quarta-feira, 30 de março de 2022

Fp 2.18-25 Amigos, fonte de encorajamento

 





 

 

 

Introdução

 

Como vimos anteriormente o livro de Filipenses fala-nos de quatro ladrões da alegria: Pessoas, coisas, circunstâncias e preocupações. Se é certo que diariamente temos que nos encontrar com estas forças que roubam nossa energia e minam nosso contentamento, podemos também afirmar que existem realidades que nos restauram profundamente. Dentre estas citamos as pessoas que atravessam nossa vida.

 

Existem amizades funcionais: existem apenas enquanto exercemos determinadas funções ou trabalhamos na mesma empresa. Nós dependemos deles e eles de nós. É um relacionamento pragmático. Não há nada errado com tais relacionamentos, eles exercem esta função limitada mas necessária.

 

Mas existem pessoas que insistem em transitar no nosso universo. São amigos mais chegados que irmãos. Pessoas que atravessam os anos conosco. Podemos estar pertos ou longe que mesmo assim nossas vidas estarão sempre se cruzando. Tais amigos são fontes de encorajamento.

 

Neste texto Paulo fala de dois amigos leais que ele teve no ministério. É bom lembrar que nem sempre seus colegas foram tão leais assim. Ele mesmo cita Demas, que o abandonou e Alexandre, o latoeiro, que lhe causou grandes males. Mas Epafrodito e Timóteo são citados aqui como encorajadores. Este texto é um dos mais afetivos de Paulo e com menor ênfase teológica. O que havia de especial nestes dois irmãos?

 

1.     Eram pessoas interessadas no problema dos outros – (Fp 2.20-21)

 

Paulo enfatiza este aspecto na vida de Timóteo: “Ele cuida dos vossos interesses.” (vs 20) Não é muito encontrar este tipo de pessoa, e muitas vezes nós também não somos pessoas preocupadas com o bem estar do outro. Em geral estamos envolvidos com as agendas e interesses particulares e temos pouco tempo e disposição para realmente nos interessarmos pelo problema do outro. Mas Timóteo era diferenciado, e Paulo faz menção de sua positiva atitude.

 

Tenho um irmão muito querido, a quem Deus o fez próspero. Ele realmente aprendeu a ganhar dinheiro, e esta é uma arte muito complicada, somos mais propensos a não administrarmos bem e dispersarmos o que temos, sem planejamento a longo prazo, com  negócios mal feitos. Mas este irmão é diferenciado na arte de fazer negócios.

 

Quando ainda morava nos Estados Unidos, e como o dólar estava alto, lhe liguei dizendo que se ele achasse um negócio bom e barato, que me falasse pois gostaria de investir parte das minhas reservas nisto. Ele sorriu e me respondeu: “Se eu achar um negócio bom e barato, eu compro pra mim.”

 

Apesar desta cena jocosa, a verdade é esta mesma. Quantas pessoas estão realmente interessadas na vitória, conquista e bem estar do outro? Tenho aprendido a duras penas, que as pessoas são mais capazes de chorar com os que choram do que alegrar-se com os que se alegram. Rick Warren afirma que “fracasso gera comunidade, sucesso gera competição.” Então, quando pessoas ao nosso redor estão indo bem e nós não temos a mesma projeção e as mesmas conquistas, ficamos frustrados e tristes com a vitória dos outros.

 

Quantas pessoas que realmente sensíveis a ponto de cuidar do interesse dos outros? Esta é a primeira coisa que Paulo fala do seu amigo e discípulo Timóteo. Pessoas assim são fontes de encorajamento.

 

2.     Tinham o caráter provado. (Fp 2.22)

 

O que Paulo está dizendo aqui é muito importante. Timóteo tinha sido testado quanto à sua integridade e caráter e fora aprovado.

 

Um provérbio antigo afirma o seguinte: “Se quiser saber como será uma pessoa, coloque-a numa posição de autoridade.” Nem todos são aprovados quanto à sua vaidade, luxúria, integridade, poder, sucesso. Na hora do teste, muitos fracassam.

 

Paulo afirma que ele tinha um caráter provado. Mas surge no texto um adendo importante quanto a isto: “Ele servia o Evangelho.” Sua vida era vivida em torno da mensagem de Cristo. o que o norteava era a mensagem da cruz. O evangelho era o fundamento de seu caráter, ele estava firmado nos valores do reino e na ética de Cristo.

 

Alguns anos atrás preguei um sermão sobre o texto de Jeremias que afirma: “Maldito o homem que confia no homem.” Naquela ocasião tentei demonstrar que o texto não está ensinando que nunca podemos confiar em ninguém, mas que não podemos colocar a nossa salvação em pessoas. O povo de Deus estava deixando de obedecer ao Senhor, para colocar sua confiança no poderio bélico do Egito diante da ameaça dos caldeus, e Deus estava mostrando que eles estavam equivocados pois faziam “da carne mortal o seu braço.” Eles deveriam confiar em Deus, mas estavam confiando nos seus recursos e olhando para outras pessoas em quem pudessem buscar refúgio ao invés de buscar socorro em Deus.

 

Na época dei exemplo de pessoas. Amigos e irmãos que em situação de teste foram absolutamente leais e fieis. São pessoas em quem eu aprendi a colocar minha confiança. Um amigo meu cuidou de contas que tinha que pagar nos Estados Unidos quando voltei para o Brasil. Ele tinha cheques assinados, meu cartão de crédito e minha senha. Este amigo tem caráter aprovado quanto à forma como lida com finanças.

 

3.     Lutam conosco nossas lutas.  (Fp 2.25)

 

Se nos dois primeiros tópicos, Paulo se referia a Timóteo, nos próximos fará referência a outra pessoa que o encorajava grandemente: Epafrodito. Paulo afirma que ele era “cooperador e companheiro de lutas.”

 

Um companheiro de lutas é o nosso aliado. Não foge nas horas dos embates, não se acovarda diante da pressão, enfrenta o conflito conosco, coloca-se à disposição mesmo se tiver o risco de perder reputação ou precisar investir dinheiro e tempo.

 

Você tem um companheiro assim, que luta contigo as suas lutas? Que te defende? Que te apoia? Que chega junto quando todos fogem? Você é companheiro neste nível? As pessoas podem contar contigo em situações de tensão e perigo?

 

Neste texto Paulo fala de uma severa enfermidade contraída por Epafrodito e quanto a doença deste amigo o abalou emocionalmente. Paulo é muito afetivo neste texto. Ele afirma que a cura deste irmão foi um ato misericordioso de Deus para com ele, porque se aquele amigo morresse isto lhe traria grande tristeza. Tenho entendido que, a morte de um amigo meu, ou de uma ovelha querida, parece sempre me deixar mais pobre. É assim que me sinto. Mais pobre de relacionamentos, de afeto, de companheirismo.

 

Epafrodito era capaz de profundos sacrifícios para cuidar dos outros. Pessoas assim andando ao nosso lado se transformam numa grande fonte de encorajamento.

 

4.     Sempre nos alegram quando chegam -  (Fp 2.28)

 

Você tem amigos assim? Estar perto deles é uma fonte de alegria e contentamento? A presença deles é restauradora, você gosta de compartilhar sua história com ele?

 

Que bom poder encontrar pessoas que trazem alegria ao nosso coração. Paulo envia Epafrodito a Filipos porque sua presença traria encorajamento e alegria para aquela comunidade. Sua alegria era contagiante, sua presença animadora.

 

Algumas pessoas são deprimentes. Transformam o ambiente em algo negativo, seus comentários são tóxicos, e quando saem trazem leveza e harmonia. Mas este companheiro de Paulo era o contrário, sua presença trazia alegria.

 

Conclusão

Diante destas considerações queria fazer algumas aplicações.

 

A.   Ore para que Deus lhe dê amigos assim. Eles são fonte de ânimo e restauram nossa alma. Timóteo animava Paulo e animaria a igreja (Fp 2.19). Nada é mais importante em tempos de tristeza, desânimo, desencojaramento que uma palavra de exortação, de ânimo.

 

B.    Honre amigos com estes – (Fp 2.29). Nem sempre valorizamos muito bem os amigos que temos. Não lhe damos o devido valor. Precisamos ter mais atenção, cuidar mais, ser mais generoso e intencional com amizades assim.

 

C.    Olhe para tais amigos como pessoas que nos ajudam a conhecer melhor o grande amigo Jesus.

 

Achei interessante a menção que Paulo faz de Timóteo colocando na perspectiva da obra de Cristo. “Ele servia o Evangelho.”

 

Não há caminho melhor para entendermos o evangelho do que nos encontrarmos com pessoas que trazem um aperitivo do seu para nossas almas. São amigos assim que nos ajudam a conhecer melhor a beleza da obra de Cristo.

 

D.   Lembre-se do grande amigo: Jesus.

 

Falar de amizade é fazer exegese dos céus. Gosto da frase Hans Burke: ”O reino de Deus é um reino de amigos.” Jesus o Filho de Deus, nos amou a tal ponto que certa vez ele se referiu aos seus discípulos da seguinte forma: “Não os tenho chamado de discípulos, mas amigos”. Eles eram discípulos? Sim. Isto mudou a relação deles para Jesus? Talvez sim, talvez não. Talvez agora eles ainda o amassem mais, por ver o grande amor que ele tinha pelo seu povo.

 

Jesus tinha real amor e interesse pelas pessoas.

 

Assim afirma João: “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus.”(1 Jo 3.1). Paulo ainda diz: “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores.” (Rm 5.8)

 

Jesus realmente lutou nossas lutas. Ele sofreu a punição da cruz, assumindo nossa condenação e julgamento. Morreu em nosso lugar, morreu a nossa morte. Ele nos deu sua justiça, e foi condenado a fim de que fossemos justificados através de sua obra.

 

E finalmente, sua presença sempre traz encorajamento.

 

Um antigo hino diz:

“Nome santo incomparável,

tem Jesus o amado meu.

Este nome traz conforto, hoje e sempre onde for.

Nome bom, doce a fé, a esperança do porvir.”

 


sexta-feira, 25 de março de 2022

Fp 1.12-26 Morrer é lucro!

 


 

 

Introdução

 

Uma senhora que frequentava nossa comunidade, gostava de ironizar a fé dos crentes, dizendo o seguinte: “Todos falam dos céus, mas ninguém quer morrer.” Outra pessoa fez o seguinte comentário. “Não tenho medo de morrer, mas não estou com pressa.” Outro disse o seguinte: “A última coisa que quero fazer na vida é morrer!”

 

Paulo olhava para a morte de uma forma surpreendente: “Para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro.” Ele não via grande problema com a morte. De uma forma jocosa e com sátira ele zomba da morte no seu sermão em 1 Co 15: “Onde está, ó morte, o teu aguilhão!” Aguilhão é o ferro de cutucar o boi. Paulo estava dizendo que, pelo fato de Cristo ter vencido a morte, a morte já não imprimia pavor.

 

Na verdade, a morte é a grande angústia humana, principalmente para aqueles que não tem esperança. O que acontece depois da morte? Como será a vida depois da morte? Haverá vida depois da morte?

 

O que levou Paulo a ter esta ousada visão da morte?

 

1.     Ele tinha a perspectiva, que permeia todas as Escrituras do Antigo e Novo Testamento, de que a morte é apenas uma passagem.

 

O fato de entendermos que a morte não é um ponto final, mas um até logo, traz enorme alívio ao coração. Não lidamos com a morte com desesperança.

 

Jesus via assim a morte. Apenas uma transição. Quando o ladrão na cruz lhe disse: “lembra-te de mim quando estiveres no teu reino”, ele respondeu: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso.” (Jo 23.43). Quando os discípulos ficaram assustados com o anúncio de sua morte, ele disse: “Não se turbe o vosso coração, credes em Deus, crede também em mim, na casa do meu Pai há muitas moradas” (Jo 14.1), e em seguida afirmou: “...e quando eu for, e vos preparar morada, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde estou, estejais vós também.” (Jo 14.5). Curiosamente ele usa a expressão: “para que onde eu estou”, (no grego “ego eimi)ele não diz: “para que onde eu estiver”, mas onde “eu estou”. Não fala da sua relação com a eternidade como algo que ainda viria, mas como algo real, concreto, imediato, já presente.

 

No livro de Eclesiastess lemos: “O pó volte a terra e o espírito volte a Deus que o deu.” (Ec 12.7), referindo-se à morte. Portanto, morrer é apenas um retorno. Não é o fim, mas o começo. O corpo vai se decompor, mas o espírito continua vivo, rumo à eternidade, voltando para seu criador.

 

Jesus transita entre o temporal e o eterno,  sem qualquer aflição ou crise. Assim aconteceu como fizeram os cinco missionários que foram executados na tentativa de aproximação com uma tribo remota no Equador. Eles foram assassinados a flechas, mas tinham revolver dentro do avião e poderiam ter usado, mas preferiram não tratar a situação com violência, e morreram.

 

2.     Porque na perspectiva cristã, morrer é melhor. “Para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro!”. Isto pode nos assustar, mas é a realidade.

 

Minha sogra, quando ficou viúva, um dia passou na sala e viu a foto dela e seu marido abraçados e sorrindo, e disse: “Muito bonito para você. Está ai tranquilo, ao lado de Jesus, e eu aqui sofrendo.”

 

O cristão não aspira nem celebra a morte. Na visão cristã a morte é a última inimiga a ser destruída”. Morte é consequência do pecado e traz sofrimento, ruptura e dor. Mas aqueles que colocaram sua fé em Cristo, sabem das promessas dos céus e vivem nesta esperança.

 

Parece que esta geração, não quer ouvir falar muito do céu. Os cânticos antigos sempre falavam do céu, hoje raramente você ouve um hino sobre o céu. Creio que é uma forma inconsciente de negar a realidade da morte, ou não querer conversar sobre este assunto, afinal, morte ainda é um grande tabu.

 

Conheci um pastor de Belo Horizonte, que tinha uma grande família. Oito irmãos. Sua mãe adoeceu gravemente e todos foram para o hospital. Ela já estava bem idosa, mas como toda família era crente, começaram a orar pela cura da mãe. Quando chegou a vez deste filho visitá-la, já que não podiam estar todos no quarto, ele disse que estavam orando por ela, e ela respondeu: “parem de orar, vocês estão impedindo o meu encontro com Jesus.” E de fato, ela morreria naquele mesmo dia.

 

Quando Dr. Russel Shedd contraiu um câncer, sua saúde que sempre fora tão boa, (eu tive oportunidade de ouvi-lo pregando aos 86 anos de idade), ele fez o seguinte comentário sobre sua enfermidade, na medida em que sua saúde definhava: “eu estou me desmamando da terra”.  Achei interessante sua colocação. Precisamos aprender a nos preparar para deixar as propostas que a vida terrena quer nos oferecer, e confiar na provisão de Deus para nossa eternidade.

 

3.     Morte traz regozijo – “Estar com Cristo é incomparavelmente melhor.” Paulo não disse isto porque ele estivesse desistindo da vida, não. Ele na verdade estava querendo ensinar quão empolgante é a morte em si.

 

Certo homem rico e excêntrico, mudou-se para o oriente e comprou uma linda casa, com belas mobílias, enfeites, quadros e tapetes. Quando retornou ao seu país, decidiu trazer até mesmo partes daquela casa, como colunas e mármores, para construir um novo castelo no país de origem. No seu retorno, todo seu coração e afeição foram colocados na construção da nova mansão. Mas em seguida ele adoeceria gravemente, e diante do doutor implorava: “doutor, não me deixe morrer. Não quero deixar minha casa.”

 

A atitude deste homem difere completamente da atitude do cristão, que diante da morte afirma: “Obrigado Senhor, estou voltando para casa”.

 

Quando meu sogro faleceu, um dos pastores que realizava o culto fúnebre, fez a seguinte afirmação: “Ele não partiu. Ele chegou!”. Na verdade, esta é a visão cristã. Deus nos leva de volta para a casa que ele preparou para seu povo amado.

sábado, 19 de março de 2022

Fp 2.5-11 A humilhação e a glorificação de Cristo

 


 

 

Introdução

 

Este texto de Filipenses é um dos mais importantes para entendermos a natureza de Cristo e sua missão. Quem era Jesus, o que ele faz. Qual sua missão aqui na terra.

 

A obra de Cristo é descrita neste texto com duas vertentes:

 

ü  Sua humilhação

ü  Sua Glorificação

 

Nenhuma deve ser omitida ou esquecida. Nenhuma é mais importante que outra. Ambas são importantes. E ambas precisam andar juntas.

 

Se falarmos da glória de Cristo sem sua humanidade, perdemos uma das dimensões centrais da mensagem Cristo. Falar de sua humanidade sem considerar sua glória é perder a dimensão dos céus.

 

O Apóstolo Paulo começa falando da humilhação de Cristo, e depois, numa direção ascendente, aponta para a suprema e grandiosa glória que está presente em Jesus. Vamos, portanto, seguindo a narrativa do texto, falar inicialmente da humilhação de Cristo.

 

A Humilhação de Cristo

 

Um dos aspectos centrais da vida de Cristo é sua humanidade. Para quem é Deus, isto se torna desafiador.

 

O ato de Deus tornar-se humano sempre foi um problema para a humanidade.

 

A.   O homem tende a compartimentalizar o céu e a terra. Pode acreditar em ambos mas encontra dificuldade em perceber Deus se movendo na história. O homem é mais tendente a crer que Deus está nos céus, distante, frio, e não um Deus que interage do céu com a terra.

 

B.    O escândalo para o pensamento platônico – A falsa concepção de que há uma superioridade do espírito sobre o carne. Para Platão, o ideal humano é a libertação do corpo. A encarnação de Cristo é o oposto deste pensamento, porque celebra tanto a realidade do homem em sua relação com Deus quanto do homem em relação à sua humanidade.

 

Por causa da influência platônica, o gnosticismo exerceu enorme peso no pensamento cristão, transformando o corpo em um bode expiatório, quando na verdade os pecados são de natureza mais mentais que corporais, tem a ver com a mente, vontade e emoções. Corpo apenas sofre a ação dos desejos pecaminosos e impulsos mal orientados.

 

A mortificação do corpo (autoflagelação, mortificação, negação e privação), sempre ocorre por causa do desejo de controlar externamente e com atitudes legalistas o impulso que não é corpóreo, mas procede da mente. O corpo não é o problema.

 

C.    Nem sempre a cristandade lidou bem com o corpo. A teologia bíblica sim. Deus não tem problema com a corporeidade. João anuncia no início do evangelho que “no princípio era o verbo e o verbo estava com Deus... e o verbo se tornou carne e habitou entre nós” (Jo 1.1,14)

 

A teologia bíblica sofre um grande risco quando rejeitamos ou minimizamos o Cristo encarnado. Rejeitar a corporeidade de Cristo traz graves implicações para a teologia, eclesiologia e a pastoral da igreja. O Evangelho é para todo homem e para o homem todo. A mensagem de Cristo não se dirige para seres incorpóreos.

 

Uma heresia cristológica chamada Docetismo, defendia que Jesus era um mensageiro dos céus e que seu corpo era "carnal" apenas na aparência e sua crucificação teria sido uma ilusão. Isto porque eles não admitiam que o Deus Todo Poderoso pudesse se rebaixar tanto e se tornar humano.

 

A deliberada humilhação de Cristo

 

Este texto nos fala da ação de Deus assumindo a natureza humana.

 

2.1 O auto esvaziamento de Cristo (Fp 2.7). Ele assumiu o corpo não por imposição, mas por atitude deliberada. Por isto o texto afirma que “ele se esvaziou.” (vs.7); e ele “se humilhou”(vs.8). Jesus voluntariamente se esvazia da glória que ele possui, ele que é a imagem do Deus invisível, o primogênito de todas as coisas, simplesmente assume de forma intencional a condição humana.

 

2.2 A condição de Cristo – “Assumindo forma de servo” (2.7) Ele não desceu dos céus para viver glorificado aqui na terra, pelo contrário, ele se humilhou. “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir”.

 

Na narrativa na qual Jesus lava os pés dos discípulos, o texto começa assim em Jo 13.8: Sabendo este que o Pai tudo confiara às suas mãos, e que ele viera de Deus, e voltava para Deus.” (Jo 13.3). Sabendo” (ele nunca perdeu a consciência de quem era, não sofreu amnésia nem perdeu sua consciência ou identidade). Diferente de muitos crentes que sofrem crise de identidade, esquecem que são filhos da luz e vivem como filhos das trevas. Esquecem que são filhos amados e vivem como órfãos. Jesus, pelo contrário, não teve amnésia. Pelo contrário, mesmo “sabendo”, estando absolutamente consciente de sua natureza, “levantou-se da ceia, tirou a vestimenta de cima e tomando uma toalha, cingiu-se com ela, e depois, deitou agua na bacia e passou a lavar os pés aos discípulos.”

 

Jesus deliberadamente assumiu “forma de servo”. Andou como servo, viveu como servo, comportou-se com servo, falou como servo.

 

2.3 A plena humanidade de Cristo – “Tornando-se em semelhança de homem e, reconhecido em figura humana” (Fp 2.7)

 

O profeta Isaias assim se refere a Cristo no seu texto messiânico: “Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso.” (Is 53.3). Fisicamente nada havia de especial. Era tão comum que os quando os soldados foram prendê-lo, Judas deu uma senha para que reconhecessem a Jesus. “Aquele a quem eu beijar.” Jesus não era incorpóreo.

 

Sua humanidade foi tão plena que surge certo desconforto e surpresa na família quando Jesus começa o seu ministério. As pessoas também se surpreendem. “E, chegando à sua terra, ensinava-os na sinagoga, de tal sorte que se maravilhavam e diziam: Donde lhe vêm esta sabedoria e estes poderes miraculosos? Não é este o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos, Tiago, José, Simão e Judas? Não vivem entre nós todas as suas irmãs? Donde lhe vem, pois, tudo isto?” (Mt 13.54-56)

 

2.4 A plena obediência de Cristo -  “...a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz.” (Fp 2.8)

 

Se ele era Deus a quem ele devia obediência? Ele obedece ao Pai. O plano de Deus envolvia seu sacrifício. Ele veio para morrer, foi destinado à morte, e se submeteu ao Pai em humildade. Temos aqui então um enigma: “Deus obedece a Deus?” Isto mesmo. O Deus Filho se submete ao Deus Pai. Algo semelhante acontecerá na cruz, quando o Deus Filho é “desamparado” pelo Deus Pai. Este é o mistério da relação da Santíssima Trindade, e ao mesmo tempo, da pessoa teantrópica de Cristo (humano/divina).

 

Ele foi obediente até a morte, e não se trata de qualquer morte: “E morte de cruz”.

 

Por que a morte de cruz?

 

É interessante considerar que os judeus não tinham execução com a cruz, mas apedrejamento. O uso da cruz era romano. Por que então Jesus vai para a cruz? Para cumprir o texto de Deuteronômio que diz: “maldito todo aquele pendurado na cruz” “...porquanto o que for pendurado no madeiro é maldito de Deus.” (Dt 21.23). Paulo aplicará este texto a Cristo. “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro .)” (Gl 3.13)

 

A cruz é lugar de maldição. Jesus se torna maldito por Deus a nosso favor. Todo o peso do pecado, condenação, é colocado sobre Cristo. agora podemos entender porque Ele se sentiu desamparado. Sua maior dor na cruz não foi física, mas espiritual, assumindo toda culpa e pecado da humanidade.

 

A Glorificação de Cristo

 

O segundo aspecto que vemos na narrativa deste texto é sobre a glória de Cristo. seu poder, divindade e majestade. Vários aspectos são mencionados neste texto:

 

1.     Cristo é glorificado pelo Pai – “Pelo que Deus o exaltou sobremaneira.” (Fp 2.9).

 

Jesus se submete ao Pai e o obedece, e o Pai o glorifica!

Diante desta afirmação pode surgir uma pergunta: Jesus não era Deus e se tornou Deus pela obediência? Sua divindade teria sido “conquistada”?

 

Esta forma de pensar se parece com a visão do Eutiquianismo que acreditava que a natureza humana de Cristo havia sido absorvida pela divina, ou que as duas se fundiram resultando numa só natureza, por causa de sua obediência.

 

O Concílio de Calcedônia, em 451, condenou esses conceitos e manteve a crença na unidade da pessoa, como também na dualidade das naturezas: Jesus teve uma natureza humana completa e uma natureza divina também completa, duas naturezas em uma só pessoa. Portanto, na pessoa de Jesus as duas naturezas estão unidas, sem confusão, sem mudanças, sem divisão, sem separação, conservando cada qual a sua própria especificidade.

 

Precisamos deixar claro que Jesus não conquistou sua divindade através da obediência. Ele era Deus. Ele “se humilhou assumindo a forma humana”, se tornou carne. “No princípio era o Logos, o Logos estava com Deus e o Logos era Deus” (Jo 1.1).

 

Para as Escrituras Sagradas, a natureza de Cristo está claramente definida. Veja o que diz Paulo: “Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação;
pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste.
” (Cl 1.15-17)

2.     O nome de Cristo é superior a todo nome – “Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra.” (Fp 2.9-10).

 

Vemos nas Escrituras Sagradas que o nome de Jesus tem poder sobre principados e potestades, forças espirituais e forças politicas. “Então, regressaram os setenta, possuídos de alegria, dizendo: Senhor, os próprios demônios se nos submetem pelo teu nome!” (Lc 10.17).

 

O nome de Jesus também tem poder para curar. “Pedro, porém, lhe disse: Não possuo nem prata nem ouro, mas o que tenho, isso te dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, anda!” (At 3.6).

 

O nome de Jesus está acima de todo nome, nos céus e na terra. Sua autoridade está acima de toda autoridade.

 

3.     Todos se dobrarão ao nome de Jesus – para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai.”(Fp 3.10,11)

 

Um dia, todos se curvarão diante de Cristo, reconhecendo sua autoridade e poder. Portanto, existem duas formas de nos curvarmos diante de Cristo:

(a)- Voluntariamente, reconhecendo sua autoridade e nos submetendo a ele para servi-lo;

(b)- Por imposição, por não termos como rejeitar sua autoridade.

 

4.     Todos confessarão que Jesus Cristo é Senhor – “... e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai.”(Fp 3.11)

 

Não apenas se curvarão, mas o confessarão.

 

Será o reconhecimento de todos sobre Jesus. Até mesmo as autoridades que o condenaram, os soldados que o espancaram, aqueles que o rejeitaram explicitamente. É a glória do Cordeiro sendo reconhecida. É o dia da ira do Cordeiro. Linguagem muito estranha, porque o Cordeiro não é figura relacionada a autoridade, mas veja o que diz o livro de Apocalipse:

Os reis da terra, os grandes, os comandantes, os ricos, os poderosos e todo escravo e todo livre se esconderam nas cavernas e nos penhascos dos montes e disseram aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que se assenta no trono e da ira do Cordeiro, porque chegou o grande Dia da ira deles; e quem é que pode suster-se?” (Ap 6.15-17)

 

Conclusão

 

A.   Devemos entender Jesus com suas duas naturezas: divina e humana. Negar ou minimizar qualquer um destes aspectos, não só é algo herético, contrário às Escrituras Sagradas, mas impacta profundamente a eclesiologia e a missão da igreja. Perdemos aspectos importantes do Deus que adoramos.

 

B.    Você precisa se dobrar diante de Jesus ainda hoje, e declarar sua glória ainda hoje. Não espere para o dia do juízo final. Quando esta hora chegar, será a hora do julgamento e não do arrependimento que traz salvação. O texto de Apocalipse que lemos anteriormente diz que as pessoas pedem aos montes para que caiam sobre eles. Eles temem a face de Deus e a ira do Cordeiro.

 

E nós, na qualidade de cooperadores com ele, também vos exortamos a que não recebais em vão a graça de Deus (porque ele diz: Eu te ouvi no tempo da oportunidade e te socorri no dia da salvação; eis, agora, o tempo sobremodo oportuno, eis, agora, o dia da salvação).” (2 Co 6.1,2).

 

Não podemos procrastinar, adiar.

Hoje é o dia!

Esta é a hora.

Este é o tempo oportuno.

 

Hoje é o dia de salvação.

Ore neste momento, se rendendo a Cristo, pedindo para que ele envie seu Espírito Santo sobre sua vida e traga salvação.

 

Este é o tempo de Deus!

Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o seu coração.



 

Fp 2.12-18 Desenvolvei a vossa salvação



 

 

 

Introdução

 

Um dos grandes problemas da vida é a imaturidade.

 

Muitas pessoas se recusam a crescer. Crescer dói, traz responsabilidades e muitos acreditam naquele slogan do “seu barriga”, da Escola do Professor Raimundo: “A vida é uma escola e eu vim aqui pra merendar.” São pessoas infantilizadas na forma de falar, seu estilo de vida, e forma de vestir. Não querem envelhecer e não querem crescer.

 

Muitas outros apodrecem mas não amadurecem. Ano após ano com mesmo comportamento debiloide, falta disposição para exercerem suas faculdades adultas.

 

Em 1 Co 13.11 lemos o seguinte:

Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas próprias de menino.” (1 Co 13.11).

 

Infelizmente muitos ainda:

·       Falam como menino

·       Sentem como menino

·       Pensam como menino

 

Lidar com pessoas imaturas é cansativo. Certa pessoa fez o seguinte comentário: “gente assim me dá uma canseira...”

 

Erich Fromm afirmou:

“O amor imaturo diz: Eu te amo por que preciso de ti.

O amor maduro diz: Eu preciso de ti porque te amo.”

 

Assim como a imaturidade na vida é um grande problema e um grande desafio, na vida cristã, a imaturidade é também um grande desafio.

 

Paulo demonstra grande preocupação com os irmãos da igreja de Corinto:

Eu, porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, e sim como a carnais, como a crianças em Cristo. Leite vos dei a beber, não vos dei alimento sólido; porque ainda não podíeis suportá-lo. Nem ainda agora podeis, porque ainda sois carnais.” (1 Co 3.1,2)

 

O autor aos hebreus revela grande preocupação pela imaturidade cristã:

A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de explicar, porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir. Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido. Ora, todo aquele que se alimenta de leite é inexperiente na palavra da justiça, porque é criança.”(Hb 5.11-13).

 

Como desenvolver a vida cristã?

 

Precisamos amadurecer. A situação de infantilidade da igreja muitas vezes é preocupante. Ao invés de termos família, temos um berçário. Na família, as pessoas crescem e cuidam umas das outras, no berçário, todas as crianças choram  porque estão com fome ou porque sentem desconforto pessoal. A igreja muitas vezes se parece com uma creche.

 

Então, como desenvolver nossa vida cristã?

Este texto fala-nos de algumas coisas que são necessárias para nosso crescimento.

 

1.     Só é possível crescer com coerência e integridade. “Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor.”(Fp 2.12)

 

Uma vida coerente não precisa de público para sua integridade. Paulo exorta duas vezes os irmãos de Filipos a este tipo de comportamento. Em um texto anterior ele diz: “Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo, para que, ou indo ver-vos ou estando ausente, ouça, no tocante a vós outros, que estais firmes em um só espírito.” (Fp 1.27)

 

A integridade impede a vida dupla, vida de máscaras. Integridade tem a ver com a pessoa não fragmentada, dividida ou esquizofrenizada. Ela é o que é. Você não precisa temer que ela tenha outro comportamento diferente se está diante do público ou na sua vida privada. Uma vida fragmentada do tipo “o médico e o monstro”, é um desastre para o crescimento na vida cristã. Não é possível crescer numa vida dupla.

 

Recentemente estive em uma igreja em São Paulo. Um pastor querido de uma grande igreja, pastoreando a mesma comunidade por mais de vinte anos, tinha uma vida secreta. Um dia a verdade veio à tona. Ele teve casos com várias mulheres, e vivia neste comportamento duplo de forma quase insuspeitável, até que a verdade veio a público.

 

Fico me perguntando como ele conseguiu viver? Como conseguiu manter sua vida de farsa? Como conseguiu subir no púlpito e pregar todos os domingos? Como ele conseguia ministrar a Santa ceia à sua comunidade?

 

Paulo fala da necessidade das pessoas desenvolverem a sua salvação, não só na sua presença, porém, muito mais na sua ausência. Só é possível crescer com integridade. Reputação pública não pode ser maior que caráter. Carisma sem caráter é uma tragédia.

 

2.     Vida cristã se desenvolve com temor e tremor – “Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor.”(Fp 2.12)

 

 

Duas palavras são aqui colocadas juntas: temor e tremor

Elas aparecem juntas outras vezes na Bíblia, como no livro de Salmos: “Servi ao Senhor com temor e alegrai-vos nele com tremor.” (Sl 2.11). Não apenas temor, mas com tremor. Aparece também em 1 Co 2.3: “E foi em fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vós.

 

Estas duas palavras tem a ver com reverência, sacralidade, mistério. Não com medo. Tanto é que nos Salmos ela está associada a alegria: “Alegrai-vos nele com tremor.”

 

Precisamos crescer espiritual numa atmosfera de sacralidade. Foi o que Deus disse a Moisés: “Deus continuou: Não te chegues para cá; tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa.” (Ex 3.5)  Precisamos desenvolver uma compreensão e ter convicção de sacralidade. Pessoas levianas com o sagrado perdem o temor e são incapazes de se admirar com as coisas espirituais. No livro de Atos lemos um relato de como a Igreja Primitiva reagia diante daquilo que Deus estava fazendo entre eles: “Em cada alma havia espanto.”

 

A Bíblia até mesmo menciona a reação de Satanás diante de Deus. Honestamente, o diabo possui uma atitude diante de Deus bem melhor do que muitos. “Crês tu que Deus é um só, fazes bem, porque até o diabo crê e treme.” (Tg 2.19). O diabo crê, ele não tem qualquer dúvida sobre a realidade de Deus, e de que ele é um só. Em segundo lugar, ele treme, ele se abala diante de Deus. Se o diabo age desta forma diante de Deus, não deveríamos nós, em muita maior medida, ter um comportamento de temor diante do Sagrado?

 

Se quisermos desenvolver a salvação e crescer na vida cristã, tudo que fazemos deve ser feito numa esfera de reverência, com temor e tremor. Estamos diante de Deus. Não há espaço para agir de outra forma a não ser com profundo temor. Tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é terra santa!

 

3.     Vida cristã se desenvolve entendendo a grande dialética cristã: Fazemos porque Deus faz em nós!

 

vs 12 diz: “Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor!” Mas o vs 13 dirá: “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer quanto o realizar.”

 

Percebem a dialética do texto?

Devemos fazer sabendo que é Deus quem faz! Isto dá um enorme nó na mente de muitos leitores da Bíblia: Nós fazemos ou é Deus quem faz?

 

Vamos por parte.

Antes de mais nada, o texto diz que devemos desenvolver a nossa salvação. Não diz que geramos a nossa salvação. Ela é obra exclusiva de Deus, que através do Espírito Santo nos regenera, nos dá novo nascimento, nos converte e nos santifica. Você só pode desenvolver a obra da salvação, porque Deus é quem iniciou a obra da salvação. “Tudo provém de Deus!”

 

Alguns dizem: Se é Deus quem faz, então não é nossa responsabilidade fazer. Não devemos fazer nada. Veja como a Palavra de Deus não tem este tipo de crise. Soberania de Deus e responsabilidade humana andam juntas. Quando pessoas dizem: “Nada podemos fazer por que é Deus quem faz”, e colocam a responsabilidade da salvação apenas em Deus, então o texto bíblico afirma: “Precisamos fazer: Desenvolvei a vossa salvação!” Desta forma rejeita o discipulado sem obediência e a graça barata. Quando dizem: “Nós é quem devemos fazer as coisas, a responsabilidade é nossa!” A Bíblia responde: “Deus é quem efetua em vós tanto o querer quanto o realizar.” E retira assim qualquer presunção de que o homem, por si só, sem o agir de Deus, possa fazer algo. Portanto a Bíblia rejeita tanto o hiper-calvinismo quanto o arminianismo.

 

O que a Bíblia diz: Responda com obediência, desenvolva o que Deus lhe tem dado, o dom da vida, sabendo que Deus é aquele que faz em nós, através de nós, e a despeito de nós.

 

Esta dialética é usada algumas vezes na Bíblia. Por exemplo: A Bíblia ensina que Deus está conduzindo a história por sua soberana vontade, e tudo será feito conforme Deus quer. Diante disto alguns afirmam: “Se Deus fará conforme ele deseja fazer, porque precisamos orar?” Se Deus, em última instância, fará seu plano, nossa oração não vai mudar o plano de Deus, então, não precisamos orar.

 

Este tipo de leitura é equivocado. Por que então deveríamos orar?

Deixe-me apresentar duas razões básicas:

 

A.     Jesus orava. Se Jesus orava, mesmo sendo Deus, devemos entender então que oração é algo necessário para a vida cristã.

B.     Jesus mandou seus discípulos orarem. Ele não diz: “Se orares”, mas “quando orares”. Entrarás no teu quarto e orarás em secreto, e teu pai que te vê em secreto, te recompensará.

 

Precisamos orar, porque faz parte do discipulado cristão.

Devemos, portanto, desenvolver nossa salvação sabendo que sem Deus, jamais avançaremos, sem a sua graça e seu poder somos incapazes. Deus realiza em nós tanto o querer quanto o realizar.

 

Querer tem a ver com o processo volitivo. Com a vontade. Deus precisa inclinar nosso coração à santidade, o Espírito Santo nos transforma, nascemos de novo pela sua obra em nós, ele nos impulsiona para a luz, em direção a Deus. Como filhos da luz, gerados pelo Espírito, fugimos das trevas, temos tristeza pelo pecado. Sem este impulso essencial, não avançaremos na vida cristã.

 

Realizar, tem a ver com a capacidade para executar. Às vezes queremos fazer, mas não fazemos. Queremos emagrecer, mas não conseguimos, queremos ser mais disciplinados, não conseguimos, queremos ir para a academia não conseguimos. Não é assim a nossa vida? E se tratando das coisas espirituais, ainda é mais difícil: queremos fazer as obras de Deus, mas lá estamos de novo praticando o erro. Deus então, precisa nos dar a vontade e a força para realizar sua obra.

 

Numa viagem à Grécia, subimos ao Parthenon Center, uma das obras mais maravilhosas da arquitetura do mundo antigo que fica em Atenas. Apesar do prédio não ter mais o teto, as colunas permanecem inabaláveis. O que surpreende os estudiosos atualmente é a precisão daquelas colunas. Elas estão milimetricamente paralelas e uma definição de linhas retas paralelas é que são duas retas distintas que possuem o mesmo coeficiente angular, nunca se cruzam e não há ponto em comum entre elas, por isto elas não se encontram. Mas aqui está algo curioso: As linhas paralelas se encontram na eternidade. Elas terão um ponto de convergência no infinito no qual se encontrarão. Não é algo surpreendente?

 

Talvez isto nos ajude a entender a questão da soberania de Deus e da responsabilidade humana: Elas não cabem na mente humana, porque são dialéticas e aparentemente paradoxais, mas na eternidade, andam perfeitamente juntas. Por isto, desenvolvam a vossa salvação, sabendo que é Deus quem realiza em vós tanto o querer quanto o realizar. Não fique com crise com isto. A Bíblia não tem esta crise.

 

4.     Vida cristã progride num ambiente de louvor e gratidão: Fazei tudo sem murmurações nem contendas.” (Fp 2.14).

 

“Sem murmuração”. Não dá para crescer num ambiente de mau humor, reclamação e raiva. Há pessoas que vivem em contendas e agem com raiva em relação à vida. São do tipo de pessoas dizendo: “oh céus! oh vida!, oh céus!” reclamando o tempo todo, provocando querelas todo tempo, nada satisfaz. Coração insatisfeito não traz glória a Deus.

 

O salmista diz: “Agrada-te do Senhor, e ele satisfará os desejos do seu coração.” Precisamos nos agradar de Deus mas muitas vezes fazemos o contrário: ficarmos insatisfeitos com Deus. Ter alegria no que ele faz, e no que ele nos dá é essencial para nosso crescimento. Uma vida sem gratidão não glorifica a Deus. Precisamos mudar o mau hábito de viver uma vida de constante tristeza. Ninguém cresce num ambiente de murmuração e contendas. N. V. Peale afirma: “Ser agradecido faz todas as coisas melhores.”

 

5.     Vida cristã se desenvolve com santidade – para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no mundo.”(Fp 2.15)

 

Muitas vezes nos perguntamos: O que está acontecendo com esta geração que perdeu a noção de princípios e valores morais?

 

Mas quando lemos este texto entendemos que a questão não tem a ver com esta geração, mas tem a ver com a natureza humana. Paulo afirma que a geração de seus dias era pervertida e corrupta. Este é um diagnóstico bem duro.

 

Quando olhamos para a geração atual, vemos as mesmas características. Muitos jovens crentes, quando chegam na universidade, se perdem com a promiscuidade e permissividade. Culpados, deixam de ler a Bíblia, se afastam de da comunhão com Deus e da igreja, perdem sua autoridade espiritual e são incapazes de testemunhar a Cristo. Eles se quedam diante da geração pervertida.

 

Mas o que diz o texto: Devemos resplandecer como luzeiros no mundo. Nosso papel é ser luz no meio das trevas. A falta de santidade, enfraquece o testemunho do evangelho, distancia as pessoas de Deus, dá espaço ao maligno. Se você deseja crescer em Cristo, é necessário viver como filho de Deus inculpável. É interessante que este texto fale de uma vida inculpável. Com culpa, não crescemos. Há muitas pessoas no meio da igreja carregados de culpa, vivendo na prática do pecado, desobedecendo a Deus e assim perdem a comunhão com Deus. Mas o texto fala também de filhos de Deus irrepreensíveis. Isto é, ninguém pode apontar o dedo e acusar.

 

Só é possível crescer com santidade. Vida constante de obediência, pedindo ao Espirito para que tenham força para viver sem culpa e sem nada que os acuse ou os condene.

 

6.     Preservando a Palavra da vida – Preservando a palavra da vida, para que, no Dia de Cristo, eu me glorie de que não corri em vão, nem me esforcei inutilmente.” (Fp 2.16)

 

A Palavra de Deus deve ser preservada. Ultimamente alguns estão equivocadamente afirmando que a Palavra de Deus precisa ser atualizada. Preservar é manter o que é, sua essência, seu pensamento. Atualizar é rejeitar alguns pontos que se tornam ofensivos à geração pervertida e corrupta. Se a Bíblia fala de pecado num tom mais forte, precisamos adequá-la à mentalidade moderna. Isto significa suprimir a verdade, torná-la mais branda com o pecado.

 

Recentemente até mesmo algumas traduções bíblicas tem sido “atualizadas”. Uma linguagem mais ofensiva ao pecado precisa ser retirada para que o evangelho possa ser mais aceito. Quem tenta fazer isto se esquece que a mensagem do evangelho é sempre ofensiva. O amor de Deus é uma ofensa ao pecador. A cruz é uma ofensa à crueldade e à injustiça. A morte de Cristo é uma agressão: um homem justo morrendo pelos pecadores.

 

Jesus teve que lidar com isto. Depois de um duro sermão, os discípulos começaram a se afastar dele e alguns não mais o seguiam. “Muitos dos seus discípulos, tendo ouvido tais palavras, disseram: Duro é este discurso; quem o pode ouvir? Mas Jesus, sabendo por si mesmo que eles murmuravam a respeito de suas palavras, interpelou-os: Isto vos escandaliza? À vista disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam com ele. Então, perguntou Jesus aos doze: Porventura, quereis também vós outros retirar-vos?” (Jo 6.60,61; 65-67).

 

Viram o que Jesus afirma:  “Isto vos escandaliza?” O Evangelho é um escândalo. A cruz é um escândalo. O amor de Deus pelo pecador é escandaloso.

 

Por esta razão, desejar crescer na fé, e desenvolver a nossa salvação, deve ser nossa agenda principal.

 

Você tem desenvolvido sua salvação?