sábado, 2 de abril de 2022

1 Co 11.17 Riscos para a vida comunitária

 


 

 

 

 

Introdução

 

A Igreja de Coríntios, de todas as igrejas do Novo Testamento, sem dúvida alguma foi a mais complicada. Os problemas teológicos, éticos, relacionais, inclusive entre a igreja e seu pastor, o apóstolo Paulo foram infindáveis e registrados nas Escrituras Sagradas. A ameaça da beleza de se viver em comunidade estava sempre presente.

 

Viver em comunidade é uma das maiores e mais redentivas experiências que o ser humano pode experimentar. No livro “The diferente Drum”, Scott Peck, conhecido psiquiatra americano começa sua abordagem sobre o quão restaurador pode ser a vida em comunidade, dizendo o seguinte: “Em comunidade e pela comunidade, reside nossa esperança.” Muito da solidão, síndrome de pânico, transtornos psiquiátricos modernos tem a ver com a dificuldade do homem moderno tem com a vivência comunitária.

 

Nem sempre é fácil viver em comunidade. Infelizmente, uma das metas mais comuns da sociedade moderna tem sido a luta pela privacidade. Queremos nosso espaço, sem qualquer interferência de família, igreja ou sociedade. Queremos viver de forma independente, sem dar satisfação a ninguém. Esta é uma experiência completamente diferente do conceito social na perspectiva antropológica. Os seres humanos viviam em grandes famílias, pequenas aldeias, tribos e a vivência era distinta da distinta de nossa sociedade cada vez mais distante.

 

O resultado deste isolamento nos tempos de hoje tem sido as tentativas atuais de países como a Inglaterra, que criou em 2018, o “Ministério da Solidão” que procura encorajar pessoas a viverem em comunidade. O Japão também criou um programa semelhante e fundou um destes ministérios em 2021. Com o distanciamento social, famílias pequenas, poucos vínculos comunitários, o isolamento e a despersonalização tem sido cada vez mais prejudiciais à saúde física e mental.

 

A mesma coisa tem acontecido com as igrejas modernas. As igrejas não possuem mais membresia, mas clientelas. As pessoas vão a igreja, como consumidores, vendo as melhores prateleiras e os produtos que oferecem, mas não estão construindo relacionamentos. Muitos não querem vínculos, porque temem a obrigação de pertencerem a um grupo, que certamente terá exigências e cláusulas próprias de uma organização. Admitem serem crentes, mas não querem pertencer a nada. Como na música tribalista:

 

Eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo
E todo mundo me quer bem
Eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo
E todo mundo é meu também

 

 Muitos querem pertencer à igreja invisível, mas não querem participar de uma comunidade local. Elas não estão vinculadas, e ficam num grupo o tempo que for necessário, sem compromissos, nem relacionamentos. Se alguma coisa não caminhar como esperavam é fácil sair.

 

O capítulo 11 da primeira carta aos Coríntios foi escrita para corrigir algumas distorções em torno da Ceia do Senhor, mas é interessante notar que as questões em torno da eucaristia, na verdade, estavam ligados ao distanciamento e problemas relacionados à comunhão entre os irmãos naquela igreja.

 

A igreja de Corinto estava cheia de disputas e divisões em torno de fortes personalidades pastorais: Paulo, Apolo, Pedro – e um enigmático grupo espiritualizante – talvez o pior de todos, que dizia ser o “grupo de Cristo”, e desta forma surgiu mais um grupo e mais uma divisão que se julgava surperespiritual. (1 Co 1.12) Para Paulo, esta atitude de polarização evidenciava a imaturidade, infantilidade e carnalidade daquela igreja (1 Co 3.1-3).

 

Todos estes problemas brotaram quando precisaram entender a ceia do Senhor (1 Co 11), bem como vários riscos e ameaças contra a unidade da igreja. A comunhão do corpo de Cristo estava em risco. Crises revelam o que somos, nosso nível “bélico”. Isto tem acontecido em grupos familiares e igrejas, de forma evidente, nesta polarização politica presente em nossa sociedade.

 

Riscos para a comunhão

 

Paulo passa a descrever, quais os riscos que a comunidade estava correndo no seu processo de unidade e missão.

 

1.     Perdem a benção de Deus nos cultos comunitários

 

Paulo começa afirmando: “Nisto que vos escrevo, não vos louvo, porquanto vos ajuntais não para melhor, e sim para pior” (1 Co 11.17)

 

Ao ler este texto fiquei impressionado. Podemos ir para a casa de Deus, nos reunir, fazer orações, adorar a Deus, levar os dízimos, mas o que estamos fazendo ao invés de trazer benção, traz maldição. Nos reunimos para pior... isto é meio assustador, não é?

 

O que acontece quando a vida de comunhão está fragilizada? Nossos conflitos, resistência, indiferença, desagradam a Deus. Desta forma, perdemos a benção da presença de Deus, ministrando entre nós sua graça, perdão e cura.

 

2.     Perda da dimensão da sacralidade e da beleza de Deus

 

Porque eu recebi do Senhor, o que também vos entreguei; que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão.” (1 Co 11.23)

 

Que peso tem a solenidade da Ceia do Senhor. Contudo, os irmãos da Igreja de Corinto, estavam se reunindo para dela participar, sem que a beleza deste ato litúrgico impactasse seus corações. Estavam neste momento tão sublime e solene do culto cristão, ao redor da mesa, recebendo a ministração, comendo o pão e tomando o vinho, sem experimentarem a benção da comunhão. Aas igrejas calvinistas, creem que na Santa Ceia “experimentamos a presença real e espiritual de Cristo”. A Santa ceia é assim chamada, de santa, porque ela não é uma ceia qualquer, há uma profunda dimensão de sacralidade, por isto somos restaurados, fortalecidos e até mesmo curados ao dela participar.

 

Quando a comunidade está em conflito, ela perde esta dimensão sacramental que se dá ao redor da mesa, com o povo que experimenta o perdão e a benção de Deus. A beleza de todo este evento espiritual se dilui, porque não há espaço para a manifestação do poder do Evangelho. Nós esvaziamos o sagrado. É o risco de dessacralizarmos a beleza da união que Cristo trouxe a sua igreja por meio do seu sangue, e que o Espírito de unidade gerou no meio do seu povo.

 

3.     Perda da sensibilidade com o irmão

 

“Pois quem come e bebe, sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si.” (1 Co 11.29).

 

Vamos em parte neste texto.

Durante muito tempo eu entendi que a Santa Ceia era para pessoas que estivessem firmes diante de Deus e sem pecado. Depois entendi que a Ceia é para pessoas fracas, e não para pessoas fortes; para imperfeitos, e não para perfeitos.

 

Entendi também outra verdade importante:

Examine-se o homem a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice.” (1 Co 11.28). O  homem não pode participar sem um profundo auto exame. Ao mesmo tempo o texto não diz: “Examine-se e não coma!”, mas “examine-se e coma.” É para comer, não deixar de comer. O auto exame nos leva ao arrependimento, confissão de pecados, anseio pela presença  e pelo poder de Deus. Hora de mudança, de transformação, hora de ser perdoado, restaurado e transformado.

 

Mas o que 1 Co 11.29 me comunicou foi transformador para minha vida. Qual é o pecado central neste texto? “Quem come e bebe, sem discernir o corpo.” Aqui está o centro de tudo. Não perceber o irmão, não valorizar o irmão, não se sentir parte desta comunidade. Ser membro de uma igreja não salva, mas é reflexo de que somos salvos. Ao me associar a uma igreja, concordo em ajudar e encorajar os outros, eu desisto de tentar viver a vida cristã solitariamente. Eu faço parte de uma  comunidade visível e histórica. Eu sou responsável pelos meus irmãos e me submeto em amor a estes irmãos. Coloco-me em uma posição na qual eu me uno a uma comunidade e me coloco numa posição na qual eu aceito que meus irmãos se tornem responsáveis por mim e que me encorajem, e me ajudem na minha caminhada de fé. E me coloco também à disposição para servir e cuidar de outros irmãos.

 

Muitos pensam que é possível participar da ceia sozinhos em casa. Este é o sacrilégio dos sacrilégios. Você não está discernindo o corpo, como pode participar do corpo? Santa Ceia só pode acontecer num ambiente comunitário. Ao participar sozinho da ceia, você faz o contrário do que a Ceia do Senhor quer nos ensinar. Você quer ter o aspecto místico da ceia, esquecendo-se do aspecto real e espiritual da ceia.

 

Mark Dever diz:

“Unir-se a uma igreja aumenta meu senso de fazer parte da obra da igreja, da sua comunhão, do seu orçamento, de seus objetivos. Deixamos de ser consumidores bajuladores e nos tornamos participantes cheios de alegria. paramos de chegar tarde e de lamentar por não termos recebido exatamente o que desejávamos. Em vez disso, chegamos cedo e tentamos ajudar os outros em suas necessidades. Temos de começar a considerar o ser membro de uma igreja não como uma filiação útil somente em ocasiões especiais, e sim como uma responsabilidade regular que nos envolve na vida dos outros para satisfazer os propósitos do evangelho.[1]

 

Jesus se comprometeu com sua igreja. “Eu edificarei a minha igreja.” (Mt 16.18) Se Jesus valorizou sua igreja de tal forma, não deveríamos igualmente considerá-la como algo de muito valor?

 

4.     Enfraquecimento espiritual

 

Eis a razão porque há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos os que dormem.” (1 Co 11.30)

 

Este texto toca num ponto muito importante. A falta de comunhão verdadeira, traz fraqueza espiritual. Ficamos fracos e doentes.

 

Você já viu alguém cheio do Espírito Santo fora da comunhão de uma igreja? A verdade é que não apenas a fé produz comunhão, mas a comunhão também produz fé. A perda da comunhão adoece a fé e sua vida espiritual. É preciso estar no corpo e vivenciar a mensagem do evangelho coletivamente.

 

Conclusão

 

Como recomendação final o texto bíblico ensina: “Assim, pois, irmãos meus, quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros.” (1 Co 11.33)

 

A Santa ceia aponta para o modelo de espiritualidade cristã, e este modelo precisa procurar, a todo o custo, evitar os riscos da comunhão.

 

O modelo comunitário é um modelo de aceitação, inclusão, vida com os irmãos. Rejeitar a vida comunitária é rejeitar a essência da mensagem do evangelho.

 

A.   O nosso Deus é um Deus comunitário – O Deus Pai, Filho, Espírito Santo, são três pessoas distintas, vivendo em forma de uma só. A Trindade é a melhor comunidade. Ela nos ensina que o Deus dos cristãos não é um ser solitário, mas um Deus comunitário.

 

B.    O nosso Deus é pessoal. Já viram como ele é chamado de “O Deus de Abraão, Isaque e Jacó?” é Deus de aliança com pessoas, um Deus relacional, não um Deus distante. O termo mais bíblico na visão de Rick Warren é “relacionamento.” Na visão de Van Groninken, o termo mais bíblico é “aliança”. Seja qual for, tudo isto aponta para um Deus que nos convida para uma caminhada a dois.

 

C.    O nosso Deus nos chamou para viver em comunidade. Compartilhando a vida, tendo sensibilidade para com o outro, olhando e tendo discernimento. Certa vez estávamos pensando em contratar outro pastor para a igreja, e um presbítero, para justificar a contratação disse o seguinte: “Precisamos ter mais mais olhares para a comunidade”. Precisamos discernir o corpo, perceber o irmão.

 

D.   Jesus tinha um projeto comunitário. Ele afirma: “Eu edificarei a minha igreja.” Não apenas vidas isoladas, mas uma comunidade.

 

Sua morte de cruz, aponta para sua preocupação de vida em comunidade.

 

E junto à cruz estavam a mãe de Jesus, e a irmã dela, e Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena. Vendo Jesus sua mãe e junto a ela o discípulo amado, disse: Mulher, eis aí teu filho. Depois, disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. Dessa hora em diante, o discípulo a tomou para casa.” (Jo 19.25-27)

 

Na sua morte, Jesus estava olhando com preocupação e cuidado com os seus. Eles precisavam encontrar paternidade, maternidade, irmandade. Não podiam se isolar. Jao precisava de mãe, Maria precisava de filho.

 

Este é o efeito da cruz, nos colocar no meio de um povo redimido, uma nação perdoada  e lavada pelo sangue de Cristo. Jesus nos colocou em família por meio da sua cruz.

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Dever, Mark – Nove Marcas de uma Igreja saudável. São Paulo, Ed. Fiel, 2017, p. 172

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