terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Hb 13.5-6; 15-16 A Dinâmica do contentamento




 

 

Introdução 

 

Viver contente é uma das maiores bençãos da vida. Certa vez eu li que os psicólogos elegeram Paulo como o homem mais feliz da terra, por causa de sua declaração: “Aprendi a viver contente em toda e qualquer situação”. 

 

A verdade é que temos carros cada vez mais confortáveis, casas cada vez mais espaçosas, nunca tivemos tantas comodidades geradas pela tecnologia, nossas camas são cada vez mais macias, comidas cada vez mais fáceis de serem preparadas. Prtos pré cozidas, verduras e frutas selecionadas, mas em contrapartida, nunca tivemos uma sociedade tão descontente. Curiosamente, a Noruega, que possui um dos melhores IDHs do mundo, há mais suicídio que homicídio. As pessoas não estão sabendo o que fazer com os privilégios que recebem. Temos cada vez mais, e estamos cada vez menos satisfeitos.

 

Não é fácil viver contente. Sempre achamos que poderíamos ter um “pouquinho” a mais, como respondeu Beto Rockefeller, na época, o homem mais rico do mundo, ao ser indagado quanto de dinheiro a mais ele queria, e ele respondeu ironicamente: “Só um pouquinho a mais”. 

 

Nossas expectativas tem sido cada vez maiores. E a fórmula clássica da felicidade é “Expectativa – Realidade = Insatisfação”.  Quanto maior for a expectativa, maior será a possibilidade de descontentamento.

 

João Batista, parecia perceber isto na forma gananciosa como os soldados do seu tempo lidavam com o dinheiro. Por isto adverte: “contentai-vos com o vosso soldo” (Lc 3.14). Ele tenta lembrá-los que a insatisfação com o que recebiam poderiam levá-los à ambição sórdida e à corrupção. O apóstolo Paulo afirma: “De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento” (1 Tm 6.6). A palavra “piedade” seria melhor traduzida com espiritualidade. O que Paulo afirma é que a grande benção da vida é a devoção com o contentamento.

 

Isto é interessante, porque é muito comum encontrarmos pessoas “religiosas e espiritualizadas”, que não são contentes, antes se transformaram num poço de legalismo, frustração e tristeza. Santa Tereza Dávila tem um conhecido ditado: “Deus me livre dos santos de cara amarrada”. À semelhança do filho mais velho, que ficou em casa servindo o pai, podemos desenvolver uma atitude de “justo amargurado”. Um verdadeiro desastre. 

 

O efeito do descontentamento é apontado pelo apóstolo Judas como uma das características dos falsos mestres, que andam segundo suas paixões, são aduladores dos outros por motivos interesseiros e descontentes: “Os tais são murmuradores.” (Jd 16)

 

Como se dá o contentamento?

 

A ESSÊNCIA DO CONTENTAMENTO:

Estou feliz com o que tenho.

Contentai-vos com as coisas que tendes”

 

Na verdade, a vida é muito simples. Muitos tem buscado estilo de vida mais simples, uma forma mais leve de viver. Não precisamos ter demais. “Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes” (1 Tm 6.7). Há toda uma cultura do minimalismo sendo desenvolvida por diferentes tradições, independentemente da fé que professam. A vid apode ser e é mais simples do que pensamos.

 

Estar feliz com o que possuímos não deve significar acomodação ou preguiça moral e existencial, mas sim o sentimento de que podemos não ter tudo o que queremos, mas temos tudo aquilo que precisamos, e assim nos contentarmos com o que recebemos de Deus. Isto gera gratidão e alegria. Não é ter muito ou ter pouco que nos torna felizes ou infelizes. Pessoas pobres podem encontrar alegria e contentamento e pessoas com muita posse podem ainda estar descontentes e infelizes. 

 

Esta é a afirmação do salmista: “As divisas caíram para mim em lugares agradáveis, tenho uma bela herança”. Ele reconhecia que sua vida tinha limites, Deus havia colocado cercas que ele não podia atravessar, entretanto, ele entendia que tais limites eram amenos. Todos esbarramos nas limitações que a vida nos impõe, mas é maravilhoso ter a sensação de que nos sentimos confortáveis no espaço e na condição que fomos colocados. 

 

Certo vez, conversando com um colega sobre carros cada vez mais caros e sofisticados ele fez uma síntese que me pareceu bem razoável: “Há um limite para o conforto do bumbum”. Será que todos concordamos com isto? 

 

Portanto, contente-se! Alegre-se nos seus limites! Celebre a vida dentro do espaço que Deus tem demarcado. Esteja feliz com o que você tem. Esta é a essência do contentamento.

 

A ORIGEM DO CONTENTAMENTO:

A Confiança em Deus

Contentai-vos com as coisas que tendes; porque ele tem dito:

De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei” (Hb 13.5).

 

Para encontrar contentamento, o autor sagrado coloca o foco do nosso olhar em Deus. Quando olho para o cuidado e a proteção de Deus, eu posso me alegrar. Afinal, por ser ele o meu pastor, ei que nada me faltará. Quando olhamos para as pressões humanas, e vemos as propagandas que despertam desejos de termos mais, ganhar mais e acumular mais, podemos nos sentir desconfortáveis e descontentes, mas quando colocamos nossos olhos no cuidado de Deus, podemos realmente descansar. 

 

Dois pilares:

Este texto finca dois pilares fundamentais: 

 

1.     Deus promete cuidar. “De maneira alguma te deixarei. Nunca jamais te abandonarei” (Hb 13.5)

 

“Nunca jamais” é um exagero de ênfase. Chamamos esta figura de linguagem de hipérbole. É uma forma de enfatizar, colocar uma ênfase maior numa determinada afirmação. Se o texto tivesse dito “nunca” te deixarei já saberíamos o significado. Entretanto, o que vemos é “nunca jamais” te deixarei. Se é nunca é jamais, e se é jamais, é nunca! O texto é enfático, não quer deixar em nós qualquer possibilidade de insegurança. 

 

Quando meus olhos são colocados em Deus, posso experimentar satisfação. Por isto Jesus afirmou: “Observai as aves dos céus e os lírios dos campos, eles não semeiam nem colhem, contudo vosso Pai celeste as sustenta. Porventura não valeis vós muito mais que as aves?”

 

2.     Minha declaração confiante. “Assim afirmemos confiantemente: O Senhor é o meu auxilio, não temerei; que me poderá fazer o homem?” (Hb 13.6).

 

Uma afirmação segura de nsssos lábios brota de um coração seguro. Quando você fala “confiantemente”, isto estabiliza as emoções. Não há mais insegurança, desconfiança, medo ou temor. Por isto, tanto a gratidão quanto a murmuração devem ser sempre verbalizadas. Ambas surgem de corações que possuem convicções claras, mas precisam ser manifestas em nossos lábios. Este é o significado do louvor.

 

A adoração a Deus pode e deve ser feita através de um coração confiante, mas para a adoração se transformar em louvor, precisa ser verbalizada. Louvor é aquilo que sai de um coração grato. Infelizmente pode haver louvor, não genuíno, que brota de um coração sem adoração, mas todo coração de genuínos adoradores, se transformarão em louvor, regozijo e exultação do nome de Deus.  

 

Por isto, declare! Verbalize!

Analisando a tradição reformada da igreja, John Piper analisa a primeira pergunta do Catecismo Maior:

-       Pergunta: “Qual o fim principal do homem?”

-       Resposta: “O fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”. 

 

Ele deduz que só existe uma forma de glorificarmos a Deus? Desfrutando de Deus. O subtítulo do seu livro: “Desiring God”, é “Confissões de um cristão hedonista”. Para Piper, sem nos alegrarmos em Deus e desfrutarmos de Deus, é impossível glorificá-lo. Se não conseguimos ter prazer em Deus, não é possível exaltá-lo, por mais religioso que sejamos.

 

O RESULTADO DO CONTENTAMENTO:

Genuínos Sacrifícios 

Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor,

que é o fruto de lábios que confessam o seu nome. Não negligencieis,

igualmente, a prática do bem e a mútua cooperação; pois, com tais sacrifícios,

Deus se compraz.” (Hb 13.15-16)

 

De acordo com este texto, o contentamento gera dois resultados imediatos: um em relação a Deus, outro em relação ao próximo. Trata-se do (a)- Sacrifício de louvor e (b)- Sacrifício da prática do bem.

 

1. Sacrifício de louvor – (Hb 13.15)

 

O que Deus espera de seus adoradores? Sacrifício de louvor. Não mais sacrifício de animais, ofertas mortas, como eram apresentadas no Antigo Testamento. Deus não quer o sangue de cordeiros e de bois, nem ofertas queimadas de cereais. O que ele deseja são sacrifícios de louvor. Precisamos entender o que isto significa. Quando temos contentamento, o resultado é a oferta espontânea de louvor a Deus. Dr. Russel Shedd chamava de “sacrifício do muito obrigado”. 

 

Para ilustrar, ele relatou a história de um mendigo pedindo comida na casa de um homem rico. Depois de receber muito mais que comida, receber acolhimento, assentar-se à mesa e fazer companhia ao hospedeiro, e até mesmo ser convidado para morar em sua casa, o mendigo pergunta: “O que posso fazer por você?” E o homem responde que ele poderia ajudar em qualquer atividade doméstica e familiar, mas que o convite não era para ele fazer algo, mas para ser amigo da família. Então, Shedd afirma: O que este poderia fazer além de agradecer? Sua resposta de gratidão é a única possível. Não há nada que aquele pobre homem possa dar além de sua gratidão, porque não há nada que o anfitrião não tenha. Este é o sacrifício de louvor. 

 

O que podemos dar a Deus que ele não tenha? Nosso louvor fará Deus ser mais do que ele é? Se deixarmos de louvar, ele será menos Deus? Absolutamente não. A gratidão a Deus, o sacrifício de louvor, é fruto dos lábios que confessam o nome de Deus, por isto o contentamento e a gratidão, parceiros inseparáveis, são tão significativos. 

 

No Salmo 116.12 há uma indagação: “Que darei ao Senhor por todos os benefícios para comigo?” Esta pergunta é provocativa. O que posso dar a Deus? A resposta do texto é inusitada: “tomarei o cálice da salvação, invocarei o nome do Senhor”. O que podemos dar a Deus, curiosamente, é o que recebemos pela fé em Cristo, tomando o cálice da salvação. Rejeitar a salvação é a forma mais arrogante de estar diante de Deus. Trata-se da recusa ao presente que ele nos dá. Como nos sentiríamos se déssemos um presente a uma pessoa e ela o recusasse? 

 

Portanto, o que podemos dar ao Senhor por tudo que ele nos tem feito? A resposta bíblica não é dar, mas receber o que ele nos deu: o cálice da salvação. Isto se traduz em contentamento, aceitação de sua oferta. Estar feliz com o Senhor. “Volta, minha alma, ao teu sossego, pois o SENHOR tem sido generoso para contigo.”(Sl 116.7). 

 

Certo pai trouxe um lindo presente para seu filho e perguntou-lhe: “Você ficou feliz com o presente?” E ele respondeu: “Sim! Estou muito feliz com o presente, mas estou mais feliz ainda com o senhor”, e lhe deu um abraço. Há muitas pessoas atrás do presente, mas não do presenteador; atrás da benção, mas não do abençoador.

 

3.     Sacrifício de prática do bem – Não negligencieis, igualmente, a prática do bem e a mútua cooperação; pois, com tais sacrifícios, Deus se compraz.” (Hb 13.16). 

 

Agora, a Bíblia nos fala de outro tipo de sacrifício nos quais Deus se alegra: Boas obras e mútua cooperação. Como dissemos anteriormente, contentamento gera dois resultados imediatos: um em relação a Deus, outro em relação ao próximo. Este sacrifício tem a ver com o tratamento que damos aos nossos irmãos. Isto envolve duas dimensões: prática do bem e a mútua cooperação. 

 

Quando fazemos o bem, Deus é glorificado. Quando coopero com meu irmão, Deus é glorificado. Isto também expressa a mais profunda dimensão do contentamento. Pessoas gratas, querem extravasar sua gratidão sendo generosas na prática do bem e nas boas obras, e isto glorifica a Deus.

 

Veja o que Jesus afirma no Sermão do Monte: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.” (Mt 5.16). Sabe o que acontece quando praticamos boas obras? As pessoas que ainda não creem em Deus, observam o que fazemos e começam a glorificar a Deus que está nos céus. O resultado é a exaltação do nome de Deus.


Em Hb 13.5 lemos: “
Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes.” A generosidade glorifica a Deus. Todavia, a avareza é oposta das boas obras e do contentamento. Por isto devemos usar nossos bens para abençoar. Dinheiro comunica vida ou morte. Dinheiro glorifica a Deus ou nos distancia de Deus. “Seja a vossa vida sem avareza”. Contentamento está profundamente ligado a uma vida de liberalidade. 

 

Conclusão 


Falamos de três aspectos da dinâmica do contentamento:

 

Essência

Estou feliz com o Senhor

Origem

(a)- Ele promete cuidar; (

b)- Uma declaração confiante.

Resultado

(a)- Sacrifício de louvor; 

(b)- Prática do bem

 

Você tem experimentado contentamento?

Você tem se alegrado no Senhor? 

 

Perguntaram ao teólogo e filósofo Leonardo Boff, qual seria o caminho para a felicidade e ele respondeu: “Não gosto muito desta terminologia, afinal, a felicidade pode ser algo muito fugaz como aquele que se sente feliz depois de uma dose de cocaína. Creio que a pergunta seria esta: você se sente realizado com sua vida, com quem convive e com o que faz? O que empenha na sua autorrealização? Esse caminho é mais longo, lentamente vai se construindo. E, se tiver realizado uma identidade bem-sucedida, tem como resultado uma felicidade serena e segura. Numa figura do poeta gaúcho Mário Quintana: "se quiseres pegar borboletas, não corras atrás delas, mas plante um jardim. No jardim plantado com carinho está a felicidade e não nas borboletas.”

 

Felicidade não é um êxtase provisório, mas um sentido de plenificação, de estar no lugar certo, fazendo aquilo que poderia e deveria estar fazendo. A idade, a condição social, o ambiente no qual fomos criados trazem limitações, mas elas não têm o poder de reduzir a felicidade. 

 

É neste sentido que precisamos pensar o contentamento. 

A exortação de Deus, desta forma, é profundamente relevante: 

 

“Contentai-vos com as coisas que tendes”.

Um comentário:

  1. Amém. excelente palavra. Deus continue abençoando sua vida Pastor Samuel

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