quinta-feira, 3 de outubro de 2024

2 Rs 5.20-27 A Anatomia da Cobiça


 

 

 

 

 

Introdução

 

Este texto nos fala do perigo da cobiça, de querer ter coisas indevidamente. Aurélio define como: “Desejo sôfrego, veemente, de bens materiais; avidez, cupidez. Ambição desmedida de riquezas”. Cobiça é uma obsessão por possuir coisas e a tentativa de dar valores a alma através de coisas externas: Reconhecimento público, admiração, respeito.

 

Geazi, este promissor discípulo de Elizeu, exemplifica bem isto.

Era um rapaz simples, crente, seminarista anônimo, mas abrigava, profundas ambições interiores: Projeção, conforto! Toda vez que via alguém com “vestes festivais”, roupas caras, aquilo dava um nó na garganta. Sua obsessão oculta vai sendo alimentada pelas suas fantasias e sonhos… O vazio de sua alma, pensava ele, seria preenchido quando ele andasse como os nobres andavam. Se ele pudesse usar as belas festivais só acessíveis às pessoas de classe alta...

 

Isto parece uma parábola clássica de muitas pessoas de hoje: Sonho do carrão, roupas de etiqueta, ambições secretas, viagens, hoteis … Geazi, rapaz crente e pobre, tinha o sonho de riqueza. E, sendo pobre, vai o pedido de um talento de prata, quinze quilos, achando seria a glória, mas para Naamã, acostumado com a riqueza, o pedido era baixo e ele lhe deu 2 talentos.  

 

O problema de Geazi, assim como o nosso, não era o desejo de querer crescer, aliás, um dos grandes problemas na vida é a ausência de ambição. Muitos não trabalham duro, não estudam, porque não possuem ambição, não sonham com nada, não desejam avançar.

 

Inveja, ambição e cobiça são termos parecidos, mas diferentes, ainda que sejam sentimentos complexos e interligados, que apresentam nuances importantes que os distinguem.

 

Inveja: A inveja é um sentimento de ressentimento e insatisfação que surge quando desejamos o que outra pessoa possui. É um sentimento negativo que se alimenta da comparação e da falta. A pessoa invejosa não se alegra com o sucesso alheio e, muitas vezes, busca sabotar ou diminuir os outros para se sentir melhor. Ela quer o que os outros possuem e vive se comparando.

 

Ambição: A ambição é o desejo de alcançar metas e objetivos. É um sentimento positivo quando direcionado para o crescimento pessoal e profissional. A ambição pode ser um motor para a realização de sonhos e para o desenvolvimento de novas habilidades. No entanto, quando a ambição se torna excessiva e se transforma em ganância, pode se tornar um problema.

A base do sistema capitalista encontra-se na ambição. Este é o fator motivador do trabalho. Faça e terás!  O sistema de trabalho por hora, é o mais capitalista que existe. Neste caso, a ambição por ter uma vida melhor, conforto e coisas, estimula a produção. Talvez esta senha sido a causa do fracasso do comunismo: acreditar romanticamente que as pessoas produzem sem o estímulo da ambição, de crescimento pessoal. O perigo, naturalmente, é a obsessão por coisas. Naturalmente, Não existe sistema divino, todos abrigam possibilidades para o mal, porque o ser humano é pecador, e isto o leva a pecar contra Deus.

 

Cobiça: A cobiça é um desejo excessivo e insaciável por bens materiais ou por poder. Ela nunca é positiva. É um sentimento egoísta que leva a pessoa a buscar acumular cada vez mais, sem se importar com as consequências para si mesma ou para os outros. A cobiça está intimamente ligada à inveja, pois o cobiçoso frequentemente deseja o que o outro possui. Cobiça é obsessiva, desejo de ter mais. Insaciabilidade, nada enche, nada satisfaz. A cobiça escraviza: Você não consegue mais viver fora da relação com os desejos de amontoar e possuir.

 

“Provérbios ironicamente afirma: “A sanguessuga tem duas filhas, a saber: Dá, Dá. Há três coisas que nunca se fartam, sim, quatro que não dizem: Basta! Elas são a sepultura, a madre estéril, a terra, que se não farta de água, e o fogo, que nunca diz: Basta!”  (Pv 30.15)

 

Este versículo é interessante. Ele fala sobre a insaciabilidade de algumas coisas e de pessoas. Nesta tradução, a sanguessuga simboliza a cobiça e a insaciabilidade. As duas filhas representam o desejo constante de "mais", que nunca é satisfeito. A NVI traduz assim: "A sanguessuga tem duas filhas que gritam: “Dá, dá!”. Mantém a essência da mensagem, enfatizando o clamor incessante da sanguessuga e a insaciabilidade de outras coisas. A imagem da sanguessuga sugere a ideia de algo que se alimenta constantemente e nunca está satisfeito.

 

A Nova Tradução na Linguagem de Hoje diz: "A sanguessuga tem duas filhas, e as duas se chamam: Me dá! Me dá! Há quatro coisas que nunca estão satisfeitas: o mundo dos mortos; a mulher sem filhos; a terra seca que precisa sempre de chuva; e o fogo de um incêndio."   Estas quatro coisas citadas no texto: O mundo dos mortos, a mulher sem filhos, a terra seca e o fogo representam desejos insaciáveis e situações que, por natureza, nunca são completamente satisfeitas.

O que podemos aprender com este versículo?

  • A cobiça é insaciável: O desejo constante de mais pode nos levar a uma vida de insatisfação.
  • Existem coisas na vida que nunca serão completamente satisfeitas: É importante aceitar nossas limitações e encontrar satisfação nas pequenas coisas.
  • Devemos aprender a nos contentar: A felicidade não está em acumular bens materiais, mas em valorizar o que temos. Devemos cultivar uma atitude de gratidão e contentamento, buscando a verdadeira felicidade em coisas que o dinheiro não pode comprar.

 

O problema de Geazi, como até hoje tem sido o nosso, é que a cobiça nos leva, se preciso, a sacrificar valores da alma. Geazi mente em nome de Deus, porque sua cobiça o domina, e não lhe permite ver sua loucura e ter bom senso. Ele brinca com Deus. Não são poucos os que fazem isto.

 

Eliseu questiona suas ambições. “Era isto ocasião?” (2 Rs 5.26). Por causa de sua cobiça, Elizeu transfere a coisa mais terrível para ele. A lepra de Naamã (2 Rs 5.27)

 

O que leva à cobiça?

 

Dois elementos são muito visíveis: Insatisfação interior e comparações com os outros.

 

  1. Insatisfação interior

 

Se seu universo interior está vazio, você tenta preenchê-lo com coisas que você julga poder dar significado. Pode ser bens, coisas materiais ou reconhecimento público. Você procura se encher com fama, popularidade ou aceitação pública. Isto, porém é vicioso, torna-se uma droga: Você precisa aumentar cada vez mais a dose para satisfação. Sua alma torna-se cada vez mais frustrada: Nem sempre você terá as coisas com as quais sonha, nem sempre terá o reconhecimento que espera, e nem mesmo a aceitação da qual você se julga merecedor. Estas coisas são profundamente ilusórias.

 

Existe uma insaciabilidade na alma que só Deus pode satisfazer. C. S. Lewis escreveu: Se eu encontro em mim um desejo que nenhuma experiência desse mundo possa satisfazer, a explicação mais provável é que eu fui feito para um outro mundo...Se nenhum dos meus prazeres terrenos é capaz de satisfazê-lo, isso não prova que o universo é uma fraude. Provavelmente os prazeres terrenos não têm o propósito de satisfazê-lo, mas somente de despertá-lo, de sugerir a coisa real. Se for assim, tenho de tomar cuidado para, por um lado, jamais desprezar ou ser ingrato em relação a essas bênçãos terrenas, e, por outro jamais confundi-lo com outra coisa, da qual elas não passam de um tipo de cópia, ou eco, ou miragem.”

 

Afirma-se que Beto Rockfeller, considerado o homem mais rico do mundo em toda história da humanidade. Nem Elon Musk, Dono da Tesla, SpaceX e Twitter, nem Jeff Bezos, fundador da Amazon ou Mark Zuckerberg: Criador do Facebook (agora Meta), foram tão ricos quanto Rockfeller, aos ser indagado sobre quanto dinheiro a mais ele queria, teria afirmado ironicamente: “Só um pouquinho a mais!”

 

A Biblia afirma: “Quem ama o dinheiro jamais dele se farta; e quem ama a abundância nunca se farta da renda; também isto é vaidade Onde os bens se multiplicam, também se multiplicam os que deles comem; que mais proveito, pois, têm os seus donos do que os verem com seus olhos?” (Ec 5.10-11). O problema da insaciabilidade humana é profundo e antigo. A Bíblia diz que “Deus pôs a eternidade no coração dos homens.” (Ec 3.11)  Nada poderá encher o seu desejo pelo infinito a não ser coisas eternas e infinitas. Nada pode preencher e dar sentido a sua alma, exceto o único que pode fazer isto. Sua sede não é por coisas, mas por valor e sentido.

 

Deus fez as coisas para a gente usar, as pessoas para a gente amar e ele mesmo para ser adorado. O problema é que amamos coisas, adoramos pessoas e instrumentalizamos Deus.

 

  1. Comparações

 

Este é o segundo elemento presente na cobiça. Nossa cultura é muito competitiva. Normalmente a cobiça acontece porque nos comparamos e então nos sentimos inferiores. Cobiçamos coisas que dão status, porque os outros adquirem status através das coisas. Se você não tivesse parâmetros de comparação social, não sentiria falta das coisas. Além do mais pecaminosamente estimulamos competição entre os filhos. Sutilmente valorizamos virtudes e fracassos em relação ao outro. Isto acontece em relação a familiares, vizinhos e entre membros da Igreja. A maioria das vezes compramos coisas que não precisamos, com dinheiro que não temos, para impressionar gente que não gostamos.

 

Tim Keller afirma que “Nosso problema não é querer ter mais, mas querer ter mais que os outros, por isto, viver bem depende de reordenar nossos afetos. O evangelho revela que sou tão pecador que Jesus teve que morrer por mim, mas tão amado e valorizado que Jesus ficou feliz em morrer por mim. Isso leva à profunda humildade e profunda confiança ao mesmo tempo. Não consigo me sentir superior a ninguém e, no entanto, não tenho nada a provar a ninguém, porque, no final das contas, Só existe um par de braços que lhe dará todo o desejo do seu coração e esperará por você no fim dos tempos: JESUS”.

 

Perigos da cobiça: Por que a cobiça é toa perigosa?

 

  1. Antes de mais nada, porque é condenada por Deus -

 

O décimo mandamento diz: "Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo" (Ex 20.17). Este mandamento, em particular, trata da cobiça, este desejo ardente de querer algo que pertence a outra pessoa. É mais do que apenas querer algo; é um desejo acompanhado de inveja e insatisfação com o que se tem. Por isto Deus nos deu sua lei para não cobiçar, não apenas objetos materiais, como casas, carros ou dinheiro, mas também a posição social, o sucesso, a felicidade ou qualquer outra coisa que percebemos como sendo do outro.

 

 

  1. A cobiça relativiza valores

 

Geazi perdeu a dimensão dos valores. O que era valor para ele? Festes festivais, a cobiçada prata de Naamã. Ele se esqueceu que sua grande riqueza era Deus. João Batista fala aos soldados: “Não cobreis mais do que o estipulado e contentai-vos com o vosso soldo.” (Lc 3.13). Quem não está contente cria o que culturalmente chamamos de “olho gordo”, e negocia valores para alcançar seus alvos. Moças se vendem por cobiça, incluindo aqui a necessidade de ser aceita e apreciada pelo seu corpo, rapazes e homens sacrificam valores aprendidos e cultivados pelos seus pais, no altar da cobiça. Vendem suas esposas, filhos e moral.

 

  1. Cobiça sacrifica a alma

 

Provérbios afirma: “O espírito de ganância tira a vida de quem o possui.” (Pv 1.19) Geazi tinha compulsão por poder e influência, por isto se esqueceu que seu chamado tinha relações com a eternidade. Nosso negócio é com coisas eternas. O que encanta os homens não encanta a Deus. Gente com ambição por riqueza sacrifica lazer, família, saúde, Deus. Sabe qual é o custo disto? Sua vida. A cobiça traz morte.

 

A obsessão de Geazi, traz para sua vida a lepra. Isto já seria trágico em si, mas Elizeu ainda fala de algo que me parece ainda mais trágico: sua doença marcaria sua família para sempre. (2 Rs 5.27). A ambição de Geazi não traz consequências apenas para si, mas para sua posteridade, sua família, seus filhos, netos, sua descendência. Determinadas ambições, hoje tão caras para nós, se alcançadas, podem determinar nossa ruína e trazer maldição da nossa genealogia familiar.

 

Como lidar com a cobiça?

 

  1. Pare de cobiçar. Descubra o prazer naquilo que Deus lhe deu – A verdade sobre a vida é que nascemos sem saber nada e morremos sem saber o que precisamos. Cobiça tira o teu contentamento, mantém o seu coração preso em coisas que você ainda não possui ao invés de celebrar aquilo que tem.

 

Elizeu tem a possibilidade de resolver seu problema financeiro e de sua escola de profeta com aquela quantia que lhe fora ofertada, mas preferiu manter sua vida de dependência de Deus, de confiar na provisão do Eterno. Geazi, ao contrário, pensa que o vazio de sua alma seria preenchido com roupas caras, caso contrário, porque pediria as “vestes festivais” que só eram usadas em cerimônias de palácios?

 

  1. Aprenda a viver com contentamento: Paulo afirma: “De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores.” (1 Tm 6.8-10)

 

Conclusão: Como Jesus lidou com as ofertas do diabo?

 

Vamos ler mais um texto das Escrituras:

Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus;  antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana,  a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai.” (Fp 2.5-11)

 

A vida de Jesus foi uma vida de esvaziamento, de desapego. Satanás ofereceu vaidade, poder, influência, conforto, mas nada disto atraiu Jesus. Ele sabe que as ofertas do diabo são todas provocativas, mas todas levam à morte.

 

Ele sabia onde se encontrava o embrião da queda: O homem quer solução rápida, projeção, reconhecimento humano. Mas Jesus sabia que no dia do juízo, muitos olhos se encherão de lágrimas ao considerar como sua vida poderia ter sido melhor se agisse de forma diferente.

 

Elizeu pergunta a Geazi: “Donde vens, Geazi? Respondeu ele: Teu servo não foi a parte alguma.  Porém ele lhe disse: Porventura, não fui contigo em espírito quando aquele homem voltou do seu carro, a encontrar-te? Era isto ocasião para tomares prata e para tomares vestes, olivais e vinhas, ovelhas e bois, servos e servas?” (2 Rs 5.25-26)

 

Geazi é agora chamado a prestar contas. Confessar. Ser honesto!

Jesus terminou sua história numa cruz, mas “Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fp 2.10-11).

 

As ofertas do diabo não podem ser o nosso cardápio, porque sempre terminam em morte, antes, o caminho de Deus deve ser o nosso Norte. O problema é que nosso coração é propenso para o mal, para autopromoção, vanglória. Por isto Jesus morreu pelos nossos pecados. A Bíblia denuncia nosso coração. Nossos somos como Geazi. O Evangelho revela que não podemos nos salvar e que somente Jesus pode. Nossos anseios são eternos e mundanos, não temos condições morais para decidir pelo bem, a não ser com a obra de Cristo.

 

Mas lembre-se da grande verdade do Evangelho: Se você fosse cem vezes pior do que é, seus pecados não seriam páreos para a misericórdia dele. Você é bem pior do que você imagina que é, mas a graça de Deus, é infinitamente maior do que você é.

 

 

 

Samuel Vieira

Anápolis, março 2010.

Refeito Setembro 2024

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