domingo, 6 de dezembro de 2020

Lc 1.5-23 O Silêncio de Deus




 

Introdução: 

 

Este texto é impactante por ser um momento especial de um grande milagre. Ele acontece no final período intertestamentário, também chamado de período do silêncio de Deus. Terrível período para o povo judaico. Por cerca de quatrocentos anos, não há sinais proféticos, não há relato de profecias ou eventos sobrenaturais, não há registros de textos canônicos. É um tempo de constantes conflitos internos e externos e um longo tempo de espera. 

 

Neste período de 400 anos, muitos aspectos históricos podem ser mencionados:

§  Alexandre, o Grande, governa a Palestina: domínio macedônio (333 a 323 a.C.

§  Domínio dos Ptolomeus sobre a Palestina: 323 a 198 a.C.

§  Domínio dos Selêucidas sobre a Palestina – 198 a 166 a.C.

§  Revolução de Judas Macabeus, e domínio da família de Judas, os asmoneus, de 166 a 63 a.C.

§  Conquista de Jerusalém por Pompeu, general romano, anexando a Palestina ao Império Romano – 63 a.C

 

Os judeus foram humilhados e dominados por forças estrangeiras todos estes anos, excetuando o período dos Macabeus. A expectativa da vinda do Messias, aquele que haveria de libertar Israel dos estrangeiros era imensa, mas a vinda do Messias não acontece.

 

É neste contexto que os relatos narrados no evangelho de Lucas se dão. Após um longo silêncio de Deus na história de Israel Ele novamente se manifesta. Este texto se reveste de um singular importância. Porque desde os relatos dos últimos profetas, registrados nos últimos livros da Bíblia, não havia voz profética. Deus esteve silencioso...

 

Este texto, portanto, é singular. Depois de todos estes anos, Deus envia novamente seu anjo para instaurar um novo tempo na história do povo de Israel e para iniciar e instaurar o seu reino por meio de Cristo. Neste contexto histórico, Deus haveria de se revelar aos homens de forma especial, através de Jesus.

 

O autor aos Hebreus capta bem este pensamento: “Tendo Deus, outrora falado, muitas vezes, de muitas maneiras; aos pais, pelos profetas. Nestes últimos dias falou-nos pelo Filho, a quem constitui herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo. Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas” (Hb 1.1-3).

 

O “silêncio de Deus” de Deus, enfim é quebrado. Deus se revela. Deus fala. Um novo tempo profético acontece. Quais são as circunstâncias em que tais coisas acontecem? 

 

1.     A intervenção de Deus se dá quando menos esperamos

 

A história seguia seu trajeto sem que, aparentemente, Deus existisse. O povo judeu já estava sob a dominação romana desde o ano 63 a.C, quando Pompeu invadiu Jerusalém. Roma cobrava impostos e tributos dos judeus, a liderança politica é romana, o povo não tinha direitos políticos, e qualquer tentativa de questionar era punida severamente de forma exemplar e pública.

 

Neste contexto político e histórico começam os sinais do Natal. Roma não intervia na religião do povo. Os sacrifícios judaicos ainda eram praticados em Jerusalém. Os sacerdotes da linhagem de Arão ainda apresentam os sacrifícios a Deus. Zacarias era um destes sacerdotes, e cumpria o seu ritual, exercendo sua função no templo quando  "Coube-lhe por sorte, segundo o costume sacerdotal, entrar no templo do Senhor para queimar o incenso" (Lc 1.8). Seria o equivalente a dizer hoje: “Naquele dia, o pastor tal seria o responsável para pregar a palavra”, como rotineiramente fazemos em nossa igreja.

 

Tudo indicava que aquele seria um dia comum, e o culto seria um culto "normal", sem sobressaltos, ou surpresas. As coisas estavam acontecendo segundo a prática milenar das atribuições dos sacerdotes judeus, por isto o texto relata que ele exerce sua função "segundo o costume”. A vida segue sua trajetória, cumpre uma escala.

 

As pessoas se dirigem para o templo como muitas vezes fazemos. Não há grandes expectativas de que algo novo aconteça. Provavelmente o profeta Zacarias estivesse ali "por estar escalado", ou, quem sabe, por fidelidade. Era necessário prestar culto a Deus, ele havia aprendido isto na sua tradição judaica. Nada novo. Talvez alguns estivessem mais entusiasmados, outros menos, mas ainda assim decidiram que deveriam ir à casa Senhor. Zacarias era um homem crente mas o texto fala de alguém sem muita expectativa. 

 

Ele e sua esposa Isabel oraram muito para terem um filho, mas o tempo passou, Isabel envelheceu e aparentemente Deus havia se esquecido deles. 

 

Neste dia comum, nada diferente de tantos outros, um anjo de Deus se manifesta diante de Zacarias: "tua oração foi ouvida" (Lc 1.13). É importante notar que Deus não afirma que “suas orações” (plural), havia sido ouvida, mas “sua oração”, (singular). Qual era o objeto central de sua oração? Qual era o tema de seu pedido quando estava diante de Deus? 

 

Certamente Zacarias dirigia a Deus muitos assuntos espirituais, mas o que ocupava o âmago de sua mente, qual era a sua “santa obsessão”? Tudo leva a crer que ele orava para que Deus lhe desse um filho. Este era o seu pedido. Sua oração focava nisto. Ele desejava profundamente uma criança, mais que qualquer outra coisa. 

 

Qual é o seu pedido ? 

A resposta a oração deles veio quando talvez já estivessem cansados de esperar, afinal "Não tinham filhos, Isabel era estéril, avançada em dias". Eles talvez até estivessem esquecidos da oração, mas Deus não.

 

Assim Deus irrompe na história deste povo e traz resposta aos anseios do coração. O extraordinário ocorre naqueles que não desanimaram diante do repetitivo, do costumeiro, mas que fazem de sua oração não uma mera formalidade, mas buscam estar ardorosamente.

 

Por isto não devemos desanimar. Deus pode nos surpreender!

Deus pode penetrar seu universo dos nossos gemidos, silêncio e dor, e quando menos esperarmos, sua graça se revela e nosso clamor é respondido.

 

Fico pensando na realidade de tantos países europeus que já foram poderosamente impactados por grandes avivamentos. Penso na realidade da Nova Inglaterra nos EUA, em estados que foram varridos por um poderoso sopro do Espírito Santo, e fico pensando que Deus pode mais uma vez soprar os ventos de um grande avivamento. Fico pensando em nossas igrejas, nos nossos lares, na nossa vida pessoal, como Deus pode intervir soberana e poderosamente quando menos esperamos.

 

2. A intervenção de Deus rompe o silêncio na vida dos que oram- “Disse-lhe, porem, o anjo do Senhor: Zacarias, não temas, porque a tua oração foi ouvida; e Isabel, tua mulher, te dará a luz a um filho, a quem darás o nome de João” (Lc 1.13). 

 

O texto afirma que Zacarias e Isabel, eram justos diante de Deus, vivendo irrepreensivelmente em todos os preceitos e mandamentos do Senhor (Lc 1.6). Isto desafia o coração daquele que crê, porque ficamos imaginando quantas vezes os dois oraram diante de Deus pedindo um milagre, o tempo vai passando, Isabel não engravida. Eles eram justos diante de Deus, mas Isabel era estéril e Deus não lhe dava a benção do filho que tanto pediam. A oração deles não parecia fazer qualquer sentido, as orações pareciam ineficazes. Deus estava ouvindo? Deus iria responder? Não é assim que tantas vezes, pessoas que servem a Deus se sentem sobre algo que trazem anos a fio à presença de Deus, e nada?

 

Isabel envelheceu. “E não tinham filhos, porque Isabel era estéril, sendo eles avançados em dias”(Lc 1.7). Prevalece na mente de Zacarias perguntas teológicas que ele não arrisca a fazer. Isabel, justa diante de Deus, tinha inquietações e gemidos que não ousava expressar, pensamentos que eventualmente brotavam em sua mente, mas que ela recusava. Deus está mesmo conosco? Deus ouve nossas orações? Nossa adoração a Deus tem algum valor? Por que pessoas ímpias e não devotas tem filhos e nós, que procuramos viver com retidão diante de Deus não temos?

 

Muitas vezes tais pensamentos ocupam a mente de homens e mulheres que amam a Deus. Está Deus de fato conosco?

 

Um dia, a graça abundante de Deus se revela e sua oração é ouvida. Quando o anjo Gabriel se manifesta a Maria ele diz: ”E Isabel, tua parenta, igualmente concebeu na sua velhice, sendo este já o sexto mês para aquela que diziam ser estéril. Porque para Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas” (Lc 1.36,37).

 

Esta visitação de Deus traz genuínas manifestações ao coração de Zacarias. 

 

Uma das consequências foi profundo temor. “Vendo-o, Zacarias turbou-se, e apoderou-se dele o temor” (Lc 1.12). Você já sentiu temor alguma vez? Veja só, temor é um pouco diferente de medo. Temor na Bíblia é sempre associado a reverência, culto, aquela sensação de Jacó que afirma: “na verdade Deus está neste lugar e eu não sabia”. 

 

Temor traz reações dialéticas ao ser humano: atração e repulsa, Ousadia e medo, Impacto e incredulidade. Medo e aproximação. Como saber o significado do evento sobrenatural que nos chega? Não há como estar diante de Deus sem se sentir profundamente “ameaçado”.

 

Outra consequência sobre a vida de Zacarias foi um Profundo impacto. A experiência de Deus é tão marcante que você só sai dela manco, como no caso de Jacó; cego, como no caso de Saulo; ou mudo como se deu com Zacarias. Vários homens de Deus foram profundamente impactos no encontro com Deus. Daniel caiu prostrado. Ezequel caiu várias vezes com rosto no chão. O apóstolo João também tem a mesma sensação de enfraquecimento  (Ap 1.17). Zacarias volta para casa, mas volta mudo.

 

Mas certamente, a mais importante, é a transformação de nossa história pessoal e familiar. Nenhuma pessoa ou família pode continuar sendo a mesma, depois que se depara com uma experiência genuína com a glória de Deus. Zacarias e Isabel nunca mais seriam os mesmos, porque um evento genuíno de Deus não pode ser ignorado. Algo especial aconteceu.

 

A manifestação de Deus nas suas vidas, muda a forma de encarar a vida, muda o estilo de viver. As coisas não poderiam seguir da mesma forma. Quando pessoas me falam que tiveram um encontro com Deus, estou certo de que algo especial vai se dar em suas vidas. Uma nova ética, uma nova forma de lidar com suas finanças, com seu casamento, com as coisas de Deus, um maior compromisso com as realidades eternas. 

 

Gostaria, porém, de fazer algumas observações que creio serem úteis, a partir da observação do texto.

 

1.     Havendo ou não, manifestações especiais e sobrenaturais do poder de Deus, continue firme. A identidade maior nossa é a relação com o Pai, não manifestações de poder. Milhares de grandes pregadores e que levaram centenas e milhares de pessoas a Jesus foram homens sem muitas manifestações especiais, mas amaram e serviram a Deus ininterruptamente. Dentre eles podemos citar, Calvino, Moody, Spurgeon.

 

Muitas pessoas querem se alimentar de experiências e só creem se houver sinais. Por isto se tornam obcecadas por manifestações. Jesus nunca atendeu este tipo de pessoas que pedem sinais para crerem. Este foi o caso de Dídimo: “Se não vir os sinais nas suas mãos, não crerei...” O que lhe respondeu Jesus? “Tomé, bem aventurados os que não viram e creram”. 

 

2.     Deus possui um tempo certo para revelar seu poder e graça. “Os seus intentos cumpre Deus no decorrer dos anos, ele executa seu querer de acordo com seus planos”. Deus pode parecer silencioso longo tempo até se revelar às pessoas que por ele esperam.

 

Tempo de Deus é diferente do nosso tempo. Sua agenda não é a nossa. A ansiedade por respostas imediatas pode nos levar a procedimentos equivocados, como fez Sara, que tentou dar uma “ajudinha” para Deus ao recomendar que Abraão tivesse um filho por meio de Agar. Não atropele tempos, descanse no Senhor, entregue ao Senhor, confie no senhor. “Não te impacientes, certamente isto acabará mal”

 

3.     Manifestações de Deus ocorrem também, por causa das orações. Zacarias orava, sua oração parecia repetitiva e sem sentido, quantos anos orou? Deus o ouviu e o atendeu. Não desanime enquanto você ora, se você considera que seu pedido está de acordo com a vontade de Deus, continue a apresenta-lo, incessantemente diante de Deus 

 

Creio que muitas vezes oramos sem expectativa, pedimos sem fé, não estamos certos de que podemos aguardar um milagre de Deus em nossa história. Eu sei que Deus tem planos, e tais planos são misteriosos, mas eu também sei que ele nos ordena a pedi, a buscar, a bater, e em cada uma destas recomendações feitas por Jesus, há promessas:

            Pedi e dar-se-vos-ás

            Buscai e achareis

            Batei e abrir-se-vos-á.

 

 

4.     Natal vem nos revelar que nosso Deus é um Deus Poderoso, mas é um Deus que se identifica e relaciona conosco. Natal nos quer dizer: Emanuel (Deus conosco!)  

 

Este texto nos fala da vida de Zacarias e Isabel. Deus não havia se esquecido deles. “Zacarias, não temas, porque a tua oração foi ouvida; e Isabel, tua mulher, te dará a luz a um filho.” (Lc 1.13). Deus sempre ouviu suas orações.

 

Algumas vezes pessoas me perguntam: Será que Deus está ouvindo minhas orações? E a resposta é sempre: claro que sim. Deus responde de diferentes formas, conforme seu propósito, mas ele sempre ouve. Não estamos sós, Deus rompe a solidão cósmica de Zacarias, seu senso de abandono e distanciamento de Deus e vem ao seu encontro. O Deus das Escrituras Sagradas não é um Deus distante, embora muitas vezes nos pareça ser.

 

Conclusão:

O evento do Natal nas Escrituras foi marcado pela sobrenaturalidade: Anjos nos céus, visões, coro angelical (isto não é poesia, é fatual), Deus se faz presente. 

 

Para Zacarias, tais sinais se manifestaram dentro da experiência religiosa, atos litúrgicos costumeiros, orações silenciosas e perseverantes e no meio de um viver ordinário. Isto nos leva crer que vida ordinária, mas justa, acompanhada de orações são o ingrediente necessário para que Deus se revele poderosamente na nossa história.

 

Continue firme no caminho do Senhor. No seu tempo, na sua hora, ele nos abençoará. Aliás, no seu silêncio também somos abençoados. Não se esqueça disto. 

Um comentário:

  1. Grande mensagem e de uma profunda edificaçao.
    Nao podemos deixar de lembrar: Deus nao esquece.

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