Introdução
Por várias razões a unidade da igreja é fundamental. Seja no plano local, seja a nível denominacional.
Antes de mais nada, porque disputas internas roubam a energia para projetos mais relevantes e prioritários.
Dois exemplos:
Christ The King: Cambridge-MA
Em 1996 comecei a pastorear a igreja CTK em Cambridge-MA. Por quase 8 anos eu pastoreei aquela igreja numa época de crescimento e prosperidade. Durante este período, a igreja foi responsável diretamente na plantação de quatro novas igrejas. Mais tarde, porém, a igreja, que era multicultural, começou a ter problemas com o pastor americano. Durante anos tiveram fortes divergências e grandes discussões. A igreja parou de crescer, e só retomou as suas forças, depois de chegarem a um acordo que desemboco num desdobramento. Com paz interior, esta igreja está novamente se encontrando na sua história.
Anápolis-GO
Em 2003, cheguei a Anápolis para pastorear a Igreja Presbiteriana Central que teve duas divisões em menos de cinco anos: em 1998 e 2002. Por causa das divergências internas, esta igreja que já havia plantado muitas outras igrejas na região, fazia mais de 25 anos que não plantava uma nova igreja. Ela estava tentando resolver suas diferenças e as energias eram todas para apagar incêndios. igrejas em disputas, tornam-se autocentradas em torno dos problemas e deixam de investir nas oportunidades que há no reino de Deus.
Em segundo lugar, igrejas em harmonia, crescem espontânea e naturalmente. Muitas pessoas tem perguntado qual o segredo do constante crescimento de nossa igreja. Uma das respostas clássicas que dou é a harmonia da liderança. Certamente há outros fatores como fato de ser uma igreja bíblica, os ministérios com uma proposta bem interessante, o que obviamente, ajuda no acolhimento dos visitantes e seu compromisso missionário. Em 2006, quando resolvemos construir o Edifício de Educação Cristã, que tem seis pavimentos, o conselho da igreja firmemente decidiu que não diminuiria salário dos seus pastores, nem deixaria de contribuir para a obra missionária, pois estava convencido de que Deus nos daria condições de construir com as sobras ministeriais. De lá prá cá, aumentamos as contratações de obreiros e continuamos envolvidos em projetos de plantação de novas igrejas e sustento missionário.
Neste texto, a Bíblia nos fala algumas coisas importantes sobre a unidade da igreja:
§ Os Quatro recursos: A base da unidade
§ Os Quatro Elementos: A base da comunhão.
§ Os Quatro inimigos: As ameaças à unidade
§ O Segredo da unidade.
A base da unidade: Quatro recursos.
Os dois primeiros são teológicos, e os outros dois comunitários:
A. A obra de Cristo – “Se há, pois, alguma exortação em Cristo.” (Fp 2.1)
Alguns comentaristas da Bíblia afirmam que a melhor tradução seria: “Visto que há exortação em Cristo.” O texto não está questionando a obra de Cristo, mas afirmando a realidade maravilhosa do mover de Jesus no meio da sua igreja. Como Jesus está presente no meio do seu povo, há uma grande expectativa de que a unidade se dê como uma marca do seu povo.
A palavra “exortação”, (grego: parakletos), é a mesma palavra que Jesus usou para se referir ao Espírito Santo quando disse que mandaria outro “consolador”. O ponto central da unidade é a obra de Cristo na sua igreja. Em Cristo, no seu corpo, todos fomos feitos um. A unidade da igreja é gerada pelo sangue do Cordeiro, “porque ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um; e, tendo derribado a parede da separação, que estava no meio, a inimizade (...) reconciliando ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade.” (Fp 2.14,16)
Bruce Barton: “Todo crente tem recebido encorajamento, exortação e conforto de Cristo. Essa experiência deveria ser capaz de unir os cristãos. Ninguém pode vier a atmosfera da graça de Cristo, sem ter união com seus irmãos.”
Então, a base essencial da unidade da igreja começa em Cristo.
B. A ação do Espírito – “Se há, pois, ... alguma comunhão do Espírito.” Fp 2.1)
Este é o segundo alicerce teológico. A ação do Espírito. “Visto que há... comunhão do Espírito.” Isto é, porque o Espírito Santo está presente e opera no meio do seu povo podemos estar certo de o resultado será a união da igreja.
É curioso fazer um paralelo entre o Pentecoste e Babel. Neste, as pessoas falavam a mesma língua, e não conseguiam mais se entender, ficaram confusos, se desentenderam e se separaram. (Gn 11) No Pentecoste, as pessoas vinham de diferentes culturas e nacionalidades, falando diferentes línguas, mas cada um podia entender o outro e se maravilhar com isto.(At 2) O Espírito Santo é o princípio unificador da igreja. Aquele que nos uniu em Deus, nos une uns aos outros.
Quando o Espírito age, a unidade acontece. Seja na igreja, nos relacionamentos, na família, na sociedade. A unidade é gerada pelo Espírito Santo.
Mas o texto bíblico ainda se refere a dois outros fundamentos essenciais para a unidade. Eles estão presentes na comunidade sob a ação da Trindade:
A. As consolações de amor – O comentarista Robertson diz o seguinte: “A obra de Cristo na igreja alcança os irmãos.” Esta obra de Deus no meio do seu povo, produz grandes resultados.
O termo “consolação”, pode ser traduzido também por encorajamento. Acho os dois termos muito significativos. Ele se refere à dimensão de cuidado da igreja, que se torna um meio da graça de Deus diante do sofrimento, trazendo consolo aos que sofrem e apoio aos que enfrentam calamidades e dores.
A palavra “encorajamento”, nos leva a pensar sobre a realidade de que há muitos desanimados, prostrados, e que este cuidado e apoio é fundamental para trazer novo vigor aos que estão cansados. Como é bom receber uma palavra de ânimo e esperança, quando estamos caídos. Que grande desafio a igreja tem, em tempos de cansaço e desânimo, de trazer encorajamento aos desanimados.
B. Os entranhados afetos de misericórdia – Duas ideias vem desta afirmação. Primeiro, fala dos afetos que alcançam as entranhas. São afetos viscerais. Penetram profundamente nossa vida.
Em segundo lugar fala do impacto de tais afetos. Eles nos tornam misericordiosos. Misericórdia tem na sua raiz o termo grego “Kardia”, que é traduzido em português como coração. A misericórdia de Deus leva-nos a querer cuidar de pessoas que não tem mais a quem recorrer. Leva-nos a estender a mão ao caído e miserável, a ter cuidado com pessoas quebradas e feridas. Estas misericórdias entranhadas são profundas e terapêuticas.
Estes quatro recursos são a base da unidade da igreja.
Os quatro Elementos básicos na comunhão
Em seguida, o texto bíblico vai citar quatro elementos essenciais.
A. Unidade de pensamento – “Completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa.” (Fp 2.2
O povo de Deus precisa aprender a olhar na mesma direção e ter a mesma cosmovisão e conceitos. Esta é uma tarefa desafiadora. Como alcançar unidade de pensamento numa sociedade tão plural, com diferentes percepções, globalista e relativista? A única possibilidade é aprendendo a pensar com a mente de Cristo.
A Bíblia afirma: “Pois quem conheceu a mente do Senhor, que o possa instruir? Nós, porem, temos a mente de Cristo.” (1 Co 2.16). A única possiblidade de termos unidade é nos tornando verdadeiramente discípulos de Cristo, pensando como ele pensa, ouvindo submissa e atentamente o que ele ensina. Precisamos entender o Evangelho, o conteúdo da mensagem da salvação para alcançar a unidade.
No Congresso de Lausanne, um marco da igreja mundial, em 1974, cerca de 10 mil líderes cristãos do mundo inteiro estiveram presentes. Eles vinham de diferentes regiões do nosso planeta. Africanos, América do Sul, Oriente Médio, Ásia, Europa. Coordenado por John Stott, resolveram escrever o que ficou conhecido como Pacto de Lausanne. Embora houvesse discordância em aspectos secundários, eles foram capazes de subscrever e assinar todos os itens, naquilo que era essencial. Não é maravilhoso ver como o Espírito de Deus gera unidade de pensamento?
Não dá para construir uma igreja sólida se temos pessoas que teologicamente pensam de forma distinta, sem unidade doutrinária. Quando líderes vivem discordando naquilo que é essencial, ensinando de uma forma e outros discordando, não se consegue a unidade de pensamento. Em todas igrejas onde me torno pastor, convido para pregar pessoas que estão alinhados teologicamente com a visão bíblica e pastoral. Eu não vou convidar alguém teologicamente liberal para ministrar na igreja, e também não convidarei pessoas orientadas por visões, sonhos e profecias. Tenho grande prazer em ter em nossa comunidade pessoas que expõem a Bíblia com visão sólida, reformada e ortodoxa.
Não dá para concordar em tudo, e nem precisamos, mas naquilo que é essencial, não podemos nos descuidar.
A unidade de pensamento, é um dos quatro elementos básicos na comunhão.
B. Unidade nos relacionamentos – “Tenhais o mesmo amor.” (Fp 2.2)
Que amor é este senão o amor de Cristo? precisamos ter o mesmo amor compassivo, perdoador, reconciliador, que há em Cristo Jesus. Ele perdoou aqueles que o feriram, ele nos resgatou a nós que fomos insolentes, incrédulos e blasfemos.
Se o modelo do amor vem de Jesus, não temos tempo para picuinhas, trivialidades, susceptibilidades, hipersensibilidade, amarguras e ressentimentos. Precisamos orar para que o mesmo amor de Cristo seja derramado em nossos corações, para que vivemos da forma como ele viveu. A unidade nos relacionamentos é outro elemento básico da comunhão.
C. Unidade espiritual – “Sejais unidos de alma.” (Fp 2.2).
Quando o Espírito Santo foi derramado sobre a igreja no Pentecoste, algo notável aconteceu: “Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum.” (At 4.32). O Espírito Santo trouxe unidade de alma. “Dois corações batendo como um só.” (Robertson).
No corpo de Cristo não há espaço para disputas pessoais; cada membro deve cooperar um com o outro.
D. Unidade de sentimento – “Tendo o mesmo sentimento.” (Fp 2.2).
Não somos uma sociedade cheia de líderes competindo, mas cooperando. Hernandes Dias Lopes assim comenta: “Eles não estão lutando por causas pessoais, mas todos buscam a glória de Deus. Na igreja de Deus não deve existir disputas politicas, briga por cargos, ciúmes e invejas.”
Sentimentos partidaristas, narcisistas, mesquinhos, competitivos, podem dividir igrejas. Em geral igrejas não são divididas por questões teológicas, nem mesmo litúrgicas, mas por questões pessoais: vaidade de líderes e busca de poder. Por isto precisamos de unidade de sentimento.
Os quatro inimigos da unidade
Da mesma forma que falamos dos quatro alicerces da unidade, e dos quatro elementos básicos da comunhão, encontramos neste texto também quatro inimigos da unidade.
Quais são eles?
Primeiro, o partidarismo: “Nada façais por partidarismo.” (Fp 2.3)
Isto acontece quando cada grupo ou pessoa luta por si só, sem a visão do todo. Curiosamente quando fomos estabelecer as CINCO VIAS que deveriam nortear nossa igreja nos próximos anos, uma das que estabelecemos foi a da sincronização. (As outras demais são: Missões (Transculturais, Plantação de Igrejas e Ação Social); Comunicação; Construção do novo campus (Espaço Presbiteriano).
Uma das lutas constantes que temos é alinhar a visão dos diferentes ministérios para que pensemos juntos. Um ministério precisa complementar o outro. Um pastor precisa cobrir o outro e ajudá-lo a desenvolver seu ministério. Quando cada um começa a lutar e a se preocupar apenas com seu time, se esquecendo de que o bem precisa ser comunitário, isto se torna um problema. Diferentes áreas precisam somar e cooperar para que as outras áreas sejam fortalecidas.
Segundo, vanglória: “Nada façais por partidarismo ou vanglória.” (Fp 2.3)
Vanglória tem a ver com a luta para ter proeminência, ocupar o primeiro plano, buscar promoção pessoal. Isto acontece quando no corpo, pessoas estão buscando promoção pessoal, ávidas para serem reconhecidas, vistas e apreciadas.
Como o próprio termo sugere. Vanglória é uma glória vã. O desejo de expressar ou ostentar os próprios méritos e conquistas, sejam eles reais ou pretensos.
Terceiro, orgulho. Sentimento de superioridade. “Considerando cada um aos outros superiores a si mesmo.”(Fp 2.3)
A tendência carnal nos leva a pensar que somos maior que o outro, fazer comparações. Seja para saber qual é o melhor, quem faz melhor, ao invés de entender que cada um tem um lugar importante no corpo de Cristo. Mesmo as pessoas mais humildes.
Estranhamente pessoas que recebem dons especiais de Deus, tendem a se julgar superiores. Como podemos pensar assim? O dom não é uma dádiva, um presente gratuito? Por que podemos achar que somos superiores por causa de um determinado dom? Se você reconhece um determinado dom em sua vida, não fique orgulhoso, você não é melhor que ninguém por isto, você é apenas menos ruim do que era.
Quarto, interesse pessoal – “Não tenha cada um em vista o que é propriamente seu, senão também cada qual o que é dos outros.” (Fp 2.4)
Somos pessoas competitivas, interessadas em glória pessoal, que ansiamos por promoção e conquista. A ideia de glória pessoal está na natureza pecaminosa. Adão achou interessante se tornou igual a Deus e achou que com a desobediência ele poderia competir com o próprio Deus. A glória pessoa pessoal está enraizada na cultura, educação e treinamento que recebemos. Não é isto que ensinamos aos nossos filhos? Que eles sejam vitoriosos, pessoas de sucesso, competentes? Como não permitir que tais coisas penetrem nossa fé, nossa espiritualidade e na igreja?
Uma das grandes causas de divórcio é o fato que todos desejam ser honrado. A pergunta que Tim Keller faz é a seguinte: “Como é que duas pessoas auto centradas, narcisistas, e que pensam que o outro deve fazer sua vontade e agradá-lo, poderão dar certo no casamento?” Então, a regra básica é: Não entre no casamento para ser feliz, mas para fazer o outro feliz. O narcisismo é a maior causa do fracasso do casamento. Duas pessoas que querem cada um o que julgam ser seu direito. Temos muitos direitos e poucos deveres. O narcisismo é um forte oponente da unidade.
Deliberadamente preciso indagar: Quanto do que eu tenho feito é buscando o bem dos outros e não o meu? O que tenho feito pensado realmente em ajudar os outros e não a mim mesmo?
Conclusão: O Segredo da Unidade.
Depois de falar da base da unidade (Quatro recursos), dos quatro elementos básicos na comunhão, dos quatro inimigos da unidade, chegamos ao Segredo da unidade: A Humildade.
O texto Bíblico nos ensina: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana.”
O texto bíblico agora vai encerrar apontando para Cristo. sua humildade.
O segredo para unidade, é a humildade. O texto Bíblico vai nos ensinar como Jesus agiu, e como a humildade dele o levou a despojar de toda sua glória para que assim pudéssemos ser resgatados das trevas.
A humildade se manifesta de duas formas:
A. Olhe para o outro com honra – “Considerando cada um os outros superiores a si mesmo.” (Fp 2.3).
Não tenha sede de poder, projeção e aplauso. Não se embriague com o poder nem se enamore de si mesmo. Tenha prazer em ajudar as pessoas, de realizar o serviço aquele serviço que quase não aparece.
B. Busque o interesse do outro intencionalmente. “Considerando cada um os outros superiores a si mesmo.” (Fp 2.3). É necessário considerar, refletir.
A Igreja de Filipos era multirracial: Lídia era uma judia rica, vendedora de púrpura; a jovem liberta de um espirito maligno era escrava grega; O carcereiro um oficial romano, da classe média. Como conseguir unidade em meio a tantas diferenças?
Sem a humildade, isto será impossível. O orgulho, a vanglória, a vaidade, são inimigos naturais da unidade. Cristo veio quebrar esta barreira e formar um povo seu, de sua exclusiva autoridade, para viver na sua presença, em unidade e amor. Apenas o Evangelho pode fazer isto. Somente o sangue de Cristo pode realmente nos tornar uma comunidade de amor, de cuidado e de serviço.
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