Introdução
Rev. Constâncio Homero Omegna foi um conhecido pastor presbiteriano. Um dos seus campos foi na pequena cidade de São José do Calçado, no sul do Espírito Santo, que sediou a 1ª igreja presbiteriana organizada naquele estado, em 10 de março de 1907. Exatos dois anos depois, no dia 9 de março de 1909, uma multidão insuflada pelo vigário e liderada pelo subdelegado destruiu quase totalmente o templo presbiteriano. Existe uma foto deste dia que pode ser vista na internet, pois os vândalos se deixaram fotografar tranquilamente diante do edifício depredado. Triste testemunho de uma época marcada pela intolerância religiosa!
Cuidando do rebanho na Zona da Mata no início do Século XX, este pastor enfrentou muitas ameaças seriíssimas da Igreja Católica, que naqueles dias tinha uma posição bem hostil aos evangélicos. Um padre radical, aliou-se a alguns fazendeiros para expulsar o pastor da região, mas ele não temia as ameaças e continuava pregando. Numa ocasião contrataram pistoleiros para matarem o pastor que estava pregando “heresias”. Estes pistoleiros foram se encontrar com o pastor numa praça pública de uma cidade do interior, e voltaram ressabiados sem terem executado o trabalho contratado. Indagados da razão de não terem exterminado o pregador, e eles responderam que era impossível fazer qualquer mal àquele homem porque ele estava na praça rodeado de anjos.
Este texto de 2 Reis que serve para nossa reflexão, nos descreve de forma surpreendente este mundo invisível. É bom entendermos que estes textos não são ficcionais, nem imaginações, mas reais e históricos. Se nos parecem tão fantasiosos é porque construímos nossa realidade baseados na experiência meramente concreta, visível, palpável.
Eliseu, o profeta que sucedeu a Elias, viveu em um período turbulento da história de Israel, marcado por conflitos internos e externos. Seu ministério se desenvolveu principalmente durante o reinado de Jeorão, Jeoacaz e Joás, reis de Israel. O cerco à cidade onde Eliseu estava hospedado ocorreu num momento de tensão entre Israel e a Síria. O reino sírio, sob o comando de Ben-Hadade II, era uma constante ameaça para Israel, buscando expandir seu território e dominar a região.
Os sírios viram Eliseu como uma figura de grande influência e poder espiritual. Eles acreditavam que capturando o profeta, enfraqueceriam o reino de Israel. Então usaram a estratégia militar de cercar a cidade para capturar Eliseu e, possivelmente, enfraquecer a moral do povo israelita. O cerco foi feito durante à noite. De manhã, um dos servos, atônito vê sua cidade cercada de inimigos, e com a ameaça do exército inimigo, chama Elizeu, que sem perder a serenidade ora para que os olhos do servo fossem abertos e ele tomasse conhecimento da realidade espiritual que o cercara. Quando Elizeu termina de orar, o jovem vê um exército de anjos. Até então, o mundo espiritual estava oculto aos seus olhos.
Aquilo não era uma projeção simbólica, Deus operou naquele rapaz para que enxergasse um mundo completamente novo, demonstrando que o mundo invisível era tão real quanto o material. Eliseu era convencido daquela realidade, o moço não. Precisamos abrir os olhos para perceber estes aliados ao nosso lado, para que não nos desesperemos diante das adversidades e inimigos impiedosos.
É esta verdade fundamental que o jovem auxiliar de Elizeu precisava entender: "Mais são os que estão conosco do que os que estão com eles." Nossa cosmologia e cosmovisão tem dificuldade de ver ou perceber a sobrenaturalidade dos fatos. Este texto nos ensina algumas coisas:
- Nem sempre estamos conscientes do mundo espiritual.
Quando Elizeu ora, seu servo não fazia a mínima ideia da realidade que estava ao seu redor. É muito fácil perder a perspectiva das coisas espirituais. Não podemos ficar girando em torno de coisas místicas e esotéricas, todos que procuram fazer isto, se perdem na busca por fenômenos. Mas ao mesmo tempo, precisamos estar consciente do fato de que existem muitas coisas que transcendem o cotidiano.
Uma das mais famosas frases de Shakespeare é de Hamlet que, se dirigindo a Horácio, fala: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe sua vã filosofia”. Horácio representa a racionalidade, enquanto Hamlet, a paixão. Há mais no mundo do que se consegue explicar ou racionalizar.
Em Gn 28.10-19 vemos Jacó deixando sua casa e família, e à noite tem um sonho profundo e significativo. Ele visualiza uma escada que se estende da terra até o céu, com anjos subindo e descendo por ela. No topo da escada, Deus se manifesta e faz uma promessa a Jacó. Essa visão é importante porque demonstra a conexão entre o céu e a terra: A escada simboliza a ligação entre o mundo físico e o espiritual, entre Deus e os seres humanos. Assustado acorda e faz uma declaração impressionante: “Na verdade o Senhor está neste lugar e eu não sabia.”
Gosto de refletir nesta frase, porque acredito que não estamos conscientes desta grande verdade. O padre jesuíta e Teólogo Pierre Teilhard de Chardin afirmou: "Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana”. A espiritualidade cristã pode nos levar a uma compreensão mais profunda de nós mesmos e do nosso lugar no universo, enriquecendo a experiência de vida.
Ao reconhecer nossa natureza espiritual, nos conectamos com algo maior do que nós mesmos, seja Deus, o universo ou uma força superior. A frase de Chardin implica em transcendência: nossa existência vai além da dimensão física. Há um propósito maior para a vida, além da mera existência material.
- O mundo natural tem conexão com o mundo espiritual.
Na espiritualidade cristã, a história de Deus e história dos homens são tangenciais, interrelacionais; complementares. Deus não é alguém longe e distante, mas um ser pessoal; não é um poder frio e silencioso, mas um ser moral que se relaciona com o ser humano, se comunica com ele pelos seus profetas e deseja tornar conhecida sua mensagem a tal ponto que o próprio Filho de Deus resolve penetrar a história. A história relatada nas Escrituras Sagradas, nada mais é que a história de Deus na história dos homens.
A história está carregada de sentido porque é história de Deus. Olhando para o passado vemos que Deus sempre cumpriu sua Palavra, deixando claro que, se é um Deus invisível, também é visível por meio das coisas que foram criadas (Rm 1.20), e por dar sempre testemunho de si mesmo, fazendo o bem, dando do céu chuvas e estações frutíferas (At 14.17).
A experiência relatada no Monte da Transfiguração relata Jesus se encontrando com os representantes da teologia judaica: Moisés (Lei) e Elias (Profetas). Os apóstolos ficaram impressionados e inebriados com aquela experiência e disseram: “Bom é estarmos aqui. Façamos duas tendas. Uma pra Elias e outra para Moisés.” Mas quando descem dali a primeira coisa que encontram é com um jovem endemoninhado. Saem do céu para o inferno, da presença de Deus para enfrentar o diabo, saem dos céus para a terra. Tudo está interligado.
- O mundo invisível atua no visível.
A Bíblia relata inúmeros exemplos de anjos agindo entre os homens. Os anjos estão sempre presentes na Bíblia:
No Antigo Testamento:
- Jantam e dormem na casa de Ló (Gn 19.1)
- Quando Hagar foge angustiada, sem rumo e desorientada, "o anjo do Senhor" a encontrou próximo a uma fonte no deserto (Gn 16.7) e este mesmo anjo a acompanha na segunda vez que sai de casa, agora já com seu filho. (Gn 21.17)
- Um anjo detém Abraão de oferecer o sacrifício de seu filho Isaque (Gn 22.11)
- Um anjo surge diante do assustado Gideão (Jz 6.11)
- Gabriel dialoga com Daniel (Dn 8.16,9:21).
Desta forma, podemos citar muitos outros casos relatados na Bíblia. Muitas vezes estes anjos são descritos como aliados, fazem parte da vida humana, rodeada por incontáveis hostes. Não são miragens nem ficção, são seres reais.
No Novo Testamento
- Um anjo comunica a Zacarias o nascimento de João Batista (Lc 1.11)
- Gabriel comunica a Maria a sua gravidez (Lc 1.26)
- Um anjo é enviado para convencer José a aceitar Maria como sua esposa (Mt 1.20)
- Um anjo traz o anúncio da ressurreição às mulheres, no túmulo de Jesus (Mt 28.5)
A Bíblia inteira está repleta destes seres espirituais, enviados por Deus com mensagens ou missões específicas.
- Orações interferem no mundo invisível
Este texto nos fala de Elizeu orando para que os olhos do servo sejam abertos os olhos e possa enxergar o que estava acontecendo ao seu redor. Bastaria este relato para entendermos como a oração está interligada ao mundo espiritual. Certamente sabemos isto na nossa mente, mas a dificuldade que temos com a prática da oração, revela como cremos superficialmente na eficácia da oração.
O livro de Atos relata a libertação de Pedro. “Por essa época, o rei Herodes Agripa começou a perseguir violentamente algumas pessoas da igreja.2 Mandou matar à espada Tiago, irmão de João.3 Quando Herodes viu quanto isso agradava os judeus, também prendeu Pedro durante a celebração da Festa dos Pães sem Fermento.” (At 12.1-3) Por ser o líder, Pedro atraiu a atenção dos magistrados e foi levado preso, talvez aguardando a próxima relação para ser o executado.
Neste contexto de perplexidade, surge uma bendita mudança nos acontecimentos. Pedro foi liberto miraculosamente. A Bíblia faz uma colocação interessante: “Pedro, pois, estava guardado no cárcere; mas havia oração incessante a Deus por parte da igreja a favor dele.” (At 12.5)
O que pode alterar uma situação que parece inevitável? A resposta está na atitude da igreja que se põe de joelhos para implorar a direção de Deus, porque confia no poder de Deus para intervir e fazer algo novo. A conjunção adversativa “mas” é fundamental na compreensão deste texto.
A oração tem o poder de subversão, de alteração dos rumos normais da história. Não havia, aparentemente, nada que pudesse mudar a direção daqueles fatos. No outro dia Pedro deveria estar diante de Herodes e as expectativas não eram muito boas, a julgar pelo que já havia acontecido a Tiago, irmão de João. (At 12.2)
Esta conjunção adversativa, mas, muda os rumos da história, muda as tendências dos fatos, porque diante das intercessões existe um Deus que pode mudar e transformar todas as coisas. As orações que fazemos são poderosas porque são colocadas nas mãos daquele que destrói e estabelece reis, que é senhor da história, e tem todo poder no céu e na terra. A Igreja de Jesus pode interpor-se no tempo, a favor de pessoas e situações, com "orações incessantes". Quais são as cadeias que devem ser destravadas pela oração?
Este texto nos encorajar a orar em todas as situações. Curioso é que a Igreja orava pela libertação de Pedro, mas não cria de fato que ele pudesse libertar-se. Os membros da igreja primitiva estavam plenamente convencidos da existência deste mundo invisível, pois quando souberam da libertação de Pedro, acreditaram que se tratava do "seu anjo" (At 12.15). por outro lado, estavam orando pela libertação de Pedro, mas quando Pedro é liberto, têm dificuldade em acreditar. Isto é contraditório e paradoxal, mas certamente é muito mais comum que imaginamos. Orações veementes erguidas ao trono de graça, mas que são acompanhadas por um estranho misto de incredulidade. assim é esta oração da Igreja primitiva em favor de Pedro.
A sua libertação ocorreu de forma tão impactante que o próprio Pedro acreditava ser uma visão (At 12.9) e pensava que aquilo não era a realidade. A menina que o atendeu no portão ao levar a informação de que era Pedro, foi vista como. A igreja orava pela sua libertação, e quando a resposta vem, atribui aquilo a uma dissociação mental. Precisamos sempre ter claro na mente que quando orarmos para Deus mandar chuva, e fundamental sair de casa com o guarda-chuva.
ulo, processou uma igreja neopentecostal, o pastor e a congregação por um incêndio que destruiu o seu cabaré. A igreja realizou uma campanha de orações para bloquear a expansão do negócio, e Tarcília alegou que as orações da igreja foram responsáveis pelo fim do seu prédio e do seu negócio. A igreja dos pastores.
Ouçam esta história: No final de abril de 2013, uma igreja no interior do Ceará, na cidade de Aquiraz, incomodada com um bordel próximo do templo, começou a orar pedindo para que ele se fechasse. O bordel entrou em declínio, e sua dona, Tarcilia Bezerra, entrou na justiça processando a igreja, alegando que a culpa da falência de seus negócios foram as orações dos crentes. A igreja negou qualquer responsabilidade dizendo que não havia provas da intervenção divina ou das orações ou algo que provasse que a igreja tinha tido qualquer influência neste assunto.
O juiz, descrito comentou na audiência de abertura: “Eu não sei como decidir neste caso, mas parece que a partir do que li até agora, temos a proprietária de um prostibulo que acredita firmemente no poder das orações, e uma igreja inteira que pensa que as orações não valem nada”.
(A verdade por trás da história: Apesar de hilária e interessante, a história é falsa. Não há evidências de que Tarcília Bezerra exista, e não há registros do processo. A história parece ter sido publicada inicialmente em uma página do Facebook e se espalhou pela web como uma lenda urbana.)
5. Viver sob a percepção de realidades espirituais, traz serenidade e segurança.
É isto que percebemos no texto. O servo de Elizeu estava angustiado e desesperado, mas quando Elizeu orou e ele percebeu a realidade espiritual ao seu redor, ele sossegou. “Não temas, porque mais são os que estão conosco do que os que estão com eles.” A realidade visível era nada comparada à realidade invisível. O exército Siro era nada comparado ao exército celestial. Vivemos num mundo transcendente, e podemos entender que as coisas não acontecem apenas por razões políticas e históricas, mas por um proposito divino.
Um dos quadros mais impressionantes que conheço mostra um anjo protegendo o filho deitado, enquanto os pais estão de joelhos orando pelos filhos.
Durante os anos que fui pastor em Boston, tivemos a benção de pastorear a irmã Alice, que foi uma das dirigentes de nosso grupo de louvor na igreja, e nos relatou sua dramática experiência. Durante o o processo de sua conversão, ao chegar em casa, viu uma cena pavorosa: um demônio assentado no sofá sorrindo sarcasticamente. Ela invocou o nome de Cristo, e aquele demônio rapidamente mudou sua feição, e ficou assustado e acuado. Quando ela olhou para trás, teve a visão de outro ser, muito maior, cujo rosto passava do teto da casa, que lhe disse o seguinte: “Ele nunca mais vai entrar nesta casa.” Quando ela olhou novamente, aquele demônio, já estava do lado de fora de sua casa. Ela aceitou Jesus, e certamente aquele demônio nunca mais voltou para sua casa.
Aplicações:
- O risco de acharmos que nossa fé só será validade por causa de uma experiência com anjos ou demônios.
Paulo a Gálatas: “Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema.” (Gl 1.8) Nós não somos orientados, nem devemos aprender dos anjos, mas das Escrituras Sagradas que uma vez por todas foi entregue ao povo de Deus. Nosso fundamento está sobre os apóstolos e profetas, e não nas revelações de anjos. Muitas religiões se perderam na história porque seus líderes alegadamente receberam visões angelicais.
- Cuidado com a obsessão por anjos e seres espirituais
Paulo critica alguns irmãos de Colossenses sobre este assunto.
“Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado, sem motivo algum, na sua mente carnal,19 e não retendo a cabeça, da qual todo o corpo, suprido e bem-vinculado por suas juntas e ligamentos, cresce o crescimento que procede de Deus.” (Col 2.18-19) Estas coisas podem ser fascinantes demais, mas quase sempre se transformam em armadilhas.
Desconfie de gente que vê muito anjo e demônio. Apesar da realidade destes seres, a percepção material deles é singular. Em situações muito especiais, Deus envia seus anjos e mensageiros, para trazer uma mensagem que vai mudar a história. Não é normal vermos anjos em todos os lugares, trazendo mensagens o tempo todo.
- Nosso foco não são anjos, mas Jesus. Paulo adverte os irmãos de Colossenses sobre o risco que estavam tendo em e “não reter a cabeça.” Cristo.
Outra versão afirma: “Não aceitem a condenação daqueles que insistem numa humildade fingida e na adoração de anjos e que alegam ter visões a respeito dessas coisas. A mente pecaminosa deles os tornou orgulhosos,19 e eles não estão ligados a Cristo, que é a cabeça do corpo.” (NVT)
Jesus é o alvo de nossa adoração. Só a ele podemos adorar. Ele é a imagem do Deus invisível, a exata expressão do seu ser. Ele é o Unigênito do Pai, a ele toda honra, louvor e gloria.
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