A Tríplice obra do Espírito Santo
Jo 16.8-11
Introdução:
Stanley Jones escreveu “O Cristo de todos os caminhos”, um dos mais preciosos livros sobre o Espírito Santo. Ele afirma que o Espírito Santo é o continente esquecido da vida cristã. É onde se encontram as jazidas mais preciosas mas ainda inexploradas. E faz uma maravilhosa análise do Pentecoste e suas implicações na história.
A natureza e obra do Espírito Santo, gerou muitas controvérsias no Século XX, assim como as controvérsias cristológicas estiveram tão presentes na Igreja Primitiva e na Patrística e tais controvérsias geraram fortes debates até chegar ao Concílio de Niceia (325), quando todos os bispos das igrejas cristãs foram convocados e definiram de uma vez por todas a posição que é adotada até hoje pelas igrejas cristãs do mundo inteiro.
Naquela ocasião, um professor, Ário, enfatizava a supremacia e singularidade de Deus Pai, significando que o Pai é todo-poderoso e infinito, e que, portanto, a divindade do Pai deveria ser maior que a do Filho, e que o Filho teve um começo, e não possuía nem a eternidade nem a verdadeira divindade do Pai, mas foi feito "Deus" pela permissão do Pai, e que o Filho era o primeiro e a mais perfeita das criaturas de Deus. O Concílio de Niceia, porém definiu que Jesus era "Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, Gerado, não criado e de uma só substância (homoousios) com o Pai", sendo assim, Pai e Filho, um único ser.
A discussão sobre o Espírito Santo se tornou mais presente no Século XX, principalmente quando manifestações sobrenaturais surgiram na Rua Aziza, em Los Angeles (1906), e desta forma foram irradiando sua ação, impactando profundamente a teologia e a dinâmica das igrejas e da obra missionaria no mundo inteiro. De lá para cá, os debates sobre o Espírito, sua natureza e obra, tornam-se acirrados trazendo legítimos e ilegítimos questionamentos, tornando-se cada vez mais comuns e presentes nas discussões teológicas.
Hoje, muitos tem se esforçado para entender e desfrutar mais do poder e da benção do Espírito Santo na vida pessoal, na obra da evangelização e na missão da igreja.
Quando lemos Jo 16.8-11, que é um dos melhores “compêndios” bíblicos sobre o Espírito Santo, observamos alguns papeis bem específicos de sua obra na vida dos seres humanos. Existem vários nomes dados ao Espírito, que por sua natureza já orientam sua função e obra. O Espírito é descrito como “consolador” e “guia”, mas queria me ater hoje à obra tríplice revelada por Jesus:
“Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo:
do pecado, porque não creem em mim;
da justiça, porque vou para o Pai, e não me vereis mais;
do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado.”
Primeira, nos convencer do pecado
Uma das maravilhosas e desafiadoras obras do Espírito Santo é nos convencer de que somos pecadores. Só poderemos entender perfeitamente o Evangelho, quando entender perfeitamente nossa condição de pecador diante de Deus.
Alguém sabiamente afirmou que a TULIP, os cinco pontos centrais do calvinismo, começam exatamente na compreensão do primeiro ponto que é a Total Depravação. A maioria das pessoas tem uma compreensão superficial de sua situação espiritual. Elas concordam que “não são perfeitas”, “que são falhas”, “erram por omissão e comissão”, mas enquanto não forem convencidas pelo Espírito Santo, de que são incapazes de se justificar diante de Deus pelas suas obras, e enquanto não desistirem de sua justiça própria, não entenderão a grande salvação que nos foi dada por Cristo.
Pecado, biblicamente falando, não é um mero acidente. A Reforma já colocou muito bem este ponto ao afirmar: “Não sou pecador porque peco, mas peco porque sou pecador”. O problema não é apenas um escorregão ou erro cometido. Tem a ver com a essência. Não é um acidente de percurso. Eu sou escravo do pecado, e por isto, sem a obra de Deus em minha vida, procurarei sempre satisfazer a vontade do pecado.
Pecado não é apenas um desvio de caráter. Algo que esporadicamente cometo, mas faz parte daquilo que eu sou. Por isto é necessário uma obra profunda, que nos regenere, mude nossa genética, nosso DNA pecador. É necessário nascer de novo, pois “se alguém não nascer de novo, não pode ver o Reino de Deus”.
Pecado tem a ver com a vontade corrompida. O primeiro livro que Lutero escreveu foi “a escravidão da vontade”, baseado no livro de Gálatas. Temos uma vontade cativa aos impulsos da carne, sem Jesus sempre estaremos inclinados a satisfazer as vontades da carne e do pensamento. O apóstolo Paulo afirma que “não há justo, nenhum sequer, todos se extraviaram e à uma se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem”. O pecado nos afasta de Deus, nos transforma em seres narcisistas e autocentrados, interessados em satisfazer prazeres e desejos. O pecado escraviza vontade, mente e emoções.
Só quando você entende sua desesperadora situação é que você entenderá na sua radicalidade, a obra de Cristo. Somente um grande pecador sentirá necessidade de um grande salvador. Isto é obra do Espírito Santo. Ele precisa nos convencer desta dura realidade. Não é uma tarefa fácil, porque estamos sempre prontos a nos justificar, nos defender, dividir nossas culpas, acusar outros. O Espírito desestrutura nossas frágeis defesas e nos coloca no devido lugar. Ele nos convence da seriedade, abrangência e poder do pecado.
Algum tempo atrás era comum cantarmos uma música em nossas igrejas que dizia: “Se sofrimento te causei Senhor, se ao meu exemplo o fraco tropeçou”. Felizmente uma redação posterior mudou significativamente a mensagem dizendo: “Simsofrimento te causei Senhor, sim, ao meu exemplo o fraco tropeçou”. Pecado não é questão de “se”, mas questão de “sim”. Lamentavelmente.
O grande e maior de todos os pecados é a incredulidade. Por isto o texto afirma: “Quando ele vier, convencerá (...) do pecado, porque não creem em mim”. A incredulidade sempre desemboca na idolatria, de onde procedem todos os demais pecados.
Segundo, nos convencer da justiça
Esta parece ser uma tarefa mais fácil, afinal de contas, justiça é uma das virtuais cardeais da humanidade. Os seres humanos lutam por justiça, fazem discursos centrados na justiça, saem às ruas com bandeiras e faixas defendendo o princípio da justiça. Apesar de nem serem coerentes nesta questão, sempre estão muito interessados que haja justiça, principalmente quando a injustiça foi praticada contra eles. Então não nos parece que a justiça seja um tema tão central na vida humana que haveria nem necessidade de uma obra especial do Espírito Santo para nos convencer desta verdade.
Afinal, de qual justiça Jesus está falando? Que obra especial é esta que o Espírito Santo faz? Certamente não precisamos ser convencidos de que precisamos de justiça social e equidade. Grandes juristas são pagãos, e muitos nem creem em Deus, e ainda assim lutam por leis sociais e inclusivas. Nós lutamos pelos direitos quando nos sentimos lesado, ficamos magoados ou quando nos sentimos excluídos...
Jesus, entretanto, está falando de uma outra justiça, relacionada a realidade do homem diante de Deus.
Jó faz a seguinte indagação:
“Seria, porventura, o mortal justo diante de Deus? Seria, acaso, o homem puro diante do seu Criador?Eis que Deus não confia nos seus servos e aos seus anjos atribui imperfeições; quanto mais àqueles que habitam em casas de barro, cujo fundamento está no pó, e são esmagados como a traça!” (Jó 4.17-19).
Jesus está falando da justiça do homem diante de Deus. Como é nós, injustos, infiéis e pecadores, poderemos ser justificados diante de um Deus tão puro? A realidade brutal do homem diante de Deus é que “Não há justo, nem um sequer. Todos se extraviaram e a uma se fizeram inúteis” (Rm 3.9-10).
Diante da trágica situação do homem diante de Deus, Paulo fala em Romanos, sobre uma nova justiça: a justiça de Cristo a favor dos pecadores.
“Visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que creem; porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos.”(Rm 3.20-25).
Veja quantas vezes este texto fala de “justiça”.
§ Ninguém será justificado diante de Deus por obras da lei
§ Agora se manifestou a justiça de Deus (...) mediante a fé em Cristo).
§ Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus.
§ Deus propôs, no seu sangue, manifestar a sua justiça...
Torna-se claro que este texto está falando de uma nova justiça. E é exatamente desta singular justiça, que o Espírito Santo precisa nos convencer. Da justiça de Cristo a nosso favor.
A proposta de Deus: “Deus propôs, no seu sangue”, é manifestar sua justiça em Cristo. O que Deus fez? Deus coloca em Cristo a nossa culpa, e nos dá os méritos de Cristo. Meu pecado é transferido para Jesus, e sua justiça é transferida para mim. “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fossemos feitos justiça de Deus” (2 Co 5.21).
Portanto, o Espírito Santo precisa nos convencer de outra justiça. A justiça que vem por meio de Cristo e nos dá salvação. O Espírito precisa nos convencer dos méritos de Cristo. A ira de Deus sobre meus pecados foi transferida para Cristo, e os méritos de Cristo, por causa de sua justiça, foram transferidos para mim. Houve uma substituição. Ele morreu pelos nossos pecados. Ele é o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo. Ele tirou todo peso de acusação, vergonha, delitos e condenação que estava sobre nós e assumiu o nosso lugar.
O Espírito Santo precisa nos convencer da justiça de Cristo.
Quando me convenço de sua justiça, meu coração se torna cheio de gratidão e louvor. Sua justiça é suficiente e plena para mim. Somente o Espírito é capaz de me convencer disto, de outra forma, sempre tentarei me justificar diante de Deus pelos meus méritos, estarei sempre crendo que o céu é uma conquista e depende do meu merecimento pessoal. Esqueço da justiça de Cristo e me firmo, equivocadamente, na minha justiça.
Só existe um caminho para salvação. Através de Jesus e de sua obra plena, cabal. O Espírito precisa me convencer a desistir de mim mesmo e colocar minha confiança apenas, e tão somente, na justiça de Cristo.
Terceiro, convencer do juízo
A maioria das pessoas creem num sistema de justiça universal. Que as pessoas boas serão recompensadas e que as más sofrerão algum tipo de julgamento, embora, o conceito de condenação eterna e inferno pareçam bem abstratos. As pessoas creem num juízo, dado, não por Deus, mas pela ordem da natureza. Preferem crer num juízo cego e impessoal de uma natureza que faz um movimento de bumerangue e julga as pessoas, que crer num Deus pessoal, santo e justo, que julga as pessoas, inclusive punindo-as com o inferno.
As pessoas acham que Deus é bom demais para julgar e condenar alguém. Na verdade, Deus é amoroso e misericordioso, mas ele é ao mesmo tempo justo e fiel. Se não houver julgamento, o universo é cego e caótico. Por isto a Bíblia afirma que Deus vem julgar a terra, e julgará o mundo com justiça e os povos, consoante a sua fidelidade.
Deixe-me apresentar três razoes pelas quais eu creio que existe uma justiça divina:
1. A humanidade demanda justiça. Nós aspiramos para que, neste mundo caótico, injusto, controvertido e tantas vezes aparentemente absurdo e sem sentido, haja uma ordem moral e espiritual.
2. A Bíblia constantemente fala da justiça e do juízo de Deus. Jesus afirma que “Ele enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma e outra extremidade dos céus.” (Mt 24.31), e “...o servo inútil, lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes.” (Mt 25.29). Portanto, as Escrituras Sagradas relatam estes textos proferidos pela boca de Cristo. Isto não deve ser desprezado.
3. A Santidade de Deus demanda justiça. Imagine um Deus santo, mas apático. Que vê a maldade e vira o rosto. Que ouve o clamor do injustiçado e se omite. Que Deus seria este que ignora o mal?
Curiosamente, as pessoas que sempre negam a justiça de Deus, estão sempre reivindicando justiça para si e para a sociedade. Elas demandam justiça pessoal e se sentem feridas quando seus direitos pessoais são ameaçados. Se Deus não pode exercer justiça, porque nós, humanos, falhos e mortais, teríamos o direito de reivindicar justiça para o mal?
O Espírito Santo tem a função de nos convencer do juízo de Deus. Talvez seja esta a razão pela qual, sempre que acontecem avivamentos na história, o povo de Deus experimenta uma forte convicção de pecado e medo do juízo de Deus. Quando Jonathan Edwards pregou seu famoso sermão, “pecadores nas mãos de um Deus irado”, a descrição do juízo de Deus foi tão clara, e a convicção de pecados da igreja de Southhampton era tão profunda, que as pessoas se agarravam aos pilares da igreja temendo serem arrebatadas para o inferno. Sendo o Espírito Santo aquele que gera avivamento, é natural que esta obra de compreensão do juízo de Deus se torne assim tão clara.
Outra coisa se torna necessário dizer. Na verdade, em última instancia, não é Deus quem nos condena, mas nós mesmos. O juízo de Deus proferido contra alguém é um veredito sobre o mal. Imagine alguém que cometeu um grave delito e é julgado por um justo juiz. O fato de ser integro e justo o obriga a aplicar a lei. O que o culpado pode esperar de um justo juiz? Absolvição? Não! Isto seria injusto. Porque justiça é dar a cada um aquilo que merece. Se você visse um juiz deixar de dar correta sentença a um réu claramente culpado, não seria capaz de condenar este juiz?
O Espírito Santo nos convence do juízo. Afinal: “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará.” (Gl 6.7).
Conclusão
Esta é a tríplice obra do Espírito Santo.
Nos convencer do pecado
Da justiça
Do juízo.
Será que temos sido convencidos destas grandes verdades?
Qual a resposta que devemos dar ao sermos convencidos pelo Espírito do nosso pecado? O resultado imediato é arrependimento, confissão e mudança.
Qual a resposta que devemos dar ao sermos convencidos da justiça de Cristo que assumiu nossa culpa e pecado e nos tornou justo diante de Deus? A resposta será adoração e louvor. Paramos de nos encantar com nossas realizações morais e espirituais e nos encantamos com a cruz. Paulo diz que se gloriava não em si mesmo, mas na cruz de Cristo: “Mas longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo.” (Gl 6.14).
Qual a resposta que devemos dar ao sermos convencidos do juízo de Deus? Uma resposta de temor. Não podemos brincar com as verdades espirituais. Não podemos rejeitar o amor de Deus. Não podemos menosprezar verdades eternas. Ao sermos convencidos do juízo de Deus isto gera santo temor e santa reverência.
Este é o projeto do Espírito Santo por nós.
Esta é a tríplice obra do Espírito Santo.
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