Introdução:
“Vai tudo bem contigo? Com teu marido? Com teu menino?”
Esta é uma das saudações mais
corriqueiras e comuns que fazemos às pessoas. “Tudo bem?”
Quando perguntamos assim, nem
sempre estamos interessados em saber da verdade. Trata-se de uma convenção
social. Uma forma polida e educada de não ignorar o outro. Espera-se que a
pessoa dê uma resposta politicamente correta do tipo: “Tudo bem!”
Foi assim que Geazi cumprimentou
a sunamita que os hospedava, e sua resposta, embora não refletisse a verdade, é
a resposta que comumente damos a pessoas com quem não queremos aprofundar o
dialogo.
A verdade, porem, é que esta
mulher diz: “Tudo bem!”, diante de um dos cenários mais grotescos e duros da
alma. Seu filho estava morto em casa.
Como dizer: “Tudo bem?” quando
nada está bem.
Como podemos falar que as coisas
estão seguindo um curso natural quando a putrefação, a decomposição, e o cheiro
da morte nos ameaçam?
Muitas vezes o casamento se
esfacelando, o ódio e a amargura dominando o ambiente familiar, os filhos
morrendo nas drogas, na fornicação e na incredulidade, indo para o inferno – e
dizemos: Tudo bem!
Como é possível viver assim?
A.
Podemos dizer que tudo está bem e
tudo está ruim quando não enxergamos a real condição em que estamos vivendo.
Trata-se de cegueira ou tola
inocência. Pessoas que na sua ingenuidade simplesmente não veem o cenário de
morte e perigo que ronda sua vida e sua família. A Bíblia afirma que “o
prudente vê o mal e se esquiva; os simples passam adiante e sofrem a pena”. Não
se trata de pureza, mas de ingenuidade, são os simplórios. Embora a Bíblia
encoraje os simples e a simplicidade, ela não aprecia o simplismo.
Provérbios adverte: “Aos tolos, sua sensação de bem estar o
destrói” (Pv 1.32). É tolo aquele que acha que tudo está bem quando tudo
está sendo destruído.
Uma das formas de entendermos
estas tendências conflitivas da alma humana foi elaborada na conhecida “Janela
de Johari”, ferramenta conceitual,
criada por Joseph Luft e Harrington Ingham em 1955, que busca
auxiliar o entendimento da comunicação interpessoal[1]. Os
autores conceberam um modelo de representação, que permite, revelar o grau de
lucidez nas relações interpessoais, classificando os elementos que as dominam,
num gráfico de duas entradas (janela): busca de feedback versus
auto-exposição, subdividido em quatro áreas:
-
Área livre ou eu aberto;
-
Área cega ou eu cego;
-
Área secreta ou eu secreto;
-
Área inconsciente ou eu desconhecido.
Estes conceitos podem ser representados da seguinte
forma:
ÁREA ESCURA
Nem você nem os outros percebem.
ÁREA ESCONDIDA
Você vê, os outros não
ÁREA OBSCURA
Os outros vêem, você não
ÁREA ILUMINADA
Você e os outros vêem
É
interessante observar esta dinâmica.
Quanto mais consciência temos do
próprio mal, mais iluminado seremos. Scott Peck afirma que o mal é como fungo e
mofo, são fecundados na penumbra e na escuridão.
Quando Deus se aproxima de Jonas
para inquiri-lo Jonas parece ignorar o grau de erro de sua alma: “É razoável esta tua ira?” . Sua resposta
foi: “É razoável minha ira até a morte”
(Jn 4.9).
Diante disto, podemos dizer que
“tudo está bem!” quando tudo está mal, porque não percebemos as coisas que
estão acontecendo ao redor. Não temos julgado corretamente a vida e podemos ser
devorados por esta tola e superficial análise. No entanto, “a ignorância da lei
não isenta o culpado”.
B. Podemos dizer que tudo está bem quando tudo está ruim, quando vivemos
em processo de negação. Não queremos encarar os problemas de frente.
A psicologia chama isto de
co-dependência.
William
Jefferson Blythe cresceu numa família cujo pai era alcoólatra. Sua infância e
ambiente foram caracterizados pela instabilidade e caos. Seu pai faleceu antes
de seu nascimento num acidente de trânsito. Sua mãe, Virginia Blythe, foi
cursar sua faculdade em New Orleans, e ele continuou vivendo com seus avós.
Quando ela retornou, casou-se com um homem conhecido por sua truculência,
jogatina, bebedeiras e abuso de mulheres cujo nome era Roger Clinton. Antes
mesmo de se casar com ele, sua mãe o surpreendeu com outra mulher, mas a
despeito disto decidiu continuar o relacionamento. Neste contexto estava sendo
moldado o caráter do futuro presidente dos Estados Unidos. Numa noite, Virginia
queria ir visitar sua mãe no hospital, e Roger apanhou uma arma e atirou na sua
direção, o tiro se cravou na parede da casa. Naquela noite, Bill dormiu na casa
de um vizinho. Passou muitas noites sem dormir ouvindo a briga de seus pais. O
alcoolismo e a violência cresceram de tal forma que sua mãe o abandonou em
1962, quando Bill tinha 16 anos. Ele que era o filho mais velho teve que depor
contra seu padrasto na corte, e a partir daí, o ônus da casa tornou-se dele.
Bill
tornou-se mestre da negação, mantendo os segredos da família. Para manter as
aparências, criou uma regra de silêncio. Numa entrevista posterior afirmou que
“em geral tivera uma boa vida na infância”.
Um
terapeuta afirmou “Bill negava sua experiência da juventude, apesar dos
repetidos episódios de abandono, alcoolismo, divórcio, padrasto, violência
doméstica, disparo de arma, ele descreve sua vida em casa como normal, apesar
de que sua infância deveria ser descrita
como caótica e altamente anormal. Sua constante necessidade de ser agradável o
levou a esconder a verdade. Mentia automaticamente sem nenhuma culpa e
rapidamente estava preparado para apresentar suas desculpas.
Isto é comum na história de muitas
famílias. Por não ser capaz de encarar as verdades, passa a negar a dor. Pode
dizer que tudo está bem quando tudo está ruim.
No primeiro caso, é alheamento e ingenuidade,
o que não deixa de ser perigoso. No segundo, é negação, consciente ou não, das
realidades que são concretas e visíveis. O fato negado, não deixa de existir
apenas porque o nego. Pensamentos mágicos nunca solucionaram a crise de
ninguém.
A mulher sunamita, porém, não
parece apresentar nenhum destes sintomas.
Ela diz tudo bem, não porque
ignore a morte, ou mesmo por negação.
Ela sabia que não podia adiantar
o assunto, nem conversar com aquele rapaz. Seu problema era tão serio que não
interessava a ninguém mais, a não ser o profeta. Ele estava se dirigindo à
pessoa certa, para dizer o que estava errado na sua casa.
Como ela lida com a morte?
1. Ela é objetiva e determinada em tratar a situação – Ela não deu satisfação ao seu
marido, porque parece que ele não a entenderia mesmo. Ele era do tipo
religioso, e se espanta ao saber que sua mulher vai procurar o profeta num dia
que não era de festas, nem de lua nova, nem sábados. Como religioso,
ritualista, ele sabia que existiam determinadas datas marcadas para questões
religiosas. A mulher entende que Deus deveria ser procurado quando se fizer necessário,
e a situação exigia que isto fosse feito.
Ela não dá satisfação a Geazi.
Ele era um jovem, não entenderia a questão e não tinha maturidade suficiente
para lidar com problemas tão sérios. Por isto se dirige àquele que representava
a Deus naqueles dias em Israel. Hoje não precisamos mais de profetas,
profetisas e gurus, pois podemos ousadamente entrar na presença de Deus através
do sangue de Jesus.
O que vemos na sunamita, é a
mesma disposição que encontramos na mulher hemorrágica, tocada por Jesus e
curada. Jesus para e pergunta: “Quem me tocou?” Os discípulos acham estranha a
pergunta. “Não vês que a multidão te aperta? Como dizes tu: quem me tocou?”. Em
ambas encontramos intencionalidade. É bem diferente aproximar-se de Deus por
curiosidade ou ritual, mas aqui vemos duas mulheres que se aproximam sabendo
porque se aproximam. Isto faz uma enorme diferença na adoração individual, nos
cultos e orações que fazemos.
2. Ela se aproxima quebrantada diante de Deus – Sua atitude corporal revela o
coração. “Chegando-se ela, pois, ao homem
de Deus, ao monte, abraçou-lhe os pés. Então, se chegou Geazi para arrancá-la;
mas o homem de Deus lhe disse: Deixa-a,
porque a sua alma está em amargura, e o Senhor mo encobriu e não mo manifestou”
(2 Rs 4.27).
A morte precisa ser vencida com
dependência, choro e súplica. Existem situações que exigem de nós mais que as
orações rotineiras que fazemos. Exigem intensidade, submissão, lágrimas. O
Salmo 51 afirma: “Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado;
coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus”(Sl 51.17).
Depois de 25 anos de oração e
clamor pela vida de seu filho, Monica viu seu filho, Agostinho, se converter.
Com o coração radiante de alegria procura o bispo da cidade para lhe contar a
benção. A resposta do bispo que a acompanhava foi surpreendente: “é impossível
se perder um filho por quem se fez tantas orações”.
3.
Ela não negocia a benção – Quando o profeta sugere que
ela siga a Geazi, ela responde enfaticamente: “Porém disse a mãe do menino: Tão certo como vive o Senhor e vive a tua
alma, não te deixarei. Então ele se levantou e a seguiu” (2 Rs 4.30).
Muitos milagres parecem exigir de
nós uma dose maior de intensidade.
Não foi assim com Jacó no Vale de
Jaboque: “Não te deixarei, enquanto não me abençoares”?
Não sei se entendo bem a parábola
do amigo importuno (Lc 11.5-8) e do juiz iniquo, que parece não atender a pobre
viúva que clama. Curioso, nestes dois versículos Jesus fala de oração. Será que
entendemos bem estas parábolas? Ou será que as entendo e não quero pagar o
preço da busca e clamor?
Lamentavelmente temos orado por
muitas coisas tolas, que apenas expressam ansiosos materiais ou alivio
temporário do sofrimento, mas que tal orássemos baseado nas promessas de Deus
para nossa família, como o texto de Isaias 65.23: “Não trabalharão debalde, nem terão filhos para a calamidade. Antes
serão a posteridade bendita do Senhor, e seus filhos estarão pra sempre com
eles”.
Conclusão: Vencendo a morte!
O texto termina com a declaração
de Eliseu: “toma teu filho!” (2 Rs
4.36). A versão The Message diz: “Abrace
teu filho!”.
Deus deseja restabelecer laços de
ternura e afetos que a morte não permite.
Deus deseja que pais voltem a
abraçar os filhos, que a morte seja relativizada, e que a vida renasça,
trazendo calor e alegria à nossa casa.
A morte distancia, esfria os relacionamentos,
impede a manifestação de afetos e ternura. Por isto, as promessas para a nova
aliança que se daria com a obra de Cristo no Novo Testamento, são sempre
carregadas de conceitos de afetividade. Deus promete tirar corações de pedra e
colocar corações de carne (Ez 36.36). Deus promete colocar nervos, tendões,
carne e peles nos ossos sequíssimos, no ambiente de morte (Ez 37) e anuncia
conversões horizontais como parte intrínseca da obra do Messias que haveria de
vir (Mal 4.5-6).
Este é o efeito da cruz:
regeneração, novo nascimento, nova forma de perceber a vida (cosmovisão), vida,
nova forma de sentir (afetos). Evangelho tem a ver com vida. Stanley Jones
afirma que a palavra mais presente na Bíblia é morte. Por isto vale a pena
dizer: “Abaixo a morte!” Não foi isto que Cristo fez, ironizando o poder da
morte com a ressurreição?
Precisamos de vencer a morte que
insiste em instalar-se em nossos lares. Isto só é possível com a obra do
Espirito Santo, que energiza, dá vida, restaura o pecador, livra-nos da morte.
[1] As notas abaixo foram retiradas da Wikipédia, a enciclopédia
livre. http://pt.wikipedia.org/wiki/Janela_de_Johari.
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