segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Gl 5.4 A Perda do Evangelho





"De Cristo vos desligastes, vós os que procurais 
justificar-vos na lei; da graça decaístes”

Introdução:

David Nicholas afirma no seu livro “O que fizeram do Evangelho”, que contrataram uma equipe para avaliar se os sermões nas igrejas evangélicas do Sul da Flórida anunciavam de fato o evangelho, e chegaram à conclusão que 85% deles não estavam centrados no Evangelho e não o anunciavam.

Recentemente, alguém me perguntou o que eu penso do Silas Malafaia, e eu disse que o acho um homem inteligente, articulado, que defende algumas boas causas sociais e políticas, e prega bons sermões de auto ajuda, mas que o grande problema da sua mensagem, ainda que não tenha ouvido tantas, é que eu nunca o vi pregando uma mensagem evangélica, que falasse da cruz, arrependimento e da salvação em cristo.

Pensando nestas coisas resolvi rever minhas notas e sermões, e constatei que mesmo pregando expositivamente e tentando ser fiel ao texto, eu muitas vezes deixei de falar da obra de Cristo. Meus sermões não eram cristocêntricos, nem anunciavam as boas novas, ainda que não estivesse pregando uma heresia. Eu simplesmente não era evangélico nas pregações. Isto tem me feito ser mais atento aos sermões que prego: “Tenho realmente anunciado a Cristo?”. Gostaria de desafiar você, que é pregador leigo ou pastor, a rever suas notas de sermões. Você está pregando cristo? Anunciando a mensagem do evangelho?

Você pode pregar boas mensagens bíblicas, sem anunciar o Evangelho. A Bíblia contém maravilhosos princípios sobre casamento, relacionamentos humanos, auto ajuda. Por isto Keller afirma: “não devemos simplesmente pregar a Bíblia de forma geral, precisamos pregar o evangelho”[1] Lutero afirma que se você pregar a Bíblia e não chegar em Cristo ou falar da cruz, você está negando o evangelho.

A igreja da Galácia foi censurada por Paulo, porque 30 anos depois de ter sido fundada, estava deixando o evangelho por um “outro evangelho” (Gl 1.6), e Paulo diz: “Vós corríeis bem, quem vos fascinou a vós outros ante cujos olhos foi cristo crucificado?”. O que estava atraindo a igreja da Galácia? A LEI.

Por que a Lei é tão fascinante?
A.    O Software da lei – toda a mente humana está fundamentada sob o princípio da retribuição. As escolas, a vida, a carreira. Então, nossa mente funciona desta forma naturalmente. Por esta razão, todas as religiões do mundo estão fundamentado no princípio meritório: O homem é salvo pelos seus esforços.
Num debate acontecido em Londres, no qual estavam presentes representantes de várias religiões, a pergunta qe foi feita a cada era: “Qual o diferencial de sua religião?” e C. S. Lewis respondeu: A graça! Só o cristianismo afirma que a salvação é graça, e somente a graça.
B.      O Evangelho é contracultural – todo “modus operandi” é baseado na lei. A graça gera desconfiança. “Como assim, de graça?”. A lógica da teologia da prosperidade é retributiva. Digo sempre aos meus alunos quando lhes dou as tarefas do semestre: “Vocês não estão obrigados a entregar seus trabalhos e provas, e assim também, estou desobrigado de dar a nota e aprová-los”. Viu como eu sou gracioso? Como funciona a “graça” em nossa cultura? Afinal, não temos sempre ouvido: “Não existe almoço grátis?”

C.     A Lei coloca o ser humano no centro. Ela é antropocêntrica. Certa mulher afirmou: “Não gosto da ideia da graça, pois isto significa que não posso exigir nada de Deus”. A teologia da prosperidade afirma: “Eu decreto!”, se você der o dizimo Deus está obrigado. Você tem direitos. Deus me deve!
Resultado de tudo isto é uma distorção central na mensagem das Escrituras Sagradas, afastamento de Deus e condenação: “De Cristo vos desligastes, vós os que procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes” (Gl 5.4). Outro resultado visível é o orgulho espiritual: “graças te dou, porque não sou como este...”

Os riscos do “Outro Evangelho”
1.      A lei é oposta ao evangelho. O Outro evangelho é o anti evangelho. (Gl 1.6-7). Ele é anátema porque despreza ou ignora a obra de Cristo. O que ele fez não é relevante.

2.      A lei traz glória ao eu, não a Deus – Quando Paulo entendeu a mensagem da cruz, ele não conseguia pensar em outra coisa. “Eu me glorio da cruz” (Gl 6.14).

3.      O inimigo número 1 do evangelho é a justiça própria – “Pessoas boas” não se impressionam nem são atraídas ao evangelho. “Os sãos não precisam de medico”. Cristo morreu pelos pecadores, dos quais eu sou o principal. A compreensão da gravidade de meu pecado me leva a desejar Deus e ansiar seu perdão e redenção. O grande pecado da vida, porém, é viver de forma independente de Deus. Esta é a raiz da queda no Éden.
Tim Keller, no seu livro a Igreja Centrada afirma na introdução do primeiro capitulo que “O Evangelho não corresponde a tudo”, portanto, nem tudo que você prega partir da bíblia, é o evangelho, ainda que você esteja anunciando corretos princípios e verdades. E a partir daí faz três considerações:

a.      O evangelho é uma boa notícia, não um bom conselho. “O evangelho não é fundamentalmente um modo de vida. Não é algo que fazemos, mas que foi feito por nós, ao qual devemos responder” (Pg 35)

b.      O evangelho é uma boa notícia que anuncia que fomos resgatados ou salvos. “Resgatados de que? De que perigo fomos salvos?” Fomos resgatados da “ira vindoura” no fim dos tempos (1 Ts 1.10), e esta ira não é uma força impessoal: é ira de Deus.

c.       O evangelho é uma boa notícia sobre o que Cristo fez para restaurar o nosso relacionamento com Deus. Tornar-se cristão diz respeito a uma mudança de condição. A bíblia afirma que “já passamos da morte para a vida” e não que estamos passando da morte para a vida (1Jo 3.14).

M. L Jones fazia uma pergunta simples para aferir a compreensão do evangelho que uma pessoa tinha perguntando: “Você está pronto agora para afirmar que é um cristão?” e que geralmente as pessoas hesitavam e respondiam: “acho que ainda não sou bom o bastante para isso”. Para essa afirmação ele dava a seguinte resposta:

“Imediatamente sei que... elas estão pensando na perspectiva de si mesmas; ainda acham que tem de ser boas o bastante para ser cristãs... parece muita modéstia, mas é uma mentira do diabo e a negação da fé... você nunca será bom o bastante; ninguém jamais foi bom o bastante. A essência da salvação cristã é afirmar que ele é bom o bastante e que eu estou nele”.

O princípio do Evangelho
A base está na obra de Deus e não nos homens. Não é o que sou capaz de fazer, mas o que Cristo fez por mim. A fórmula da religião é “obedeço, logo sou aceito”, mas o evangelho afirma o contrário “sou aceito por Deus por meio de Cristo, logo obedeço”.

Estes dois grupos estão sempre presentes na vida da igreja, mas operam com software diferente. Um fundamenta-se no homem, no seu esforço, na lei; outro, baseia-se na obra de Cristo, embora estejam ambos na igreja e se declarem cristãos, a base deles é completamente diferente na sua essência.

Ambos se esforçam para obedecer a Deus, orar, contribuir e ser um bom cidadão e pai de família, entretanto, fazem isto como motivações radicalmente diferentes. Uma é a lei, outro é a graça.

Elizabeth Elliot escreveu um conto que demonstra como estas coisas podem acontecer:
Certo dia Jesus estava caminhando com seus discípulos e ao passarem por um local cheio de pedras ele disse: “Gostaria que vocês carregassem uma pedra para mim”. Todos os discípulos então, abaixaram e pegaram uma pedra. Pedro, espertamente pensou: “ele não disse que tamanho de pedra ele queria”, e desta forma pegou uma pequena pedrinha e foi carregando pelo caminho. Depois de duas horas de caminhada, assentaram-se debaixo de uma sombra e Jesus disse: vamos assentar e comer, coloquem as pedras diante de vocês. E ao orar, as pedras se transformaram em pães, proporcionais ao seu tamanho e este era o almoço de cada um. A pedra que Pedro levou, mal deu para encher sua boca, e ele saiu dali com fome. Em seguida Jesus disse novamente: “Quero que vocês carreguem outra pedra para mim”. Pedro então pensou: “aprendi a lição! Esta pedra é o meu lanche. Vou caprichar” e pegou uma pedra grande, e foi carregando, subindo e descendo morro, por quase três horas, mas Pedro pensava que todo sacrifício valeria a pena, afinal, este era seu lanche. Ao chegarem diante de um rio, Jesus disse: “Joguem a pedra no rio!”, e todos obedeceram e Pedro ficou sem entender nada. Com fome, depois de caminharem mais um pouco, ele se aproximou de Jesus para reclamar. E Jesus disse: “Pedro, para quem você carregou esta pedra? Eu pedi que a fizesse por mim. Mas você, este tempo todo a carregou por você!”

É assim que ocorre a distorção em relação ao evangelho.

Na lei, fazemos para ser aprovados por Deus, para conquistar o direito de sermos amados. No evangelho, fazemos as coisas para Deus porque entendemos que já somos aceitos e amados por ele, por causa do sacrifício de Cristo.
Tim Keller afirma que existe não apenas uma forma de responder a Deus, mas três: “irreligião, religião e o evangelho”. Basta olhar a carta aos Romanos para observarmos isto:

Rm 1.18-32: Paulo mostra que os gentios e pagãos estão perdidos e distantes de Deus. Eles recusaram a Deus e desprezaram seu conhecimento, e Deus os entregou a si mesmos: Rm 1.24,26,28. Esta é a pior forma de ira de Deus. Deus entrega o homem à sua própria sorte para viver de acordo com seus instintos. O que a sociedade moderna chama de liberdade, a Bíblia afirma que é julgamento e condenação de Deus.

Em Rm 2.1-3.20 Paulo descreve a dramática situação dos judeus, já que apesar de serem religiosos, moralistas e crerem na Bíblia encontram-se perdidos e longes de Deus. “Tanto judeus como gregos, (isto é os religiosos como os irreligiosos), estão todos debaixo do pecado” (Rm 3.9-11), por uma razão. “Quando o religioso busca retidão com Deus por meio de sua moral, não está buscando a Deus para ser salvo; está usando a Deus para ser salvo; está usando Deus como um meio de obter a própria salvação” (Tim Keller, Pg 76).

Rm 4 em diante – A parte deste texto, Paulo demonstra que o Evangelho, significa apropriar-se da justiça de Deus presente em cristo. Lutero afirma que a religião está presente por natureza no coração humano, mas infelizmente, apenas uma pequena fração de cristãos professos está se apropriando substancialmente da obra justificadora de Cristo na vida deles.

O único modo de nos aproximarmos corretamente de Deus é por meio do Evangelho. Precisamos entender que devemos obedecer a Deus não como uma forma de autossalvação, mas como gratidão pela salvação.

A religião afirma: “Obedeço, portanto sou aceito”, o evangelho diz: “Sou aceito, por isso obedeço”. Obediência é resposta ao amor de Deus, não meio para conquistar o seu amor. Na religião, a base é o medo e a insegurança, no evangelho é a aceitação e a alegria cheia de gratidão. Minha luta não é a de alguém que alcança os padrões morais de Deus por meio da eficiência moral, mas alguém que, em cristo, é ao mesmo tempo, um pecador perdido, mas aceito. Minha identidade e dignidade não se encontram na minha performance, mas em cristo.

“Se você busca retidão com Deus por meio de sua moral e de sua religião, não está buscando a Deus para ser salvo, mas está usando Deus como meio de obter a sua própria salvação” (Keller)[2]

A lei tem dois nefastos resultados: Depressão e orgulho. A lei é impotente, diz o que você deve fazer, mas não lhe dá força para vencer. Paulo afirma: “Eu não conhecera pecado, até que a lei me disse: não cobiçarás!” A Lei demonstrou o pecado, mas não tirou a cobiça do coração de Paulo.

Por que não me envergonho do Evangelho?

1 Reconheço que o Evangelho é o poder de Deus – Ele transforma a natureza humana. “Deus pode transformar qualquer pessoa, em qualquer situação, inclusive você!”

2. Ele muda meu status diante de Deus – Por meio da cruz, Deus me justifica, ele me declara justo. Justificação é um termo forense, da justiça. É uma declaração de que sou absolvido de minhas culpas e pecados. Cristo levou sobre si a minha culpa e vergonha. Quando olho para a graça compreendo que sou mais pecador do que jamais acreditei, mas sou mais aceito e amado do que jamais pensei. Por meio de Jesus, Deus me liberta da ira vindoura, e me declara justo! Não é maravilhoso!?

3. Ele possui um alcance cósmico. Não apenas para o judeu, mas também para o gentio, do qual eu faço parte. “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10.9-13).

4. Ele é a base da minha justiça – “O justo viverá pela fé”, não pela performance. Em Romanos 4 Paulo explica que Abraão creu e isto lhe foi “imputado” por Jesus. Abraão não tinha na sua natureza intrínseca esta justiça, mas Deus lhe atribuiu, por meio da fé. E mais ainda, não apenas lhe perdoou, zerando a conta devedora e “não atribuindo iniquidade”, e Davi muito se regozijou em saber isto, mas ainda lhe concedeu saldo, atribuindo justiça. Entro com saldo devedor e saio com saldo positivo.

Lovelace: “Apenas uma fração de cristãos professos está se apropriando substancialmente da obra de cristo”. Você é aceito apossando-se de toda justiça extraordinária de cristo. Não obedeço, logo sou aceito, mas sou aceito, portanto, obedeço!

5.      Porque apenas o evangelho me pode dar gloria – ao olhar para dentro do meu coração, sinto-me assustado e me desespero. “Miserável homem que sou, quem me livrará o corpo desta morte?”. Quando olho para fora, torno-me cínico e incrédulo “não há justo, nem sequer um, não há quem entenda, não há quem busque a Deus”, mas quando olho para cruz, minha esperança renasce. “Justificado, pois, pela fé, temos paz com Deus” (Rm 5.1).

Por isto os puritanos afirmavam que “cada vez que olharmos para dentro de nós, devemos olhar 10 vezes para a cruz”. Ali está a minha glória.




[1][1] Keller, Tim – A Igreja Centrada, São Paulo, Ed. Vida Nova, 2014, pg 39
[2] Keller, Tim- Op citado, pg 76

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