Introdução:
O livro de Josué é um turning point na história do povo de Deus. Moisés, o grande libertador e líder de Israel, tinha acabado de morrer, eles estavam chegando na terra prometida, e era um tempo para começarem a estabelecer o povo de Israel em Canaã.
Toda mudança traz insegurança e medo!
Há um conhecido episódio sobre a velhinha da Siracusa, que no dia da morte do ditador, por tantos anos e tão duramente havia oprimido seu pais, e todos saíram às ruas para dançar e celebrar o fim do jugo e da escravidão. Todas as pessoas riam e só ela chorava. Alguém lhe repreendeu por tal atitude e ela respondeu: “Eh, este ai, pelo menos, nós conhecíamos, mas o próximo, ninguém sabe”.
Vivemos em 2020 um ano de perplexidade. Quem poderia imaginar que por tanto tempo seriamos assolados por um vírus que causou comoção, se tornou objeto de disputas politicas, de um lado os negacionistas, de outro os alarmistas, onde ninguém sabia (e não sabe), onde está a verdade. Termos em inglês que não conhecíamos se tornaram comuns: Home Office, Lockdown, lives. Quem hoje em dia não sabe o significado de cada um destes termos?
Certamente este ano que passou, mudou prioridades e perspectivas. Quem poderia imaginar que igrejas estariam fechadas por tão longo tempo? Que você só poderia entrar num banco se estivesse mascarado? (antes você seria preso). Eu fiquei sem pregar presencialmente na igreja por 7 meses e três dias. Nosso departamento infantil não tem encontro presencial desde março deste ano. Alguém seria capaz de prever isto no inicio de 2020?
Este texto de Josué, fala de um tempo de transição. Uma nova realidade, um novo tempo, que estava se tornando realidade.
Algumas verdades podem ser extraídas deste texto:
Primeiro, mudam as estações, as pessoas passam, mas a vida continua
“Moisés, meu servo, é morto;
dispõe-te agora, passa este Jordão” (Js 1.2)
A tradução livre deste texto, feita por Eugene Peterson diz: “Meu servo morreu, mas vamos adiante.”
Apesar de todo transtorno e dores que o luto traz, a primeira mensagem que Deus dá a Josué é que ele precisa olhar adiante e não ficar preso ao passado. Lidar com perdas é algo sempre dolorido e traumático. Uma perda financeira, uma enfermidade brutal, o luto, podem mudar nossos paradigmas para sempre. Pode gerar morbidez patológica e paralisia de ação. A perda está sempre associada a culpa, medo, angústia, solidão, raiva, tristeza e podemos ficar apegados ao passado.
Por esta razão o texto diz: “Meu servo Moisés é morto, mas vamos adiante”. Como precisamos dizer isto ao nos deparamos com perdas irreparáveis, dores, angústias. Nestas horas, precisamos aprender a fazer de forma diferente, redimensionar, resignificar. Um novo tempo na história.
A pandemia deste ano, se tornou um ponto de paralisia para muitos. Como sobreviveremos? Como pagar as contas? Como será a igreja em 2020? Sabe o que aconteceu? Deus foi cuidando de cada detalhe. Temos empresários aqui na igreja, dizendo que apesar de tudo que aconteceu, este foi o ano de redenção. Como assim? Num ano de crise e pandemia? Sim. A vida continua. Não dá para simplesmente ignorar que a vida é um processo. Dias de ganhos e de perdas. Mas seguimos firmes no Senhor.
Foi assim que me vi durante o inicio da pandemia: O que acontecerá agora? Como as coisas funcionarão? Como fazer meu ministério? Foi necessário adaptação, persistência, aprendizado, fazer as coisas de forma diferente. Me assentava de manhã, fazia uma agenda básica, lembrava das pessoas enfermas, olhava os aniversariantes. Novas estações, exigem diferentes roupagens.
As estações mudam. As coisas acontecem. O tempo passa, mas a vida continua. Ou como diz o ditado americano: “Life goes on”.
Segundo, mudam as estações, novos tempos surgem, mas os desafios continuam.
“Sê forte e corajoso” (Js 1.6).
Não espere dias fáceis e um viver sem desafios. Em todo tempo, teremos que enfrentar desafios, que podem ser de natureza completamente diferente mas sempre estarão presentes. Viver é arriscado, como disse Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso... Porque aprender a viver é que é o viver mesmo... Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa...”
Em 2002, decidi que estava na hora de voltar para o Brasil, depois de passar 8.8 anos nos Estados Unidos. Recebi o convite para pastorear a Igreja de Anápolis, onde me encontro até hoje (tomei posse no meu pastorado no dia 05 de Janeiro de 2003), mas no dia 31 de dezembro ainda estava pregando no culto de vigília nos EUA. No final do culto, fui procurado por uma ovelha que havia me dado muito trabalho e consumiu muito tempo, cuidado e pastoreio. Infelizmente seu casamento disfuncional e sua vida desregrada, o mantinham escravizado a obsessões e comportamentos doentios que refletiam nas suas péssimas decisões. No final do culto de vigília, quando me despedi da igreja, já era quase 1 hora da madrugada, eu estava cansado, e ansioso para voltar para casa. De repente o vi na porta da igreja, me esperando...
Foi a última conversa com ele, que ainda buscava algum conselho. Eu já havia dito tudo que julgava importante, e não queria, definitivamente, dizer mais das mesmas coisas que eu sempre havia dito. Saímos para o estacionamento, havia muito neve no chão e um frio congelante. Se eu entrasse no carro com ele, nossa conversa poderia se arrastar por horas, e eu preferi ficar do lado de fora, no frio, para que pudesse conversar de forma mais rápida. Quando ele foi embora, sai correndo em direção ao meu carro, quando vi que o farol do carro do meu querido presbítero Marcos Dias deu um sinal. Corri para seu carro, e experimentei o delicioso sabor do aquecimento. Ele, sabendo de tudo, sorriu e me disse ironicamente: “Eh pastor Samuel, está indo embora e deixando os pepinos para trás”. Repliquei: “É, mas em todo lugar há pepinos”. Ele disse: “é, mas é pepino de horta nova”. E eu perguntei: “Pepino de horta nova tem sabor diferente?”. E rimos ali dentro do carro.
O Evangelho é muito realista: “Estas coisas vos tenho dito para tenhais paz em mim. No mundo passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo”. (Jo 16.33). Sempre teremos que enfrentar problemas. Por isto Deus diz a Josué: “Sê forte e corajoso!”. Nós precisamos de força e coragem para enfrentar as lutas.
Duas áreas que exigem coragem:
A. Coragem para enfrentar as batalhas – “Não to mandei eu? Sê forte e corajoso; não temas, nem te espantes, porque o Senhor, teu Deus, é contigo por onde quer que andares” (Js 1.9).
Guerras desafiam nossos medos, emoções, solidão, tristeza, dúvidas. A vida muitas vezes é pesada. O medo pode ser paralisante. Não são a fobia e a angústia derivadas do medo? Josué precisava conduzir o povo à terra prometida, sem a presença de Moisés, seu tutor e mentor. Ele agora era o líder, não tinha como transferir as difíceis decisões para ninguém. “Tu farás este povo herdar a terra” (Js 1.6).
Líderes precisam de coragem para assumir riscos, colocar o pescoço à prêmio, sofrer o julgamento da comunidade e da história. A história vai julgar as decisões que hoje assumimos. Líderes precisam lidar com seus temores e fantasmas.
B. Coragem para ser fiel – “Tão somente sê forte e mui corajoso para teres o cuidado de fazer segundo toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para que sejas bem-sucedido por onde quer que andares.” (Js 1.7).
Olhe bem o texto: “Tão somente sê forte e mui corajoso para teres o cuidado de fazer segundo toda a lei”. Em outras palavras, para ser fiel e obediente precisamos ser corajosos. É preciso ter peito para obedecer a Deus e seus mandamentos. É preciso ter coragem para ser bíblico e fazer como Deus deseja que façamos. Como afirma Paul Washer: “Você não precisa concordar com a Bíblia, você precisa obedecê-la”.
Eclesiastes afirma: "O coração do sábio o inclina para a direita, mas o coração do tolo para a esquerda." (Ec 10.2). Então, os irmãos da direita dizem: “Está vendo? Ser da esquerda é anti-bíblico!”. Para evitar este mal-entendido o texto afirma: “...dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para que sejas bem-sucedido.” Por que? Porque heresia, não é a negação de uma verdade (isto é apostasia), mas a distorção de uma verdade. Quando levamos a verdade para um lado ou para o outro, inevitavelmente perdemos a perspectiva de Deus.
Terceiro, mudam as estações mas Deus é o mesmo!
“Ninguém te poderá resistir todos os dias da tua vida; como fui com Moisés, assim serei contigo; não te deixarei, nem te desampararei.” (Js 1.5).
No meio da incerteza, precisamos colocar nosso olhar naquilo que é sólido. Deus disse a Josué: “como fui com Moisés, assim serei contigo”. Meu cuidado é o mesmo, estarei sendo o mesmo, eu não mudei. Continuarei a cuidar de sua vida. “Foi isto que fez Jeremias ao ver sua cidade santa desolada: “Quero trazer a memória, o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não tem fim, renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade.” (Lm 3.21-23). Jeremias coloca seu olhar num ponto além das circunstâncias.
No meio da tempestade Pedro é convidado por Jesus a andar sobre as águas. Ele vai até bem, e o movimento da água parecia não mais incomodá-lo, mas “reparando, porém, na força do vento, teve medo; e, começando a submergir, gritou: Salva-me Senhor!” (Mt 14.28). Pedro estava olhando para Jesus, e assim conseguiu andar sobre as águas, mas no momento em que seu foco foi a força do vento, então começou a afundar.
Onde você está colocando seu olhar? Na força do vento ou no Deus que controla o vento?
Era fundamental que Josué colocasse seu olhar na fidelidade de Deus. “Como fui com Moisés, assim serei contigo.”
Josué precisava confiar na fidelidade de Deus. Deus lutaria por ele e por Israel. A Batalha era de Deus. “Ninguém te poderá resistir todos os dias da tua vida; como fui com Moisés, assim serei contigo”. O poder de Israel não era sua capacidade bélica, competência militar, nem as armas que possuía, mas a presença de Deus entre eles.
Antes de morrer, Moisés fez questão de lembrar isto ao povo: “O Senhor, vosso Deus, que vai adiante de vós, ele pelejará por vós, segundo tudo o que fez conosco, diante de vossos olhos, no Egito.” (Dt 1.30). Em Êxodo, vemos também como Moisés via o agir de Deus: “O Senhor é homem de guerra; Senhor é o seu nome.” (Ex 15.3).
Precisamos entender que Deus luta por nós. Temos colocado demasiada confiança em nossos recursos e possibilidades, mas Deus nos convida a confiar nele mesmo. Josué estava fragilizado, mas o Senhor lhe afirma: “...serei contigo; não te deixarei, nem te desampararei.”
Creio que boa parte de nossa fraqueza e ansiedade seriam vencidas se considerássemos esta grande e maravilhosa verdade. Deus luta por nós. Nossa vida é sustentada por Deus. É ele quem faz. Podemos confiar, descansar e esperar nele.
Conclusão
Isto nos convida a refletir sobre o Evangelho. Como Jesus lida com sua própria história? Ele também teve que enfrentar novas e diferentes realidades na sua vida. Na semana anterior à sua crucificação, ele entra em Jerusalém aclamado pela multidão que grita: “Hossana, Hossana, bendito o que vem em nome do Senhor!”, e as pessoas jogavam vestes e palmas para que ele triunfantemente entrasse em Jerusalém. Na semana seguinte, Jesus tem que lidar novamente com a opinião pública, só que desta vez o grito é “crucifica-o! Crucifica-o!”
Como Jesus reage a este tempo de oposição e ameaça? Ele coloca seus olhos no Pai. Ele sabia que o Pai o amava, apesar da cruz, ele sabia que o Pai tinha propósitos para a sua vida. Ele se submetia obedientemente ao projeto do Pai. Ele entendia o significado da nova aliança do seu sangue, derramado em favor de nós para perdoar os nossos pecados.
Jesus colocou seus olhos nas profecias. Um novo tempo estava chegando... Por isto afirma: “O reino de Deus é chegado até vós!” A cruz introduz uma novo tempo. Tempo de salvação, de perdão, um novo tempo de Deus.
E você? Como você lida com as situações e temores?
Mudam as estações, as pessoas passam, mas a vida continua. A vida está diante de nós. É preciso coragem!
É bom lembrar que mudam as estações, novos tempos surgem, mas os desafios continuam. Não haverá lugar sem luta, nem tempo sem batalha. Precisamos ser fortes e corajosos.
Mas acima de tudo, precisamos lembrar que mudam as estações mas Deus é o mesmo!
Este é um novo tempo. Não sabemos o que nos espera no próximo ano, mas sabemos quem controla o tempo, e controla a nossa vida. Que venham as novas estações, que surjam novos tempos, e que neles possamos nos deparar com a graça de Deus.
2021 chega, mas não estamos sozinhos!
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