sexta-feira, 7 de setembro de 2018

At 12.20-25 Os equívocos de Herodes






Introdução:

Transcorria o ano 44 d.C., e a Judeia desde o ano 41 era governada pelo Rei Herodes Agripa I, neto de Herodes o Grande (37 a 4 a.C), que foi o rei dos dias do nascimento de Jesus e que ordenou a matança dos primogênitos quando soube do nascimento de um rei nos arredores de Belém. Ele era filho de Aristóbulo, executado em 6 d.C. a mando do próprio pai.
a Bíblia cita quatro Herodes, e isto sempre traz confusão ao leitor dos textos sagrados. 
O Primeiro, Herodes o Grande. Notável administrador que deixou um legado de obras portentosas em Jerusalém, incluindo o famoso templo cujas ruínas ainda são encontradas ainda hoje. Tudo o que ele fazia era com muita excelência e luxo.
Depois surge Herodes Antipas, a quem Jesus se refere como uma "raposa", uma declaração nada amistosa ao rei, conhecido por seu caráter esquivo. Jesus não se deixou intimidar pelas suas ameaças (Lc 13.32).
Em seguida temos neste texto, o relato referente ao Herodes Agripa I, cuja avó, Mariane, era judia. o texto de Atos 12 se refere a este rei, que governou apenas do ano 41-44 d.C., portanto, no meio dos acontecimentos que envolviam a igreja primitiva.
E por fim, Herodes Agripa II, que é chamado na Bíblia de Rei Agripa, que junto com sua esposa Berenice, participou da entrevista promovida por Festo, em Atos 25.13. 

No ano 44, Jesus já havia voltado ao Pai, e a igreja dava seus primeiros passos sem sua presença física. Sua morte e ressurreição se deram 14 anos antes, e a conversão de Paulo foi no ano 37 d.C. A Igreja Primitiva estava esperando os resultados maravilhosos do Pentecoste (30 d.C), e muitas pessoas estavam se convertendo, gerando forte oposição religiosa, desencadeando o martírio de Estevão e a perseguição religiosa. Os poderes públicos de Roma, viam o desenrolar destas questões como expressões religiosas e não estavam muito interessados em se meter nelas. A perseguição sobre a igreja tornou-se cf. At 8.1.

Apenas em Atos 12.1, veremos a participação política de Roma, através de Herodes Agripa I.

Herodes tinha divergências com os habitantes de Tiro e Sidom, região sul do Líbano, e precisavam de ter boas relações diplomáticas com Herodes, porque se abasteciam das férteis terras da Galileia que produziam o cereal que precisavam. A situação de conflito foi mediada por Blasto, camareiro do rei, que usando seu tráfico de influência, conseguiu mediar as disputas e resolver as diferenças. Alguns falam que Blasto havia sido subornado pelos habitantes de Tiro e Sidom para mediar tal conflito.

O texto bíblico relata que uma cerimônia pública, talvez uma audiência, tenha sido marcada, e Agripa I, decidiu demonstrar sua pompa e glória, vestindo seus trajes reais e ao fazer seu discurso o auditório gritava: “é a voz de deus e não de homem” (At 12.22).  O historiador judeu Flávio Josefo conta em sua obra Antiguidades alguns detalhes da morte de Agripa, que não são relatadas neste texto.
Naturalmente, este é o tipo de história que os céticos questionam por achá-la exagerada, muito forçada para ser verdade e que a Bíblia não é historicamente acurada. Entretanto, esta mesma história é relatada por Josefo:
“Então, quando Agripa tinha reinado durante três anos sobre toda a Judéia, ele veio à cidade de Cesaréia, que antes era chamada Torre de Strato, e ali ele apresentou espetáculos em honra a César, ao ser informado que ali havia um festival celebrado para se fazerem votos pela sua segurança. Em cujo festival uma grande multidão de pessoas principais se tinha reunido, as quais eram de dignidade através de sua província. No segundo dia dos quais espetáculos ele vestiu um traje feito totalmente de prata, e de uma contextura verdadeiramente maravilhosa, e veio para o teatro de manhã cedo; ao tempo em que a prata de seu traje sendo iluminada pelo fresco reflexo dos raios do sol sobre ela, brilhou de uma maneira surpreendente, e ficou tão resplendente que espalhou horror entre aqueles que olhavam firmemente para ele; e no momento seus bajuladores gritaram, um de um lugar, outro de outro lugar, (ainda que não para o bem dele) que ele era um deus; e acrescentavam: ‘Sê misericordioso conosco, pois ainda que até agora te tenhamos reverenciado somente como um homem, contudo doravante te teremos como superior à natureza mortal’. Quanto a isto o rei não os repreendeu, nem rejeitou sua ímpia bajulação. Mas, estando ele presente, e depois olhou para cima, viu uma coruja pousada numa corda sobre sua cabeça, e imediatamente entendeu que este pássaro era o mensageiro de más notícias, como tinha sido antes mensageiro de boas notícias; e caiu na mais profunda tristeza. Uma dor severa também apareceu no seu abdome e começou de maneira muito violenta. Ele portanto olhou para seus amigos e disse: ‘Eu, a quem chamais deus, estou presentemente chamado a partir desta vida; enquanto a Providência assim reprova as palavras mentirosas que vós agora mesmo me disseram; e eu, que por vós fui chamado imortal, tenho que ser imediatamente afastado depressa para a morte...’ Quando ele acabou de dizer isto, sua dor se tornou violenta. Desse modo, ele foi carregado para dentro do palácio; e o rumor espalhou-se por toda parte, que ele certamente morreria dentro de pouco tempo... E quando ele tinha se esgotado muito pela dor no seu abdome durante cinco dias, ele partiu desta vida” (Antiguidades, XIX, 7.2).

Josefo é mais prolixo que Lucas, mas há enorme concordância entre os relatos, que, por serem diferentes embora não contraditórios, não podem ter sido copiados do outro, e são bastante semelhantes para atestar sua autenticidade.

A ocasião era um festival em homenagem ao imperador Cláudio. Era já o segundo dia do festival quando Herodes chegou ao lugar da festa vestido de uma roupa de prata que brilhava aos raios do sol e ofuscava o auditório. Os seus aduladores gritavam em vários pontos do auditório que ele era um deus. Num dado momento, começou a sentir dores fortes na altura do estômago. Tais dores continuaram e cinco dias depois ele morreu.

Lucas registra em Atos 12.23 que a morte de Agripa foi causada pelo juízo de Deus. Lucas, o autor de Atos, que era médico, fez questão de declarar que o “deus” Agripa foi comido por vermes! Uma enfermidade terrível acometeu Herodes e do seu ventre saíram vermes, antes mesmos de sua morte. por mais terrível que isto possa parecer, é bom lembrar que tipo de semente Herodes plantou.  Aquele que as pessoas intitulavam como um deus morreu pela manifestação do verdadeiro Deus. Esta história comprova como a humanidade é pródiga em criar falsos deuses, e como os deuses falsos são frágeis e seus pés de barro.

Herodes Agripa I cometeu vários equívocos, e uma leitura atenta do capitulo 12 de Atos vai nos revelar as tendências de seu coração.

Primeiro, Herodes estava mais interessado em popularidade que integridade.

Por aquele tempo, mandou o rei Herodes prender alguns da igreja para os maltratar, fazendo passar o fio da espada a Tiago, irmão de João. Vendo ser isto agradável aos judeus, prosseguiu, prendendo também a Pedro. E eram os dias dos pães asmos”(At 12.1-3).

O texto nos mostra que ele entrou na onda de perseguir a igreja, não por convicção religiosa ou ideológica, mas pelo desejo de ser popular entre os judeus. Ele se relacionava bem com as questões judaicas, por ter uma avó judia de sangue real (Mariane), e por isto foi razoavelmente bem aceito pelo povo. Sua motivação? Vendo ser isto agradável aos judeus... Sua percepção política se acentuou. Não interessam os meios inescrupulosos, perversos e desumanos que serão usados. O que ele viu era suficiente. "Seus súditos (ou eleitores)" estavam felizes. Isto é suficiente. 

O movimento cristão criou para Herodes uma oportunidade inesperada de ganhar a simpatia dos judeus. O rápido crescimento do cristianismo os deixou alarmados e Herodes decidiu se aliar aos religiosos por oportunismo político. O desejo de popularidade dominava seu coração.

Herodes não estava interessado em fazer o que era certo, mas em fazer aquilo que lhe daria dividendos políticos. Este mesmo desejo de popularidade ainda hoje, facilmente se torna uma idolatria nas pessoas públicas, e é também muito presente em pessoas comuns.

Como a pressão social pode nos induzir ao erro.

Com o fenômeno das mídias sociais, as pessoas demonstram como o desejo de ser aplaudido, reconhecido, receber um like, pode se tornar uma obsessão perigosa. A vaidade se torna explícita e é forte aliada do desejo de popularidade, e alguém já afirmou que “a vaidade é o pecado predileto do diabo”.

O que Herodes buscava? Reconhecimento e aclamação pública. Todo cenário e ambiente foi criado para que ele fosse visto não como uma pessoa comum, mas como uma divindade. Conhecendo um pouco da mente dos tiranos é fácil imaginar que certo grupo de pessoas bajuladoras começou a gritar que ele era um Deus. Isto certamente o encantou, mas no meio dos gritos, foi acometido de uma forte dor que o levou à morte.

A Bíblia fala de outro rei que foi igualmente derrotado pelo desejo de popularidade. Saul, o primeiro rei de Israel foi repreendido por Deus, através do profeta Samuel, e ele detectou imediatamente a causa de seu fracasso: “Pequei, pois temi o povo e dei ouvidos a sua voz” (1 Sm 15.24). Saul estava tão empenhado em ser apreciado, que se esqueceu que a maior glória que um homem recebe é de Deus, e não dos homens.

Como é fácil sermos atraídos à popularidade e desejo de aceitação da sociedade, da família, na escola ou no trabalho. Como é duro viver no anonimato, na exclusão e no desprezo. Então, o que fazemos? Negociamos consciência, integridade e fé para que sejamos aceitos, e assim fazemos não o que cremos, mas aquilo que nos trará louvor.

Herodes estava mais interessado em popularidade que integridade. Se o nosso coração estiver obcecado pela aceitação das pessoas, certamente negociaremos a verdade, o caráter e a integridade e seremos consumidos pelo desejo de apreciação e aprovação social.

Segundo, Herodes se recusou a aceitar os fatos para justificar seus atos

Isto pode ser percebido no relato que a Bíblia faz em At 12.9-19. Pedro foi miraculosamente liberto da prisão, as cadeias se soltarem e os portões se abriram automaticamente.

Os soldados romanos que faziam a ronda sabiam da seriedade de uma falha na segurança. Isto facilmente lhes custava a vida. Os soldados relataram o estranho fenômeno que se deu, porque todos quatro guardas, não viram nada e não sabiam explicar este fato misterioso.

Apesar de estar no palácio e todos os que moram nos palácios facilmente perdem o contato com o mundo exterior, a verdade é que ele deveria considerar os fatos com mais acuracidade em busca de sua veracidade, mas ao invés disto, achou mais fácil punir os guardas, justiçando-as, que se ater aos fatos. Talvez porque os fatos o levariam a uma situação na qual ele teria que dar um veredito acerca de Jesus e de seus discípulos que ele não queria fazer.

Os tabloides ingleses são famosos pelas manchetes espetaculares e nem sempre verdadeiras que publicam. Muitas vezes estas manchetes custam pequenas fortunas em processos judiciais, mas eles não se importam, já que o volume de sua venda aumenta tão consideravelmente que justifica as eventuais perdas. Um lema entre eles se expressa desta forma: “Nunca deixe que a verdade esteja entre você e uma boa estória”. O que eles querem dizer com isto? Se preciso sacrificar a história para vender mais, então, siga em frente!

Herodes se negou a buscar a verdade, preferindo que os guardas fossem justiçados (At 12.19), ele não considerou a perplexidade dos guardas, nem o inusitado fato que se dera entre eles. A verdade não era seu interesse. Os fatos eram secundários. Herodes estava cercado de evidências sobrenaturais, mas preferiu seguir sua agenda, sem ter que se defrontar com elas e admiti-las. Os relatos sobre Jesus eram recentes, assim como os milagres no meio da igreja de Cristo, mas ele tentou impedir o avanço de um movimento de fé que transformaria a história do ocidente, e dominaria todo império romano em menos de 300 anos, sem o uso de um exército ou de forças humanas, ou poder. Herodes ignorou o que era evidente e se recusou a admitir o óbvio.

Muitas vezes tenho visto pessoas assim. Já presenciaram tantos milagres, já viram tantas manifestações, já estiveram diante de tantos fatos surpreendentes e sobrenaturais, mas preferem relegar os mesmos e ignorá-los, porque não querem se deixar confrontar com as realidades eternas. Algumas destas pessoas já foram miraculosamente curadas, mas ainda continuam desprezando os fatos para justificar seus atos, e se distanciam de Deus, para seu próprio juízo.

Em Rm 1.18 lemos: "A ira de Deus se manifesta dos céus contra toda impiedade e perversão dos homens que detém a verdade pela injustiça". Verdade é um conceito, injustiça é uma prática. Assim procedem os homens. Eles detém a verdade para praticarem a injustiça, porque se a verdade vier a tona, eles precisarão repensar sua forma de viver e agir. A ética precisa ser justificada pela filosofia. O que cremos determina o que fazemos. A humanidade muitas vezes defende a mentira para reproduzir uma ética pecaminosa. 

Herodes age assim. Ele não está interessado nos fatos. Jerusalém e toda Judeia estavam agitadas pelos eventos sobrenaturais que se deram com a vinda do Messias. Era óbvio que ele soubesse disto, ainda que os relatos fossem distorcidos, mas se ele se importasse com a verdade, seria fácil reconhecê-la. Herodes suprimiu, rejeitou e negou a verdade. O evento sobrenatural da libertação de Pedro não foi levado em conta. Era mais fácil disciplinar, e até mesmo executar aqueles homens que prendiam a Pedro que ouvir a verdade. muitas vezes a verdade causa inquietação e comichão nos ouvidos, e muitos não estão interessados em conhecê-la. 

Terceiro, Herodes deu glória a si mesmo, mas não a Deus

No mesmo instante, um anjo do Senhor o feriu, por ele não haver dado glória a Deus; e, comido de vermes, expirou”(At 12.23).

Esta é a razão principal de sua trágica morte, de acordo com o texto bíblico. Ele se recusou a dar glória a Deus. Estava fascinado demais consigo. Seu auto enamoramento, ensimesmamento e vaidade o consumiram.

Novamente voltamos a Saul, rei de Israel.

Depois de sete anos de reinado, a Bíblia faz a seguinte narrativa: “Edificou Saul um altar ao Senhor; este foi o primeiro altar que lhe edificou”(1 Sm 14.35). Saul não se lembrou de Deus por sete anos! Ele levou sua vida ignorando a necessidade de colocar Deus no centro de sua vida.

Mas na história de Saul ainda lemos: “Madrugou Samuel para encontrar a Saul pela manhã; e anunciou-se àquele: Já chegou Saul ao Carmelo, e eis que levantou para si um monumento, e dando volta, passou e desceu a Gilgal” (1 Sm 15.12). Não é interessante observar que, de madrugada, Saul já havia erguido para si um monumento, enquanto demorou tanto para erguer um altar para Deus?

Esta é uma perigosa armadilha do nosso coração. Somos fáceis para erguer monumentos que nos glorifiquem, mas temos dificuldades em erguer altares, que levem nosso coração a cultuar a Deus.
Herodes deu glória a si mesmo, mas não a Deus.

A quem o seu coração deseja exaltar: A Deus ou a si mesmo?

A glória humana é efêmera! A Bíblia afirma que a nossa vida é como a erva, e a glória dela como a flor da erva. Dura muito pouco a glória humana. Herodes era ovacionado num momento, no outro instante já tinha o diagnóstico de que sua doença era terminal. Herodes construiu sua vida em torno de coisas que lhe davam falsa segurança. Ele se esqueceu de Deus.

Conclusão

Os seres humanos são conhecidos por seus grandes equívocos, alguns deles eternos e irreparáveis.
Manuel Maria de Bocage, foi um poeta português irreverente e blasfemo durante toda sua vida, mas na hora da morte escreveu um poema cujo titulo é, Soneto Ditado na Agonia, que diz o seguinte:

Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura;

Conheço agora já quão vã figura,
Em prosa e verso fez meu louco intento:
Musa!... Tivera algum merecimento
Se um raio da razão seguisse pura.

Eu me arrependo; a língua quasi fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... a santidade
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!.

Bocage, in 'Rimas' 
Que grandes equívocos pode um homem, na sua estupidez e arrogância cometer. Não há relatos de que Herodes tenha tido tempo de desfazer sua soberba e auto divinização, mas a Bíblia fala de um homem, que na hora da sua morte, ainda teve oportunidade de vencer sua vida de equívoco e tolice. Trata-se do “ladrão” ao lado de Jesus que lhe diz: “Lembra-te de mim, quando entrares no teu reino”, e ouviu de Jesus a palavra de perdão e graça: “Hoje mesmo, estarás comigo no Paraíso”.

Talvez esta seja a sua situação hoje, distante de Deus, vida de equívoco, chafurdado na vaidade e desejo de aceitação humana, esquecido de Deus, buscando popularidade, ao invés da glória de Deus. Hoje é tempo de aceitação e perdão. Volte para o Senhor que é rico em perdoar. Na cruz de Cristo, há sempre oportunidade de salvação, resgate e salvação. Olhe para Jesus.

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