domingo, 11 de abril de 2021

Sl 137 e At 16.25-26 Como cantar em tempo de calamidade?

 



 

 

Introdução:

 

Não é fácil cantar em tempos de dores, choro e calamidades. Martinho da Vila afirma:

 

“Canta, canta, minha gente. Que a vida vai melhorar

Canta forte, canta alto, que a vida vai melhorar...

 

E mais adiante ele afirma:

“Só não dá prá cantar mesmo

quando o sol nasce quadrado”.

 

É... não é só quando o sol nasce quadrado. Existem outras horas que é difícil cantar.

ü  Quando a dor bate à porta da casa

ü  Quando o luto nos atinge

ü  Quando as más noticias chegam e mudam a nossa história

ü  Quando a traição nos atinge.

 

Nem sempre é fácil cantar.

O Salmo 137 contrasta com At 16.25-26

 

No primeiro texto, as pessoas se recusam a cantar porque as condições são adversas. Eles estão enfrentando uma calamidade e acham que não dá pra cantar desta forma. Eles foram exilados, maltratados, perderam sua dignidade, família, história, e até mesmo a sua fé foi abalada, já que o templo de Jerusalém havia sido destruído. E agora, em terra estranha, os algozes pedem que eles cantem... eles se recusam... eles penduram suas harpas no salgueiro, não conseguem tirar a sanfona do guarda roupa, nem pegar a viola e cantar serestas. Eles perderam a capacidade de louvar a Deus.

 

No segundo, Paulo e Silas estão na prisão em Filipes. Por causa de sua fé eles foram espancados em praça pública, açoitados a mando da justiça e atirados feridos numa cadeia dura e fria. Entretanto, conseguem achar força em Deus, e cantam, a despeito da oposição, martírio e da situação adversa.

 

Duas situações difíceis, duas respostas completamente diferentes.

 

Qual a resposta do povo exilado?

 

Não podemos cantar, por causa da opressão e da dor.

Ao refletirmos cuidadosamente sobre o texto, observamos que eles não conseguiram cantar porque algumas coisas estavam erradas na forma de interpretar a vida. Larry Crabb, conhecido psicólogo cristão afirma que, na maioria das vezes, o problema que enfrentamos se torna muito maior por causa da forma como o vemos e julgamos. Por esta razão, o conselheiro cristão procura “colocar a mente da pessoa no lugar certo”, isto é, ajudá-la a ver as coisas na perspectiva da revelação dada por Deus nas Escrituras. Ajudá-la a perceber as coisas pela ótica de Deus.

 

Por que os exilados judeus não conseguiram cantar? Perderam a capacidade de louvar a Deus?

 

1.     Limitaram Deus a um local sagrado. “Como haveríamos de entoar o canto do Senhor em terra estranha?” (Sl 137.4)

 

O povo exilado na Babilônia não podia cantar porque na teologia que adotavam, o culto   e a fé estavam condicionados a um lugar: Jerusalém: “Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém”... (Sl 137.5)

 

Por causa da concepção de que havia um lugar sagrado, eles desenvolveram uma fé institucional. Não conseguiam entender que Deus estava acima de um lugar, por isto não falam de Deus, mas da terra. Esqueceram que Deus estava em todo lugar. Entretanto, Deus não estava interessado em ter um “local sagrado”, como nunca esteve, mas em pessoas santas. Portanto, não estava circunscrito a um local, nem a uma estrutura física, como bem afirmou Estevão, o primeiro mártir cristão:

 

Entretanto, não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas; como diz o profeta: O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés; que casa me edificareis, diz o Senhor, ou qual é o lugar do meu repouso?” (At 7.48,49).

 

Na pandemia da Covid-19, as autoridades obrigaram o fechamento de todas escolas, estabelecimentos comerciais e igrejas, e fomos obrigados a adorar a Deus, sem uma reunião pública (Março 2020- Maio 2021). Ficamos perguntando como as igrejas conseguiriam sobreviver sem culto público. As pessoas continuariam crentes? Como seria sua espiritualidade agora não institucionalizada? Com cultos apenas transmitidos pela mídia? Como se sustentaria a fé dos irmãos, sem uma comunidade local e cultos presenciais? O que aconteceria às igrejas?

 

O que aconteceu com os israelitas deportados? Distanciados da sua terra e do local de seu culto, exilados politicamente, seus algozes lhes pediram que cantassem, e eles afirmaram: “como haveríamos de cantar o canto do Senhor em terras estranhas?” (Sl 137.4). Como poderemos cultuar a Deus se não podemos ir à casa do Senhor?

 

Quando limitamos Deus a lugares sagrados, corremos o risco de desenvolvermos uma teologia templista, ignorando que Deus não habita em templos feitos por mãos humanas, mas que seu Espírito transformou o corpo de cada um dos seus eleitos em santos lugares. “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo , que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (1 Co 6.19). esta visão reducionista do povo exilado os impediu de adorarem na Babilônia. Deus não podia estar em outros lugares, porque ele teria ficado em Jerusalém.

 

 

2.     Se recusaram a cantar em meio às hostilidades “Como, porém, haveríamos de entoar o canto do Senhor em terra estranha?” (Sl 137.4)

 

Quanto tempo o povo de Deus ficou cativo na Babilônia? Esta mentalidade os impediria de, por setenta anos, cultuarem a Deus.

 

Tornaram-se deprimidos e apáticos. “Nos assentávamos e chorávamos” (Sl 17.1). Estavam onde não queriam estar. Babilônia era o endereço, mas o coração era Sião. Muitas pessoas só querem louvar a Deus se as condições forem favoráveis. Quando as condições não são favoráveis, o louvor desaparece de seus corações. A Bíblia diz: “Em tudo dai graças, porque esta a vontade de Deus em Cristo Jesus”, mas quem tem uma teologia errada não consegue glorificar a Deus nas suas frustrações e desilusões.

 

3.    Foram incapazes de testemunhar. Pois aqueles que nos levaram cativos nos pediam canções, e os nossos opressores, que fôssemos alegres, dizendo: Entoai-nos algum dos cânticos de Sião” (Sl 137.3).

 

Os cânticos de Sião falam de que? Da grandeza e do poder de Deus, de sua glória, de sua capacidade criativa, de sua aliança. Eles podiam pregar e anunciar as grandezas de Deus aos ímpios.

 

O Profeta Isaias afirma que nossa eleição tem um propósito bem claro. Fomos criados para glorificar a Deus, dar louvores ao seu nome: “Ao povo que formei para mim, para celebrar o meu louvor.” (Is 43.21). fomos feitos para declarar ao mundo quem Deus é. O fim de nossa eleição é mostrar o glória de Deus de todas as maneiras possíveis, a todos os povos.

 

Se esta for a resposta da igreja nestes tempos de pandemia, quanto tempo ficaremos? Enquanto durar o exilio, o isolamento social, o lockdown, será esta a resposta que daremos?

 

O povo da Babilônia precisava ouvir os cânticos de Sião, que exaltavam o verdadeiro e único Deus, criador dos céus e da terra, o Deus dos pactos, o Deus único, o Deus pessoal, do Deus que trabalha para aqueles que nele esperam.

 

4.     Transformaram Deus em parceiro da sua vingança e ódio. “Filha da Babilônia, que hás de ser destruída, feliz aquele que te der o pago do mal que nos fizeste. Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra”(Sl 137.8,9).

 

O povo exilado, erroneamente começou a acreditar que Deus seria glorificado se destruísse os babilônios, e preferencialmente, de forma cruel, tomando seus pequenos filhos e esmagando-os contra a pedra. Este é o fundamento da Jihad islâmica.

 

Usamos este tempo para politizar, para encontrar responsáveis e culpados, e achamos que Deus está alinhado à nossa visão ideológica. Achamos ainda que nosso ódio tem a aprovação divina, nos esquecemos de glorificar a Deus com gestos de compaixão e graça que trazem glória ao seu nome, e acreditamos erroneamente que ele se torna parceiro na indiferença, agressão e hostilidade. Quantas vezes na história do cristianismo este gesto se repetiu. Grupos radicais que lutam com armas julgando assim dar glória ao nome de Deus.

 

Deus continua gracioso, amoroso e perdoador. A crise, a calamidade, o exilio não significam que Deus deixou de amar. Não podemos transformar Deus em parceiro de nossa agressividade.

 

Qual a resposta dos discípulos de Cristo em Atos? Agindo de forma oposta aos judeus exilados, vamos encontrar os discípulos de Cristo em Filipos, agindo de forma absolutamente contrária. Enquanto os judeus se recusavam a cantar, os discípulos decidiram cantar; enquanto os judeus tratavam com hostilidade os inimigos, os discípulos de Cristo tratam dos malfeitores com compaixão e misericórdia. Isto torna-se bem claro no texto de Atos 16.19-26.

 

O que eles decidiram? Vamos cantar, a despeito da hostilidade, adversidade e dor

 

Isto nos revela alguns aspectos:

 

1.     Louvor a Deus não pode estar condicionado a circunstâncias favoráveis. Louvor sempre traz glória ao nome do Senhor, e exalta quem ele é.

 

Louvor ao nome de Deus é a tarefa essencial do cristão. O primeira pergunta do Catecismo Menor de Westminster afirma que “o fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”. Isto é que Deus afirma ao seu povo por intermédio do profeta Isaías: “A todos os que são chamados pelo meu nome, e os que criei para minha glória, e que formei, e fiz (...) ao povo que formei para mim, para celebrar o meu louvor.” (Is 43.7,21)

Deus criou um povo para seu louvorSomos chamados por Deus para proclamarmos suas virtudes, pois ele nos chamou das trevas para sua maravilhosa luz (1 Pe 2.9). Deus é glorificado na terra por meio de seu povo. Esta é a nossa função.

 

2.     Louvor em tempos e ambientes hostis, se transforma em poderoso testemunho

 

O povo exilado na Babilônia se recusou a louvar a Deus em terra estranha. Deixaram de compartilhar os maravilhosos atributos de um Deus único, criador dos céus e da terra, a um povo pagão e politeísta. Eles nunca tinham ouvido deste Deus tão pessoal como o Deus de Israel, o Deus dos pactos. E por causa da recusa deles em celebrarem os louvores do Senhor e o seu poder em terras estranhas, os pagãos continuaram nas trevas.

 

Entretanto, o que vemos em Atos 16. Paulo e Silas, mesmo depois de terem sido espancados e atirados numa prisão, começaram a cantar. As feridas eram brutais, a dor avassaladora, mas Deus precisava ser glorificado.

 

Qual foi o resultado:

A.   O nome de Jesus é testemunhado aos prisioneiros. “Os demais companheiros da prisão escutaram (At 16.25). Música tem o enorme poder de penetrar na alma das pessoas. Aqueles homens que estavam com Paulo e Silas, também tinham suas feridas e dores, e precisavam de ministração. O nome de Jesus se torna agora conhecido entre eles.

 

B.    Deus se manifesta entre eles. “De repente, sobreveio tamanho terremoto, que sacudiu os alicerces da prisão; abriram-se todas as portas, e soltaram-se as cadeias de todos” (At 16.26).

 

O Salmista afirma: “Porém tu és santo, tu que habitas entre os louvores de Israel” (Sl 22.3). Deus é glorificado quando seu povo lhe rende louvores. Esta é a ideia central deste versículo: Deus é engrandecido quando há louvores ao seu nome.

 

Sabemos que Deus não depende de invocação humana para se manifestar, mas quando o glorificamos de todo coração, ele é exaltado. E o texto de Atos 16.26, parece demonstrar que enquanto louvavam, a manifestação sobrenatural de Deus aconteceu entre eles. Sua glória é manifesta quando eles glorificam a Deus.

 

C.    O louvor traz redenção aos pecadores. Quando o carcereiro entende que algo sobrenatural aconteceu entre eles, a pergunta mais essencial ao ser humano brota espontaneamente em seu coração: “Senhores, que devo fazer para que seja salvo?” (At 16.30). Posteriormente veremos que o carcereiro, e toda sua família, são convertidos a Cristo.

 

Este é o efeito maravilhoso do louvor. Ele traz salvação. Ele atinge o coração dos pecadores. Quantos milhares de pessoas já se converteram ouvindo um cântico de adoração a Deus, e a palavra lhes é ministrada através da música? Louvor traz salvação.

 

Conclusão

 

Em dias de medo, em horas de apreensão e insegurança, precisamos resgatar a compreensão de quem é Deus. Precisamos de parar de olhar para as circunstâncias e ameaças, e olhar para o Deus que é criador de todas as coisas e está acima de tudo.

 

Três pontos importantes para aplicarmos ao nosso coração:

 

A.   Precisamos resgatar a compreensão da soberania de Deus.

 

Em tempos de pandemia, exílio, pandemia, hostilidade, ter a compreensão de que Deus está acima de tudo e de todos, é uma grande benção. A doutrina da soberania de Deus é fundamental no meio do caos.

 

B.    Precisamos entender a natureza da igreja: Ela é de Cristo!

 

Tanto o povo exilado na Babilônia, quanto os discípulos de Cristo em Filipos, ambos, estavam ali para cumprir um propósito divino. Os planos e estratégias de Deus nem sempre são facilmente assimilados, mas a igreja é de Cristo e ele a conduz em triunfos, mesmo quando tudo parece conspirar.

 

C.    Precisamos entender as oportunidades de Deus em tempos de calamidades.

 

Historicamente, a igreja de Cristo sempre saiu fortalecida em tempos de pandemia.

Tenho percebido algumas coisas maravilhosas que Deus tem feito na sua igreja nestes tempos:

 

i.      O Espírito santo mobilizou a igreja. Irmãos se movimentaram para criar estratégias de visitar, acolher e abençoar outros. A Junta Diaconal da igreja, as mulheres e os jovens, criaram planos e alvos muito abençoadores.

 

                                               i.     Deus levou sua igreja a uma dimensão extraordinária de generosidade.

 

                                             ii.     Deus incomodou a igreja para que pudesse se tornar uma igreja que cuida. Existem pessoas precisando de nós e precisamos cuidar delas.

 

                                            iii.     Deus levantou pessoas a serem criativas em momentos em que, a forma usual de fazer, não podia mais ser aplicada.

 

Tempos de calamidade e pandemia, não podem nos neutralizar. Deus está presente entre nós. Sua graça vai se manifestar neste tempo. Podemos esperar e buscar a glória de seu nome, pedir para que ele nos dê oportunidade de testemunhar nossa fé e nossa dependência de Deus, e esperar que vidas sejam transformadas pela manifestação de Deus no meio da calamidade.

 

 

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