“Melhor é a boa fama do que o unguento precioso, e o dia da
morte do que o dia do nascimento. Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à
casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens, e os vivos
que o tomem em consideração.
Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração.
O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos na casa da alegria”.
Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração.
O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos na casa da alegria”.
Melhor é
ir à casa onde há luto...
Que
declaração estranha!
Sejamos
honestos, não nos parece melhor ir à casa onde há banquete? Comer um bom
churrasco, beber um bom vinho, estarmos com pessoas amigas, dançar, contar
piadas, rir? Em ambientes de festas, fazemos catarse, esquecemos os problemas,
parece muito mais lúcido desejar ir para uma festa que para num ambiente de
morte, estar num casamento que num funeral.
Não é
assim que nos parece?
Por que o livro de Eclesiastes
fala de outra maneira, e nos dirige a um pensar contra-intuitivo, levando-nos a
pensar por outro ângulo e noutra perspectiva?
Deixe-me considerar algumas
coisas que poderiam estar presentes na mente do escritor deste texto.
1. A casa do luto nos faz sábios
A morte,
e não o ambiente celebrativo, nos torna auto conscientes.
Nestas horas e nestes lugares, somos
confrontados com aquilo que sempre negamos, isto é, minha transitoriedade e fragilidade.
Nestas horas, tomo consciência de que não adianta negar a discussão sobre o fim
de nossa existência, apesar de sermos pessoas muitas vezes intelectuais,
existem certos temas que prefiro ignorar, e a morte é um destes tabus. Não
gostamos de refletir sobre nossa pequenez e limitações.
Na casa
de luto, descubro algo detestável: A morte é democrática!
Ela não escolhe classe social,
nem nível intelectual, cor ou raça, e nem mesmo, e isto é o mais assustador de
tudo, por idade. Ande pelos cemitérios, ali você verá pessoas que morreram com
mais de 90 anos, e isto lhe dá um senso de segurança e serenidade, afinal, pensamos
na possibilidade de chegar lá. O problema é que, no túmulo seguinte, há uma
criança sepultada, com apenas seis anos de vida, e ainda, pessoas que morreram
com nossa idade, e é detestável saber que alguém possa morrer “tão jovem”!
A casa
de luto nos torna auto conscientes, e isto me faz sábio.
Sou
forçado a reconhecer os limites de minha frágil existência, e isto adensa minha
vida, me ajuda a refletir melhor sobre valores e prioridades, me resgata a
humanidade.
2. A casa de luto nos torna humildes
A Bíblia usa várias figuras para
descrever a brevidade da vida:
a. A vida é como um conto ligeiro “Pois todos os nossos dias vão passando na tua indignação;. acabam-se
os nossos anos como um conto ligeiro” (Sl 90.9).
A vida como um conto ligeiro,
fragmentos de uma história. Esta palavra hebraica também é traduzida como:
murmúrio, suspiro, gemido, breve pensamento, um fato contado às pressas,
proferido rapidamente.
A questão do anonimato aflige o
ser humano. Quantos se lembrarão de nós daqui há 100 anos? Dê uma olhada nas
enciclopédias, o que temos são fragmentos da vida de pessoas. Quantas ruas com
nome de pessoas que não sei quem são e nem o que fizeram.
b. A vida é como um breve pensamento (Sl 90.9). “Pois todos os nossos dias se passam na tua ira; acabam-se os nossos
anos como um breve pensamento” (Sl 90.9).
A sabedoria milenar ensina que
nossos dias são curtos. Existe uma grande possibilidade de não sobrevivermos a
este dia. Portanto, saber que a vida é curta, entender a fragilidade da
existência, nos protege. A vida é muito curta e nós estamos nela só de
passagem.
c. A vida é como a relva (Sl 90.5) “Porquanto: “todo ser humano é como a relva e toda a sua glória, como a
flor da relva; a relva murcha e cai a sua flor, mas a Palavra do Senhor
permanece para sempre. E essa é a
Palavra que vos foi evangelizada” (1 Pe 1.24-25). Será que já paramos para
refletir sobre a relva, uma ervinha do jardim ou do pasto? Que valor real ela
possui? Qual sua durabilidade?
Recentemente, minha esposa que
cuida tão bem do seu jardim e das suas orquídeas, fez uma constatação
assustadora: “Quão frágeis e indefesas são as plantas! Qualquer inseto pode
devorá-las e na maioria delas não há qualquer possibilidade de defesa!”. Não
seria isto que a Bíblia estaria mencionando?
d. A vida é como um sono (Sl 90.5). Passamos rapidamente.
Nem nos damos conta de que estamos perigosamente próximos da última curva. Tão
fugaz, tão passageira e tão transitória é a vida.
Nem nos damos conta de sua
existência e já não somos. Olhamos no espelho e não nos reconhecemos, a
resistência física, o vigor da juventude, nos faz dizer como alguém que vendo
um grupo de adolescentes correndo desvairadamente sem demonstrar qualquer
cansaço, ironizou sua própria velhice com a seguinte declaração: “Que inveja
tenho desta saúde!”
O tempo é um dos bens maiores que
Deus pôs ao nosso dispor. Infelizmente, é um bem transitório, passageiro, uma
joia preciosa que rapidamente se esvai. Em tom poético o salmista destaca que
todos nós passamos na mesma rapidez de um sono, não vivemos para sempre, nossos
planos podem jamais se concretizar.
Todas estas reflexões sobre o
significado da vida nos tornam humildes. Mas tais compreensões jamais serão
adquiridas na casa de banquete, na qual o objetivo é esquecer das intempéries
da vida e do fato de que somos tão frágeis. Somente a casa do luto pode nos
tornar humildes.
3. A casa do luto nos torna mais humano e fraterno. Quando nos deparamos com a
morte de alguém querido que partiu, nos faz repensar todos valores, princípios
e agendas.
A morte nos leva a desejar ser
mais cuidadoso com as pessoas, mais atento, mais amoroso, a dedicar mais tempo
para cuidar e amar. A morte dá um susto na tolice nossa de querer ganhar mais,
ter mais, possuir mais, e nos leva a considerar a necessidade de estar mais
próximo.
A morte nos assusta e inverte as
prioridades.
Toda vez que estou num funeral,
consciente ou inconscientemente, sou levado a valorizar pessoas, e não coisas.
A minha desatenção e descuido com quem realmente importa é colocada em xeque.
Preciso ser mais humano, não posso me transformar num agente de produção e
viver minha vida apenas para mim mesmo. Os outros importam, porque pessoas
amadas deixam de existir, a vida é frágil. Sinto necessidade de abraçar pessoas
amadas, de reconciliar. Por isto, muitas vezes a morte de alguém na família,
restaura relacionamentos familiares quebrados por muitos anos. Tomamos
consciência de que estamos indo na mesma direção e mais rápido que
imaginávamos.
4. A casa de luto aponta para a eternidade
Não há como lidar com a morte sem
nos questionarmos: A vida é apenas isto? Quanto mais trágica é a morte, mais
somos confrontados com a questão de sentido e propósito da existência.
Certo homem perdeu seu filho de
forma trágica num acidente e não tinha qualquer interesse nas coisas espirituais,
mas na hora do funeral de seu filho de apenas 22 anos, viu um pastor que fora
ali apenas para se solidarizar com a família, e pediu chorando: “Pastor, fale
alguma coisa para nós! Diga que a vida não é apenas isto!” e convidou o pastor
para realizar o funeral que não contemplara qualquer cerimonia porque a família
não tinha qualquer conceito de espiritualidade.
Numa cidade morava um homem que ficou
muito preocupado ao ver que muitos de seus amigos estavam morrendo, e então
mudou-se para outro lugar e casualmente se encontrou com o coveiro e lhe
perguntou:
-“Há
muitas mortes aqui nesta cidade?”
E o
coveiro, displicentemente respondeu:
-“Não!
Apenas uma para cada pessoa!”
O Sl 116.15 afirma: “preciosa é, aos olhos do Senhor, a morte de
seus santos”. A questão da morte não inquieta a Deus. Foi assim que Jesus
enfrentou sua própria morte de forma calma e sem alarde. A morte é apenas
transição, passagem. Entretanto, o profeta Ezequiel afirma: “Acaso, tenho eu prazer na morte do perverso
– diz o Senhor Deus. Não desejo eu, antes, que ele se converta dos seus
caminhos e viva?”(Ez 18.23,32).
O
problema não é a eternidade, mas como a enfrento.
O
problema não é a morte, mas o morrer.
A casa de luto me aponta para
questões de propósitos e sentidos maiores. A vida é mais que comer, amar,
trabalhar, ganhar dinheiro, dormir, correr. A vida adquire sentido quando nos
deparamos com um ponto infinito que faz sentido à nossa existência.
Ao
defrontar com a morte, somos convidados a refletir sobre a eternidade.
Por isto
é melhor estar na casa de luto.
Certo dia Jesus percebeu que a
hora de sua partida era chegada, então chamou seus discípulos, e vendo a
preocupação estampada nos seus rostos lhes falou: “não se turbe o vosso coração, credes em Deus, crede também em mim. Na
casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito, pois
vou preparar-vos lugar. E quando eu for, e vos preparar morada, voltarei e vos
receberei para mim mesmo, para que onde eu estou, estejais vós também” (Jo
14.1-4).
Jesus
nos ensinou a viver e a morrer.
Assim
deve ser nossa história.
Na casa
de luto compreendemos melhor esta narrativa!
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