Introdução:
A Igreja de Antioquia é a
primeira igreja realmente missionária na Bíblia. A Igreja de Jerusalém fez
missões, mas de forma contingencial. Foi uma resposta a uma situação de
perseguição, e não fruto de uma visão do seu colegiado. Na verdade, mesmo
quando toda a igreja se dispersou por causa da perseguição dos líderes
judaicos, uma observação da Bíblia chama a atenção: “Todos foram dispersos, exceto os apóstolos”.
Por que a liderança ainda
continuou em Jerusalém?
Várias respostas podem ser dadas,
entre elas a de que estavam numa confortável situação de uma igreja que
crescia, e não tinham colocado sua visão nos confins da terra, como Jesus
designara (At 1.8). A visão de mundo ainda não estava no DNA, da igreja. Pedro
foi duramente questionado por ter se atrevido a entrar na casa de um gentio. A
luta de Pedro em Atos 10, tinha uma razão clara, além do próprio bloqueio que
sua cultura e religiosidade impunha. Ele sabia que teria que enfrentar o
julgamento dos irmãos que ficaram em Jerusalém e que faziam parte da liderança.
Não sem razão, Pedro levou consigo seis testemunhas citadas por ele quando faz
sua defesa.
A igreja de Antioquia, portanto,
se torna o protótipo da igreja missionária moderna. Este movimento se deu em
torno do ano 46 d.C., já que a morte de Herodes Agripa I (At 12), se deu no ano
44 d.C.
Ela nasce de um avivamento, e se
lermos atentamente o texto veremos que boa parte disto se deu por causa da
visão e envolvimento dos irmãos que já estavam vivendo fora da Judeia, pois
eles vieram de Chipre e de Cirene. Diante das manifestações e conversões, a
igreja de Jerusalém resolve enviar Barnabé, o mais despreconceituoso de todos e
que tinha mais facilidade de se aproximar de pessoas diferentes (At 9.26-30).
Ao chegar ali, ele se alegrava ao entrar em contato com os novos convertidos,
exortando-os a que permanecessem firmes na graça de Deus.
Como aquela igreja se tornou
missionária?
Antes de mais nada, ela estava
numa confortável situação:
a. Uma igreja em franco crescimento. O texto fala de “muitos
convertidos”(At 11.21) e seu crescimento era exponencial já que “numerosa
multidão” estava sendo alcançada (At 11.26).
b. Uma igreja com um refinado padrão
de pastores –
“Havia na igreja pastores e mestres” (At 13.1) e a educação religiosa desta
igreja era intensa e por “todo um ano” (At 11.26) tiveram oportunidade de
aprender de Barnabé e Paulo. Isto é que era beber na fonte. Tinham na igreja
uma verdadeira academia bíblica, com aprendizado intensivo.
c. Uma comunidade com um belíssimo
mosaico de diversidade cultural
i. O líder,
Barnabé. Companheiro, sensível, filho da consolação, missionário enviado pela
igreja mãe para ser o sênior pastor, por
causa de seus dons.
ii. Saulo, um dos rabinos
mais preparados dos seus dias, recebendo instrução acurada de Hillel, escola
conservadora do judaísmo. Antes de se converter, Saulo tornou-se muito
respeitado pelos judeus, por causa de seu conhecimento e zelo. Não sem razão,
se tornou um dos maiores apóstolos do cristianismo.
iii. Simeão, “por sobrenome níger” – Ele recebeu um
sobrenome que poderia ser ofensivo para alguns, mas que no contexto bíblico
parece apontar mais para algo afetivo. “Negão”. Era africano, provavelmente
oriundo da Etiópia. Se isto lhe causa arrepios, quero dizer para vocês que um
dos pastores de nossa igreja, o Rev. Edson, é chamado pela maioria da igreja de
“Black”, e até onde sei, ele não parece achar isto preconceituoso e ofensivo.
iv. Lúcio, de
Cirene – Este também era oriundo do Norte da África, provavelmente da Líbia.
Durante o período da construção do Segundo Templo, muitos judeus viviam fora de
Israel, e Cirene, ao Norte da África, foi um dos principais centros da
Diáspora. Acredita-se que Cirene esteja situada na vizinhança da moderna
Shahhat, na Líbia.
v. Manaém, colaço
de Herodes – Este parece proceder de uma ascendência mais nobre, fazendo parte
da burguesia palaciana, já que foi irmão de leite de Herodes. Provavelmente foi
amigo de infância de Herodes Antipas, que foi o tetrarca da Galileia, que
estava no governo da Judeia durante o ministério de Jesus.
Igrejas com diversidade cultural
tendem a se tornar mais criativas e expressam de forma teológica, a melhor
visão do evangelho. É bom considerar que “o prato colorido é sempre mais
saudável”. Igrejas com unidades homogêneas parecem ser a tendência, mas aqui
está uma igreja cujos relacionamentos eram formados de pessoas com matizes
distintas, culturas, nível social e línguas diferentes, e que trouxe muita
glória ao nome de Jesus.
Uma igreja jamais pode ser refém
de seu conforto.
O que caracteriza uma igreja missionária?
Primeiramente, sua vida de
piedade e devoção. A relação entre igreja e missões é colocada de forma bem clara. “Servindo eles e jejuando, disse o Senhor:
Separai-me a Barnabé e a Saulo para a obra missionária a que tenho chamado”
(At 13.3). A liderança estava preocupada em ter intimidade com Deus. A verdade
é que não precisamos de mais programas e estratégias, mas precisamos de mais
devoção e santidade.
Em segundo lugar, Uma liderança
comprometida
– “Estes servindo e jejuando” (At
13.3). Eram os líderes mas estavam empenhados no projeto de adorar e servir ao
Senhor com fidelidade. Tinham vida piedosa, de oração e serviço.
É muito importante considerar
isto, porque nenhuma igreja vai além de sua liderança. Se quisermos envolvimento
da igreja, os líderes precisam estar pagando o preço do compromisso com a
comunidade. Muitas igrejas não são generosas com seus recursos, e muitas vezes,
a razão encontra-se na falta de modelos e exemplos daqueles que lideram as
comunidades.
Todos estes fatores nos levam a
imaginar que esta não seria uma igreja com visão missionária. Igrejas
consolidadas, com estabilidade na liderança, podem bastar-se a si mesmas e se
tornarem um fim em si mesmas. Os recursos tendem a serem empregados intramuros,
e para construções e reformas locais, perdendo a capacidade de olhar adiante,
para além de si mesmas, cumprindo assim o imperativo de Cristo. Mas esta igreja
surpreende.
Em terceiro lugar, a capacidade de
discernir a voz de Deus. Sua vida de oração os capacita a ouvirem a Deus. Eles não
apenas discernem, mas obedecem. Eles teriam que ceder dois de seus melhores
líderes, mas não passaram por crise neste processo. Era Deus quem mandava, e
Deus supriria a necessidade do rebanho.
Era uma igreja sensível à direção
do Espírito. Missões nascem no coração de Deus. É Deus quem inicia o processo.
Ele separa, capacita e impulsiona a obra missionária. Este é o primeiro axioma
das missões: “Deus é o autor de missões”. O segundo segue na mesma direção:
“Deus chega ao campo antes do missionário”.
Quarto, dá o melhor de si para
o campo missionário – O Espírito Santo separou os líderes mais experimentados e frutíferos
e não pessoas imaturas e desqualificadas. Muitas vezes jovens bem intencionados, mas sem experiência
pastoral e com pouco conhecimento bíblico e cultural, são enviados para campos
transculturais. Alguns nunca tiveram coração missionário em sua própria igreja,
nunca demonstraram maturidade cristã e o resultado é um desastre. São
missionários aventureiros. As consequências já são bem conhecidas.
Quinto, Compromisso com os
missionários. “Impondo sobre eles as mãos, os
despediram” (At
13.3).
Missionários precisam estar
debaixo da autoridade da igreja e submissa à esta liderança. Eles precisam de
apoio, sustento e oração. Um missionário não se “auto designa”, mas ele é
recomendado. Tem que estar debaixo da autoridade, não se trata de um ato
individual e solitário que se lança num projeto sem reconhecimento e aprovação
da liderança.
Este texto nos mostra o que
acontece quando alguém se candidata sem chamado. Joao Marcos não foi chamado
por Deus, mas foi inserido no projeto missionário, por causa de sua relação de
parentesco com Barnabé (ele era sobrinho). O resultado não foi positivo. Logo
na primeira dificuldade em Perge da Panfília, ele abandona os missionários, e
Paulo fica muito irritado com sua atitude infantil (At 13.13), e sua relação
com o grupo posteriormente se tornará pivô de um dos maiores conflitos de
liderança relatados no Novo Testamento. Em Atos 15.36 lemos que Barnabé e Saulo
enfrentaram graves problemas por causa de João Marcos: “Houve tal desavença entre eles que vieram a separar-se”. A
linguagem bíblica é amena, mas indica que algo muito sério aconteceu. Barnabé e
Saulo, dois homens de Deus não conseguiram mais trabalhar na mesma equipe.
Missionários precisam ser
enviados pela igreja local.
É privilégio e responsabilidade
da igreja. Em Fp 4.15 Paulo se refere carinhosamente ao cuidado que recebeu da
Igreja de Filipos. Ele fala que aquela igreja se “associou” ao seu ministério.
Obreiros precisam de associação.
Quando concluíram sua viagem
missionaria, Paulo e barnabé retornaram a Antioquia, onde estava a base de sua
missão, para dar testemunho e relatório das atividades (At 15.25), e como era
de se esperar, dali saíram duas equipes missionarias. Barnabé, levando a João
Marcos e Paulo, tendo como companheiro a Silas. É digno de nota que todas as
três viagens missionarias registradas em Atos, tiveram a igreja de Antioquia
com base (At 13.1; 15.36; 18.22).
Édson Queiroz, no seu conhecido
livro, Igreja Local e Missões, faz as
seguintes observações sobre o papel da igreja com missões.
A. A Igreja reconhece o chamado – A
Igreja vê o fruto e identifica o dom, porque está convivendo e trabalhando com
a pessoa. É muito difícil quando pessoas se candidatam a um projeto missionário
sem darem testemunho de vida cristã na sua igreja local.
B. A Igreja treina o candidato –
Esta tese é defendida por Queiroz, embora muitas prefiram delegar tal tarefa a
institutos, seminários e agências missionárias.
C. A igreja envia o missionário –
Este envio pode ser feito de forma direta ou em parceria com agências
missionárias.
D. A igreja cuida do missionário –
Qualquer problema no campo deve ser da responsabilidade da igreja. Neste
sentido, estar associado a uma agência missionária facilita muito porque eles
sabem como lidar melhor com a imprevisibilidade.
Quando a igreja não tem
envolvimento e vinculo com o missionário, ela não sabe como orar e contribuir,
e não raramente se sente desestimulada a investir na obra missionária.
Conclusão:
Um olhar para o mundo tira a
igreja da zona do conforto.
Mas, honestamente, qual igreja
deseja pagar este preço?
Certa vez estava com um
presbítero visitando uma igreja toda muito bem estruturada, bancos confortáveis
e ar condicionado, e nossa igreja, naquela época, não tinha ar condicionado. Em
épocas de calor, com todos seus assentos ocupados, era fácil fazer sauna.
Então, aquele presbítero brincou:
“É pastor, esta igreja está bem na nossa frente!”. Embora eu respeite muito
aquela igreja, eu sabia que eles não tinham nenhuma congregação, enquanto
estávamos plantando três igrejas com salario integral de dois obreiros. Então
lhe disse: “Não é muito difícil, basta interrompermos um dos projetos
missionários, que no final do ano teremos dinheiro para o ar-condicionado. Muito
querido, como sempre foi, ele me respondeu: “Não precisava apelar, né pastor?”
Na verdade, ser uma igreja missionária não significa que
não poderemos melhorar nossas estruturas físicas, o templo e o Departamento
Infantil. Mas no mínimo, precisamos entender que, ter os olhos postos no mundo
implicará em uma compreensão maior acerca da missão e do chamado da igreja
local. Na verdade, a piedade, as orações, serão suficientes para ouvirmos a voz
do Espírito e discernirmos sua voz dizendo: “Ide por todo mundo, e pregai o Evangelho a toda criatura”.
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