sábado, 20 de novembro de 2021

Desafios e Propostas num mundo polarizado Palestra CTPI




 

Introdução

 

Vivemos num mundo polarizado e cada vez mais radical. Apesar de se falar tanto em pluralidade e relativismo (e talvez por isto mesmo), percebemos como as sociedades tem tomado posições de extrema direita e esquerda, com facilidade. No mundo político estas expressões estão bem claras e no Brasil, podemos notar como isto tem acontecido com muita frequência.

 

É comum encontrarmos igrejas polarizadas em torno de ideologias. Pessoas tem saído da igreja por causa da visão de direita ou esquerda de seu pastor ou liderança. Nos grupos de whats up se quisermos manter a unidade, de vez em quando, precisamos conduzir as pessoas à moderação e bom senso. Recentemente uma pessoa colocou no meu grupo: “Você é 100% Bolsonaro?”  Eu disse: não! Nenhuma pessoa pode colocar toda sua confiança em qualquer partido ou personagem político, por mais que o que ele faz pareça correta ou inspire confiança. 100% colocamos apenas em Deus.

 

Por esta razão, gostaria de propor quatro desafios e quatro propostas para reflexão. Não precisamos concordar em tudo, nem precisamos polarizar, mas vamos lá

 

Desafios

 

1.    Radicais não se acham radicais.

 

Este é o primeiro desafio que temos. As pessoas mais extremas em sua posição declaram que são moderadas, uma espécie de ponto de equilíbrio.

 

Paulo se refere aos judeus como pessoas com “zelo sem entendimento”. (Rm 10.2) E é exatamente que os grupos radicais agem. Eles são zelosos, ciosos, mas o radicalismo tem o poder de cegar e obscurecer a discussão e a reflexão. Isto é histórico. Na espiritualidade clássica, quase sempre aqueles que se consideravam do bem eram do mal. É assim que agem os radicais. Eles são messiânicos em sua abordagem, entendem que sabem o que é melhor, eles tem a solução que se encontra na sua narrativa e ponto de vista. Eles estão convencidos que estão do lado do bem, dos pobres, da moral, de Deus, e assim por diante.

 

Muitas vezes transformam Deus em parceiro de seu ódio. Saulo de Tarso era assim. Ele julgava estar do lado de Deus quando prendia, açoitava e até matava os seguidores de Cristo. Ele estava cego e se opunha a Deus, mas julgava que fazendo isto estava se tornando aliado de Deus.

 

Muitos radicais encontram sua base de convicção no seu discurso, nos autores que leem e até na Bíblia Sagrada. Eles imaginam que estão na posição de colocar o mundo em seu trilho novamente e trazer a ordem e o bem. Apesar de tudo isto, eles não se acham radicais. Os outros é que o são.

 

2.    Toda polarização é herética.

 

Já pararam para refletir o que significa a palavra ortodoxia? Literalmente ela significa “cortar em linha reta”. Vem do grego “orthos” que significa “reto” e “doxa” que significa “fé”. É o que está em conforme com a doutrina religiosa tida como verdadeira. Exato ao extremo; capaz de seguir estritamente normas e regras e aceita como única e verdadeira uma ideologia, regra ou doutrina religiosa. Ortodoxo é aquele que tem a opinião certa. Ou acha que tem.  Heresia é a distorção da ortodoxia.

 

Muitos confundem o termo heresia com apostasia. Entretanto, seus significados são completamente distintos. Apostasia é a negação e rejeição da verdade, enquanto heresia é a distorção da verdade. O herege não nega a palavra, mas a distorce, dá um sentido diferente.

 

Eis alguns exemplos de heresias:

 

A.     Legalismo x antinomismo – Ambos são heréticos, porque pegam a lei e a distendem. Enquanto o legalista se torna radical e preso ao pé da letra (e a letra mata em muitos aspectos), o antinomismo nega o valor essencial da lei. Ambos lidam com a lei, mas ambos a distorcem.

 

B.     Oração sem ação e ação sem oração. Muitos são piedosos, espirituais, tangenciando as coisas eternas com atitudes místicas e religiosas, mas parecem não serem capazes de traduzir isto para a ética. Oram, mas não agem. Muitos monastérios se perderam no isolamento para oração, esquecendo-se da sua humanidade e do exercício da misericórdia e justiça. Muitos agem sem orar. Sem dependência de Deus, sem ter o cuidado de saber qual a orientação que Deus está dando naquele momento de sua história. Tanto um grupo como outro são heréticos, porque acentuam um aspecto da espiritualidade cristã, sem considerar o outro lado.

 

C.     Evangelizar sem humanizar, humanizar sem evangelizar – Eis outro exemplo de heresia. Em geral, nenhum destes grupos nega a necessidade das duas ações, mas  se despreocupam tanto de um determinado aspecto que se esquece dos demais. Quando nos omitimos em um ou outro destes aspectos, deixamos de perder a integralidade da missão. Nos tornamos fragmentados, perdemos a compreensão do discipulado cristão. Um avião precisa voar com duas asas para manter o equilíbrio. Com uma asa apenas ele perde a direção, ficará rodopiando até se espatifar no chão.

 

D.    Paixão sem conteúdo, conteúdo sem paixão. Nos meios evangélicos é muito comum vermos pessoas apaixonadas por Cristo, mas que deturpam as verdades essenciais da fé cristã. Paixão sem conteúdo gera fanatismo, é um desastre. Alguns dos grupos cristãos mais apaixonados da história perderam seu ponto de equilíbrio por causa do excesso de emocionalismo e paixão descontrolada. Por outro lado, temos as pessoas que sabem muito, conhecem muito da palavra, mas perderam a capacidade de se apaixonar pelo que pregam e pelo Jesus que anunciam.  São eruditos, teólogos de renome, grandes acadêmicos com o coração frio e vazio de calor e de fogo.

 

Todos estes pontos tem a ver com intensidade. Alguém já afirmou que o fanático é alguém que “vendo-se perdido, coloca mais velocidade”. Então, deixando bem claro, heresia não é a negação da verdade, mas a excessiva ênfase que damos a um determinado aspecto da verdade e a negação, minimização ou sublimação de outros aspectos da verdade.

 

3.    Polarização desafia o Evangelho

 

Jesus lidou constantemente com polarizações, de várias naturezas:

 

ü  Politica: Romanos x Judeus. Jesus colocou intencionalmente no seu colegiado, dois homens de linhas políticas completamente radicais em suas posições.

 

Um era “Simão, o zelote”. Os zelotes eram nacionalistas, um grupo político que odiava os romanos, criava complô para matar os romanos e eram ferrenhos opositores políticos do sistema. Entre os apóstolos havia também “Mateus, o publicano”. Este grupo era acusado de ser entreguista. Eles cobravam impostos dos judeus para entregarem aos romanos. Isto rendia um bom dinheiro, era um bom salário, mas gerava oposição e ódio. Os publicanos eram odiados pelos judeus por causa de sua função pública.

 

ü  Racial - Judeus e gentios. Gentios são todos aqueles que não vinham da genealogia israelita. Os judeus se consideravam o povo eleito de Deus, e que Deus não amava e nem se preocupava com o destino das outras nações.

 

Muitos judeus ortodoxos chegavam a orar diariamente: “Senhor, graças te dou por não ter nascido nem gentio, nem cachorro, nem mulher”. Pedro afirma em Atos 10 que ele nunca havia entrado na casa de um gentio, nem jamais tido uma refeição com eles. Jesus teve com enfrentar o etnocentrismo judaico, lidando com pessoas angustiadas como a mulher Siro Fenícia e tantos outros que foram tocados por ele.

 

ü  Geográfica – Judeus e Samaritanos. Os samaritanos eram os remanescentes do  antigo reino do Norte, desde a época da divisão entre Judá que seguiu Roboão, e Efraim, e mais nove tribos, que seguiram Jeroboão, por causa da questão dos tributos.

 

Desde então, os samaritanos foram ficando cada vez mais isolados, e por estarem mais próximos do Mediterrâneo, recebiam muita influência pagã e a religião judaica se tornou diluída. Os samaritanos se consideravam judeus, mas os judeus não os consideravam como parte do povo de Deus. Jesus teve que lidar com muitas situações que envolviam a polarização entre estes dois grupos.

 

Os discípulos igualmente tiveram que lidar com as polarizações.

 

A.     O problema dos gentios – Atos 11.

 

O tem central do primeiro concilio da igreja cristã em Jerusalém foi em torno da da pregação da mensagem do Evangelho aos gentios. A Igreja estava tão polarizada que tiveram que convocar um concilio para tratar e deliberar sobre o assunto.

 

B.     O Problema da circuncisão – Atos 15

 

Alguns anos depois, superado a questão dos gentios, surgiu outra questão que polarizou a igreja. Os novos convertidos, não judeus, deviam ou não circuncidar? Mais uma vez, foi necessário outro concílio com toda liderança da igreja em Jerusalém. Mais uma vez tiveram que discutir e deliberar sobre um assunto que estava polarizado. A liderança da igreja precisava de uma palavra firme para trazer reconciliação e paz.

 

C.     O problema de comer ou não carne – Rm 14 e 1 Co 8

 

Os cristãos morando em Corinto, cidade portuária e cosmopolita, estavam agora lidando com o pluralismo religioso e de ideias. Muitas pessoas adoravam outros deuses e sacrificavam parte da comida aos deuses pagãos. E ai, os cristãos podiam ou não comer destas carnes que agora eram colocadas na feira? Paulo foi muito amoroso e inspirado pelo Espírito Santo, traz uma palavra de moderação e equilíbrio, dando liberdade para que as pessoas agissem de acordo com suas consciência, mas ao mesmo tempo orientando como cada um deveria respeitar a opinião dos outros. O amor deveria prevalecer sobre as diferenças.

 

D.    O problema dos judaizantes – Carta aos Gálatas

 

Cerca de 30 anos depois de Jesus retornar para os céus, a Igreja da Galácia enfrenta um pensamento radical de alguns irmãos radicais, que começaram a retomar ritos, práticas e atos judaicos. Uma grande batalha teológica se travou. Paulo chega a afirmar que eles estavam decaindo da graça, por estarem retornando aos rudimentos teológicos da antiga aliança. Foi um momento complicado na igreja de Cristo. Mais uma vez as polarizações estavam vindo à tona.

 

E.     O problema dos pneumatikonsCo 14

 

Tanto a carta de Paulo aos Colossenses quanto a primeira carta de João, lidam com uma heresia que haveria de ameaçar gravemente a igreja de Cristo. Os gnósticos. Eles se julgavam superiores espiritualmente aos demais, baseavam sua vida cristã em visões, sonhos e novas revelações. Em Corinto eles começaram a estabelecer certa confusão e desordem no culto público. Em Colossos, os pneumatikons (os espirituais), criaram também muita confusão porque falavam de mistérios que eram acessíveis apenas aos iniciados, criando uma áurea de espiritualidade místico que trouxe muita confusão aos irmãos. Mais uma vez o radicalismo se revelava e tomava forma.

 

4.    Polarização ameaça a unidade da igreja

 

Um dos momentos mais dramáticos e tristes que presenciei na história de igrejas que pastoreei, se deu em uma congregação. Havia ali muita disputa política dentro do Conselho. Um presbítero era cunhado de um prefeito recém eleito, e o outro, marido da ex-secretária de saúde do município, que havia perdido o cargo na recente eleição. Um dia, houve uma solicitação do prefeito à igreja para apoiar um evento da cidade, e o pastor aquiesceu, porque era, na realidade, alguma coisa muito simples e o prefeito, na verdade, nem precisava pedir o apoio da igreja. Um dos presbíteros ao saber que o pastor havia apoiado o evento, pediu que ele se retratasse e retirasse o seu apoio, enquanto o outro bateu na mesa e disse que o pastor não deveria fazer isto. A coisa se tornou tão tensa, que a comunidade se dividiu e metade da igreja desapareceu.

 

Todas as vezes que surgem polarizações, a igreja está correndo risco de uma ruptura tola e destrutiva.

 

As polarizações podem ser de três naturezas:

 

A.     Teológicas – Como vimos acima, às vezes numa disputa por um aspecto doutrinário não essencial, a igreja se torna tão radical nas suas posturas que perde a capacidade de dialogar o amar os diferentes. Boa parte das divisões da igreja acontecem por causa de conflitos em posições teológicas e diferenças de abordam de uma determinada visão.

 

B.     Ideológicas – Muitas vezes a igreja se divide por questões de direita e esquerda. Esta tem sido uma questão tão forte em nossas igrejas ultimamente, que certamente veremos muitas igrejas se dividindo porque irmãos de posições ideológicas não conseguirão aceitar alguém que pense de forma diferente.

 

Ideologicamente é fácil encontrar grupos que se percebem messiânicos. Eles salvarão o mundo de... A partir desta perspectiva, tudo se justifica porque há uma função redentiva nas suas posições. Eles são os libertadores do mal. É Assim que o talibã se vê no Afeganistão. Eles defendem suas ideias crendo que libertarão as pessoas da dominação americana e espantarão os pagãos que moram no seu país.

 

Assim tem sido com a esquerda brasileira, ao dizer que é preciso tirar Bolsonaro porque ele é do mal. A razão, contudo, é ideológica. Ele é do mal porque não apoia determinadas posições quanto aos temas liberais como ideologia do gênero, a questão do desmatamento, etc.  Por sua vez, os bolsonaristas satanizam Lula porque acreditam que por ele ser da esquerda, ele vai dominar o Brasil, e matar os cristãos. Apesar de termos nossas posições, veremos sempre que em cada lado político, há fortes interesses econômicos, poder, lobbies e pressões da imprensa e do capital, que muitas vezes desconhecemos.

 

Schaeffer sintetizou bem esta questão ao afirmar: A diferença entre o capitalismo e o comunismo é uma só: No capitalismo o homem quer oprimir o homem; no comunismo é o contrário”.

 

C.     Politica – Muitas vezes a ideologia não é o problema, mas o personalismo político, ou mesmo o partidarismo. Boa parte das disputas politicas no Brasil, quando centradas no centrão, um grupo fisiológico, sem opiniões ética e valores definidos, e não possuem diferenças ideológicas substanciais. Seu projeto político é se manter no poder. É fácil vermos pessoas que estão tirando vantagem politica não por causa de suas divergências de opiniões, mas por causa do seu carisma e influência. Os simpatizantes aderem não por causa da linha e princípios que defendem, mas por simpatizarem com a pessoa ou partido.

 

O problema é que, para cada posição, é fácil encontrar argumentos filosóficos, éticos e até mesmo versículos bíblicos que dão apoio, e desta forma é fácil instrumentalizar a Bíblia para apoiar pontos de vista pessoal. Cria-se assim o que Juan Carlos Ortiz chamou de “o Evangelho dos santos evangélicos. ”

 

Conclusão

 

Polarização gera ódio, perseguição, violência. Quando a polarização tem um espectro do sagrado, quando os movimentos históricos são vistos como realidades sacralizantes, as questões assumem proporções ainda mais perigosas e maiores.

 

Precisamos pedir a graça de Deus para:

 

Primeiramente, levar a comunidade cristã à reconciliação.

A mensagem da cruz é uma mensagem que reconcilia pessoas a Deus, gentios aos judeus. Diferentes matizes podem encontrar a beleza do perdão, da aceitação, através da obra de Cristo.

 

Em segundo lugar, é necessário resgatar o equilíbrio do Evangelho. Estabilidade, harmonia, aceitação das diferentes opiniões é fundamental. Curiosamente, Paulo fez um exaustivo discurso em duas das suas principais cartas, tratando deste assunto.

 

Na carta aos Romanos ele diz: “Acolhei ao que é débil na fé, não, porem, para discutir opiniões, um crê que de tudo se pode comer, mas o débil come legumes; Quem come não despreze o que não come; e o que come não julgue o que come, porque Deus o acolheu.” (Rm 14.1-3). Na carta aos Coríntios, ao tratar da liberdade cristã afirma: “Vede, porém, que esta vossa liberdade não venha, de algum modo, a ser tropeço para os fracos.” (Rm 8.9)

 

Terceiro, precisamos considerar qual o nosso papel como discípulos de Cristo, numa cultura polarizada, por um lado, sem suprimir a verdade, deixando aquilo que é essencial sendo negligenciado, e por outro lado, sem se tornar legalista, pronto para acusar e julgar quem possui opinião diferente. Como criar uma comunidade que incorpora as diferentes sem rejeitar a verdade?

 

Em missiologia afirma-se que muita contextualização gera sincretismo e a ausência de contextualização gera distanciamento cultural, isolamento e gueto. Sabemos que muitas vezes esta tensão define o tipo de igreja que estamos construindo.

 

Precisamos indagar ainda como resgatar a unidade bíblica numa sociedade fragmentada? Como aplicar o princípio de Ef 4.15: “Seguindo a verdade em amor, naquele que é o cabeça, Cristo”. Amor sem verdade não é amor; verdade sem amor, é antibíblica.

 

Como sermos modelos pastorais, não de pessoas que encorajam o distanciamento, o legalismo e a ruptura, mas que se tornam referencias de reconciliação e perdão?

 

As recomendações bíblicas são fundamentais para cada um de nós.

 

É necessário que o servo de Deus não viva a contender, e sim, deve ser brando para com todos, apto para ensinar, paciente.” (2 Tm 2.24).

 

Deus não tem dado espirito de covardia, mas de poder, de amor e equilíbrio” (NVI), a tradução ARA prefere o termo “moderação”.

 

“Seja a vossa moderação conhecida de todos os homens. Perto estão Senhor.” (Fp 4.5)

 

Quem sabe, olhando com mais profundidade, com oração e direção de Deus, possamos permitir que o corpo de Cristo, com suas diferenças de opiniões, backgrounds diferentes, possa exercer uma santa influencia de amor e moderação, numa sociedade que cada vez busca mais a hostilidade e a polarização.

 

Que Deus nos ajude!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 comentários:

  1. Glórias a Deus. Maravilhosa mensagem.

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