Introdução:
Uma das coisas mais fascinantes que percebemos
no Pentecostes é a forma como Deus conduziu todos os detalhes deste grande
evento salvífico de sua igreja. Uma das
áreas que ele mais atingiu foi a questão da religiosidade e de como se deve
adorar a Deus.
- O Pentecostes Desfaz o conceito de uma forma sagrada
de adorar – Todas as religiões
criam rituais que demonstrem a forma sagrada de adorar. Os hindus, com a
yoga, afirmam que a respiração deve ser suspensa, os pés e as mãos e o
corpo inteiro, colocados em determinada postura. Os muçulmanos também têm
uma postura e um ritual próprio de adoração que deve ser feita
rigorosamente, se curvando sobre seu tapete e repetindo mantras. O Budismo
mostra a posição característica de Buda, sentado sobre as pernas cruzadas
e as mãos sobre as coxas, impassível.
O Pentecostes mostra que quando o espírito foi
derramado sobre a igreja os discípulos “estavam
assentados” (At 2.2), desmistificando assim, uma postura específica
especial para salvação, e demonstre que todas as posturas podem ser sagradas
quando o coração é alcançado. Já orei muitas vezes em restaurantes apinhados de
gente, em lanchonetes com pessoas cujo coração fora tocado e precisava de Deus,
Já orei de olhos abertos enquanto dirigia meu carro, com tráfico imenso ao
redor. Durante a faculdade orávamos de olhos abertos no meio do campus, de
braços dados aos irmãos de fé, pedindo direção de Deus para testemunharmos o
amor de Cristo aos demais colegas.
“No Pentecostes, Deus naturalizou-se na vida
humana. Tudo o que é natural tornou-se religioso e tudo o que é religioso,
natural... Aqui estava a religião desprendendo-se de todo o ritual e cerimônias
sagradas” (S. Jones, pg 139).
O evangelho usa ritos e cerimônias, mas estes
não são essenciais. Todas as vezes que a liturgia se torna mais importante no
culto, perdemos a capacidade de nos alegrarmos na caminhada com Deus e nos
tornamos inflexíveis na nossa forma de adorar. O ritualismo, as cerimônias e a
liturgia podem tornar-se um fim em si mesmos, e assim perdemos o poder
maravilhoso que emana não de rituais, mas do Espírito Santo, Deus que foi
derramado sobre nós para nos dar vida. Cristianismo não é uma religião de
formas, mas de relacionamento. O que conta não é o como fazemos, mas se o
Espírito de Deus tem liberdade para agir sobre seu povo. O rito pode ser um
entrave à vida verdadeira no Espírito. Nada é essencial para Deus, a não ser
ele mesmo. Não carecemos de ritos nem cerimônias.
- O Pentecostes nos
liberta da idéia de uma idade sagrada - "Jovens e velhos" (At
2.20). Acaba-se o conflito de gerações, agora existe
encontro de gerações. Moços
e velhos seriam transformados tornando-se canais da graça divina.
Igrejas sempre têm conflitos nesta área.
Conservadores estão sempre criticando os jovens pela abertura litúrgica e sua
forma de adorar. Os jovens estão sempre achando que os velhos estão fora do seu
tempo e que são um entrave na obra do Senhor por causa do conservadorismo. O
Espírito Santo, porém, não vê nas gerações qualquer conflito, pelo contrário,
revela-se a ambos.
Os idosos aferram-se às tradições, achando que
o que é velho é que e bom, confundem acidente com essência, histórico com
revelado, temporal com eterno, esquecendo-se que o velho também foi novo quando
surgiu. A igreja teve problemas com o piano quando foi introduzido por Lutero
na adoração polifônica da Alemanha. Aquilo era moderno demais. Violões foram
objeto de longo discussão entre antiga e nova geração, quando foram
introduzidos como instrumentos litúrgicos na igreja, bateria nem se fala, até
hoje existem igrejas que enfrentam enormes dificuldades quanto a este assunto.
Os jovens, por sua vez, precisam entender que
as coisas novas não são necessariamente certas, que a verdade conquistada no
meio de muitas lutas precisa ser conservada. O texto fala de jovens tendo
visões e velhos sonhando. “Os velhos precisam da visão dos moços e estes
carecem dos sonhos dos velhos”, e estas bençãos são ministradas pelo Espírito
Santo que não é atingido por questões temporais que carregamos e valorizamos
tanto. O evangelho tem um senso de novidade, de descoberta, de estar com uma
visão adiante, porque tanto sonhos como visões apontam para uma singularidade
que precisa surgir. O Pentecostes não é conservador nem liberal. Moços e velhos
seriam renovados pelo mover do Espírito.
- O Pentecostes
Desfaz a diferença entre homem e mulher – “vossos filhos e vossas filhas,
profetizarão” (At 2.17). Pela primeira vez na história, a religião
permite que a mulher adentre a dimensão do sagrado, sem nenhuma restrição.
Na religião Judaica, os homens entravam no
lugar dos santos, que era um local proibido para as mulheres. Elas podiam, no
máximo, ficar no pátio dos gentios. Os judeus ortodoxos oravam sinceramente,
dizendo: “graças te dou por não ter nascido nem gentio, nem cachorro, nem
mulher”. Aqui o Espírito se derrama profusamente sobre ambos os sexos, desfaz a
barreira. As mulheres passam a ser batizadas. Este é o pensamento do Evangelho.
“Dessarte, não pode haver judeu nem grego
(distinção cultural); nem escravo nem
liberto (distinção social); nem homem
nem mulher (distinção de sexo);
porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.28).
Quando Buda consentiu que uma mulher entrasse
no Sangha, fê-lo com grande tristeza afirmando que este lugar sagrada não seria
mais eterno porque as mulheres haviam colocado seus pés naquele lugar.
Ainda hoje a religião islâmica mantém a mulher
sobre um clima de profunda humilhação e subordinação. Quando Jesus conversou
com a samaritana, os discípulos ficaram boquiabertos por verem-no dialogando
com ela. No Pentecostes a mulher recebe sua carta de alforria, é libertada de
um militar esquema de opressão. O Espírito Santo afirma sua dignidade e se manifesta
sobre piedosas mulheres que participavam de uma reunião de oração. Aqui a
religião liberta-se da idéia da superioridade do sexo.
- O Pentecostes rompe
a barreira da classe social – “Até
sobre os meus servos e sobre as minhas servas derramarei do meu Espírito
naqueles dias, e profetizarão" (At 2.18). O Pentecostes é um
evento de aproximação e mudança das relações - "O Espírito é uma
força histórica que muda
as relações entre
as pessoas"[1].
O Pentecostes põe fim a um conceito de classe social mais elevada ou de um
grupo religioso superior. Não existe casta, nem místicos, nem grupo mais
elevado que recebe enquanto outras pessoas não. Aqui o Espírito se
manifesta a todos.
O evento mais celebrado nos meios pentecostais
é o fenômeno da Rua Azuza, em Los Angeles, quando se deu início ao conhecido e
contemporâneo movimento pentecostal. O que poucas pessoas sabem é que a
primeira pessoa a ter as experiências que abalariam o mundo foi um negro de
nome Seymour. Ele teve algumas experiências e compartilhou com outro pastor
branco, em 1906, quando a segregação racial era ainda muito forte nos Estados
Unidos. O pastor que o ouviu, ficou interessado e sendo professor de um
instituto formador de liderança o convidou para participar de uma reunião, o
problema é que, enquanto ele explicava o que estava acontecendo Seymour teve
que ficar numa cadeira do lado de fora do auditório, porque sendo negro, não
lhe era permitido adentrar aquele recinto. O Espírito Santo já havia sido
derramado sobre aquele homem, mas as estruturas históricas ainda mantinham esta
toda e perversa divisão de classes.
No Pentecostes, servos e servas, escravos e
livres, adentram o sobrenatural. A religião se desprende de uma classe privilegiada
e se centraliza em Deus. O cristianismo focaliza no ser humano,
independentemente de quem ele é e qual sua condição social. Stanley Jones viu
na frente de um templo hinduísta a seguinte placa: “párias e cães não podem
entrar”. Párias são grupos religiosos inferiores do sistema hindu dividido por
casta, que coloca determinadas pessoas com impossibilidade de adentrarem o
sagrado.
Soube recentemente de um grupo muito grande de
uma casta hindu que se converteu ao cristianismo na Índia. Isto gerou
perseguição religiosa e protesto. Qual era o problema? Enquanto o hinduísmo
declara que aquele grupo estava distanciado de Deus, o cristianismo fala do
fato de que Cristo morreu por todos os homens, independentemente de sua classe
social.
No Pentecostes o Espírito Santo se manifesta a
todos. Sustenta a grande verdade de que o homem é homem, e tem valor em si
mesmo. Nenhum grupo religioso ou social pode determinar qualquer coisa
diferente disto, porque o Pentecostes acentua a dignidade humana.
- O Pentecostes
elimina a concepção de um grupo místico superior a outras pessoas – O Espírito Santo
foi derramado a todos, e não apenas aos apóstolos. O texto diz: “E todos foram cheios do Espírito
Santo”. Não houve distinção, ou um grupo espiritual que fosse superior
a outro e tivesse acesso exclusivo ao sagrado.
Isto é muito importante em nossos dias, quando
determinados místicos deixam a impressão de que são superiores e possuem o
conhecimento e acesso privilegiado a Deus. Pastores e profetas também passam
esta impressão de que são um grupo privilegiado que tem acesso às coisas
sagradas enquanto outros não. O texto afirma que no Pentecostes todos ficaram
cheios do Espírito, independentemente de sua competência espiritual. Havia 120 pessoas no lugar, e não foram
apenas os “espirituais” que tiveram acesso ao dom do Espírito Santo, mas todos
foram tocados pela manifestação maravilhosa de Deus.
S. Jones afirma: “Seria um terrível
desapontamento para a minha fé se eu tivesse que admitir que há pessoas que,
pela estrutura de seu ser, são incapazes de receber e compreender o Espírito em
todas a sua plenitude” [2]
O texto demonstra que, diferentemente de
tendências modernas centradas no homem, o poder aqui vem de fora, não de dentro
das pessoas. Não se tratava de desenvolver determinadas energias interiores
para alcançar experiências. “Veio do céu
um som como o de um vento impetuoso”.
Existe um pensamento moderno que tenta
despertar “O Cristo que há em nós”. O Pentecostes denuncia esta vã tentativa de
encontrar a divindade em nós. Deus está fora de nós, não vem de dentro, por
isto temos que “nascer do Alto”, o Espírito vem do Alto. “Ficai em Jerusalém até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc
24.49). enquanto todas as religiões falam da necessidade de encontramos o self interior, o cristianismo está
ensinando sobre a necessidade de morrermos para o nosso eu. “Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á,
mas quem perder por minha causa, salvá-la-á”. O cristianismo não fala de
uma busca interior para força, mas da necessidade de encontrarmos, fora de nós
mesmos, aquele que pode nos salvar.
Cultos modernos se baseiam no culto do eu, na
auto divinização. A filosofia do zen budismo afirma “Tu és aquele”, ou “eu sou
brama”, referindo-se a uma divindade. É a tentativa de encontrar Deus dentro de
si mesmo. O Evangelho mostra um lado absoluta distinto: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e
siga-me” (Lc. 9.23-24). Paulo fala da necessidade de crucificarmos o nosso
eu na cruz. “sabendo isto, que foi crucificado com ele o nosso velho homem” (Rm
6.6). Ninguém pode amar a Deus sem primeiro entregar-se a Ele.
- O Pentecostes
desfaz a barreira da comunicação entre as pessoas – “Como os ouvimos falar, na nossa língua
materna" (At 12.8).
Aqui ocorre o reverso de Babel. Lá os homens tentam
erguer uma torre que alcance os céus. É a tentativa da religiosidade fundada
sob o controle e o resultado foi a confusão: ninguém conseguia mais se entender.
No Pentecostes temos a antibabel. Quando
Deus está presente, aqueles que estão distanciados por causa da linguagem
começam a entender uns aos outros. A língua torna-se meio de comunicação não de
conflito e divisão. Na Babel (Gn 11), todos falavam a mesma língua e se
desentenderam, no pentecostes, todos tinham dialetos diferentes e se comunicaram.
As barreiras culturais são desfeitas.
É possível falar a linguagem do céu e assim
ser entendido. O problema da raça humana não é a distância que existe na suas
línguas e culturas, mas a distância que existe nos corações. Existem muitos,
vivendo dentro da mesma casa, que não conseguem se entender porque lhes falta
um espírito de unidade, enquanto muitos, ainda que distanciados linguisticamente,
tem encontrado a capacidade de comunicação, porque estão identificados pelo
mesmo Espírito.
Samuel Vieira
Anápolis - Agosto 2009
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