sábado, 23 de abril de 2022

Fp 3.17-21; 4.1-7 Quatro práticas cristãs indispensáveis

 






Introdução


Embora a vida cristã seja fruto da graça de Deus, que nos resgata de forma tão surpreendente e nos imputa a justiça de Cristo, precisamos ter cuidado para vivermos a vida cristã de forma que glorifique a Deus. Neste texto lemos que Paulo lida com um grupo da igreja de Filipos que parece se opor à santidade e conspirava contra a glória de Deus.


Não é difícil imaginar que os descrentes rejeitem e se oponham a Cristo, e se tornem inimigos da cruz de Cristo. A cruz é um escândalo para os judeus e loucura para os gentios (pagãos). Mas Paulo se assusta porque “muitos andam entre nós... que são inimigos da cruz de Cristo.” (Fp 3.18). Paulo se refere a pessoas da comunidade que frequentavam os cultos e haviam sido batizados, mas cujo estilo de vida era antagônico ao evangelho.


Muitas vezes ouço pessoas que se sentem desconfortáveis com o estilo de vida de pessoas que são membros de igreja. Na verdade, muitas vezes as pessoas rejeitam não a mensagem do evangelho, mas o comportamento dos cristãos. Mahtama Ghandi certa vez afirmou: "eu amo o Cristo que vocês pregam, mas detesto o cristianismo que vocês vivem." Muitos desprezam a fé evangélica por causa do fraco testemunho cristão. 


Para corrigir estas distorções, Paulo orienta a igreja de Filipos sobre seis atitudes indispensáveis para viver de forma compatível com o modelo deixado por Cristo.


1. Seja um cidadão na terra, com os olhos colocados nos céus. Pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo.” (Fp 3.20)


O que fez com que alguns membros daquela igreja se tornassem inimigas da cruz de Cristo? Elas transformaram o seu ventre em Deus: “O destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam com coisas terrenas.” (Fp 3.19). 


O que significa a expressão: “O seu deus é o seu ventre”?  


Refere-se a pessoas que adoram seus próprios apetites, são controlados pela autoindulgência e gratificações sensuais. Os inimigos da cruz cultuam a si mesmos e por isto tudo o que eles fazem é em seu próprio benefício. Sua fala gira em torno de si mesmos, ora como vítimas, ora como heróis. Falam de suas obras, realizações e conquistas. São o centro da atenção,  movidos por paixões e induzindo outros às mesmas paixões. 


Todo esforço de vida é dedicado em prol das coisas terrenas, não conseguem entender que são cidadãos dos dois mundos e não podem colocar todo seu esforço no estilo de vida terrena. Precisam ter um olhar para além da história. Pensar nas coisas celestiais.


Santo Agostinho é considerado um dos mais lúcidos escritores da Patrística. Ele gastou 13 nos para escrever sua obra prima, “A Cidade de Deus”. Na sua visão, toda existência humana, individual ou social, está, do princípio ao fim, tensionada, quando não dilacerada, entre dois amores – dois amores que fundaram duas Cidades. 


“O amor de si levado até o desprezo de Deus gera a cidade terrena; o amor de Deus levado até o desprezo de si gera a cidade celeste. Aquela aspira à glória dos homens, esta põe acima de tudo a glória de Deus. . . . Os cidadãos da cidade terrena são dominados por uma estúpida ambição de predomínio que os induz a subjugar os outros; os cidadãos da cidade celeste se oferecem um ao outro em serviço e espírito de caridade e respeitam docilmente os deveres da disciplina social.”


O cristão é uma pessoa com dupla cidadania. Ele se sente responsabilizado em produzir uma sociedade mais justa, menos desigual, humana, é responsável nas suas tarefas, é um bom funcionário, faz as coisas com excelência, mas sabe que, em última instância, a sua casa perene não é aqui. 


No funeral do meu sogro, um dos pastores presentes comentou: “Ele chegou à casa do pai!” Normalmente pensamos na morte como uma partida, mas ele fez uma consideração muito importante: “Ele não estamos partindo, mas está chegando”. Sua mansão celestial é o seu destino, sua pátria está nos céus.


Dr. Russel Shedd, (1929-2016) era filho de missionários americanos mas seu ministério foi exercido no Brasil impactando toda uma geração. No seu último depoimento gravado em vídeo, ela fala do seu câncer, já em estado terminal: “Eu me sinto desmamando do mundo e pronto para subir!”. Ele morreria pouco depois de completar aos 87 de idade. Para ele, o desmame significava o desprendimento desta vida e o encontro com Cristo.


Se quisermos viver de forma bíblica, precisamos entender que nossa cidade definitiva está nos céus, no qual nosso corpo abatido será transformado e glorificado, conforme lemos neste texto: “O qual transformará o nosso corpo de humilhação para ser igual ao corpo de sua glória, segundo o seu eficácia do poder que ele tem de até subordinar a si todas as coisas.” (Fp 3.21). Então, seja um cidadão na terra, com os olhos colocados nos céus.


2. Pratique a unidade cristã: “Rogo a Evódia e rogo a Síntique, pensem concordemente no Senhor” (Fp 4.2).


Não sabemos especificamente qual era a dificuldade destas duas irmãs que tinham liderança na igreja, mas infelizmente suas divergências estavam criando dificuldade para o bom andamento da igreja (Alguns sugerem que as duas faziam parte do ministério de louvor da igreja), mas o fato é que suas divergências estavam causando mau estar na igreja, e elas precisavam encontrar um lugar comum.


Paulo afirma que elas eram companheiras inestimáveis e grandes apoiadoras no ministério da Palavra. “Juntas se esforçaram comigo no evangelho” (Fp 4.3), mas apesar de tudo isto, o relacionamento entre as duas precisou de alguém para acompanhá-las. Paulo pede ao líder da igreja para que as auxiliasse. Algumas vezes as divergências assumem dimensão tão grande que sem a presença de uma terceira pessoa, o diálogo se torna insuportável, por isto Paulo orienta o líder da igreja de Filipos para ajudá-las, as duas não estavam encontrando este ponto de convergência e a igreja estava sofrendo com estas diferenças.


Eu posso imaginar algumas dificuldades entre as duas:

-Talvez estivesse relacionada ao estilo de liderança ou a luta de poder. Quando as pessoas querem as mesmas funções na igreja e não são contempladas, podem se sentir preteridas ou mesmo ofendidas. 

-Talvez tivessem dificuldade porque algum comentário infeliz tenha sido feito e elas se sentiram ofendidas e melindradas.


Quantas vezes temos que lidar com diferenças e predileções, estilo de pregação, estilo de liturgia, decisões tomadas pela liderança que não nos parecem corretas, condução dos ministérios, e assim por diante. Muitas coisas podem causas divergências e até conflitos insustentáveis. Paulo e Barnabé, grandes líderes na Igreja primitiva não conseguiram andar juntos por causa da discordância em torno de um conflito (At 15.36). 


Mas a Palavra de Deus diz algo essencial para desfazer as diferenças. “...pensem concordemente no Senhor.” O ponto central é colocar o evangelho em primeiro lugar, a glória de Deus antes de qualquer coisa. Quando o amor de Deus, o amor pelo reino e pela obra de Deus estão em primeiro lugar, quando Deus, e não a vaidade, poder e glória pessoal, controlam o ambiente, torna-se mais fácil desfazer as diferenças e mau entendido. 


A Nova versão Transformadora da Bíblia diz: "Agora, suplico a Evódia e a Síntique: tendo em vista que estão no Senhor, resolvam seu desentendimento."


3. Prática da alegria e contentamentoAlegrai-vos sempre no Senhor, outra vez digo, alegrai-vos” (Fp 4.4) 


Vivemos numa época de muita insatisfação pessoal. Nunca tivemos tanto, mas nunca nos sentimos tão vazios, angustiados, tristes, deprimidos e ansiosos. Provavelmente isto acontece porque não estamos atentos à fonte da verdadeira alegria e estejamos buscando alegria em fontes erradas. 


Paulo diz: “Alegrai-vos no Senhor”. O fundamento da alegria é Deus. Se a alegria está firmada em bases humanas, ela não será duradoura, e estará sujeita às variações das circunstâncias, ao desgaste e à rotina. Em Deus, a base da alegria é diferente, é de outra natureza. Ela não se desgasta, e mesmo em meio às adversidades é capaz de se sustentar.


Este texto é um imperativo, um mandamento, portanto não se trata de uma opção. É ordem de Deus! A ausência de alegria torna-se uma desobediência a Deus. Mas muitos podem argumentar: Mas o que faço se não sinto alegria? 


Talvez estejamos pensando na alegria como uma emoção, e eventualmente colocando nossa alegria em circunstâncias, pessoas e coisas, mas o texto nos ensina que a fonte de alegria é Deus: “alegrai-vos no Senhor”. Quando Paulo escreveu este texto ele não estava numa circunstância favorável, pelo contrário, estava preso em Roma. Mas sua alegria não estava firmada em situações favoráveis, mas em Deus. 


Alegrar-se no Senhor é fruto do reconhecimento da Sua bondade. Precisamos entender que nenhuma tragédia supera a sua graça. É um exercício de fé que nos conduz à verdadeira adoração e fortalece a nossa alma. Alegrar-se no Senhor alegra também a Deus, pois fomos feitos para reconhecer que o seu amor nos basta. A alegria do cristão é imperativa e ultracircunstancial por isto pode se manifestar apesar das circunstâncias, pessoas, coisas e preocupações.


4. Prática do equilíbrio e moderação - “Seja a vossa moderação conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor.” (Fp 4.5).


A palavra moderação pode também ser traduzida por cortesia. Revela a importância de  ter paciência, saber suportar adversidades sem perder a razoabilidade. Normalmente a falta de moderação causa tristeza aos outros e se realmente amamos a Jesus, quando radicalizamos e nos tornamos duros, somos obrigados depois a pedir perdão. Deus deseja que a moderação seja uma característica marcante de cada crente. 


Feliz a igreja que tem pessoas sensatas e moderadas na sua liderança. Moderação tem a ver com sensatez. Existem pessoas que são radicais e extremas em suas posições, e por isto facilmente se isolam. Um antigo ditado diz que “prudência e caldo de galinha não faz mal a ninguém”. Muitas pessoas são radicais nas suas posições pessoais, mas mesmo assim são capazes de dialogar, de ouvir outras opiniões, outros, entretanto, rejeitam tudo aquilo que é contrário, e são incapazes de aceitar ideias diferentes. Isto gera polarização. 


A polarização politica tem se tornado um problema no meio de famílias e de igrejas. Existem famílias que estão divididas por causa da visão política, mas o mais lamentável em tudo isto é saber que existem igrejas que estão se dividindo por causa da visão politica. A moderação tem se tornado um artigo escasso e raro.


Outro aspecto que podemos observar é que algumas pessoas são radicais apenas em alguns pontos. Por exemplo, alguns são radicais na política, mas são moderadas em outras; alguns são radicais na alimentação, mas nas demais é comedido; alguns são radicais em alguns pontos doutrinários, mas em outras áreas são mais flexíveis. Mas seja em qual for a radicalidade, ela pode se transformar em alguma coisa dura e desamorosa. Nossa moderação precisa ser conhecida de todos.


Se tivermos de ser radicais, só temos o direito em duas áreas: 


Primeira, quando a glória de Deus está em risco; 


Segunda, quando pessoas estão sendo oprimidas e violentadas.  Em geral, pessoas radicalizam em áreas secundárias e por causa de sua posição extrema, perdem a dimensão comunitária, o respeito, e o amor que precisam desenvolver comunitariamente. Se tornam críticas, amargas, ferinas, se isolam, perdem a comunhão e machucam. 


A partir do vs. 6, A Bíblia falará ainda de outra prática de vida que deve ser desenvolvida: “Não andeis ansiosos”. Mas isto é assunto para um outro momento, e vamos dar uma pausa aqui.


Conclusão 

Consideramos quatro práticas cristãs fundamentais para nosso crescimento:


  • Seja um cidadão na terra, com os olhos colocados nos céus. Pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo.” (Fp 3.20)


  • Pratique a unidade cristã: “Rogo a Evódia e rogo a Síntique, pensem concordemente no Senhor” (Fp 4.2).


  • Exercite a alegria e o contentamentoAlegrai-vos sempre no Senhor, outra vez digo, alegrai-vos” (Fp 4.4) 


  • Exercite o equilíbrio e a moderação - “Seja a vossa moderação conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor.” (Fp 4.5).


Para você pensar: 

  • Tenho tido compreensão clara de minha dupla cidadania? Tenho colocado meus olhos nas coisas dos céus ou meu coração está arraigado demais nas coisas terrenas? Preciso me arrepender se minha ótica se torna demasiadamente mundana?


  • Como tem sido meus relacionamentos? Como aquelas duas irmãs da igreja de Filipos, será que eu não preciso reconsiderar meus pontos de vista para pensar de forma a manter a unidade da igreja de Cristo? É possível, por causa da unidade do corpo, por causa de Cristo, ser mais misericordioso e moderado?


  • Tenho sido uma pessoa grata em Cristo? Tenho tido contentamento nele e na sua bondade? Meu coração é grato ou um coração amargo e triste? Será que você não precisa se arrepender de seu mau humor e voltar seus olhos para Jesus?


  • Tenho sido moderado ou quero impor meus pontos de vista a todas as demais pessoas e não aceito a visão dos outros? Será que não preciso de me arrepender por estar tomando posições tão polarizadas em coisas que são secundárias? Minha moderação tem trazido unidade e fortalecido meus relacionamentos e minha igreja ou tenho sido duro demais e causado tristeza, distanciamento e separação? 




Samuel Vieira

Sep. 96- Boston

Refeito Anápolis, 2022 

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