem viesse depois de mim”. Em outras palavras, vai trabalhar para outros.
Um episódio me chamou a atenção sobre este assunto: uma amiga nossa dizia que descobriu que seu marido, que estava ganhando um bom dinheiro, não gostava nem dela, nem dos filhos, mas da nora e genro que viriam, porque estava ganhando para acumular. Esta é a sensação pesada que Salomão expõe neste texto: Vai trabalhar para enriquecer outros.

  1. Ele vê o trabalho como fadiga, não como realização – Por isto afirma que seu trabalho era “o ganho de minhas fadigas” (Ec 2.19).
É certo que trabalho tem esta dimensão do labor, do suor, da perseverança e vontade, mas trabalho também precisa encontrar a dimensão da realização enquanto pessoa. A Sociologia do trabalho ensina que o homem só pode exprimir-se e expandir-se na coletividade em que exerce sua atividade profissional.
Estava conversando com alguém da família, cuja idade está rondando os 70 anos. Ele possui uma micro empresa com cerca de 30 funcionários, prestando serviço ao governo. Lidar como prestador de serviços não é algo fácil, e administrar gente exige também outra dose muito grande de habilidade e tenacidade. Sua empresa poderia facilmente ser vendida por algo em torno de 1.5 milhão de dólares, que aplicados no mercado financeiro, poderia lhe render fácil algo em torno de R$ 30 mil reais. Não é algo para se jogar fora. Quando lhe perguntei se isto não passava pela sua cabeça ele disse que sim, mas que ficava preocupado com seus funcionários, afinal de contas, seriam 30 familias que seriam afetadas.
Creio que este empresário cristão estava vislumbrando no que fazia, algo além de ganhar dinheiro: Estava considerando o beneficio social daquilo que fazia.
O autor de Eclesiastes não conseguia perceber esta dimensão, por isto afirmou que o desespero nesta linha de raciocínio sobre o trabalho, era a ponta final (Ec 2.20). desespero é o contrario de significado e esperança. Sem esta visão do trabalho, ele  se torna algo monótono e vazio.

  1. O trabalho se torna vazio, quando o coração e a vida também encontram-se vazios. O autor de Eclesiastes está vivendo neste paradigma da falta de sentido. Tudo lhe parecia vaidade e correr atrás do vento, afinal “todos os dias são dores” (Ec 2.23). Por esta razão,  todas as demais coisas se tornam assim vazias, afinal, para o amargo, todos os dias são maus.
Em última instância, o problema não é o que você faz, mas como você tem vivido e interpretado sua vida.
Bill Gaither conta que seu pai foi funcionário de uma mesma empresa por 37 anos. Era um metalúrgico. Acordava cedo, pegava seu cartão, colocava na roupa, e fazia a mesma rotina, sem reclamar, nem murmurar. Com o seu trabalho, criou toda família, servindo sua igreja local, sustentando seus filhos, ajudando os outros. Apesar de ser um trabalho tão simples, ele havia encontrado sentido maior na vocação que tinha como filho de Deus.
Tenho discutido isto com minha esposa. Quando as coisas se tornam pesadas, cansativas, ou as exigências se acumulam, pergunto a mim mesmo: “Mudar de cidade?”, “ganhar mais?”, “providenciar uma nova função?”. E a resposta que encontro é que pepino de horta nova, não muda o gosto por ser produzido em terra diferente. Continua sendo pepino. Muitas vezes, o desejo de mudança tem a ver com o coração insatisfeito que acredita que encontrará sentido fazendo algo que seja diferente. Nestes casos, podemos mudar de ar e de geografia, mas se nosso coração continuar vazio, todas as coisas que fizermos serão canseira e enfado.

  1. O trabalho tem que encontrar sua expressão lúdica – Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto vi também que isto vem da mão de Deus” (Ec 2.24). Existe na vida este elemento hedonista que precisa ser recuperado. Precisamos encontrar prazer nas coisas que fazemos.
Poucas pessoas encontram espaço nas suas vidas para um hedonismo santo. Fazer as coisas com prazer.
Certo rapaz estava enfrentando dias de muita tensão na sua casa quando me procurou para falar que seu casamento estava ruindo, o que de fato se consumou algum tempo depois. Ele reclamava dizendo: “Não sei porque minha esposa quer se separar de mim. Minha vida é da casa para o trabalho, do trabalho para a casa”. Naquela hora entendi porque a sua esposa o estava deixando. Pode existir uma vida mais monótona que esta?
Na parábola do Filho prodigo, observamos que o filho obediente, reclama também de sua vida sem sentido e prazer. “Nunca me deste um cabrito para alegrar-me”. E o pai lhe disse. Você nunca fez isto porque nunca quis. Tudo que é meu é seu. Esta atitude do justo amargurado é muito comum. Do homem honesto, mas de vida sem alegria e prazer. Uma das coisas boas que o trabalho pode nos dar é conforto, bem estar, alegria, celebração. Precisamos resgatar esta dimensão do trabalho.
Uma das boas sínteses sobre o uso de dinheiro que encontrei são sugeridas por Charles Stanley:
Ganhe honestamente
Aplique sabiamente
Doe generosamente
Desfrute abundantemente.

Veja que Salomão afirma que o lúdico, o prazer, está associado àquilo que Deus é. “Isto vem das mãos de Deus...” (Ec 2.24).

  1. Não associe trabalho ao pecado – O autor de Eclesiastes comete este grave equivoco. “Porque Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada: mas ao pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus. Também isto é vaidade e correr atrás do vento” (Ec 2.26).
Pessoas que associam trabalho a algo ruim, ou castigo de Deus, vão enfrentar a questão de forma muito angustiante.
Antes do pecado, Adão e Eva tinham funções no Éden, foram ali colocados para cuidar da natureza criada por Deus, e nomear os animais. Quando associamos trabalho a pecado, o fazemos sempre com o sentimento de peso e condenação.

Conclusão:
Paul Steves[1] dá algumas diretrizes para a questão do trabalho:

i.                    Trabalho é um chamado para construir uma comunidade na terra - Vivenciá-la, construí-la. Faz parte do “mandato cultural” que Deus deu ao homem. Trabalho é uma co-criação, a vocação de expandir o potencial da criação que foi dado por Deus.

ii.                  Trabalho é um chamado para gerar riqueza global – Potencializar as pessoas. Prosperidade, bem estar. Os negócios são agenda do reino. Considere o caos num país com alta taxa de desemprego nestes dias (2012. Espanha chegou a ter 25% de desempregados e entre os jovens recém formados, a taxa chegou a 50%).
Benedito (480-547) é considerado o criador da vida monástica. Por onde iam seus discípulos, tinham a tarefa de implementar a lavoura da região, fazendo-a torna-se não apenas cultura de subsistência, mas de auto suficiência financeira. Max Weber afirma que este era o espírito do capitalismo e do protestantismo: Gerar riquezas! Portanto, uma das tarefas do trabalho é diminuir a pobreza e melhor a existência humana. Trazer shalom às pessoas do mundo.

iii.                Trabalho é um chamado para investir no paraíso – esta foi a ordem dada a Adão e Eva. E este é o mandato cultural do povo de Deus. Investir e florescer onde foi colocado por Deus. Aproximar a criação de Deus do seu projeto original.  Chamado para abençoar.




[1] Steves, Paul – Deus e o mundo dos negócios, Ed. Ultimato, Viçosa, 2008