Eclesiastes um livro Sagrado?
Você fala sério?!!
Introdução
Ed René Kivitz afirma que Eclesiastes é “O livro mais mal-humorado da Bíblia [5]”, e sua afirmação está absolutamente certa. Este livro é marcado por pessimismo, ausência de esperança, angústia e desespero. A própria forma como o livro é enunciado nos mostra o roteiro: “Vazio, tudo é um grande vazio! Nada vale a pena! Nada faz sentido!” (Ec 1.2- A mensagem).
O livro “História sem Fim” escrito pelo alemão Micahel Ende e transformado em filme em 1984 tem tem dois protagonistas, ambos crianças. O primeiro deles é Bastian Bux (Barret Oliver), órfão de mãe, filho de um pai workalchoolic (Gerald McRaney). Bastian sofre bullyng diariamente de seus colegas de escola até que encontra na livraria um livro que "não é seguro", que fala de um mundo chamado Fantasia, ameaçado pela força do Nada, que o destrói aos poucos, transformando tudo em nada. Num encontro com o assustado gigante “come pedras” que está fugindo do nada, ele pergunta: “O que é o nada? Um buraco?” E o gigante responde: Um buraco já seria alguma coisa.
Todo enredo gira em torno da tentativa de derrotar o Nada. Alguns afirmam que o filme foi desenvolvido para trazer esperança às crianças na Europa que estavam se suicidando cada vez mais cedo. No fim, o Nada vence, mas, milagrosamente, Bastian se encontra com a Imperatriz Menina, que lhe diz que, graças à sua ajuda, um pequeno grão de areia foi salvo, e este grão de areia basta para que toda Fantasia seja reconstruída.
Este filme reflete a eterna luta do homem em torno do nada, do vazio. Assim é o livro de Eclesiastes. Afinal, há alguma coisa que possamos considerar filosoficamente concreta e sólida? Existe alguma coisa na qual possamos nos entregar e sentir seguros num mundo que insiste na ausência de uma metanarrativa?
A filosofia secular define a metanarrativa como uma grande narrativa, de nível superior, acima de todas as demais narrativas, capaz de explicar todo o conhecimento existente ou de representar uma verdade absoluta sobre o universo. A pós-modernidade tem procurado desconstruir o conceito da metanarrativa, afirmando que é necessário descrer de todas as teorias totalizantes, como afirmou Jean-François Lyotard (1984). Ele tenta substituir as narrativas mestras por narrativas menores, fragmentadas e múltiplas que não buscam (nem obtém) qualquer estabilização ou legitimação.
A rejeição à metanarrativa tem se tornado bastante popular. A mídia moderna e a cultura popular tentam rejeitar qualquer conceito de verdade, sentido da vida e moralidade. Karl Popper, um dos seus principais teóricos, rejeita a ideia de uma verdade absoluta e afirma que história não tem qualquer significado.
A visão cristã, pelo contrário, compreende a verdade como estabelecida por Deus e revelada nas Escrituras. A verdade é eterna, imutável e universal. A Bíblia traça a grandiosa metanarrativa da redenção. A história começa com a criação do Deus soberano e onipotente, esse é o começo de toda a história, e termina com a nova criação, o final da história cósmica. Ela descreve uma história abrangente do mundo, que dá sentido a tudo, que conecta tudo, e dá significado e propósito.
O livro de Eclesiastes parece negar a possibilidade de qualquer coisa concreta que dê sentido à história humana. Sua proposta inicial é clara: “Vazio, tudo é um grande vazio! Nada vale a pena! Nada faz sentido!” e todo livro gira em torno da ausência de sentido..
Se você está assustado até aqui com tais declarações, não deixe de caminhar na leitura. Ela pode te surpreender. Precisamos desconstruir antes de construir. O que temos tentado fazer até aqui é descobrir o eixo central da narrativa para chegarmos no cerne da análise. Antes disto, porém, precisamos escavar um pouco mais fundo. Estamos tentando descobrir o pensamento do homem sem Deus. Como ele se sente, pensa e age. Então, caminhemos juntos para desmascarar os falsos pressupostos e chegarmos à compreensão mais profunda das verdades eternas.
Salomão, estava vivendo um período de profunda desilusão e pessimismo, que resultou em desespero. Sua alma desembocou no mais profundo fantasma da alma humana: O vazio (nihilismo, nada). Ao examinarmos cuidadosamente este livro auto biográfico, encontramos as razões filosóficas, que o levaram a esta condição, todas elas revelam o resultado de uma vida sem Deus, e as consequências são sempre a absoluta falta de sentido, talvez, o mais temível de todos os sentimentos humanos.
Primeiro, precisamos desconstruir os falsos conceitos em Eclesiastes
- Falso conceito da existência
Percebe-se claramente como Salomão perdeu a capacidade de encontrar a essência, dignidade e valor do ser humano e da vida em si. Ele define a vida de forma patética: Nada mais que uma “bolha de sabão”. “Vazio, tudo é um grande vazio! Nada vale a pena! Nada faz sentido!”(Ec 1.2)
Esta tem sido a grande ruptura entre o pensamento secular existencialista e o cristianismo. Enquanto na fé cristã atribui-se valor perene à vida em si, por causa de sua essência: o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, para o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), principal representante do existencialismo, “os modos de ser, agir e sentir de uma pessoa não estão inscritos numa essência prévia, antes mesmo de sua existência, mas surgem e se transformam na própria existência.”[6]
Na compreensão de Sartre, “a existência é resultante das escolhas que fazemos e das condições em que estamos inseridos. Quando nos colocamos, expressamos nossa existência, nossos modos de ser singular. E como não há uma essência prévia que determine o modo como vamos nos tornar, podemos escolher a todo momento o que fazer da vida. É o modo como vivemos e fazemos escolhas que constituem a nossa existência. Encarar a existência como fruto das escolhas pessoais é nos perceber como seres livres sem sermos determinados por uma essência prévia. E por sermos livres, somos responsáveis pelo que fazemos de nós mesmos, de modo que nossas escolhas caracterizam nossa existência.”[7]
Veja como sua posição difere frontalmente do pensamento cristão: Sartre afirma que "o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e somente depois se define." (Sartre, em 'O existencialismo é um humanismo'). Esta não é a visão bíblica. Nós fomos criados para a glória de Deus. A essência do ser está inerente ao homem, criado à imagem e semelhança de Deus. Enquanto no existencialismo é dito que a existência precede a essência, no cristianismo, a essência precede a existência. Não somos alguém pelo que fazemos, mas por causa do propósito que Deus deu à humanidade.
Assim como Salomão, o existencialismo vê a vida como algo sem sentido. “Tudo é vazio! “Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol.” (Ec 2.11).
Em Eclesiastes a vida é associada a algumas realidades angustiantes. Veja algumas considerações que encontramos sobre a vida:
A. A vida é um peso
Por causa da ausência de esperança, o autor de Eclesiastes enxerga a vida pelo ângulo mais complexo. Vários termos são utilizados por ele para expressar a profundidade de seu caos.
“Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir.”
(Ec 1.8)
“Eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a
recompensa de todas elas.” (Ec 2.10)
“Porque todos os seus dias são dores, e o seu trabalho, desgosto; até de noite
não descansa o seu coração; também isto é vaidade.”
(Ec 2.23)
B. A vida é uma sucessiva repetição em torno do nada. Por duas vezes o texto fala da história e da vida de uma forma patética.
“o que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornara a fazer;
nada há, pois, novo, debaixo do sol.”
(Ec 1.19)
O que é já foi, e o que ha de ser também já foi;
Deus fará renovar-se o que se passou.”
(Ec 3.15)
C. A vida é contraditória
O autor de Eclesiastes chega a questionar o valor da integridade e da própria sabedoria, por causa da incoerência que pode ser encontrada na vida.
“Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua justiça, e há perverso que prolonga os seus dias na sua perversidade.” (Ec 7.15)
Vale a pena ser justo? No seu cinismo e descrença ele questiona o valor de uma vida reta e sábia, pois
“Tudo sucede igualmente a todos: o mesmo sucede ao justo e ao perverso; ao bom, ao puro e ao impuro; tanto ao que sacrifica como ao que não sacrifica; ao bom como ao pecador; ao que jura como ao que teme o juramento.” (Ec 9.2)
- Falso conceito do trabalho
Por causa da ausência de propósito na vida, na visão de Eclesiastes, tudo o que fazemos torna-se um tolo esforço humano sem nenhum valor significativo. Já no inicio do livro, depois das repetidas afirmações de que tudo é vazio (Ec 1.2), ele afirma:
“Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se
afadiga debaixo do sol?” (Ec 1.3)
Na medida em que o pensamento do texto se desenvolve, veremos como ele sucessivamente questiona e ironiza o valor do trabalho. Ele chega mesmo a afirmar que o trabalho é uma forma de castigo divino.
“Este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens,
para nele os afligir” (Ec 1.13)
“Porque Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada; mas ao pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus. Também isto é vaidade e correr atrás do vento.” (Ec 2.26)
Ele não vê o trabalho da forma como o restante das Escrituras vêem. Trabalho na Bíblia é benção, e foi dado ao homem como expressão de sua criatividade e arte. Quando Adão estava no Éden, Deus lhe deu a tarefa de dar nome a todos os animais, bem como cultivar e guardar o jardim. Trabalho, portanto, antecede à queda e ao pecado. Foi dado ao homem como uma dádiva divina.
Uma das maiores bençãos para o ser humano é sua capacidade de produção ainda que seu valor não esteja naquilo que ele faz. O aspecto utilitário do homem pode esvaziar sua essência e propósito. A Reforma Protestante deu ao trabalho uma dimensão cúltica: trabalho glorifica a Deus. Ainda resgatou um outro aspecto importante. Todos trabalhos são igualmente importantes aos olhos de Deus, e não há qualquer diferença nem mesmo entre o trabalho “secular”, e o “trabalho espiritual” (obra missionária, sacerdócio). Todos os trabalhos são dignos e honrados.
Entretanto, o Qoheleth vê o trabalho da seguinte forma:
A. Como punição divina
“...Este enfadonho trabalho imôs Deus aos homens, para nele os afligir.” (Ec 1.13)
“Vi o trabalho que Deus impôs aos homens para com ele os afligir.” (Ec 3.10)
B. Trabalho como aborrecimento e fadiga
“Também aborreci todo o meu trabalho, com que me afadiguei debaixo do sol.”
- Falso conceito da História
O livro de Eclesiastes não consegue ver nenhum propósito ou teleologia (objetividade) na história.
“O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós.” (Ec 1.9-10)
“O que é já foi, e o que há de ser também já foi; Deus fará
renovar-se o que se passou.” (Ec 3.15)
A palavra “teleos”, vem do grego e tem a ver com propósito último. A visão de Salomão é muito parecida com a do pensador e filósofo Heródoto, que viveu 400 anos a.C. e discorreu sobre a “Teoria da história cíclica”. Qual era a visão de Heródoto?
Para ele, toda ação humana está fadada à repetição, não há evolução. Não há linearidade. A história segue uma espécie de ciclo interminável. Segundo esta teoria, o mundo retorna, depois de certo número de anos, ao caos primitivo, do qual sairá de novo para recomeçar seu curso sempre igual. Outro filósofo mais conhecido, Platão, que viveu mais ou menos na mesma época de Heródoto, desenvolveu a mesma linha de pensamento ao afirmar que “o mundo e as criaturas estão submetidos ao regime dos ciclos.”
Já no Século XX, Para explicar o tempo cíclico, Marcel Eliade, em “Eterno Retorno: Cosmo e História” (1954) refere-se constantemente aos mitos e às teorias filosóficas advindas dos judeus que foram os primeiros a descobrirem o significado da história como revelação de um Deus, que age de forma extratemporal, movendo-se e governando a história. A visão judaico-cristã vê a história de forma ascensional, mas na visão de Eclesiastes, ela é estéril, repetitiva e desproposital.
Boa parte dos seres humanos lida constantemente com a questão: “O que é a vida senão uma sucessão de eventos sem propósito, sem sentido?” Milan Kundera afirma: “O mito do eterno retorno, nos diz, por negação, que a vida é sem peso e que está morta desde hoje, e que por mais atroz, mais bela, mais esplêndida que seja, essa beleza, esse horror, este esplendor - não tem o menor sentido”.
Do ponto de vista da história, esta é a visão cíclica da velha disputa entre a teoria platônica e a cristã. Esta é a visão que Platão preconiza. A história não tem continuidade, ela anda em círculos - não tem objetivos. Veja como este mesmo pensamento surge aqui em Eclesiastes: “O que foi é o que há de ser, e o que se fez, isto se tornará a fazer, nada há pois, novo, debaixo do sol”, (Ec 1.9), ou como traduz a Bíblia Viva: “A história sempre se repete”. Trata-se de um falso conceito da história.
Curiosamente os dois livros mais rechaçados, deturpados e combatidos das Escrituras são o livro de Gênesis e o livro de Apocalipse, porque revelam a consistência à história da humanidade. Gênesis fala de um Deus que faz do nada todas as coisas, retirando a força do abismo (do hebraico Tehom, caos) e do nada. “A terra era sem forma e vazia.” (Gn 1.2) Se a história começa com um Deus sábio e providente, ela não está entregue ao acaso e evolucionismo cego como preconiza a “geração espontânea”, que nega a ideia do Criador. Se a história e o tempo surgem sem propósito e sem a inteligência de um Deus criador, ela também não tem nada a dizer quanto ao seu propósito. Se falta consistência na criação em si mesma, falta significado no fim de todas as coisas.
Bernardo Élis. (Bernardo Élis Fleury de Campos Curado)[8], o primeiro goiano a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL) é considerado um dos introdutores da fala caipira no conto brasileiro. Quando chegou perto da sua morte ele afirmou de forma contundente:
“Eu sempre pensei em suicídio. E acho que a vida é uma besteira”. Ao fato de não ser possível compreender como alguém tão produtivo como ele podia ter a idéia de morte tão constante em sua vida, Bernardo se tornava mais frio ainda na resposta: “É porque você é colocado contra a parede: ou você morre ou você vive. Há muito preconceito contra a morte, sendo que a morte para mim não é nada. São os minerais que estão organizados em forma orgânica e vital que voltam à natureza. Mas é difícil acabar com a vida. O ser humano é muito duro, é difícil de morrer”.[9]
Um dia, Élis confessou sua vontade de morrer. Revelou que o pensamento suicida o acompanhou ao longo da vida ao ponto de fazê-lo manter, quando jovem, um frasco de veneno no criado-mudo, ao lado da cama. Não queria se enforcar e ficar com aspecto feio depois de morto. A cena da confissão não era tenebrosa, nem o momento era de dor. Parecia mais obra ficcional surgida na mente fértil de um homem cujo ofício era criar imagens e histórias com as palavras.
Dentre os cristãos, Santo Agostinho é o primeiro a delinear e elaborar uma filosofia da história. Para ele, a história teve um princípio e terá um fim que será sucedida por uma eternidade sem volta, o que contrapõe diretamente às teorias cíclicas. O final definitivo da história é uma característica da linearidade. Agostinho mostra que os fatos que acontecem na história não são determinados pelos ciclos e nem por casualidade, mas pela permissão e soberania de Deus, que a conduz para o seu sentido final.
Agostinho, na verdade, constrói sua visão a partir da compreensão bíblica, da qual se tornou aplicado estudante. Ao aprofundar sua compreensão das Escrituras, observou de forma clara sua visão linear, que pode ser descrita em quatro blocos centrais:
CRIAÇÃO
QUEDA
REDENÇÃO
CONSUMAÇÃO
Na visão bíblica, a história segue um rumo determinado por Deus, e não há poder na terra ou no céu que possa se interpor à sua vontade e poder. Deus está no governo, ele se move na história, age na história e é Senhor da história.
Salomão retira o Sagrado da história, ou o admite apenas com uma dimensão deísta como veremos no próximo tópico. O resultado disto é o secularismo, quando o homem ainda que admita a possibilidade de Deus, não crê que ele realmente possa ser partícipante da história ou intervir nela. Quando Deus é relegado a uma dimensão institucional ou meramente decorativa, tudo perde o valor,como o próprio Qoheleth afirma: “Porque fora dele, quem pode beber, comer e alegrar-se?” (Ec 2.25)
A inconsistência da história gera secularismo ou fatalismo. Salomão, perde a dimensão de uma presença sábia e soberana guiando a vida, chegando à conclusão de que “tudo depende do tempo e do acaso” (Ec 9.11). Este mesmo sentimento é expresso na popular música brasileira que diz: “O acaso vai me proteger, enquanto eu andar distraído.” (Titãs) O acaso é uma força impessoal e cega, não é capaz de proteger quem quer que seja e enlouquece aquele que confia no neutro poder da sorte fatalista.
Na inconsistente visão da história, o mesmo acontece aos justos e injustos, assim a história parece não ter coerência, nem aponta para um ser supremo que a rege:
“Assim também vi os peversos reeberem sepultura e entrarem no repouso, ao passo que os que frequentavam o luar santo esquecidos da cidade onde fizerma o bem; também isto é vaidade”
(Ec 8.10)
“Ainda há outra vaidade sobre a terra: justos a quem sucede segundo a obra dos perversos, e perversos a quem sucede segundo as obras dos justos. Digo que também isto é vaidade”
(Ec 8.14)
- Falso conceito de Deus
Uma das coisas mais complexas no livro de Eclesiastes, entretanto, se refere à visão que Salomão desenvolve de Deus. Na medida em que ele vai se distanciando de sua visão torna-se cadavez mais paganizada e confusa. Isto não deveria nos assustar, pois os homens se parecem com seus deuses. Tanto mais o homem se aproxima de deuses falsos, mais deturpada se torna sua visão de Deus.
Salomão distanciou-se do conceito hebraico, do Deus do pacto. Um aspecto exegético interessante neste livro é que ele, em nenhum momento se refere a Deus usando o nome mais sagrado da teologia hebraica: Yahweh. O Deus pessoal, Deus do pacto, Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Ele se refere a Deus sempre como Elohim, um dos nomes hebraicos para Deus, mas que se refere ao Deus criador mas impessoal.
Elohim é plural, embora seja interpretada quase sempre no singular, quando se trata do Deus verdadeiro, criador do Universo. YHWH por outro lado, que é traduzido como ‘SENHOR’ ou ‘Jeová’ é a forma como Deus se revelou a Moisés. Assim ele queria ser conhecido pelo seu povo. “Eu Sou o Que Sou” (Ex 3. 14-15; 6.2-3).
“Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. Moisés escondeu o rosto, porque temeu olhar para Deus... Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós outros. Disse Deus ainda mais a Moisés: Assim dirás aos filhos de Israel: O SENHOR, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me enviou a vós outros; este é o meu nome eternamente, e assim serei lembrado de geração em geração”.
(Ex 3.6; 14-15)
Estritamente falando, YHWH é o único nome de Deus. (Gn 12.8: 13.3-4; 26.25).El, Elohim ou ’Elõah eram nomes comuns, dados a Deus ou a deuses, pelas civilizações antigas. YHWH, por outro lado, não é um mero título, mas significa e expressa a personalidade real daquele a quem pertence. Por isso, Deus deu a Moisés o Seu nome, YHWH, que significa ‘SENHOR’, esta seria sua relação com seu povo.
Como vimos, no hebraico, existem vários nomes para Deus, cada um deles expressa qualidades e caráter de Deus. Por ex. El Shaddai. Significa “Deus Poderoso”. As três termos para considerarmos os nomes de Deus são “El”; “Elohim” e “YHWH”. “El”significa Deus num sentido mais lato, verdadeiro ou falso, ou mesmo uma imagem que é tratada como Deus. (Gn 35.2)
“Elohim”, embora seja o plural da palavra “Elohá”, pode ser tratado como singular, no qual significa a grande e suprema divindade que nossa visão traduz por “Deus”, e transmite a noção de tudo quanto pertence o conceito de “deidade”.
“YHWH”, no hebraico, estritamente falando é único nome de Deus, era o Deus pessoal, o Deus dos patriarcas: Abraão, Isaque e Jacó, ao contrário de Elohim, que apresenta uma dimensão cósmica, mas nunca o Deus dos patriarcas. Isto é sugestivo.
O livro de Eclesiastes é um livro que não emprega a palavra “YHWH”, apenas “Elohim”, que é um Deus criador (deísmo). O nome “YHWH”, Deus do Pacto, não é aqui empregado. O Deus que nos é apresentado é um Deus que “impõe”tarefas e atividades à humanidade (Ec 1.13), Um Deus que vai cobrar isto (Ec 11.9), e a razão de temer este Deus é porque isto é “dever”de todo homem. (Ec 12.13). O trabalho é o instrumento mais comum de Deus para afligir o homem (Ec 1.13, 3.10). Em contrapartida é também um Deus que lhe dá condições para sua alegria (Ec 2.24): comer, beber, e desfrutar o bem de todo o seu trabalho é um dom de Deus (Ec 3.13); estar atento às obras de Deus é importante porque ninguém pode “endireitar” o que ele torceu”(Ec 7.13). Apesar desta afirmação, Deus não é visto como a causa do desatino da humanidade, pois Deus fez o homem reto e ele se meteu em muitas astúcias (Ec 7.29); a despeito de todo emaranhado de contradições que se perpetuam na existência humana, ele tem a impressão de que Deus o abençoa os que fazem o bem, ao passo que o perverso será como sombra por não temer a Deus (Ec 8.12,13)
Por causa da visão limitada de Deus, Salomão constrói uma concepção deísta.
Resumidamente, o deísmo é a aceitação de que o universo foi criado por alguma coisa, uma força, uma inteligência, um Deus, embora não se saiba quem ou o que é o criador. O deísta acredita na criação, embora o criador esteja fora do mundo, não se interessando por nada do que acontece com a humanidade, como os deuses gregos que faziam chacota dos seres humanos. Eles acreditam que deus, a força criadora não interfere no mundo. Portanto, deus seria mais uma força ou energia que alguém personificado.
A diferenciação entre deísmo e teísmo foi primeiramente elabora por Emanuel Kant, na sua “Crítica da razão pura”. Ele afirma que no teísmo, Deus é uma entidade viva, inteligente e interfere no mundo, enquanto o deísmo, compreende que deus é o criador de uma natureza eterna, mas não age em sua criação.
Veja o que Salomão fala de Deus.
“Não te precipites com a tua boca nem o coração se apresse a pronunciar palavra
alguma diante de Deus, porque Deus está nos céus e tu na terra”
(Ec 5.2)
Deus é alguém distante: Ele está nos céus. Nós estamos na terra.
- Ética subordinada ao prazer
Seu pessimismo está também relacionado à compreensão errônea de que não existe juízo, nem absolutos, e por conseguinte, o prazer torna-se a única alternativa humana. “Nada é melhor para o homem que comer, beber e fazer que sua alma goze o bem.” (Ec 2.24)
O livro de Eclesiastes na verdade é um manual epicurista. Isto é compreensível porque aquilo que se crê é aquilo que se pratica. O comportamento humano reflete a comprensão de Deus e da vida. Adoradores de deuses duros e implacáveis transformam-se em seres legalistas; deuses liberais e licenciosos provocam uma moral baixa nos seus adoradores. Em Corinto, havia o culto a Afrodite, deusa do sexo e da fertilidade, e não é de se admirar que havia dentro do templo prostitutas cultuais, que recebiam dinheiro para a prática libertina do sexo, durante este ato de culto pagão. Para saber quais serão as práticas adotadas pelos religiosos, basta estudar o tipo de divindade que veneram. Jesus afirmou que “a sabedoria é justificada por seus filhos”. O que cremos determina o que fazemos.
O que aconteceu a Salomão? A perda da correta compreensão do Deus de Israel o levou a se identificar moralmente com os anseios das divindades pagãs que ele passou a adorar. Por se tornar existencialista, sua ética é epicurista. A ausência de convicções coerentes sobre a vida eterna afetaram diretamente seu comportamento. As mulheres de seu harém demonstravam quanto ele estava longe do Deus de Israel e de sua lei. No Livro de Deuteronômio Deus determina que os reis não deveriam multiplicar para si cavalos (é famosa e lendária o haras que Salomão criou para si), acumular tesouros para si, não podiam voltar ao Egito (ele não apenas voltou mas casou-se com a filha de Faraó), nem deveriam multiplicar mulheres para que seu coração não se desviasse de Deus (Dt 17.16-17). Salomão conseguiu quebrar a lei em todas estas áreas.
Várias vezes vemos Salomão apregoando o epicurismo. Doutrina desenvolvida na Grécia Antiga e baseada nas ideias e pensamentos por Epicuro de Samos (341 a.C.-270 a.C.).que considerava o prazer como o princípio da existência humana. (É bom refletir, que Salomão viveu antes desta data, portanto, se falarmos em alguém que copiou de alguém, podemos pensar que Epicuro copiou de Salomão, e não o contrário). Para Epicuro, a busca pelo bem-estar da mente e do corpo deveria ser o objetivo das pessoas, sendo que a principal característica da filosofia epicurista é a busca da felicidade através dos prazeres sexuais, ainda que fosse recomendada a moderação. Ele defendia o princípio de que tudo que produz prazer é bom, pois satisfaz as necessidades do corpo. O mal é tudo aquilo que provoca dor e sofrimento. A regra básica era: “Comamos e bebamos que amanhã morreremos”. Foi exatamente esta mesma filosofia adotada por Salomão, ainda que ele tivesse nascido antes de Epicuro.
Apesar de todos estes princípios não refletirem o pensamento cristão, o elemento mais perigoso desta filosofia encontra-se na negação da vida após a morte. Salomão chegou à conclusão de que o homem deveria viver da forma mais prazerosa possível durante seu curto período na Terra, porque não há muita certeza sobre a vida eterna. A filosofia de que a única coisa que interessa é o presente é muito atraente, porque ela não leva em conta a prestação de contas diante de um Deus que considera o valor da ética e da moral.
- Relativismo moral
Para adotar a ética epicurista, Salomão subverteu os valores éticos e defendeu o relativismo. Ele chega à equivocada conclusão de que não vale a pena ser justo sempre, e de que para a sobrevivência humana é preciso adotar um estilo mais flexível em relação ao que é certo e errado. Sua recomendação encaixa-se bem na sua visão ao afirmar:“Não sejas demasiadamente justo, nem exageradamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?” (Ec 7.15). Desta forma ele minimiza os valores de Deus. Ele afirma que buscar a justiça e a equidade de forma absoluta pode trazer destruição, então, não seria sábio seguir tudo à risca, porque ser flexível moralmente poderia livrar o ser humano da morte. Então, não seria prudente fazer tudo certo em todo tempo, porque o relativismo eventualmente é saudável.
Sua recomendação encontra eco numa sociedade longe de Deus. Procurar a justiça, a retidão e a verdade todo tempo sempre soa estranho, meio legalista, até mesmo fanatismo. Tolerância é a palavra da ordem, até mesmo quanto ao que é errado. Nada de ser muito justo, nem muito verdadeiro, nem muito reto com as coisas.
Alguns anos atrás um membro da nossa igreja, representante comercial, foi ridicularizado pelo seu chefe por causa de um versículo bíblico que ele colocou no seu computador. “Melhor é o pouco havendo o temor do Senhor, do que grande tesouro onde há inquietação.” (Pv 15.16). Seu chefe lhe disse: “Por isto que você não vai prá frente. Por causa desta mania de fazer tudo certinho.” Você já ouviu alguma coisa parecida?
- Falso conceito de escatologia
Este talvez seja um dos itens mais controvertidos em Eclesiastes. Ele defende a ideia de que não há uma compreensão clara sobre a vida após a morte, nem sobre juízo final, nem sobre eternidade.
Veja algumas considerações que encontramos sobre a vida após a morte:
- O futuro está oculto?
O primeiro texto que analisaremos diz: “Deveras me apliquei a todas estas coisas para claramente entender tido isto: que os justos e os sábios, e os seus feitos estão nas mãos de Deus; e, se é amor ou ódio que está à sua espera, não o sabe o homem. Tudo lhe está oculto no futuro.” (Ec 9.1).
Veja como sua afirmação tem a ver com o pensamento de um compositor existencialista brasileiro:
“O futuro é uma astronave, que devemos pilotar.
Não tem tem tempo, nem piedade, nem tem hora de chegar.
Sem pedir licença muda nossa vida e depois convida a rir ou chorar.
Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá.
O fim dela inguém sabe bem ao certo, onde vai dar.”
(Toquinho)
Para onde caminha a raça humana? O que acontecerá depois da morte? O que podemos esperar da vida futura? Existe alguma coisa depois desta existência rápida e transitória sobre a terra?
Salomão afirma que nada sabemos. Não sabemos sobre o que nos espera, nem o que acontecerá. Tudo está oculto no futuro. Partimos para a eternidade com alguns pressupostos mas nenhuma certeza. Todos temos concepções, mas tudo está oculto no futuro. Ninguém pode ter certeza de nada. Temos diante de nós um universo de perguntas, mas nada que dê solidez ou segurança.
Seria este o pensamento bíblico sobre a vida eterna? Os santos homens de Deus tiveram esta compreensão? Esta é a cosmovisão bíblica? Este é o pensamento da igreja primitiva? O que Jesus ensina sobre a eternidade?
Os ensinamentos de Cristo não permitem qualquer dubiedade sobre o assunto: “Não se turbe o vosso coração, credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não assim fora, eu vo-lo teria dito, pois vou preparar-vos lugar.” (Jo 16.1-3).
Paulo afirma: “Não queremos irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que dormem, para não vos entristecerdes como os demais” (1 Ts 4.13).
Poderíamos ainda, citar dezenas de outros textos bíblicos que nos falam com absoluta clareza sobre a vida eterna. Pelas Escrituras Sagradas sabemos que “nada está oculto no futuro”. Tudo já nos foi relevado pela Palavra de Deus. Nenhuma insegurança, nenhum dúvida, nenhuma oscilação.
- Justos e perversos indiferenciados?
Salomão ainda dá a entender que por causa da falta de certeza, justos e perversos estão na mesma condição e não há qualquer distinção entre um e outro:
“Tudo sucede igualmente a todos: o mesmo sucede ao justo e ao perverso; ao bom e ao puro; ao que sacrifica e o que não sacrifica; ao bom como ao pecador; ao que jura como ao que teme o juramento.” (Ec 9.2)
Podemos inferir que Salomão estivesse olhando a perspectiva do ponto de vista humano, já que a frase “debaixo do sol’, acontece 29 vezes em Eclesiastes. Certamente esta interpretação pode ser aplicada ao texto. Contudo, a forma como surge a narrativa literária e gramatical, parece abrir a possibilidade de que Salomão estivesse realmente afirmando que é tudo igual, para justo e injusto. Não há juízo, não há justiça, não há algo que dê coerência às contradições da vida.
Sem a iluminação do Espírto de Deus, a mente humana, pode admitir que esta é a realidade, mas Deus censura o seu povo em muitos textos e através do profeta Malaquias, por causa destas afirmações. O que as pessoas disseram se tornaram graves e duras afirmações contra Deus. O que o povo disse? Que era inútil servir a Deus, que os soberbos e os que cometem impiedade tentam ao Senhor e escapam. O que Deus então diz ao povo?
“Então vereis outra vez a diferença entre o justo e o perverso,
entre o que serve a Deus e não o serve.”
(Ml 3.18)
Deus rejeita e censura o seu povo por pensar desta maneira.
A Bíblia ensina claramente que Deus fará diferença, que Ele julgará a impiedade e a perversão (Rm 1.18). Embora muitas vezes possuem a falsa concepção de que não há juízo moral e que o universo não é regido pelo juízo de Deus, não é isto que nos ensina a Palavra de Deus.
- Só há esperança para os vivos?
Outra declaração estranha feita neste livro é a seguinte: “Para aquele que está entre vivos há esperança; porque mais vale um cão vivo do que um leão morto. Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa alguma, nem tampouco terão eles recompensa, porque a sua memória jaz no esquecimento.” (Ec 9.4)
Esta frase é assustadora. Não há esperança para aqueles que morrem? Pelo contrário. Pedro fala da viva esperança que temos por meio de Cristo. “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo entre os mortos.” (1 Pe 1.3). A Bíblia não nos fala de uma esperança morta, mas de uma esperança viva. Afirma que por meio de Cristo, nossa esperança permanece viva.
Há uma grande esperança para todos aqueles que confiam no Senhor. O texto de Eclesiastes afirma que “os mortos não sabem coisa alguma, nem tampouco terão eles recompensa.” Precisamos refletir sobre tais afirmações. O que elas querem dizer? Que entramos no esquecimento e desmemoriação? A eternidade, se existe é uma memória extinta? Este conceito não parece mais próximo do aniquilacionismo que do cristianismo?
E o que pensar sobre a ausência de recompensa na eternidade? Há alguma recompensa para os mortos ou apenas o silêncio e o nada? Nada mais que o absoluto e trágico esquecimento e silêncio? Não é isto que Paulo afirma, nem é esta a cosmovisão cristã da escatologia.
- Não há projetos no além?
“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além, para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.” (Ec 9.10)
Quando lemos este texto, temos a impressão de que nada podemos esperar quando pensamos na eternidade. Tudo na vida se reduz ao momento que vivemos. A vida se reduz ao agora. Nenhuma esperança. Nenhuma expectativa.
Não é isto que vemos no pensamento judaico cristão.
Quando Abraão morreu a Palavra de Deus registra o seguinte: “Expirou Abraão; morreu em ditosa velhice, avançado em anos; e foi reunido ao seu povo.” (Gn 25.8) O texto não fala de desencanto e esquecimento no porvir, mas de esperança e celebração. Abraão vai se reunir ao seu povo. Veja o que diz o autor aos hebreus:
“Mas tendes chegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a incontáveis hostes de anjos, e à universal assembleia e igreja dos primogênitos arrolados nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados.” (Hb 12.22-23) A linguagem escatológica deste texto não deixa dúvidas sobre a grande realidade daquilo que podemos esperar após a morte. Não estamos destinados a um lugar de esquecimento, sem projetos ou sabedoria alguma, mas para estarmos diante do trono do Deus vivo.
Embora não tenhamos uma ideia muito claro de como será a vida nos céus, certamente na presença de Deus, viveremos para sempre adorando o nome do Senhor Jesus, como nos descreve o livro de Apocalipse.
“Depois destas coisas, vi, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e clamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação. Todos os anjos estavam de pé rodeando o trono, os anciãos e os quatro seres viventes, e ante o trono se prostraram sobre o seu rosto, e adoraram a Deus, dizendo: Amém! O louvor, e a glória, e a sabedoria, e as ações de graças, e a honra, e o poder, e a força sejam ao nosso Deus, pelos séculos dos séculos. Amém!” (Ap 7.9-12)
Certamente não teremos um projeto individual na eternidade, mas estaremos participando do grande projeto de Deus preparado para todos aqueles que o amam. “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda.” (2 Tm 4.7-8)
O livro de Apocalipse descreve pessoas de todas as línguas, povos e raças, reunidas em adoração na presença de Deus, cultuando e louvando ao Senhor e ao Cordeiro que foi morto. Nos céus, os remidos estarão na presença de Deus, adorando-o e exaltando-o. Existe, porventura, algum projeto maior do que este?
- Esperança depois da morte?
“Para aquele que está entre os vivos há esperança; porque mais vale um cão vivo do que um leão morto. Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco terão eles recompensa, porque a sua memória jaz no esquecimento.” (Ec 9.4,5)
O autor de Eclesiastes parece desenvolver a ideia secular de que não há vida depois da morte e por isto, nada podemos esperar depois desta vida. Os céticos e materialistas, defendem exatamente este ponto de vista afirmando que não há vida após a morte. Os agnósticos afirmam que a existência de Deus, fenômenos sobrenaturais assim como a existência da alma ou a vida após a morte são inverificáveis, e portanto, permanecerão desconhecidos. Em Eclesiastes lemos: “Quem pode declarar ao homem o que será depois dele debaixo do sol?” (Ec 6.12)
O conceito materialista de que a vida é apenas um ajuntamento de moléculas, nada mais que matéria, sem transcendência, é absolutamente anti cristão. Este pensamento contrapõe-se à visão dos que creem, de que existe um reino ou uma realidade após a morte, ainda que as interpretações sejam distintas quanto a este assunto.
Quando se trata da vida após a morte, temos várias interpretações religiosas e pagãs. O
aniquilacionismo, é uma destas crenças que afirma que a alma dos ímpios e incrédulos morre no momento da morte do corpo, negando o conceito de vida eterna, professado pelo cristianismo, especialmente a ideia de céu e do inferno.
Pensamento escatológico Judaico
No judaísmo, havia o conceito do sheol, lugar dos mortos. Mas a ideia da ressurreição se encontra presente em alguns textos. Ela é mencionada na Torah: “Eu faço morrer e faço viver” (Dt 32.39). No livro de Jó: Porque eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra. Depois, revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o verão, e não outros; de saudade me desfalece o coração dentro de mim.” (Jó 19.25-27) Em Isaías: “Os vossos mortos e também o meu cadáver viverão e ressuscitarão; despertai e exultai, os que habitais no pó, porque o teu orvalho, ó Deus, será como o orvalho de vida, e a terra dará à luz os seus mortos.” (Is 26.19), e é claramente expresso em Daniel: “Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno.” (Dn 12.2)
Pensamento cristão
A visão bíblica é carregada de esperança na vida porvir. Vida eterna é um conceito muito claro. Não há dúvida alguma nos ensinamentos de Jesus e seus discípulos. Ambos, justos e ímpios serão ressuscitados.
Jesus afirmou:
“E irão estes para o castigo eterno, porém os justos, para a vida eterna.” (Mt 25.46)
“Então, lhes acrescentou Jesus: Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento; mas os que são havidos por dignos de alcançar a era vindoura e a ressurreição dentre os mortos não casam, nem se dão em casamento. Pois não podem mais morrer, porque são iguais aos anjos e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição. E que os mortos hão de ressuscitar, Moisés o indicou no trecho referente à sarça, quando chama ao Senhor Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. Ora, Deus não é Deus de mortos, e sim de vivos; porque para ele todos vivem.” (Lc 20.34-38)
“Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo.” (Jo 5.28-29).
Jesus nunca deixou seus discípulos em suspense quanto à eternidade.
“Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também.” (Jo 14.1-3)
Este também é o o pensamento apostólico:
“Mas a nossa pátria está nos céus, donde também aguardamos um Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o corpo da nossa humilhação, para ser conforme ao corpo da sua glória, segundo o seu eficaz poder de até sujeitar a si todas as coisas.” (Fp 3.20-21)
“Porque o Senhor mesmo descerá do céu com grande brado, à voz do arcanjo, ao som da trombeta de Deus, e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos seremos arrebatados juntamente com eles, nas nuvens, ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor.” (1 Ts 4.16-17)
A Bíblia fala não apenas do destino dos justos, mas descreve ainda o destino dos ímpios:
“Mas, quanto aos medrosos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas, e aos adúlteros, e aos feiticeiros, e aos idólatras, e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago ardente de fogo e enxofre, que é a segunda morte.” (Ap 21.8)
O conceito de céu é fora do alcance da nossa compreensão, apesar da limitação que temos em apreender todas estas realidades espirituais no sentido mais profundo. “Mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam, mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus.” (1 Co 2.9-10),
O mistério envolvido na vida após a morte não pode tirar de nós a esperança e a certeza do que nos acontecerá depois da morte, como claramente vemos na Palavra de Deus. “Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que dormem, para não vos entristecerdes como os demais, que não têm esperança. Pois, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, em sua companhia, os que dormem.” (1 Ts 4.13-14)
Nas religiões pagãs a ideia da reencarnação, foi defendida pelo confucionismo e popularizada no ocidente pelo espiritismo e nas doutrinas de Allan Kardec, que afirma a multiplicidade de mortes para a mesma pessoa no seu processo de purificação moral e espiritual. A Bíblia entretanto afirma que “ao homem está destinado morrer uma só vez, vindo depois disto, o juízo.” (Hb 9.27) Não existem várias mortes. A palavra reencarnação sequer aparece na Bíblia. Em contrapartida, a ideia da ressurreição, de que nosso corpo será transformado e glorificado é amplamente presente nas páginas das Escrituras Sagradas, no Antigo e Novo Testamentos.
Para o pensamento secular, a morte é o fim de todo projeto. Apaga-se a vida. Não existe nada depois da morte. Surpreendentemente, podemos encontrar alguns textos de Eclesiastes, que embora não neguem explicitamente, colocam em dúvida a certeza da esperança eterna. Veja quantas vezes esta ideia parece presente: Ec 6.6,12; 7.14; 8.10; 9.2-3; 9.10; 9.2)
Conclusão
Quando vemos tais conceitos num livro sagrado, temos a tendência de acreditar que este livro não é um inspirado e teria sido equivocadamente colocado na Bíblia, ou que a Palavra de Deus possui contradições. Por esta razão, é que o Pr. Ari Veloso afirmava que ou ensinamos Eclesiastes para a igreja, ou o diabo vai ensinar. Curiosamente, boa parte da fundamentação escatológica dos Testemunhas de Jeová, consideradas heréticas pelo cristianismo bíblico, encontram seu fundamento neste livro.
Sendo Eclesiastes um livro tão ambíguo, por que ele encontra-se no cânon?
- Antes de mais nada, por ser um livro que nos desafia a refletir sobre a maneira como o homem sem Deus vive e pensa, isto se torna muito marcante diante do positivismo e existencialismo do nosso século.
- Porque embora não traduzindo o pensamento de Deus, mas sim o do homem debaixo do sol, abre-nos uma porta para anunciarmos o Evangelho pelo sentimento mais avassalador do homem de hoje: “O vazio”.
- Porque Eclesiastes é um livro que precisa ser estudado pelos cristãos para que não seja exposto por liberais e por heresias como o arianismo (testemunha de Jeová), e filosofias como o hedonismo e o epicurismo;
- Acima de tudo, entretanto, devemos considerar sua importância e canonicidade, porque “toda Escritura é inspirada por Deus” (2 Tm 3.16)
Precisamos resgatar a pista hermenêutica essencial: Eclesiastes é um livro inspirado por Deus, mas que não traduz o pensamento de Deus, e sim o pensamento secular. Então, temos que responder a pergunta hermenêutica: Por que este livro encontra-se nas Escrituras Sagradas? Por que ele faz parte dos livros canónicos?
A resposta a esta pergunta só pode ser:
Deus deseja que seu povo entenda o profundo vazio que o homem encontra quando se distancia dele. Salomão era um homem piedoso, com grande temor de Deus, mas lamentavelmente perdeu a intimidade com Deus e caiu neste vazio existencial.
Esta é a triste realidade de todos quantos se afastam de Deus. A comunhão com Deus gera esperança e profundas convicções eternas; o afastamento de Deus gera desespero, cinismo, descrença e vazio.
O próprio Salomão entende o risco de uma vida que não considera Deus. Ele próprio relata sua angústia, cinismo e desesperança neste livro, ainda que entenda que “separado de Deus, como o homem pode alegrar-se.” (Ec 2.24) A sensação que temos neste livro autobiográfico é que, lamentavelmente, sua alma encontrava-se tão longe de Deus que apesar de ter determinadas convicções teológicas, suas convicções não penetravam no seu coração de forma eficiente, a ponto de livrá-lo do vazio e desesperança.
A promessa de Cristo é um poderoso antídoto contra a dor deste vazio. Ele afirma de forma convincente: “Não se turbe o vosso coração, credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas.” (Jo 14.1)
Para assistir aos videos desta palestra (são dois), click no link
palestra 1:
https://www.youtube.com/watch?v=2VaOnaddtMw&t=1261s
Palestra 2:
https://www.youtube.com/watch?v=xhNGch13WQE&t=796s
Se quiser ler sobre o primeiro artigo sobre o desafio hermenêutico de Eclesiastes, acesse:
https://revsamucasermoes.blogspot.com/2022/01/eclesiastes-bussola-hermeneutica.html
Bom dia Pastor Samuel... que texto primoroso. Jesus continua abençoando sua vida.
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