domingo, 21 de junho de 2015

Ec 4.1-16 As Raízes do Pessimismo




Introdução:

O livro de Eclesiastes é um livro pessimista. Quando Salomão o escreveu estava vivendo dias de profunda desilusão e desencanto com a vida. Ele tinha se afastado de Deus, era um homem poderoso, tinha muitos bens, sexo e riqueza, mas nada disto o satisfazia. O termo vaidade que ele frequentemente cita no livre revela que as coisas que possuía não satisfaziam seu coração. A verdade é que ter mais do que ele tinha, não sustentava o que lhe faltava, afinal, mais da mesma coisa nos leva ao mesmo lugar. O famoso rei de Israel se perdera na sua história pessoal, e agora, fazendo uma retrospectiva da vida, percebeu quão vazia era, e isto o deixou amargo, descontente e pessimista. O que o levou a este lugar de tamanha desencanto?
Pelo menos três fatores devem ser considerados:

1.       Perda da referência do Sagrado – O livro dos Reis e as Crônicas dos reis de Israel mostram o quanto Salomão se desviou do caminho do Senhor (1 Rs 11.1-9). A Bíblia afirma que por causa disto “O Senhor se indignou contra Salomão, pois desviara o seu coração do Senhor, Deus de Israel, que duas vezes lhe aparecera” (1 Rs 11.9). Salomão perdeu na sua fé. Sua glória, poder e fama o desviaram do Deus vivo. Sua fé se tornou sincrética, superficial e vaga. E isto desembocou em dois sintomas graves:

  Deus distante – Em Ec 5.2 vemos uma frase que demonstra seu distanciamento de Deus. “Porque Deus está nos céus, e tu, na terra” (Ec 5.2). O uso constante do termo Elohim para Deus, revela um pouco disto. Na língua hebraica, este termo se refere ao Deus criador. O nome especial de Deus, para os judeus, era Iahweh, que era o Deus pessoal, Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Este nome mais sagrado de Deus não aparece sequer uma vez em Eclesiastes.

  Deus “desmancha prazer” – Salomão descreve Deus como alguém que usa das prerrogativas de sua divindade para forçar os homens a temê-lo. “Sei que tudo quanto Deus faz durará eternamente; nada se lhe pode acrescentar e nada lhe tirar; e isto faz Deus para que os homens temam diante dele” (Ec 3.14). Por isto Deus é descrito várias vezes como aquele que “gera desgosto” ao homem.
Estas considerações revelam como Salomão perdeu a dimensão de um Deus gracioso, que se comunica com os homens, que revela seus planos e abençoa. Ele mesmo, no inicio de sua vida, teve ricas e preciosas experiências do amor de Deus, mas posteriormente seu coração se desviou, indo atrás de outros Deuses, fazendo oferendas para terríveis divindades como Baal, Astarote e Moloque, e até mesmo construindo em Israel, templos nos quais estas entidades eram invocadas e adoradas. Salomão perdeu a referência do Eterno, e Deus tornou-se alguém distante.

2.       Perda da referência dos valores – O Segundo fator que desencadeou pessimismo em sua alma foi a perda das referências. O Salmista afirma: “Destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?” (Sl 11.3). Quando os fundamentos são retirados, os prédios desmoronam. Por ter perdido a referência do Sagrado, perdeu também a referência de princípios e valores. Salomão, sistematicamente, desobedeceu e feriu as verdades, e Deus se indignou contra ele (1 Rs 11.9). As consequências são perceptíveis na ética que ele passa a desenvolver:

  Moral Relativa – Salomão se tornou hedonista, obcecado pelo prazer. Todos os princípios epicuristas que desenvolve em Eclesiastes revelam seu desespero em busca de sentido, e seu pessimismo, tinha relação com este vazio da alma que ele chama de “vaidade”. Como vimos anteriormente a melhor tradução para esta palavra seria “vazio”, ausência de propósito. Sua moral se tornou subjetiva e pragmática. Por isto ele afirma: “Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mao de Deus” (Ec 2.24). No capítulo seguinte afirma: “pelo que vi não haver coisa melhor do que alegrar-se o homem em suas obras, porque esta será a sua recompensa; quem o fará voltar para ver o que será depois dele?” (Ec 3.22).
O que ele está afirmando é que, por não ter nada em que possa apegar-se e dar firmeza, ja que nao há “quem o fará voltar para ver o que será depois dele?”, então, porque se preocupar com ética e valores? Não foi exatamente isto que certo filósofo declarou: “Se Deus não existe, tudo é permitido?!”. Esta era a visão de Epicuro. Temos que buscar o prazer, já que todas as demais coisas são relativas. Tudo é vazio! Falta de sentido! Portanto, vamos para o carnaval.

  Justiça Relativa – Salomão também desenvolveu a visão de que certa justiça é necessária, mas não precisamos ser justos demais, afinal, sabe como é, né? A vida é feita de ambiguidades e contradições... Por que levava tao a sério? Por que deveríamos ser justos demais? “Não sejas demasiadamente justo, nem exageradamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?” (Ec 7.15). O que ele está afirmando é que ser “muito justo”, nos destrói. Um pouco de justiça é necessário, mas não pode ser muito.

  Teologia Relativa – Salomão assume uma visão estranha até mesmo sobre as questões claras na teologia judaica, como vida após a morte. É certo que a escatologia judaica (o destino dos mortos), não era tao clara quanto no Novo Testamento. Termos como Sheol e Hades eventualmente parecem vagos e confusos, no entanto, a pergunta dele revela uma visão estranha, poderíamos afirmar, até mesmo pagã, sobre o destino individual do ser humano.
Quem sabe se o folego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais para baixo, para a terra?” (Ec 3.21). O que ele está provocativamente insinuando é que, ninguém pode ter certeza de nada depois da morte, e perguntando se animais e homens possuem alguma diferença real. Salomão perdeu a segurança na fé e nas promessas de eternidade que Deus tantas vezes fez ao seu povo. Ele se encontra confuso sobre o destino eterno das pessoas.

3.       Perda do Sentido da Vida – Quando Salomão afirma “tudo é vaidade”, ele está declarando que tudo que existe na vida não tem consistência nem valor. A NVI Internacional traduz este termo como “meaningless”, isto é, ausência de sentido. Por ter se afastado de Deus sua alma perdeu o senso de transcendência. Ele sabe que Deus colocou a eternidade no coração do homem (Ec 3.8), mas sua vida se perdeu, como disse certo poeta: “Onde está a vida que perdi tentando encontrá-la?”

Veja quais suas percepções sobre a vida:

  Vida como bolha/inconsistência – Muitos anos depois de Salomão, Karl Marx em seu livro "O manifesto” fala da renovação cíclica dos modos de produção e da cultura e de todas formas de conceber o mundo. Para ele, “Tudo que é sólido desmancha no ar", ou seja, o que é real é perfeitamente passível de desmanche. O escritor americano, Berman Marshall, com tendência marxista, escreveu um livro usando esta frase de Marx, e explorando esta temática.
Apesar de Marx estar se referindo ao conjunto das relações históricas e do mercado, que era sua temática central, na verdade esta frase aponta para uma dimensão existencialista e filosófica mais séria. A vida não possui solidez, tudo é "vazio", sem sentido, como se referiu Salomão, autor de Eclesiastes. Sem dúvida é uma afirmação angustiante da alma que não encontra sentido na existência em si, como Jean Paul Sartre declarou: "A vida é um absurdo, Deus dá ordem ao absurdo, mas Deus não existe".
O núcleo central do pensamento marxista difere substancialmente da visão cristã, que fala de esperança, ou de Cristo, que afirma veio para dar vida, e vida em abundância. Jesus fala de uma realidade completamente negada por Marx. A visão marxista, desemboca no desespero e falta de sentido, já que não há solidez. A visão cristã, desemboca na esperança: A vida encontra sentido na concretude e realidade de um Deus que se auto define “Eu Sou!”.

  A vida como incerteza, provisoriedade – Costumamos afirmar que o homem moderno, não tem critérios sólidos e por isto é eclético e tolerante. Por não ter projeto de vida nem propósito spiritual, tenta satisfazer sua alma comprando e consumindo mais. Fabrica suas próprias verdades (subjetivismo) e sua ideologia é pragmática e hedonista. Sua ética se fundamenta nas vantagens e não na consciência, sua moral assume uma dimensão de neutralidade.
No entanto, ao lermos o livro de Eclesiastes, compreendemos que isto não tem a ver com uma época específica nem moderna, mas com a natureza humana. Salomão afirma que “tudo depende do tempo e do acaso” (Ec 9.11), porque os seres humanos não sabem a sua hora e vivem como peixes que se apanham na rede traiçoeira e como os passarinhos que se prendem no laço. Sobra apenas a inquietação, a incerteza e o vazio.

O que levou Salomão a este nível de pessimismo?
Neste texto de Eclesiastes 4.1-6, ele levanta três as aspectos.

A.      As contradições da existência – (Ec 4.1). Ao ver a opressão, a falta de justice, as lágrimas dos que foram oprimidos, sem que ninguém os consolasse, a violência na mão dos opressores, sem que ninguém protegesse os oprimidos, ele não consegue se organizar existencialmente.
É interessante observar que, geralmente, aqueles que são vítimas deste processo de injustiça e dominação não são os grandes formuladores destas elocubrações filosóficas, e sim os intelectuais. O existencialismo não foi construído entre os famigerados do Biafra, ou os esquecidos de Uganda, nem no meio dos abandonados e esquecidos em regiões inóspitas do norte e nordeste do Brasil, mas nos luxuosos cafés parisienses.
Quando Salomão, um abastado burguês e nobre, governava Israel, pode observar estes paradoxos da vida, e afastado e Deus, sua existência se fragmentou.
  
B.      A Tolice de acumular riqueza – Apesar dele mesmo ter buscado tanta glória, poder, fama e riqueza, encontrou-se na velhice, fazendo uma leitura em retrospectiva da vida percebendo que a ambição, a insaciabilidade por bens, não trouxe qualquer sentido para sua existência. “Isto é, um homem sem ninguém, que não tem filho nem irmã; contudo, não cessa de trabalhar, e seus olhos não se fartam de riquezas; e não diz: Para quem trabalho eu, se nego à minha alma os bens da vida? Também isto é vaidade e enfadonho trabalho” (Ec 4.8).
Salomão afirma: “Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas” (Ec 2.10).
Voce percebe o cinismo de suas palavras? “Eu me alegrava com todas as minhas fadigas”. A que ele se refere? Às suas conquistas, opulência e glamour de sua existência. Lá estava Salomão, bebendo os finos vinhos, vivendo uma vida de rei, comendo os finos manjares no meio de uma população pobre, mas não encontrando sentido para sua vida e deparando-se com o vazio de sua própria alma.
Este é o mesmo sentimento de vacuidade, cinismo e pessimismo expresso por Clarice Lispector. “.. Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda”. [1]

C.      A falta de propósito da vida – Na sua observação dos fatos “debaixo do sol”, Salomão não consegue ver diferença sequer entre a consistência de vida de um ser humano e de um animal. “Disse ainda comigo: é por causa dos filhos dos homens, para que Deus os prove, e eles vejam, que são em si mesmos como animais. Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede: como morre um, assim morre o outro, todos tem o mesmo folego de vida e nenhuma vantagem tem o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão. Quem sabe se o folego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e a dos animais para baixo, para a terra?” (Ec 3.18-21).
No final de Eclesiastes, ele parece apontar para uma dimensão de esperança e vida eterna, ao afirmar: “...e o pó volte à terra, como o era, e o espirito volte a Deus, que o deu” (Ec 12.7). Neste texto final ele aponta para a transcendência humana, para uma visão de eternidade, mas no texto de Eclesiastes relatado, ele parece questionar esta diferenciação entre animal e homem. Isto significa, perda da dimensão do eterno.
Esta é a visão secularista que você encontrará em colegas de trabalho e pessoas que você ama. Muitas delas, absolutamente confusas na sua espiritualidade, no propósito e sentido da vida, no senso de valor, acreditando que animais e homens são apenas “névoa”, não existe nada depois da vida.
A verdade, porém,  é que animais não possuem o mesmo fôlego de vida de um ser humano, porque apesar de terem vida, não possuem transcendência. Deus criou o ser humano para ser sua imagem e semelhança, e isto inclui sua espiritualidade. Só o ser humano pode adorar espontaneamente a Deus ou rejeitá-lo. O animal possui alma vivente, fôlego de vida, mas não possui alma, nem espiritualidade. Animais não vão para o mesmo lugar, porque não existe céu nem inferno dos cachorros, gatos e leões – eles apenas vivem.

Perigos do Pessimismo
Por uma questão didática, gostaríamos de refletir sobre três riscos que o pessimismo traz à alma humana:

1.       Cinismo – Pelo que tenho por mais felizes os que já morreram, mais do que os que ainda vivem” (Ec 4.2). Se a vida não tem proposito, sentido e valor, por que viver?
Alguns anos atrás conversava com um homem que no meio de algumas crises existenciais afirmou que estava ficando mais velho e se tornando cínico, cético e grosso. Isto é muito perigoso! O pessimismo pode nos levar ao cinismo, ao ceticismo e à grosseria. Contudo, este não é o caminho da espiritualidade cristã.
O cinismo amargura a alma, ou reflete a alma amargurada. O cinismo perde o prazer nas coisas que vale a pena. O cínico apenas zomba, não crê.

2.       Ceticismo – Salomão se torna cético em relação às suas próprias convicções. Aquilo que lhe era claro torna-se confuso. “E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também isto é vaidade” (Ec 2.19). Sua dúvida está relacionada à coisas espirituais. “Quem sabe se o folego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais para baixo, para a terra?” (Ec 3.21). Ele não consegue saber o destino do homem, da alma, da eternidade.
Você já deve ter se deparado com pessoas vivendo em situações semelhantes? Elas perguntam ironicamente: “Quem sabe?” Esta indiferenciação trará reflexos na mente de Salomão acerca do futuro do justo e do perverso (Ec 9.2). Isto mostra como a sua compreensão de sobrenaturalidade se perde. Pierre Teilhard de Chardin afirmou: “Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana." Salomão perdeu a simplicidade de sua fé, e a alegria de uma alma encontrando prazer na adoração.
O senso do eterno está presente no coração do homem temente a Deus, afinal, o próprio Salomão que afirma: “Deus pôs a eternidade no coração do homem” (Ec 3.8)
O pessimismo gera ceticismo, descrença, desesperança. Salomão ignora toda a tradição judaica sobre a eternidade (Jó 19.25-27; Sl 23.8), e contradiz todo pensamento cristão sobre a vida eternal (Jo 14.1-3; 2 Co 5.1-2).

3. Epicurismo – Por ter frágeis pressupostos teológicos, a ética se torna frágil (Ec 3.22). Teologia antecede ética; Filosofia de vida determina moral. Salomão perdeu suas referências de dues, e seu comportamento mostra os resultados.
Assistindo a uma reportagem sobre a passeata gay em São Paulo, via a seguinte declaração: “Aqui não há preconceito, cada um faz segundo tem vontade de fazer. Tudo é bom, tudo é alegria!”.
Este é o pensamento epicurista. “Comamos e bebamos, que amanhã morreremos”.
Paulo afirma que antes de sermos resgatados dos nossos delitos e pecados, andávamos “Segundo as inclinações da carne e do pensamento, e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais” (Ef 2.3).

Conclusão:
As raízes do pessimismo estão na falta de fé e incredulidade. Brotam depois de nos afastarmos de Deus. Uma pessoa sem fé está destinada ao cinismo e ao pessimismo. Como lidar com todas as contradições da vida se isto tudo termina num funeral? Se a vida não é mais do que isto, como manter uma vida de confiança?
Jesus afirmou: “eu vim para que tenham vida, e vida em abundancia”. Ele percebia que os homens de seu tempo andavam sem direção, como ovelhas sem pastor. Ele via seus contemporâneos vivendo vazios, sem razão, e então, afirma que existe algo alem deste mero fato de viver, de contar os dias, de ganhar dinheiro. É isto que ele propõe àqueles que resolvem segui-lo. Uma vida de sentido, propósito, abundância de sentido e valor.
Você é convidado a vir participar desta vida em Cristo. Ele faz esta oferta de amor para sua vida. Você gostaria de encontrar esta vida? De conhecer o que Jesus estava oferecendo? De encontrar alegria, paz e propósito?
Ele afirma ainda: “Todo o que vem a mim, de maneira alguma lançarei fora”. É este modelo de vida que ele está oferecendo. Existe algo além do mero pessimismo, cinismo e epicurismo. Existe uma vida em abundância.




[1] Clarice Lispector LISPECTOR, C. A Paixão Segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Um comentário:

  1. Quando diz do epicurísmo o senhor equívoca-se, pois para epicurísmo o prazer não é esse o qual o senhor relatou e sim o prazer intelectual.
    Basta ler essa página para entender dos parâmetros filosóficos de Epicuro.
    http://m.brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-etica-epicuro.htm

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