sexta-feira, 4 de março de 2022

At 20.35; Gl 2.10 O Desafio Diaconal da Igreja



 



 

 

 

 

Introdução

 

O terceiro desafio que gostaria de apresentar é o desafio diaconal da igreja. Já vimos dois desafios anteriormente: O desafio da oração (leitourgois), e o desafio da pregação (kerigma). Agora estudaremos o desafio da igreja em se tornar uma comunidade de cuidado e serviço (diakonia).

 

Os dois textos escolhidos nos ajudam a refletir sobre isto. Um deles é uma palavra de Paulo dirigida aos presbíteros de Éfeso. Ele conclui dizendo: “Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é mister socorrer os necessitados e recordar as palavras do próprio Senhor Jesus: Mais bem-aventurado é dar que receber.” (At 20.35)

 

A última exortação de Paulo, quando estava se despedindo da liderança, num clima de muita emoção, foi: “É preciso socorrer os necessitados.” A igreja não pode se esquecer desta grande responsabilidade  com os carentes de toda sorte de recursos. A igreja pode se tornar elitista e distanciada e nada pode ser mais anti evangélico que o descaso da igreja pelos pobres, principalmente quando consideramos a dramática realidade de um país como o nosso, onde a pobreza é tão agressiva e desumana.

 

No segundo texto, Paulo se lembra de que, ao ser enviado como missionário, ele recebeu a recomendação daqueles que eram colunas da igreja para que pregasse o evangelho, mas que se lembrasse dos pobres. Veja o que ele diz sobre isto: “o que também me esforcei por fazer” diz Paulo (Gl 2.10).

 

Toda igreja que se considera cristã, inserida numa realidade socialmente tão brutal como a nossa terá que expressar sensibilidade para com a questão do miserável, dos sem-terra, sem emprego, sem teto, sem estudos, etc.

 

Por que a Ação diaconal é importante?

 

  1. Porque o Evangelho enfatiza isto
    1. A Igreja Primitiva mudou sua forma de governo, de apostólica para diaconal, para resolver o problema dos pobres na comunidade

 

    1. Todos os obreiros deviam estar atento ao cuidado com os pobres. A recomendação foi dada pelos apóstolos e estava relacionada à missão. (Gl 2.10)

 

    1. A Lei do Antigo Testamento era muito zelosa quanto ao cuidado com os necessitados. (Dt 15)

 

  1. Porque a ação diaconal minimiza o sofrimento humano. A pobreza rouba a dignidade, e a miséria avilta o ser humano. A ação diaconal é necessária porque se identifica com o coração de Deus que é bom e gracioso com o que sofre.

 

  1. Porque a ação de serviço nos humaniza – A ação diaconal não apenas é mandamento de Deus, e minimiza o sofrimento humano, mas tem o poder de nos tornar humanos. Pessoas distanciadas da pobreza se tornam arrogantes e insensíveis, e isto não se coaduna com a ética bíblica.

 

  1. Porque glorifica a Deus – Tudo aquilo que torna o ser humano inferior e o massacra, fere o coração de Deus. Precisamos louvar a Deus através das boas obras que ele, de antemão preparou para que andássemos nelas (Ef 2.10), e dentre estas boas obras, podemos pensar no socorro ao necessitado e aflito. Deus é glorificado quando o seu povo defende a causa do órfão e da viúva.

 

Então, resumindo diria. Devemos cuidar dos pobres:

ü  Primeiro, porque Deus nos ordena cuidar dos pobres.

ü  Segundo, porque a pobreza machuca, fere, traz sofrimento e carência

ü  Terceiro, por causa de nós mesmos. Precisamos resgatar nossa humanidade e o fato de nos relacionarmos com pessoas crentes nos ajuda a ter sensibilidade e resgata nossa humanidade. A melhor coisa que podemos fazer com nossos filhos, burgueses e exigentes como são, é enviá-los para viagem missionárias, nas quais poderão conviver com pessoas simples e aprender a ver um outro estilo de vida.

 

No trabalho de evangelização Jesus colocava como tarefas inseparáveis a proclamação e a humanização. Pregação era sempre algo acompanhado de suas obras e sinais:

 

a.      Sua mensagem relacionava pregação e libertação -  (Mt 4.23,24; Lc  4.18,19)

 

b.      Sua orientação aos doze foi voltada para "pregação e cura"-  (Mt 10.7,8)

 

c.      Na orientação aos setenta deu dupla tarefa: "curai e anunciai" -  (Lc 10.9).

 

Podemos afirmar que Jesus evangelizava humanizando e humanizava evangelizando. Por esta razão João Dias de Araújo aponta para quatro distorções históricas no discurso da Igreja:

 

a. Pregar sem humanizar - Ênfase apenas na pregação sem se preocupar com o bem estar físico das pessoas.

 

b. Humanizar sem pregar - Ênfase no Evangelho social, sem se preocupar com a salvação eterna das pessoas.

 

c. Pregar primeiro, se der tempo, humanizar.

 

d. Humanizar primeiro, se der tempo, pregar.

 

Um dos desvios teológicos mais graves é o que reduz o homem a um ser incorpóreo. Fala-se muito em "salvação de alma" como se o ser humano pudesse ser secionado, dividido. Jesus não salvava almas, sua mensagem era para o homem todo e todo o homem.  Até bem pouco tempo, a mensagem cristã estava muito voltada para a questão do destino final do homem, sobre como se preparar para o morrer, mas hoje também se pergunta muito sobre o viver. A nossa hermenêutica tem que buscar resposta para o mundo atual, ou a igreja corre o risco de ficar refletindo sobre a vida futura, mas sem nenhuma relevância para os tempos atuais.

 

Stott afirma que "pessoas rejeitam o cristianismo não porque o consideram falso, mas porque não é relevante para eles".[1] Schaeffer afirma algo similar ao comentar: "Temos sido absolutamente tolos ao nos concentrar apenas em pedaços e partes, e declaramos nosso fracasso completo em enfrentar a visão total do mundo que está arraigada numa visão falsa da realidade"[2]

 

O igreja evangélica brasileira possui uma história de passividade, fundamentada na teologia pietista e na escatologia pré milenista, desembocando num escapismo histórico. A Igreja, com seu ardor missionário, sem perceber, pode perder a dimensão da humanidade, e deixar de cuidar dos necessitados. Deus quer preparar-nos para viver e não apenas para morrer. A história do cristianismo mostra como a igreja, corajosamente tomou posição acerca de assuntos difíceis, por causa da compreensão do ministério de Cristo. Quando consideramos Jesus, nosso modelo, entendemos que ele, não apenas pregava o evangelho eterno, mas ele estava preocupado em curar, libertar e resgatar pessoas dominadas por sistemas malignos e pela opressão do diabo que também gera tanto sofrimento.

 

A perda do conceito mais abrangente do Evangelho, traz atitudes éticas deletérias, e uma das suas consequências mais visíveis é a perda da crítica histórica. Conceitos como pecado, Deus e homem, tornaram-se muito estreitos e restritivos. Pecado não pode ser visto apenas como algo individual, mas assume também uma forma sistêmica e coletiva. A Igreja deve perceber a história como Cristo, que a via carregada de ações demoníacas nas suas manifestações temporais.

 

A Igreja não pode ser ingênua, acreditando que questões como o subdesenvolvimento, a miséria, fome, saúde, segurança, bem estar social não são temas "espirituais". Pecados coletivos como os de Sodoma e Nínive, clamaram até os céus. Deus viu a opressão do Egito sobre seu povo. Deus não ouve apenas as orações, mas ele ouve também a maldade e perversão social de uma cultura, estas coisas também clamam até os céus.

 

O Congresso de Lausanne, fez uma tentativa profunda de restaurar este elemento perdido:

 

"É alarmante o fato de que cerca de 800 milhões de pessoas,

ou seja, 1/5 da raça humana são desamparadas e não tem as condições

básicas para sobreviver, e que milhares delas morrem de fome

todos os dias...condenadas a levar uma existência miserável, sem

oportunidade de emprego e educação" [3]

 

Ainda hoje, a Igreja continua a sustentar afirmações a-críticas como: "A pobreza é da vontade de Deus", cita textos que defendem a dor e alienação de milhares de brasileiros como: "Os pobres sempre tendes convosco", sem analisar o contexto e ler os versículos na sua inteireza (Dt 15.11). O mesmo texto que diz: “Nunca deixará de haver pobres na terra”, afirma também: “Por isto te ordeno: livremente abrirás a mão para teu irmão, para o necessitado, para o pobre na terra” (Dt 15.11) e fala também do projeto de Deus para seu povo: "Para que, entre ti não haja pobre, pois o Senhor teu Deus, te abençoará abundantemente na terra que te dá por herança a possuíres." (Dt 15.4) Pobreza não é decreto de Deus, desejo de Deus, nem determinismo dos céus. A miséria não faz parte do projeto de Deus para a humanidade. A riqueza, sendo bem distribuída, dá ampla suficiência e recursos para todos.

 

Gardner demonstra com muita propriedade, que a responsabilidade do homem por todas as áreas de sua vida pessoal e social está implícita no monoteísmo hebraico-cristão. Deus é um Deus justo que exige justiça de seus seguidores.[4]

 

A igreja não pode perder sua dimensão diaconal. Ela precisa ter um olhar de misericórdia para a cidade. Dar sinais da graça e cuidado entre os que sofrem. Ver-se como uma agência de misericórdia para os grupos vulneráveis. A igreja precisa produzir frutos de misericórdia, e como consequência, observar aqueles que precisam ser assistidos. Precisamos aprender a cuidar dos que sofrem, não esporadicamente, mas de forma mais concisa e constante. Na verdade podemos e devemos plantar ministérios de misericórdia e diakonia através e dos vários projetos da igreja, organizando e motivando grupos missionários, criando programas criativos e ousados para socorrer os que padecem, tendo um olhar de compaixão para a cidade.

 

Uma das principais razões porque as igrejas não desenvolvem ministérios efetivos de diakonia é a indiferença e o individualismo. Precisamos ver as dimensões sociais do evangelho, desenvolver ministérios de socorro, lutar pelas transformações sociais e justiça no mundo, expandir a missão, construir e manter projetos sociais, aprender a planejar e a coordenar ações diaconais bem elaboradas. Infelizmente a igreja tem muito material humano disponível para o trabalho, mas utiliza pouco da criatividade e tem pouco preparo de seus membros em áreas sociais.

 

As cidades possuem graves e sérios desafios sociais. Existe carência de afetos, de comida, de valores. Uma igreja estabelecida na cidade precisa considerar seriamente qual a implicação de ser sal e luz para uma realidade tão dolorida e desafiadora quanto esta.

 

Uma das coisas que me tem desafiado é a necessidade de termos uma metodologia e uma sociologia mais elaborada. A ação diaconal da igreja é muito amadora, e não possui uma visão e métodos modernos com instrumental sociológico e científico. Na maioria das vezes as ações são apenas assistencialistas. Apenas socorre as necessidades emergenciais que surgem, sem uma estratégia ou plano elaborado que leve em conta os maiores desafios que urbanização exige de nós. Então, quando alguém precisa de uma cesta básica, de uma passagem, de um remédio, a igreja assiste e socorre, mas não há uma estratégia mais ampla e profunda.

 

Pensando nisto, elaborei o que entendo ser Os Grandes Desafios diaconais para o Século XXI - Buscando uma metodologia para um mundo em transformação:

 

  1. Desafio do ser sobre o fazer
    1. Presbíteros: Quando Paulo escreve aos líderes da igreja em 1 Tm 3, ele fala de 16 características sobre o ser  e apenas duas sobre o fazer: (Apto para ensinar e hospitaleiro). Alguns ainda acham que a educação dos filhos deve ser encaixado também nas ações que se espera do presbítero.

 

    1. Diáconos: No caso dos diáconos, a Bíblia fala de 12 ações sobre o ser e apenas uma sobre o fazer.

 

    1. Isto demonstra que Deus está mais interessado em quem somos do que no que fazemos. Para Deus não interessa muito o que você faz, mas porque e como você faz. Conta o caráter e não apenas a ação. É a vitória do ser sobre o fazer.

 

  1. Desafio da ênfase meramente institucional para um olhar mais amplo para a sociedade, desenvolvendo uma visão mais ampla de serviço.

 

    1. Não apenas ser para a igreja, mas ser para o mundo. Quando colocamos juntos os textos bíblicos sobre o cuidado diaconal da igreja, há uma clara hierarquia de cuidados.

 

                                               i.     Cuidado com sua casa – “Se alguém não cuida dos seus, especialmente dos de sua própria casa, tem negado a fé”(1 Tm 5.18). Discípulos de Cristo devem cuidar de sua casa. Isto inclui atenção aos pais idosos, aos filhos e aos irmãos.

 

                                             ii.     Cuidado com os domésticos da fé – Então, enquanto temos oportunidade, façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé.” (Gl 6.10). A proteção e cuidado com os membros da igreja deve ocupar a agenda da igreja. É importante que nenhum membro da comunidade passe necessidades e tenha aquilo que é essencial para viver dignamente.

 

                                            iii.     Cuidado com todos, incluindo os de fora da igreja (Gl 2.10; 6.10). A ordem dada no primeiro versículo de cuidar dos pobres, não se limita à igreja, mas a todos. Onde houver aflição, pessoas vulneráveis, precisando de cuidado e proteção, a igreja deve participar. Portanto, não apenas aos domésticos da fé, mas a toda sociedade. Não apenas aos departamentos da igreja, mas à cidade.

 

Das atribuições dos diáconos:

A Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, coloca, entre outras atribuições, as seguintes tarefas:

    1. arrecadação de ofertas para fins piedosos

 

    1. cuidado dos pobres, doentes e inválidos

 

    1. manutenção da ordem do culto

 

    1. exercer fiscalização para boa ordem na casa de Deus e suas dependências. 

 

  1. Desafio do assistencialismo ao empoderamento

 

O grande desafio quando lidamos com as classes sociais menos favorecidas é o fato de que a estrutura social tende a retirar dos pobres, a capacidade de serem agentes da história, pessoas que participam da construção social e não meramente pessoas que precisam socorro, como se fossem incapacitados ou tivessem um retardo mental.

 

O problema do assistencialismo é o risco de criar relações de dependência, como se não as pessoas assistidas não fossem capazes de produzir e ter sua própria independência. Veja a percepção de Luiz Gonzaga, um homem que lia como poucos, a realidade do sertanejo nordestino, carente e necessitado:

 

Vozes da Seca

Luiz Gonzaga

 

Seu doutô os nordestino têm muita gratidão

Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão

Mas doutô uma esmola a um homem qui é são

Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão

 

É certo que não devemos dar o peixe, mas ensinar a pescar. Mas esta frase em si é também perigosa. Muitas vezes a pessoa não tem condições de pescar porque está doente, ou subnutrida, ou porque não tem as ferramentas certas: Não tem anzol nem linha, não sabe arremessar o anzol, não tem barco para pescar e não tem acesso ao rio. Nestes casos, não basta ensinar a pescar, é preciso dar acesso a esta pessoa a este lugar no qual ela será capaz de pegar o peixe.

 

A atitude equivocada de dar aos pobres, mantendo-os na condição de dependência, pode dar ideia de que existe uma incapacidade intelectual entre aqueles que são pobres. Por isto temos o grande desafio de empoderar classes sociais desprivilegiadas, e não mantê-las na condição de dependência. Este é um grande desafio teológico, eclesial e sociológico.

 

  1. Desafio do específico para o abrangente

 

O último desafio para a ação diaconal mais efetiva é ampliar a visão diaconal para além das tarefas comezinhas e ordinárias que os diáconos eventualmente cumprem. A atividade diaconal na igreja é fundamental para o bom funcionamento do culto, para o cuidado assistencial com as pessoas, para manter a ordem e os programas comunitárias, mas gostaria de convidar os diáconos a repensarem sua agenda, com uma visão mais ampla da sua vocação. Este é o desafio missionária que se requer da igreja.

 

É fácil perceber como os diáconos do Novo Testamento foram sensíveis a esta questão. Em Atos 6, foi instituída a primeira Junta Diaconal da igreja de Cristo. num processo de eleição e ordenação. Sete homens, todos gregos, já que a reclamação da comunidade era que as viúvas helenistas estavam sendo discriminadas. Para acabar com a suspeição e evitar o atrito, elegeram apenas homens que não eram judeus. Todos eles eram gentios.

 

Qual foi a função designada? Cuidar das mesas. Garantir que ninguém seria excluído da distribuição do pão e todas as pessoas teriam sustento. Mas quando a igreja se dispersa em Atos 8, e Filipe vai para a Samaria, apesar de ser diácono, ele assume a função de evangelista. Vemos Filipe exercendo funções que não eram de sua responsabilidade em Jerusalém. A situação mudou, o contexto mudou – e a abordagem de Filipe também mudou.

 

Isto me leva a considerar que os diáconos precisam entender sua função estrita de forma clara. Cuidar dos grupos vulneráveis que circundam a dinâmica da igreja. Mas precisam também perceber seu trabalho não pode se restringir a esta função. Havendo necessidade, precisarão ampliar a compreensão de seus dons e se tornarem disponíveis para o reino de Deus em outras áreas. Desta forma saem do específico, ou restrito (cuidar das mesas), e constroem uma visão mais abrangente de seu chamado (se há necessidade de evangelismo, estarão ai presentes).

 

Há muita dor na cidade, muitas necessidades, muita exploração, violência, desamparo, solidão, carência de habitação, saúde, educação, comida. A ação diaconal da igreja, que não se restringe apenas a um grupo eleito e designado para esta funcao, torna-se um canal maravilhoso de Deus para a sociedade. As boas obras são fundamentais para a cidade. Jesus ensinou que boas obras são transformam-se num poderoso testemunho do evangelho aos incrédulos. “Assim brilhe também a vossa luz, para que vendo as vossas boas obras, glorifiquem a vosso Pai que está nos céus”. (Mt 5.16) Boas obras levam os homens a glorificarem a Deus. O cuidado com os necessitados é uma das formas de expressarmos o amor de Deus ao mundo. A igreja é o corpo de Cristo: suas mãos, pés, braços, que devem ser estendidos para alcançar as pessoas.

 

E como o mundo está atento as ações praticadas pela igreja. Será que já nos perguntamos “como a cidade vê a igreja?” Eles falariam de nós como pessoas amorosas, acolhedoras e generosas, ou uma comunidade distante e insensível?  Uma ação diaconia efetiva muda a percepção sobre a igreja e sobre o Deus que pregamos.

 

Linthicum relata uma comovente experiência que teve no seu pastorado em Chicago, entre 1969-1975.

 

“Havia um homem por volta dos quarenta anos que era mentalmente retardado. Jack não era brilhante, mas ele era sincero e diligente. O compromisso de Jack com Cristo sempre me impressionava. Ele não podia entender muito acerca do evangelho, mas o que lhe faltava em compreensão sobrava em diligência.

 

Todo domingo, quando Jack saia do culto, ele e eu passávamos pelo mesmo ritual. Como pastor da igreja, eu estava à porta saudando as pessoas. Quando Jack se aproximava, ele sempre dizia que não podeira ficar para nossa hora de confraternização. Eu lhe pedia que ficasse, mas sua resposta era sempre a mesma. “não posso querido” (ele chamava a todos de “querido”). “tenho que fazer minhas entregas.”

 

Essas entregas eram o meio de vida de Jack. Sete dias por semana, cinquentas e duas semanas por ano, Jack fazia entrega de remédios e outros artigos para uma farmácia local. Com bom ou mau tempo, com muito ou pouco tráfego, pela manhã ou à noite, Jack podia ser visto pedalando sua bicicleta vagarosa, mas fielmente, fazendo suas entregas. Numa comunidade com a taxa de criminalidade elevando-se, somente Jack tinha acesso à maioria dos prédios de apartamento. Numa vizinhança onde as pessoas temiam desesperadamente umas às outras, somente Jack eram bem-vindo em cada lar.

 

Em 1983, oito anos apos eu deixar a  igreja de Chicago, para pastorear em Detroit, recebi uma carta de minha mãe, que ainda morava lá. De dentro dela caiu um recorte de jornal. Apanhei-o e comecei a ler. Para minha surpresa era um artigo sobre Jack. Eu não estava preparado para a notícia. Deixe-me compartilhar parte do artigo com você.

...

Toda a vez que eu me sentia doente e desanimada”, disse a senhora Vera Wombwell, “Jack trazia o remédio e eu me sentia animada. Ele era um homenzinho maravilhoso. Ele vinha apanhar minha receita e ia à farmácia, na sua bicicleta, e me trazia os remédios mesmo em noites frias e chuvosas.

Ele dizia: “querida, como se sente agora? Você já parece melhor”. Então ele dava meia volta e dizia que já precisava ir. Ele precisava fazer seu trabalho.

 

Jack era um bom rapaz”, dizia minha mãe, chorando sem seu apartamento. Ele amava seu trabalho. Significava muito para ele. Ele gostava de andar de bicicleta e de estar na rua.

... ele nunca ficou doente e nunca reclamou do frio. Ele andava pelas ruas geladas, no tráfego pesado e em tempestades e nunca se machucou. Por que isto aconteceu agora? Num dia de sol, numa rua sem tráfego?

 

Talvez o motorista do carro que saiu em alta velocidade da ruela não tivesse visto Jack, vagarosamente pedalando sua bicicleta de entregas. Talvez o motorista não se importasse, porque quando o carro atingiu Jack, e ele caiu na rua, quebrando a sua clavícula e rachando a cabeça, o carro não parou.

O motorista do carro fugiu, deixando Jack caído próximo à sua bicicleta, machucado e confuso. Quando foi levado ao hospital, disse apenas que sua cabeça doía.

 

Antes do final do dia, Jack entrou em coma e assim permaneceu durante cinco dias. Na segunda feira Jack morreu.

 

“E todos, ao longo da rua estão falando sore Jack” disse Vera Wombwell. “A seu jeito, Jack fez mais pelas pessoas deste lugar do que qualquer autoridade, ou pregador, ou assistente social.

 

Você não tem que ser rico, famoso, bonito ou inteligente para que as pessoas se lembrem de você” disse a Sra. Wombwell. “Você pode ser manso, honesto e bom. Você pode ser apenas um simples homenzinho. Do mesmo modo que Jack!”[5]



[1]. STOTT, John R. W. The contemporary christian Illinois,   Intervasity Press, 1992, pg. 17

[2]. SCHAEFFER., Francis A. Manifesto cristão,  Brasília, Ed.Refúgio, 1a. ed. 1985, pg. 121.

[3]. Evangelização e responsabilidade social, série Lausanne,  São Paulo, ABU,  1a. ed. 1983, pg. 15.

[4]. GARDNER., E.C. Fé Bíblica e ética socialAste, SP, 1965, pg. 445.

[5] Linthicum, Robert – Cidade de Deus & Cidade de Satanás. Belo Horizonte, Ed. Missão Vida, 1977, p 189-191

Nenhum comentário:

Postar um comentário