Introdução:
Com
as constantes notícias sobre crises ministeriais e a vida muitas vezes nebulosa
de tantos líderes espirituais, ficamos perguntando o que está há de errado com
os pastores. O fato é que há muita doença envolvida em todas as áreas
profissionais e os pastores não são isentos de enfermidades e patologias da
alma, da mente e do corpo, por isto Paulo já admoestava Timóteo: “cuida de ti mesmo e da doutrina”. Não
apenas exorta seu jovem discípulo a manter a sã doutrina, tendo convicções
claras do evangelho, mas em cuidar da saúde emocional, espiritual e física. Precisa
cuidar da doutrina e de si mesmo.
Roberto
Clinton, do Fuller Theological Seminary, fez um exaustivo estudo dos líderes
espirituais da Bíblia e afirmou que apenas 1/3 deles terminaram bem sua
história, todos os demais se envolveram em escândalos e muitos morreram longe
de Deus. Esta estatística é assustadora.
Recentemente
ouvi uma estatística da Igreja Presbiteriana do Brasil, que demonstra que nos
últimos 10 anos, 434 pastores foram despojados do ministério e a maioria por
envolvimento sexual, e apenas 162 foram jubilados. A jubilação ocorre quando a
pessoa completa 35 anos de ministério, completa 70 anos ou por motivo de saúde.
Atualmente as regras sofreram pequenas mudanças na IPB. Se olharmos os números
acima veremos que a mesma tendência dos tempos bíblicos ainda se aplica
atualmente. Pastores que chegam ao final do ministério e jubilam, ainda constituem
um número menor do que os que param no meio do caminho.
O
termo saúde não pode ser definido apenas como ausência de enfermidade. Esta é
uma forma pobre de enxergar a homeostase humana, mas deve ser definida como uma
condição de bem estar físico e mental, que envolve todos os aspectos do ser
humano. O dicionário define saúde como “estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e seu ambiente, o qual
mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos
limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital, estado
de boa disposição física e psíquica; bem-estar”.
Podemos falar da saúde pastoral nas seguintes áreas:
Física,
Espiritual,
Financeira,
Emocional
Intelectual.
1.
Saúde física
A
maioria das pessoas possui vida sedentária. Com a chegada dos computadores,
automóveis confortáveis, controle remoto, temos cada vez menos facilidade em
praticar esportes. A tendência é de termos uma sociedade mais obesa e com menos
saúde. Comemos demais, andamos pouco, nos acomodamos e isto traz danos
sensíveis à saúde física.
O
pastor tem ainda outros agravantes: Ele não tem um horário fixo de trabalho. Se
ele é disciplinado, organizado e atento, consegue encontrar tempo na sua agenda
para a prática esportiva e para o lazer, mas se ele não é assim, certamente vai
lidar com o descanso e as atividades esportivas com certo descaso e até mesmo
com culpa.
Tenho
defendido a tese de que pastores deveriam ter horários estipulados de trabalho,
para que pudessem organizar a sua vida pessoal, já que a maioria é
desorganizada. Como todo trabalhador ele deveria gastar 44 horas de trabalho
semanal, com atividades voltadas puramente para o ministério. Isto envolveria
devoção, leituras, preparação de textos e sermões, visitações, administração,
aconselhamento e áreas afins. Durante este período ele estaria “proibido” de
assistir TV, acessar o computador para ficar diante de mídias sociais ou o
telefone onde gasta boa parte do tempo enviando vídeos sem sentido para encher
a caixa de correio dos outros, e acessando facebook para bisbilhotar. Estas 44
horas seriam realmente “dedicadas” ao seu trabalho. Sei que esta proposta é
utópica, mas se se tornasse exequível poderia transformar a dinâmica de muitos
pastores.
Quando
o pastor não tem boa produtividade, começa a misturar horário de lazer e
trabalho. Por não terem foco, tornam-se dispersos na sua agenda. Não visitam,
não preparam bem seus sermões, vivem ocupados, mas são pouco produtivos porque
falta intencionalidade nas suas atividades. Não possuem uma agenda positiva de
trabalho, e não conseguem se organizar para desfrutar bem do seu tempo,
incluindo o lazer.
Por
causa disto, se sentem culpados em relação ao tempo. Não querem tirar férias,
porque sabem que não produziram bem, sentem culpa e não tiram a folga semanal
porque percebem que foram pouco efetivos nas suas atividades, ou realmente são
preguiçosos e sequer ligam para suas responsabilidades e tarefas.
Por
outro lado, alguns pastores são extremamente trabalhadores. Sua necessidade de
se afirmar e provar seu labor pode adoecer e facilmente isto esgota, trazendo
stress e “burn-out”. Muitos pastores estão no limite de sua capacidade física,
esgotados como Moisés em Êxodo 18, trabalhando desde o nascer até o pôr do sol
(como temos energia, nossos horários de trabalho se estendem ainda mais).
Tornam-se exaustos, amargurados, rígidos, moralistas, legalistas com pouco
tempo para suas famílias e para si mesmos. São melhores que Deus, que fez o
sábado para descansar. Eles não podem descansar!
Pastores
com este comportamento desenvolvem uma falsa noção de espiritualidade e compreensão
de que é preciso trabalhar à exaustão, sem perceber que isto não faz parte do
pensamento bíblico e nem é recomendado pela medicina.
As
leis do Antigo Testamento se dividem em moral, civil e cerimonial. Muitas das
leis cerimoniais, curiosamente, possuem regras de higiene e vida que são
costumeiramente ignoradas. Por exemplo, considere comer carne de porco num
ambiente quente e hostil como o deserto. Mais que uma regra a ser seguida, era
um princípio de vida. O mesmo se dá com peixes sem escama, camarões ou mesmo
lagostas, que se alimentam dos resíduos do fundo do mar. Do ponto de vista de
saúde, requerem muito mais cuidado.
A
lei do AT proíbe as pessoas de tocarem em mortos, obrigando-a se afastarem dos
leprosos, e tudo isto era cuidado com a saúde e higiene. Uma forma de proteger
fisicamente o povo de Israel.
O
segredo para o cuidado físico, está em manter hábitos saudáveis, dentre estes
podemos enumerar:
a.
Exercícios físicos moderados e constantes. Não é
necessário esforço intenso de uma academia, mas é preciso andar ao ar livre,
caminhar, praticar esporte. Tais recomendações não eram tão necessárias nos
tempos bíblicos porque as pessoas andavam muito a pé. Basta estudar um pouco da trajetória de Jesus
nos Evangelhos para perceber que ele era andarilho, um verdadeiro atleta ao
percorrer as distâncias entre pequenas cidades e vilas da Galileia e nas suas
idas a Jerusalém.
É necessário criar rotinas simples
que nos tirem do sedentarismo. Pequenas atividades são melhores que nenhuma
atividade. Limpar o jardim, lavar o chão, pequenas tarefas domésticas são
uteis, saudáveis e necessárias.
b.
Descanso. Ao criar o sábado, Deus não estava
pensando em si mesmo. O Guarda de Israel não dormita nem dorme. Jesus foi claro
ao afirmar: “o homem não foi feito por
causa do sábado, mas o sábado por causa do homem”. O sábado tinha objetivos
sociais como proteger o escravo, objetivos ecológicos como proteção dos animais
e da terra, e objetivos de saúde, como o de proteger o homem.
É preciso descansar!
Uma boa noite de sono, um dia
para não fazer nada, uma caminhada no parque, uma ida à fazenda ou a chácara,
um dia para deitar na rede sem preocupação com agenda. Tudo isto é reparador, e
além disto, sagrado, já que foi ideia do próprio Deus que nos criou e conhece
todas as coisas.
c.
Exames de rotina. É importante que alguns exames
de rotina sejam feitos, mesmo para pessoas jovens. Existem doenças silenciosas
como diabetes, colesterol, e até mesmo a pressão alta que podem não apresentar
sintomas visíveis, e o exame de rotina pode nos ajudar. Certo colega levou
susto ao perceber aos 35 anos que tinha que colocar duas pontes de safena. Suas
taxas de colesterol eram altíssimas, embora ele fosse um atleta.
Na medida em que a idade vai
chegando (ou indo), é importante observar de forma mais regular o comportamento
do corpo. Exames de rotina podem nos livrar de graves sequelas, como um AVC ou
câncer de próstata. 16.7% dos homens poderão adquirir um câncer de próstata até
os 65 anos. Não podemos desconsiderar estas coisas.
d.
Alimentação adequada. Outro aspecto a considerar
é a moderação na alimentação. A obesidade é um dos maiores problemas da
sociedade moderna. Excesso de gordura, carboidratos, açúcar, sal, comidas
gordurosas, fast food, tudo isto pode nos desequilibrar.
Precisamos repensar a qualidade
(e a quantidade) da alimentação. Muitas vezes comemos mal e muito. Modere. Não
precisa exagerar com dietas milagrosas como da USP, que não se sustentam com o
passar do tempo, mas podemos ingerir mais frutas, verduras, comer moderadamente.
Excesso de comida pode revelar ansiedade e voracidade, que apontam para pecados
mais profundos como a cobiça e a ambição.
2.
Espiritualidade
É fácil sermos absorvidos por uma
agenda tão exigente que sacrificamos coisas essenciais como a vida devocional, estudo
da palavra e oração. Como pastores podemos nos acostumar com as coisas
espirituais e dessacralizar o sagrado; nos tornarmos como Finéias e Hofni. As
coisas de Deus se tornam comuns e nos acostumamos com o sagrado a ponto de não
mais sermos impactados com as coisas de Deus.
Brennam Manning certa vez foi
visitar um velho sacerdote que lhe disse: “Eu nunca pedi a Deus popularidade,
riqueza, fama, prosperidade, mas sempre pedi que não tirasse de mim a
capacidade do assombro”. Esta era a experiência da igreja primitiva. “Em cada alva havia espanto, temor”. A
presença de Deus os marcava.
Na área espiritual podemos falar
de três aspectos:
2.1. Valorize a meditação na Palavra – não
deixe de ler a Bíblia devocionalmente. Não apenas para fazer estudos e preparar
sermões, não apenas para dar aos outros, mas para receber de Deus. Use um
caderno de anotações, ore com os salmos, leia a Bíblia toda pelo menos uma vez
por ano.
Recentemente minha esposa seguiu
um conselho para pensar em um versículo do Salmo 119 por dia. São 176 versículos,
portanto é uma disciplina para um semestre, e ela relata como isto foi profundo
para a sua alma. A última leitura que fiz dos salmos, três meses atrás, fiz de
forma inusitada. Eu orava os trechos que considerava importante para meu
coração, e foi algo muito positivo para minha vida. Uma sugestão interessante
que vi sobre os salmos é lê-lo da seguinte forma: no primeiro dia, o Salmo
1,31,61,91,121; no segundo, o Salmo 2 e sequencia, até ler os 150 salmos num
mês. Achei interessante esta dica.
Leia a Bíblia em blocos. Por
exemplo: ler todos os profetas menores de uma vez só. Certo dia resolvi ler o
livro de Jó todo numa manhã de dedicação e oração. Fez muito bem à minha vida.
O homem sábio medita na Lei “de dia e de noite”.
Pergunte na leitura: Há algum
pecado a ser abandonado? Há alguma promessa que devo acolher em meu coração? Há
algum princípio de Deus para minha vida? Deus está querendo me orientar em
direção a algo que estou desatento?
2.2. Valorize a oração – Se você vem de uma
tradição mais histórica do evangelho, encontrará certamente mais dificuldade na
vida de oração do que alguém que possui uma tradição pentecostal. Então, cuide
da sua vida de oração.
Orar não é fácil.
Muitas vezes observamos que
nossas orações são superficiais, repetitivas, desencorajadoras. Lembro-me do
Charles Brown assentado em frente os livros (isto mesmo, ele estava estudando),
e o primeiro pensamento que lhe veio à mente foi o seguinte: “Será que já faz
quanto tempo que estou estudando? Duas horas? Uma hora? Vinte minutos?”, então
ele olha para orelógio e grita desesperado: “Vinte segundos! Eu acho que vou
ficar louco. Quando vi este texto fiquei pensando que muitas vezes nossas orações
são exatamente assim...
Russel Shedd afirma: “A verdade é
que os santos da história oravam por horas que pareciam minutos, e nós oramos
por minutos que parecem horas”. Tire tempo para ficar a sós com Deus. Para
interceder pelas pessoas, para trazer sua vida diante de Deus. Que grande
desafio temos, e quão importante é nossa vida de oração.
2.3 Valorize exercícios piedosos – Práticas
espirituais desenvolvidas profundamente por alguns homens e mulheres da
história, deixaram de ter valor para nossa vida, mas precisamos considerá-las:
A. Solitude
– Hoje alguns pastores têm trabalhado muito a espiritualidade do deserto, dando
ênfase na meditação. Aquietar a alma, desligar o celular, fazer retiros
espirituais.
Nossa prática devocional
contemporânea, infelizmente está longe disto, mas esta é uma disciplina
extremamente importante para a alma. Silêncio e meditação, não são privativos
do budismo, Jesus fez constantes retiros de oração e devoção, afastando-se para
o deserto para estar com o Pai celeste.
B. Jejum
– A abstinência alimentar para um propósito específico não apenas foi praticada
por Jesus, mas recomendada por ele.
Jesus não afirma “se jejuardes”, mas “quando jejuardes”, inferindo que isto seria algo natural na vida
dos seus discípulos. Entretanto, o jejum é cada vez menos praticado e ensinado
em nossos dias. Entretanto, até mesmo o Manual do Culto Presbiteriano,
recomenda que em tempos de calamidades e grandes aflições, a liderança da
igreja deve convocar a comunidade para jejuar e orar.
C. Frugalidade
– Outra área esquecida e até mesmo desprezada tem a ver com a frugalidade,
estilo de vida simples, com modéstia.
Uma vida que valorize coisas
pequenas, sem ostentação, luxo. Somos uma sociedade competitiva e as pessoas
são valorizadas pelo que possuem ou pelas marcas de roupa que usam. O ministro
precisa lutar para não parecer esnobe, mas para viver “vida tranquila e mansa,
com toda piedade e respeito”.
D. Estabilidade–
Outro exercício importante. Fazia parte dos quatro votos monásticos para quem
estava pretendendo aderir a uma ordem e viver num mosteiro. As outras são mais
conhecidas: castidade, obediência e voto de pobreza. Os estudiosos afirmam que
a mais difícil, de todas, era a obediência irrestrita ao abade.
Mas o quarto voto, da
estabilidade, é pouco lembrado em nossos dias e poucos o conhecem. Um monge não
podia ser bipolar, passivo-agressivo, esquizofrenizado, de bom humor em um dia
e irado em outro. Este voto, se exigido hoje, poderia salvar muitas igrejas e
ministérios. Há muitos pastores desequilibrados, disfuncionais e neuróticos,
que adoecem toda a comunidade por causa de sua instabilidade emocional, ou por
causa de seus programas e constantes mudanças de projeto e planos na vida da
igreja.
Quando Dr. John Stott veio ao
Brasil em 1989, numa entrevista a um grupo de pastores e lideres ele foi
interrogado sobre o segredo de sua vitalidade espiritual e respondeu quatro
coisas:
i.
Leio a Bíblia todo diz
ii.
Oro todos os dias
iii.
Não me ausento da comunidade
iv.
Sempre participo da eucaristia.
Na verdade, todas estas práticas
parecem simples demais. O problema é que deixamos de praticá-las e o resultado
tem sido danoso para nossa alma pastoral.
Para um aprofundamento nestes
tópicos, recomendamos o livro de Richard Foster. “Celebrando as disciplinas
espirituais”, um clássico devocional profundo e equilibrado sobre o assunto.
3. Vida intelectual
O pastor precisa exercitar-se na
piedade, deve cuidar bem do seu corpo como templo do Espirito Santo, mas
precisa também estar atento ao seu preparo intelectual para, como diz o apóstolo
Pedro: “Antes, santificai a Cristo nos
vossos corações, estando sempre preparados, para dar razão da esperança em Cristo Jesus” (1 Pe 3.15). Precisamos
ser homens preparados. Paulo afirma a Timóteo: “aplica-te à leitura”. Na verdade ele estava falando das Escrituras
Sagradas, mas o homem de Deus precisa estar preparado para as questões
existenciais e teológicas com as quais há de se deparar.
Schaeffer afirma que não é justo
dizer ao descrente: “Creia somente”, mas
precisamos dar “respostas honestas a
perguntas honestas que são feitas”.
O líder cristão corre o risco de
não saber aplicar as verdades do evangelho aos desafios atuais. Quando isto
acontece ele passa a ter um discurso superficial, repetitivo e vazio, com uso
excessivo de jargões, como podemos ver no debate de dois jovens crentes falando
sobre seus pastores. Um disse:
-“Meu pastor é fantástico! Ele pregou
três sermões no mesmo texto”.
O outro desolado afirmou:
-“Mais fantástico é o meu! Ele prega o
mesmo sermão em textos diferentes”.
Vivemos num mundo globalizado e
midiático e corremos o risco de termos uma geração que vai para a universidade,
discute questões éticas, filosóficas e polêmicas todo o tempo, sem ter um
púlpito que seja capaz de responder as questões que estão sendo levantadas dia
a dia. Isto gera alienação num mundo globalizado, e uma liderança ingênua.
Diante disto sugerimos algumas
atitudes:
3.2. Veja
os filmes e livros que os jovens de sua igreja estão vendo. Recentemente minha
esposa me criticou porque as citações que fazia de filmes geralmente já são de
20 e 30 anos atrás. Ela completou: “precisa atualizar!”
3.3. Faça
reciclagem periódicas. Muito material, conferências e congressos, tem sido
oferecidos anualmente. Escolha aquele que mais lhe interessa, mas veja aqueles
com os quais você tem pouco diálogo. Eventualmente ver preletores diferentes,
mesmo que você discorde deles em algum ponto, pode ajudá-lo a ter um novo
prisma pastoral, nova metodologia e nova abordagem.
3.4. Viaje! Certamente os recursos são sempre
limitados, mas ouvir colegas de outras regiões, conversar sobre outros assuntos
pode ajudá-lo a sair da caixinha da tradição e da repetição. Muita coisa boa,
teologicamente correta, abordagens criativas e interessantes tem surgido e vale
a pena considerar isto.
3.5. Leia! Livros que não sejam teológicos e livros
teológicos.
3.6. Se
puder fazer uma faculdade, mesmo que seja via EAD, vale a pena considerar.
“A pessoa que eu sou está tão
presente na minha estante quanto a pessoa que eu quero ser” (Cora Rónai).
4.
Saúde Emocional
O Dr. Pérsio Gomes de Deus afirma
que “há maior incidência de doenças mentais entre pastores que na população
geral (...) Religiosos católicos possuem índice de stress superiores aos
profissionais de segurança”. Não é este um dado assustador?
Recentemente o Brasil ficou assustado
com vários pastores de diferentes comunidades suicidando. A exortação paulina
reverbera em nossa mente: “Cuida de ti
mesmo e da doutrina!”. Quais são os problemas mais comuns na
desestabilização emocional de um pastor?
4.1 Paixão
Muitos tem perdido sua vida por causa de uma paixão tresloucada. Amnom, primogênito
de Davi, foi um destes. Ele desenvolveu uma paixão proibida, um sentimento
doentio. Ele se apaixona pela sua irmã. É traído pelas forças dos seus próprios
desejos. Uma força incontrolável nasce e se torna obsessiva dentro dele. Ele
não consegue mais fazer nada, chega até adoecer. Ele sabe que aquilo é loucura,
que é proibido, mas é atraído por este louco sentimento! Esta paixão o leva a
cometer um dos atos mais infames em Jerusalém: Ele estupra sua irmã (2 sm 13)
Paixão tem destruído famílias, tem gerado morte, tem trazido tristeza
desgraça a famílias, tem sido a agente de uma geração cheia de ódio. Veja
quantas desgraças se seguem a uma paixão dentro da história de nossa própria
família. Tem destroçado almas, tem gerado profundas depressões familiares, tem
levado pessoas ao inferno, tem trazido dores à igreja de Cristo.
Pv 9.13 afirma: “A loucura
é mulher apaixonada, é ignorante e não sabe coisa alguma”.
A paixão é comparada à loucura. O louco perde o senso da realidade, do
ridículo, da lógica e da coerência. O louco tira a roupa no meio da rua, faz
interpretações malucas acerca da vida, interpreta a vida de uma forma não
coerente, perde o paradigma do seu próprio mundo interior, e perde o paradigma
social. O louco não compreende ninguém e também não é compreendido por quem
quer que seja. O louco perde sua referência mental, o paradigma moral. Ele é
alienado das consequências de seus atos. Pois bem, “a loucura é mulher apaixonada”. Isto é, tem o mesmo naipe; Já
viram uma moça apaixonada o que faz? Não vê mais, torna-se cega. Todo mundo
está vendo mas ela se recusa a ver. O mesmo acontece com os homens. Existem
rapazinhos fazendo loucura por uma mulher não merecedora desta atenção.
A paixão tem ainda outra característica: Ela
é ignorante.
Já viram
uma pessoa apaixonada o que faz? Ela ignora os perigos, ignora as ameaças, se
torna tola. Gente apaixonada precisa de amigos que advirtam do perigo que corre
porque ele mesmo não sabe quão grave despenhadeiro se encontram. O texto diz
ainda que não sabe coisa alguma. Ai da pessoa que se torna presa de uma paixão
direcionada ao objeto errado. Ignora os aspectos mais essenciais de sua
existência.
4.2 Ressentimento
Uma das grandes forças da vida é o ressentimento, a
amargura, o ódio, a ira. Muitos pastores estão contaminados e infestados por
este sentimento e dominado por ele. O ressentimento vai tirando o potencial
criativo, a alegria, a possibilidade de crescer na comunhão com o Senhor.
Com amargura, ninguém avança
emocionalmente na vida. Pessoas marcadas pela amargura patinam na vida.
Tornam-se fantasmas de si mesmas, prisioneiras de seus afetos, e não conseguem
avançar. O ódio é mau conselheiro, todos aqueles que resolvem prestar atenção à
sua amargura, padecem dores terríveis na vida. “Ódio é você tomar um copo de
veneno pensando que o outro vai morrer”
Gente que não perdoa vive prisioneira de uma outra
força, a vingança.
Centenas de pastores vivem assim. Erick Erickson
afirma que há duas formas de envelhecermos na vida: com celebração, gratidão e
contentamento ou com amargura e desistência. Um dos grandes fracassos da vida é
sermos desqualificados. Falamos tanto de vitória em Cristo, da alegria do
Espirito Santo, de paz interior, serenidade e graça mas estamos contaminados na
nossa fonte. Nosso coração não se guardou. “De
tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração porque dele procedem todas as
fontes da vida” (Pv 4.23).
4.3 Repressão
Desejo usar o termo repressão no
sentido mais psicanalítico possível, como “um mecanismo de
defesa que envolve a colocação de pensamentos incômodos em áreas
relativamente inacessíveis da mente inconsciente.
Assim, quando as coisas ocorrem de forma que somos incapazes de lidar no
momento, nós vamos afastá-las, ou planejar lidar com elas em outro momento
ou esperar que elas vão desaparecer sozinhas.
O nível de ‘esquecimento’ na
repressão pode variar de uma supressão temporária de pensamentos
desconfortáveis para um elevado nível de amnésia, onde os eventos
que causaram a ansiedade são enterrados muito profundamente.
O problema é que as memórias
reprimidas não desaparecem. Elas podem ter um efeito acumulativo e reaparecer
como ansiedade não atribuível ou comportamento disfuncional. Um elevado nível
de repressão pode provocar um elevado grau de ansiedade ou disfunção, embora
esta também pode ser causada pela repressão de um incidente particularmente
traumático”.
Boa parte do problema dos
pastores reside exatamente ai. Líderes assim não trataram e não conversaram
sobre o assunto, decidiram enterrar o problema vivo. Na verdade uma ira
reprimida volta em formas de ansiedade e depressão, brota em formas de
sintomas, que vão desde o desequilíbrio emocional até um casamento destruído.
Muitos pastores precisam procurar terapia, não só em razão dos problemas
pastorais em si, mas porque já trouxeram consigo questões mal resolvidas de
casa, da educação, da formação familiar.
4.4
Depressão
Coloco em quarto lugar, a
depressão. Não porque seja menos importante, mas talvez por ser o desfecho de
tudo o que até agora tratamos na questão da saúde emocional do pastor. Os
problemas mais comuns na depressão pastoral são citados assim pelo Dr. Pérsio:
i.
Problemas com a organização
ii.
Problemas conjugais
iii.
Problemas financeiros
iv.
Mágoa da esposa
v.
Instabilidade
vi.
Falta de horário definido
vii.
Atividades emocionais dispares
viii.
Solidão ministerial.
Depressão está diretamente
associada ao suicídio.
O problema da depressão é que,
como afirmou o Dr. John White, no seu livro As
máscaras da melancolia, é que ela tem muitas faces.
Depressão pode ser decorrente
de um desequilíbrio hormonal, uma alteração na supra renal, na tireoide, na
baixa atividade do Sistema nervoso central, e estas seriam as causas endógenas,
ou físicas;
Depressão também pode ser
causada por perdas significativas. Os psicológicos chamam isto de “luto
existencial”, quando se perde alguém ou algo significativo, não necessariamente
na morte, mas um pai ausente ou passivo, uma mãe distante e alheia, ou ainda um
trauma psicológico, resultantes de um cataclisma ou abusos físicos, morais e
sexuais. Tudo isto pode gerar profundo impacto nas emoções. Neste caso as
causas são emocionais.
Existem ainda as causas espirituais.
Pecado não perdoado, culpa, acusações do diabo, opressão, possessão, enfim, uma
variedade imensa de obras malignas que geram profunda angústia.
A grande dificuldade
encontra-se no diagnóstico e tratamento da depressão, pois podemos tratá-la como
uma questão espiritual quando o problema é endógeno, ou podemos tentar resolver
como um problema emocional quando se trata de uma questão espiritual e assim
por diante. A graça de Deus, a confissão pessoal, a aceitação e cuidado dos
irmãos e a obra do Espirito Santo, podem nos resgatar destes sentimentos de morte
tão avassaladores e destrutivos que nos sobrevém.
5. Saúde econômica e financeira
Por último, queremos tocar
numa derradeira e não menos importante área, que é a financeira. Pastores
precisam cuidar desta área atenciosamente, porque muito do seu bem estar, serenidade
e equilíbrio emocional, tem a ver com a forma como ele trata do seu dinheiro.
Depois da área sexual, o desequilíbrio financeiro tem sido o maior problema dos
pastores.
Infelizmente não temos no currículo
das escolas do Brasil uma matéria importante como Economia Financeira. Muitos nasceram
em lares indisciplinados financeiramente, e receberam pouca ou nenhuma formação
e treino para lidar com esta área. O efeito, muitas vezes é trágico, muitos
pastores terminam o seu ministério sem terem feito qualquer provisão ou
planejamento para sua aposentadoria.
Certamente muitos dirão que se
trata de uma questão de quanto se ganha, mas a verdade é que não é assim.
Alguns ganham relativamente bem e não se organizaram, e outros, com baixo
salário, conseguiram se organizar e se programar. Afirma-se que João Calvino,
instruía a sua comunidade a viver com 80% do que ganhava. 10% deveria ser
destinado à obra de Deus, e 10% para um investimento.
Alguns princípios são
adequados nesta área:
5.1. Moderação
– A forma como administramos o dinheiro tem muito a ver com a forma como
encaramos as coisas de Deus. Por isto quando João Batista ouviu dos soldados a
pergunta: “E nós, o que faremos? E ele
lhes disse: A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa e contentai-vos com o
vosso soldo” (Lc 3.14).
Para os menos avisados,
queremos recordar que soldo é salário. Sua resposta parece apontar para o risco
que corriam de serem pessoas ambiciosas e tentadas pelas oportunidades de
ganharem dinheiro desonesto. “Contentai-vos com o salário”, é uma regra simples
que se aplica ao pastorado. Sabemos que há igrejas que não querem pastor
humilde, mas pastores humilhados, e outras que acham que porque estão no
ministério devem ter salário de pobreza e miséria. Todas estas coisas são
verdadeiras e doloridas, já que o pastor, diz a Bíblia, deve ser merecedor de dobrado
honorário por pregar a Palavra (1 Tm 5.17).
Muitas vezes o problema não é
de mesquinhez da igreja, mas dos poucos recursos que ela possui. Igrejas
pobres, pequenas, são uma realidade muito comum em nossos meios. A regra áurea
é que o pastor deve receber um salário que expresse a realidade de sua
comunidade. Se as pessoas desta congregação ganham bem, por que um pastor
deveria ganhar mal?
A moderação do pastor, em
aprender viver contente em toda e qualquer situação, orienta a forma de viver. Parcimônia,
equilíbrio, bom senso, são boas referências quando se trata da administração do
dinheiro, e isto inclui, não gastar mais do que ganha e viver dentro do salário
que recebe, entendendo que a fidelidade de Deus para com sua vida, vai
capacitá-lo a viver com pouco ou com muito. A moderação nos livra da
ostentação.
5.2. Planejamento
– Outro aspecto a ser considerado quando o assunto é dinheiro é planejamento.
Se a despesa for maior que a receita, nenhum orçamento se sustém.
Portanto, faça uma planilha de
gastos, despesas obrigatórias, investimento. Se o dinheiro não for suficiente,
só existem dois caminhos: Aumentar a receita ou diminuir a despesa. Se não há
como aumentar a receita, deve-se estudar como efetivar cortes. Muitas vezes
fazer cortes é dolorido, mas com oração e bom senso, marido e mulher, muitas
vezes compartilhando com seus filhos, podem organizar melhor os critérios a
serem adotados. Esta é uma forma de ensinar planejamento financeiro aos filhos.
As despesas fixas não podem ultrapassar 80%, porque sempre surgem eventuais e
coisas não planejadas como o conserto ou compra de um eletrodoméstico, o
conserto do carro, uma doença, consulta médica ou remédio. O imprevisto sempre
surge.
5.3. Mordomia
– De certa forma não precisaria falar sobre isto, já que o assunto é a vida do
pastor, mas lamentavelmente existem pastores que são infiéis quando o assunto é
a contribuição para a obra de Deus.
Pastores lamentavelmente
tendem a se tornar pessoas pouco generosas com seus recursos e muitas vezes infiéis
quando o assunto é dinheiro. Não entregam seus dízimos, não investem em
missões, mas a verdade é que Deus pede de nós a nossa fidelidade. “Honra ao Senhor com teus bens, e se encherão
fartamente os teus lagares”. Este é um princípio divino. Muitas vezes
ensinamos isto, mas será que estamos contribuindo para o reino de Deus? Estamos
confiando que Deus nos dará a provisão? Que ele é, de fato, o Jeová-Jireh?
Baseado nas promessas de Deus,
quero perguntar aos pastores que leem este artigo? Você aplica os princípios da
mordomia espiritual na sua vida? Não estou dizendo que todo aquele que investe
no reino nunca passará por privação. Paulo afirma que tinha aprendido a viver
contente em toda e qualquer situação, tanto de fartura quanto de escassez. Deus
pode, dentro dos seus eternos e misteriosos decretos, permitir que tenhamos
necessidade, para aprender a confiar nele e na sua provisão. Quando entrego o dízimo,
estou dizendo a Deus que confio nele, e apenas nele, para a minha provisão. Daí
para a frente, a responsabilidade do meu sustento é do próprio Deus, que me
pede fidelidade, e a melhor medida da fidelidade não é o quanto eu dou, mas o
quanto retenho, e tempos de escassez, na verdade, me desafiam a demonstrar
minha confiança no seu caráter e na sua provisão.
5.4. Riscos
– Podemos falar de alguns riscos quanto o assunto é o dinheiro.
a. Competição
– Alguém afirmou que o pastor muitas vezes é alguém que vive como rico, sendo
pobre. Muitas vezes as igrejas possuem boa casa pastoral, dão um bom veículo
para as atividades do pastor, dão presentes que nos fazem pensar que somos
ricos. Mas a competição com os vizinhos ou membros da igreja podem nos tornar
descontentes e insatisfeitos, ou mesmo equivocados em relação ao salário que
realmente ganhamos. Cuidado!
b. Ostentação
– Inimigo da modéstia. Nos leva a dar a impressão aos outros que temos o que
não temos. Compramos coisas que não precisamos, com dinheiro que não temos para
impressionar pessoas que não gostamos. Muitos pastores e esposas já caíram
nesta tentação.
c. Prestação
– Outro inimigo comum não apenas dos pastores mas do povo brasileiro. Com o
advento das prestações do cartão de crédito, não fazemos conta de quantas pequenas
prestações, que se tornam um grande volume, assumimos sem planejar
corretamente. Se você está sempre pegando o 13º salário adiantado, vale a pena
refletir sobre o que tem levado você a consumir o que ainda não deveria estar
recebendo.
d. Retenção
– outro perigo, mas do lado oposto. Se de um lado é comum encontrarmos o
perdulário, desorganizado e gastador, podemos assumir uma atitude de avareza em
relação aos nossos bens. Não entendemos que Deus nos tem dado não apenas para
comer, mas também para plantar. “Ora,
aquele que dá semente ao que semeia, e pão para alimento, também suprirá e
aumentará a vossa sementeira e multiplicará os frutos da vossa justiça” (2
Co 9.10). O pão é para comer, mas a semente é projeto de fé. É preciso semear
acreditando que o Pai celestial dará colheita abundante.
Conclusão
Pastores precisam cuidar de
sua saúde.
Saúde envolve a forma como
lidamos com nosso bem estar físico, emocional, espiritual, mental e financeiro.
Estas áreas, atingem a família e a igreja, e geram a homeostase ou equilíbrio tão
necessário para gerar o que chamamos de bem estar. As coisas se harmonizam. Isto
se reflete na igreja que passa a respeitar mais o seu pastor, isto orienta a
vida.
Por isto precisamos urgentemente
de cuidar de nossa saúde, não apenas doutrinária, mas pessoal. Deus planejou
isto para cada um de nós e orientou na sua palavra os princípios necessários para
vivermos uma vida mansa e tranquila, que lhe agrada.