“E certo jovem o seguia, envolto em um lençol sobre o corpo nu.
E lançaram-lhe a mão. Mas ele, largando o lençol fugiu nu.” (Mc 14.51-52)
Introdução
Este relato só aparece no evangelho de Marcos, e fica sempre a pergunta: Quem é o jovem seguidor anônimo de Jesus? Ele foi pego de “cueca” e estava coberto apenas por um lençol, que ele deixa para trás, e sai correndo nu. É um detalhe que apenas uma testemunha ocular ou o próprio autor que eventualmente sofria com a vergonha disso – se lembraria. Por esta razão, nenhum outro evangelho registra este episódio, nem os evangelhos sinóticos: Mateus e Lucas.
Por causa disto, comentaristas supõem este jovem que foge desnudo seja o próprio Marcos, era sobrinho de Pedro, e autor deste evangelho que tem o seu nome. Portanto, este relato seria autobiográfico. É como se Marcos estivesse fazendo confissões sobre sua própria ambigüidade. Acredita-se que o Marcos é o jovem que estava lá naquela noite e que se lembraria, em todos os anos que se seguiram, a vergonha pessoal de sair correndo pelado no meio da noite. Ele registra o dia em que decidiu seguir Jesus de longe e como sua atitude ambígua se transformou numa experiência de constrangimento.
Que relevância ou importância tem este texto?
Nada está na Bíblia por acaso Se Deus permitiu que ficasse registrado é porque existem lições preciosas que podemos tirar deste episódio para nossa vida espiritual.
Na atitude deste jovem que foge nu, vemos aspectos próprios da juventude:
- Sua coragem e ousadia
- Seu despreparo
- Sua fragilidade e medo
- Sua impetuosidade e desejo.
- Sua coragem e ousadia
Nesta cena bizarra, este texto nos revela que apesar da situação patética, este jovem é a única pessoa que consegue, de alguma forma seguir Jesus, ainda que à distância. Quando todos estavam traindo, como no caso de Pedro, negando sua relação com Jesus, ou fugindo como os demais, ele segue a Cristo. Ele era jovem, não uma pessoa de idade avançada, e estava correndo riscos ao insistir, ainda que de forma sorrateira, em seguir a Jesus. Ele vive numa dialética entre seguir a Cristo e se manter anônimo e distante. Este é um retrato de milhares de jovens cristãos que insistem em viver num estilo ambíguo de fé, com um pé na canoa, outro em outra, vivendo uma esquizofrenia religiosa do tipo médico e monstro.
Tenho ouvido histórias e relatos de heroísmo e bravura de jovens, que por amor a Jesus tantas vezes colocaram sua vida em risco ou mesmo morreram por seu ato de heroísmo e coragem. Este texto me fala de um jovem que insiste em seguir a Cristo, quando todos fogem...
Queria ver mais jovens assim.
Falta idealismo para a geração moderna.
Queria ver mais jovens se expondo por sua fé ou virtudes morais, ou por ambos. Gente que segue a Jesus no meio de pessoas que querem crucificar a Cristo. Nossa tendência natural quando todos decidem destruir Jesus, é negar nossa relação com ele e fugir da luta. É característico desta geração a apatia, a indiferença, a busca pelo conforto e bem-estar ao invés do ideal. De dinheiro e bons salários ao invés de uma vocação.
Por outro lado, a falta de ideal, tem levado jovens a consumirem suas vidas em drogas, festas raves, causas absurdas, buscando sentido e significado em coisas vazias, quando tantas coisas mais profundas e necessárias poderiam ser buscadas. São pessoas lutando e defendendo causas anticristãs e agendas que não fazem parte do escopo do reino de Deus. Há muitas causas que podemos defender como ecologia, justiça social, valores da família, direito a vida, pró-life, paz, anticorrupção. Neste texto vemos um grupo de soldados cumprindo uma agenda: Eles haviam acabado de prender a Jesus e o levavam no meio de um turbilhão de pessoas, para ser julgado, condenado num tribunal de exceção e de araque, e crucificado, apesar do promotor declarar duas vezes: “Não vejo nele crime algum.”
Precisamos escolher as agendas que vamos defender e lutar por elas. Não podemos gastar nossa vida em agendas não apenas comportamentais e supérfluas, mas que são opostas à Palavra de Deus.
- Seu despreparo
Este jovem vai na adrenalina e na emotividade, mas não consegue avaliar os ricos de sua jornada. Muitos jovens agem desta forma.
Ele estava completamente despreparado. Estava coberto apenas por um lençol. Quando puxaram o seu lençol teve que fugir apenas com sua cueca. Isto revela que nem sempre, aqueles que estão seguindo a Jesus, possuem estratégia correta, avaliam o custo, oram e se preparam para este embate público.
Seguir a Cristo é o mais fascinante projeto de vida, mas não deve ser feito apenas na base emocional. Quando Jesus fala do discipulado em Lucas ele pergunta: “Qual o homem que pretendendo construir uma torre, não se assenta primeiro para avaliar se tem os recursos? Qual o homem que vai a guerra sem saber de suas reais condições de luta?”
Você quer seguir a Cristo pra valer? Prepare-se!
Existe uma conhecida história de um jovem chinês que decide ir para a guerra lutar pelo se país. O problema é que ele se dirige para o Norte, quando a guerra era no Sul.
A Bíblia nos ensina: revesti-vos de toda armadura de Deus.
“Vai alta a noite, e vem chegando o dia. Deixemos, pois, as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz.13 Andemos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em impudicícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes;14 mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências.” (Rm 13.12-14)
Vida cristã não é pic-nic, mas batalha. O despreparo pode ser fatal. O inimigo vai puxar o seu lençol, e você correrá assustado.
Davi ao lutar com Golias, não estava despreparado. "Tu vens a mim com espada, lanças e escudo, eu vou a ti em nome do Senhor dos Exércitos". Ele sabe com que armas poderiam lutar.
- Sua fragilidade e medo - Seguir a Cristo, às vezes é perigoso.
Na minha classe no Colégio Estadual em Gurupi, na escola que estudava, apenas 2 pessoas eram crentes. Eu e a Creuza. Ela vinha de uma tradição evangélica muito conservadora, usava roupas compridas, não cortava o cabelo, era proibida de depilar, e vivia separada dos demais colegas. Eu fazia mais o tipo "crente normal", vestia como os demais meninos, jogava futebol, “não era belo, mas mesmo assim, sorria mil garotas.” Apesar de tudo isto e meu esforço para ser aceito no grupo, as críticas à minha fé eram muito severas, justamente numa época em que ser popular. Os garotos e meninas mais vulgares eram mais facilmente aceitos. Foi um tempo difícil, as coisas não eram muito fáceis.
A Bíblia descreve que quando Barnabé e Saulo foram na primeira viagem missionária (At 13.1-2), levaram consigo o jovem João Marcos. Andar com estes líderes deveria ser uma experiência maravilhosa, mas ele deixou o grupo e abandonou a missão. Paulo ficou muito irritado com sua atitude. Mas o que aconteceu para Marcos voltar para casa? Comentaristas afirmam que havia um surto muito grande de uma febre palustre na região da Panfília, onde estavam, e João Marcos teria ficado amedrontado e por isto abandonou o projeto.
Fragilidade e medo podem ser difíceis para realizarmos o que está no nosso coração.
- Sua impetuosidade e desejo – Como relatamos no início, cremos que este texto e autobiográfico, Marcos estaria falando de sua tensão e ambiguidade, de ao mesmo tempo desejar estar como Senhor, e sua imaturidade de estar preparado e firme diante da oposição.
Mas este frágil e pusilânime Marcos, se tornaria um abençoado evangelista, e, segundo os historiadores e comentaristas, o Evangelho de Marcos teria sido o primeiro a narrar a história de Cristo de forma organizada. Os demais sinóticos, Mateus e Lucas, embora sejam mais completos, teriam usado o evangelho de Marcos como referência bibliográfica e fonte de inspiração, como ponto de partida. É exatamente o texto deste ousado e atrevido jovem, que tem servido para nossa inspiração em todos estes textos anteriores.
Conclusão
Diante destas considerações, queremos fazer algumas aplicações:
- Alguns veem neste episódio, um paradigma daqueles que seguem a Jesus sem compromisso. Eles imaginam que aquele jovem, quando ouviu o alvoroço pensou: ‐ Eu vou pular da minha cama, me enrolar em um lençol; dar uma olhadela no que está acontecendo e depois volto pro meu quarto, pra minha cama.
Não é isto que está acontecendo nos últimos dias na igreja de Jesus Cristo? Pessoas sem
compromisso com o reino, seja em assumir suas convicções de fé, de ética, compromisso de tempo e dinheiro.
- Jovens ousados, podem eventualmente estar despreparados e fugirem diante de ameaças, mas sempre vão voltar para continuar o processo do discipulado. Marcos foge, mas seu amor por Jesus, o fez avançar em direção ao seu projeto. Marcos se tornou um evangelista e escritor, e colocou toda sua energia no seu Mestre, afinal, nunca desistiu de segui-lo, apesar do despreparo inicial.
A história nos mostra que João Marcos se tornaria discípulo de Pedro, e como afirmamos anteriormente, escreveria o primeiro evangelho. A tradição do século II atribuiu a Marcos Evangelista a autoria do Evangelho de Marcos. Os Pais da Igreja acreditavam que a obra foi baseada nas memórias de Pedro. Apesar de ser o menor entre os quatro evangelistas, mas é considerado o primeiro a ser escrito.
O Evangelho de Marcos foi provavelmente escrito em Roma, entre 64 d.C. e 70 d.C. Deus o levanta para narrar os eventos relacionados ao drama da salvação.
João Marcos foi assistente de Paulo e Barnabé na primeira viagem missionária, e apesar de seu fracasso nesta viagem, posteriormente seguiria a Barnabé na viagem missionária e mesmo com a oposição de Paulo que fez Barnabé se separar de Paulo, posteriormente Marcos se tornaria um companheiro fiel de Paulo, que o chamava de "cooperador" (Fm 1.24). Paulo considerava Marcos um valioso companheiro e um servo fiel do Senhor. Mais tarde, Paulo que havia se irritado com sua atitude, envia uma carta dizendo: "traze-me a João Marcos, pois me é útil para o ministério" 2 Tm 4.11 Ele se converteu mais tarde e tornou-se assistente do Apóstolo Pedro, que se referia-se a Marcos como “meu filho Marcos” (1 Pe 5.13).
- Geralmente Deus começa cedo o processo na vida dos jovens que, ainda que eventualmente imaturos, demonstram sério desejo de seguir a Cristo.
Veja alguns exemplos bíblicos:
i. "O jovem Josué não se apartava da tenda" (Ex 33.11). Não sair da tenda demonstra posicionamento para com a presença de Deus. Não se apartar da tenda significa estar constantemente na presença de Deus.
ii. Samuel, ainda menino: "fala Senhor que teu servo ouve". Aos poucos vai identificando a voz do Senhor no meio de uma geração desatenta.
Fico olhando alguns jovens, observando suas vidas. Seu compromisso com a igreja, com Deus e com se Reino. Estes jovens serão os futuros líderes da comunidade. A liderança da igreja estará nas mãos destes jovens que desde cedo revelam zelo, disposição, mesmo que com incoerências e fragilidades.
Fico olhando minha vida. Aos 16 anos, líder de mocidade. Aos 17 superintendente da EBD. Eu não posso nem imaginar que tragedia deveria ser... Minha esposa, aos 13 anos, presidente da mocidade, dando sua cara, assumindo liderança.
- Se você é jovem, e está seguindo a Cristo, em meio a oposição do sistema, crítica de amigos, perda de privilégios, você está identificado com Marcos. Ele saiu nu do encontro, mas sua impetuosidade e amor, não o deixaram ser apático e indiferente. seguir a Cristo era imperioso. Sua vida se tornou assim uma benção.
Talvez já com idade avançada, o velho Marcos ria ao lembrar-se de sua experiência correndo ao tentar seguir a Cristo sem medir as consequências e sendo perseguido pelos opositores de Cristo!
Certa vez um irmão procurou o Rev. Walmir Soares, grande teólogo e professor do Seminário Presbiteriano do Norte (irmão do Pr. Walvir Soares), e fez o seguinte comentário: “Pastor, ora pra mim porque sou um crentinho muito sem vergonha.” E o Rev. Walmir, com sua habitual sinceridade pernambucana afirmou: “Não existem crentes sem vergonha, existem alguns sem vergonhas que se dizem crentes.”
Lembre-se sempre:
Fé que não custa nada, não vale nada. Se sua fé não exige nada de você, nenhum sacrifício, você está seguindo um falso evangelho.
Certa vez fiz uma série de conferência na igreja sobre finanças, reino de Deus, uso do dinheiro e mordomia cristã. Uma irmã incomodada me procurou me questionando: “É pastor, sobre o sermão de hoje, queria lembrar que obediência é melhor que sacrifício.” Minha resposta é obvia: “Toda obediência envolve sacrifício.”
Estamos vivendo uma época, em que o chamado povo de Deus; está vivendo sem nenhum compromisso. Gente correndo atrás de prosperidade, de bênção, de vitória, mas poucos interessados em fazer algo para Deus e para o seu reino. Vivemos uma geração de crentes sem compromisso com Deus, com sua palavra com a verdade. Estamos vivendo e pregando um evangelho sem cruz, um evangelho sem conversão, discipulado sem custo, cristianismo sem compromisso, um evangelho sem transformação de vida, sem santificação. Parece que no desejo de ver a igreja cheia, de ver multidões nos estamos barateando o evangelho, abrindo mão de pregar a verdade.
Já é tempo de ousarmos seguir a Jesus, não deixar de fazer isto, ainda que vestindo apenas um lençol. Mas é necessário se preparar, para que não soframos vexame quando o lençol for retirado. Pra não nos sentirmos pelados e desamparados em nossa jornada de fé.
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