terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Lc 1.8 Surpreendido por Deus




Um dos meus autores preferidos é Brennan Manning. Num de seus livros ele narra de forma intensa e apaixonada que certa vez foi “emboscado por Deus” numa pequena cabana na Pensilvânia. Sua afirmação é impactante, mas quando paramos para considerar a declaração percebemos a importância dela, já que Deus é mestre em nos surpreender.

É assim que devemos considerar este episódio.
Zacarias é surpreendido por Deus.

A primeira observação é que ele é encontrado por Deus no seu cotidiano. Ele não estava fazendo uma viagem especial, nem estava em retiro espiritual, ou numa viagem dos sonhos. Ele foi surpreendido por Deus na sua rotina, no seu dia a dia de trabalho e atividades. Deus o alcança neste contexto.

Ora, aconteceu que, exercendo ele diante de Deus o sacerdócio na ordem de seu turno, coube-lhe, por sorte, Segundo o costume sacerdotal, entrar no santuário do Senhor para queimar o incenso” (Lc l.8).

Veja quantas palavras demonstram atividades rotineiras:

… ”ordem do seu turno”
… ”sorte”… a escala era feita por sorteios.
… “costume”…

Turno/sorte/costume.
Não são palavras triviais?

No entanto, Deus mergulha no universo rotineiro deste homem e altera substancialmente sua história. Zacarias jamais poderia imaginar que se tornaria o pai daquele que seria o precursor de Jesus, a “voz do que clama no deserto”, aquele que “aplainaria o caminho do Senhor”, o homem que seria cumprimento de antigas profecias do livro sagrado. De forma alguma ele poderia imaginar que pessoas como nós, de culturas e tempos distantes, em pleno Século XXI. Estariam refletindo sobre sua experiência e contando sua história. Que a história dele, serviria de testemunho e lição para muitas outras pessoas, justamente ele, um anônimo servo de Deus, que sequer tinha conseguido receber de Deus resposta às suas simples orações.

O historiador Arnold Toynbee afirmou que toda história, uma vez tirada a casca e exposta a sua essência, é, na verdade, espiritual”.

A vida de Zacarias reflete esta impressionante realidade. Do lugar comum, gestos comuns, atividades rotineiras, Deus pode fazer surgir uma realidade nova.

Quando eu leio a história de Zacarias, eu fico com desejo de dizer a Deus: “surpreenda minha história”, tira-me deste lugar de movimentos rotineiros e repetitivos, de atividades comuns, e faça brotar o extraordinário, que venha seu vento impetuoso e surpreendente do Espírito para construir sua história.

Em segundo lugar, ele não deixou de fazer o que era preciso fazer –Há um grande perigo em nossas almas. Quando Deus não faz nada novo e surpreendente o desprezamos, abandonamos seus princípios e valores, deixamos a liturgia da alma que envolve adoração individual e comunitária, isto porque “não vemos” a ação de Deus.

Talvez seja esta a razão de muitos abandonaram a vida de fé comunitária, e deixarem a igreja. A Bíblia nos exorta: “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns, antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o dia se aproxima” (Hb 10.25).

É possível nos afastarmos da comunhão, nos distanciarmos dos irmãos e da igreja, porque a vida vai se tornando monótona. Zacarias era um forte candidato a isto. Orou por tanto tempo, serviu fielmente a Deus por tanto tempo, nunca se afastou de Deus mas suas orações pareciam não serem ouvidas por Deus.

Entretanto, o que fez Zacarias?

Continuou fazendo o que deveria ser feito. No texto o encontramos na sua tarefa sacerdotal, entrando no santuário de Deus para fazer as oferendas, servindo fielmente e não buscando pretextos. Ele podia alegar que estava idoso, ele podia justificar-se perante o silêncio de Deus, contudo, ele fez o que era necessário fazer: entrou no santuário para queimar incenso (Lc 1.9). Ele continuou com seus atos de adoração. Servir a Deus pode se tornar maçante, repetitivo, e até mesmo sem sentido. Os resultados nem sempre são visíveis, mas a Bíblia nos diz:

Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e inabaláveis, e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (1 Co 15.58).

A atitude de Zacarias é extremamente importante para nós, gente de uma época moderna, de “fast-food” e de “micro-ondas”, que clama por urgência. A espiritualidade de resultados pode ser um desastre espiritual para uma geração que não sabe ou não quer esperar. Com facilidade perdemos a paciência com processos e facilmente culpamos a Deus pela vida. Se Deus não fizer como esperamos e no tempo que julgamos ser suficiente, já deixamos de adorar, de servir, nos afastamos da casa do Senhor, perdemos a alegria de uma vida de devoção.

Isto tem implicação imediata na adoração condicionada à benção, do modelo de Jacó que disse: “Se o Senhor me abençoar, e me fizer prospero, e for comigo, de tudo quanto tenho lhe darei o dízimo”. Mas, e se Deus não der?

Zacarias não tem sido vida espiritual condicionada às bênçãos, não se relaciona com Deus em forma de barganha. O que ele fez é o que todo cristão deve fazer. Quando entrego meus dízimos e ofertas a Deus, eu transfiro minha responsabilidade de sustento pessoal para ele, eu deixo que Deus seja Deus na minha história particular. Não é barganha, é dependência. Ele é o Jeová-Jireh, portanto, posso descansar na sua provisão. Afinal: “Alegria é saber que Deus, segundo a sua glória e riqueza, vai suprir nossas necessidades, com certeza”.

Terceiro, sua transformação pessoal tem uma relação direta com suas orações. “Disse-lhe, porém, o anjo: Zacarias, não temas, porque a tua oração foi ouvida; e Isabel, tua mulher, te dará à luz, um filho, a quem darás o nome de João” (Lc 1.13).

Qual era o conteúdo das orações de Zacarias?
O que ele pedia? Será que, ultimamente, suas orações eram ainda as mesmas? Quanto tempo orou por sua esposa estéril?
Isaque orou 20 anos (Gn 25.20,26). Isto é um tempo longo demais. Talvez pessoas que estejam lendo este texto não tenham ainda vinte anos...
O fato é que o anjo Gabriel relaciona sua mensagem à oração de Zacarias.
Muitas vezes sentimos nossas orações tão débeis, tão irrelevantes, perdidas na história e no arquivo morto da memória de Deus. Talvez Zacarias tivesse este mesmo sentimento. Mas ele não parou de orar, ele continuou pedindo a Deus. Estou certo de que a espiritualidade cristã precisa passar por esta rota da oração e da súplica.

Este texto também nos surpreende pelo resultado na vida de Zacarias.

A. Ambiguidade: Incertezas e dúvidas – Zacarias ficou pasmo. “Como saberei disto?” (Lc 1.18). é bom considerar que Joao estava falando com o arcanjo Gabriel.

Provavelmente ele não tinha asas, pois, por mais estranho que possa nos parecer, a Bíblia nunca fala de anjos com asas, antes eram parecidos com seres humanos.

No relato do encontro de Josué com um anjo, ele chega até mesmo a perguntar: “És tu dos nossos ou dos nossos adversários? Respondeu ele: Não; sou príncipe do exército do Senhor e acabo de chegar” (Js 5.13-14). Não havia diferença visível.

Em Isaias 6, vemos seres angelicais com asas, mas ali trata-se de serafins. Com seis asas. Com duas cobriam os pés, com duas o rosto, e com duas voavam. Quatro asas eram para adoração, duas para o serviço. Neste caso, Isaias tem a percepção imediata de que se tratava de seres especiais.

Embora Zacarias não visse um anjo, mas a figura humana, isto não lhe tirou a capacidade de perceber que se tratava de um ser espiritual, porque logo que o vê apodera-se dele o temor e ele fica perturbado 9Lc 1.12). Ele não teve dúvidas quanto á sua identidade, no entanto, teve dúvidas quanto ao que ele falou. Por isto Gabriel lhe diz: “Todavia, ficarás mudo e não poderás falar até ao dia em que estas coisas venham a acontecer; porquanto não acreditastes nas minhas palavras, as quais, a seu tempo se cumprirão (Lc 1.20). Zacarias teve uma reação ambígua.

Não é assim que lidamos também com o sagrado? Zacarias sabe que Deus estava lhe falando, no entanto, demonstra profundo questionamento sobre o que é dito. Parece bem pós-moderno, não é?

Por causa de sua incredulidade, ficou mudo.

B. Transformação de vida – O encontro com Deus é transformador. Quando nos deparamos com o Eterno, nunca mais seremos os mesmos. Eventualmente isto é gradual, leva tempo, passa por fases; outras vezes é abrupta, instantânea, imediata. Mas o fato é que a presença de Deus nos impacta de tal forma que algo novo surge de dentro para fora.

Assim Deus faz com Zacarias.

Deus o tira de sua situação de monotonia e incredulidade, para lhe dar esperança. Ele fica mudo até o nascimento de seu filho, por nove meses sua vida é drasticamente mudada. O encontro com Deus deixa “sequelas”, sensíveis.
Jacó se encontrou com Deus no Vale de Jaboque. Vivera uma vida de mentira, mas agora deixa de ser Jacó e torna-se Israel, príncipe de Deus, mas o anjo lhe toca a articulação do quadril e ele caminhará manquitolando pelo resto de sua vida.
Apesar das sequelas, ambos encontram-se radiantes. Vemos Zacarias cheio de júbilo face ao milagre que Deus realizou na sua vida.

Conclusão

Talvez a oração mais importante da vida seja a de pedir a Deus para que nos surpreenda!
Oração é fundamental neste processo.
Deus atende aos pedidos e anseios mais profundos de Zacarias. Afinal, “oração é uma palavra dita com desejo” (Rubem Alves).
Não sabemos o que Deus fará de nossa história, mas devemos estar abertos à história que Deus quer fazer de nossa vida.
Esta é a grande surpresa da obra da cruz.
“Deus estava em Cristo, reconciliando consigo mesmo, o mundo”.
A partir desta fonte, que nasce da cruz, há todo um mistério, e um poder que muda a história dos homens. A cruz de Cristo renova o coração e as mentes de pessoas desenganadas, desesperançadas, fracassadas. Deus tem o poder de fazer uma história nova em nossas vidas.

Zacarias foi transformado por Deus.
Ele jamais poderia esperar que teria um filho;’
Muito menos que seu filho pudesse ser o cumprimento das profecias;
Nem que ele seria o precursor do Messias,
Que sua história seria contada até os nossos dias, e serviria de inspiração, como hoje está fazendo, para o homem da era industrial.

Deus pode nos surpreender!
E isto é maravilhoso...

Nenhum comentário:

Postar um comentário